As normas constitucionais de Direito Agrário no Brasil e os desafios da reforma agrária após a Constituição de 1988.

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Sumário: Introdução. Histórico.  Desenvolvimento.  Os movimentos sociais. Tendências.

 

1. Introdução.

A Constituição da República Federativa do Brasil determina que a propriedade deve exercer sua função social. Ou seja, as propriedades territoriais urbanas e rurais devem ser produtivas, devem ser ocupadas e utilizadas de maneira tal que não permitam a simples especulação ou outras práticas semelhantes.

As propriedades urbanas são aquelas que se encontram dentro das cidades. Os critérios utilizados para a aferição se as propriedades urbanas estão cumprindo sua função social podem ser encontrados no Estatuto das Cidades, Lei Ordinária Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001.

Já as propriedades rurais devem ser definidas como aquelas que estão fora do perímetro urbano. Os critérios que determinam se são produtivas ou não são os .  Isto é, no caso de alguma propriedade ser considerada improdutiva e, portanto, não exercer sua função social, ela poderá ser desapropriada pelo Poder Público para fins de reforma agrária.

É de se ressaltar que o reformismo agrário é uma idéia predominante no planeta terra. Em todos os países são aplaudidas as idéias de reforma agrária.

2. Histórico.

Grécia.

Descreve Pinto Ferreira que o problema da terra já existia na sociedade clássica. A Grécia antiga foi cenário dos primeiros conflitos agrários da plebe contra os patrícios e a nobreza.[1]Com o passar do tempo, a fermentação social se agravou e as massas que lutavam contra os proprietários exterminavam seus rebanhos.

Na cidade de Esparta, destacou-se Licurgo como figura legendária da história. Foi ele que, no papel de legislador, repartiu as terras e instituiu, assim, o nascimento da revolução comunista.

Na repartição de terras, os ricos tiveram que aceitar o comunismo. As moedas de ouro e prata foram substituídas por moedas de ferro, grandes e pesadas, que impediam o uso e a expansão da economia monetária. Foi tentada a abolição do comércio e da navegação, alterou-se o cardápio para comidas comuns, além de criar-se uma nova pedagogia para a educação infantil.

Esparta tornou-se, então, um Estado comunista-militar, embora mantivesse a organização social escravagista, realidade do mundo da época.

Roma.

Roma, inicialmente, tinha como população nativa os patrícios. Estes não possuíam propriedade privada sobre as terras, visto que eram as mesmas comuns. O que tinham os patrícios para as suas famílias eram apenas um pequeno lote, jardim ou quinta.[2]

À medida que Roma cresceu, venceu guerras e tornou-se uma potência mundial, o Estado agrícola desapareceu. Com a escravidão como base da agricultura romana, desenvolveu-se o que hoje podemos entender por capitalismo, aconteceram uma série de convulsões sociais, revolta de escravos e tentativas de reforma agrária.

Inobstante isto, o regime latifundiário romano cresceu e acabou por aniquilar Roma. Como dizia Plínio: “Os latifúndios perderam a Itália”. O que ocorreu foi que a oligarquia romana, sem o apoio popular, foi vencida e não pode nem lutar contra as invasões bárbaras. A escravidão impediu o progresso do Império e, com a queda do mesmo, tornou-se simplesmente a servidão da plebe.

Idade Média.

A Idade Media também presenciou lutas sociais pela posse da terra. Os nobres e os senhores feudais tiveram que lutar contra o campesinato. Naturalmente, a represália da nobreza foi grande, matando-se milhares de mulheres e crianças.[3]

Socialismo agrário.

No século XIX importantes teóricos divulgaram as idéias socialistas também no plano agrário. Com isso, foi preparado o caminho para a vinda do marxismo e do socialismo científico.

Destaca-se o surgimento do socialismo agrário, enquadrado na estrutura geral do socialismo, que visava ao estabelecimento da agricultura socialista.

As lutas pelas mudanças na propriedade agrária foram marcantes no transcorrer da história, tendo também exercido fundamental papel na revolução socialista chinesa de 1949.[4]

China.

País de milenar tradição, terra onde surgiram e cresceram importantes filosofias fundadas no respeito ao ser humano e no humanismo, a China viu-se refém dos imperialistas do século XIX.

No século XX, a partir da revolução nacionalista de 1911, foi instalada uma filosofia política baseada nos princípios do nacionalismo, da democracia e do bem-estar. Foi o que antecedeu a revolução socialista de 1949.

Tendo sido implantado um socialismo distinto da URSS, foi a partir do campesinato que se desenvolveu o movimento revolucionário. Nas palavras de PINTO FERREIRA:

“Em 1949, Mao, com a ajuda de 100 milhões de camponeses que o apoiavam, conquistava a China para o socialismo. A lei da reforma agrária, datada de 1950, foi o símbolo da nova ordem legal que se consubstanciou, refletindo a transformação socialista na agricultura chinesa.

(…)

A luta pela reforma agrária foi assim a luta pela emancipação das massas campesinas, exploradas e saqueadas pela impiedade dos latifundiários e dos imperialistas associados na obra de rapina d China lendária”.[5]

Com o triunfo socialista de 1949, buscou o novo governo chinês a resolução dos problemas do campesinato. Com o objetivo de satisfazer as massas de campesinos, realizou reforma agrária transformando a agricultura chinesa em uma agricultura socialista.

URSS.

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, surgida a partir da Rússia tzarista, buscou uma radical transformação do país, antes um local agrário semifeudal que explorava o campesinato, tendo os grandes proprietários a soberania legal, com grande parte da propriedade territorial concentrada nas mãos do Tzar e de sua família, dos mosteiros, dos kulaks (camponeses ricos) e dos latifundiários.

Com a vitória da revolução de 1917, as grandes propriedades foram confiscadas dos seus proprietários, nobres e senhores feudais. Confiscadas sem nenhuma indenização. Todo isto com o objetivo de se construir o regime cooperativista.

Após o confisco das terras, houve sua nacionalização. As terras outrora particulares tornaram-se públicas.

A solução do seu regime agrário  foi a instalação da agricultura socialista. Destaca-se, assim, a criação das fazendas coletivas – kolkhoz – e das fazendas estatais – sovkhoz.

Pinto Ferreira define, a partir de Ostrovitianov:

O kolkhoz é um agrupamento voluntário de camponeses para a produção cooperativa, baseada na propriedade social sobre os meios de produção  e no trabalho coletivo, que exclui a exploração do homem pelo homem”.

Já os sovkhozes eram grandes empresas agrícolas do Estado organizadas sobre terras públicas livres ou confiscadas. Surgiram a partir de 1918, mas só se desenvolveram posteriormente.Eram comparados às fábricas, sendo seus operários do Estado, seu dirigente nomeado pelo Estado, além de possuírem seus próprios tratores e máquinas. [6]

Democracias Populares

Criadas militarmente pela poderosa União Soviética, após a segunda guerra mundial, na Europa oriental e com um regime socialista totalitário, as democracias populares possuíam três tipos de propriedade sobre a terra: a propriedade do Estado, a cooperativa e a individual. Não houve nacionalização total da terra, como na URSS.

Desapareceram no início da década de 1990.[7]

Cuba.

A revolução socialista cubana teve como principal suporte a massa campesina.

Vitoriosa a revolução, estabeleceu-se a Lei de Reforma Agrária, em 17 de maio de 1959.[8]

América Latina.

Procurou-se enfrentar a questão em diversos países. Não sem demora, entretanto, tal postura resultou posicionamentos radicais e emocionados a respeito do tema, o que, por si só, prejudicou a busca de uma desejável objetividade científica.

Dois grandes grupos são apontados: a) reformas radicalistas – México, Guatemala, Bolívia e Cuba; b) reformas moderadas – Venezuela, Costa Rica, Colômbia, Panamá, Honduras, Chile e Nicarágua.

O que deve ser observado, no entanto, é que em todas elas foi dada preferência aos minifúndios. Talvez por esta razão, as reformas agrárias não lograram o êxito necessário, ou seja, a simples divisão de terras não foi suficiente para evitar a falência das reformas.

Europa e América do Norte.

Ocorreu aumento da produtividade por meio de melhores técnicas e melhor ampliação do espaço utilizado pela agricultura. Foram observadas aqui a ciência e a tecnologia como anteparos a reformas agrárias consistentes e úteis.[9]

Brasil.

Após ser descoberto em 1500 pelos portugueses, somente por volta de trinta anos mais tarde é que o Brasil foi povoado pelos europeus colonizadores. A forma utilizada foi a doação de sesmarias, ou seja, divisões territoriais que ficavam por dos sesmeiros escolhidos pelo Rei de Portugal para ocupar o país recém descoberto, organizar a sua vida, suas instituições e, principalmente, encontrar e explorar as riquezas naturais aqui abundantes.

As sesmarias eram lotes de terras incultas ou abandonadas cedidas pelos reis de Portugal a pessoas que quisessem cultiva-las.[10]

Pinto Ferreira explica que foi a partir dessa realidade que, com o passar dos séculos, criou-se no Brasil um sistema de distribuição de terras injusto e que favorece o latifúndio.

Desenvolvimento.

As terras brasileiras pertenciam todas aos índios. No entanto, houve uma longa evolução que foi assim apontada: a) sesmarias; b) posses; c) lei das terras; d) republicana.[11]

A lei nº 601, de 1850, tinha como objetivo principal o demarcar a terra que se encontrava no domínio ou na posse de particulares, para, assim, por exclusão, descobrir-se o que era de domínio público.[12] Buscava-se, desta forma, disciplinar e regularizar a situação das sesmarias, posses e ocupações.

Já em 1964, com a criação do Estatuto da Terra, fixou-se os princípios e definições do direito agrário, tratando-se o seguinte: reforma agrária, fundiária e agrícola; zoneamento e cadastro dos imóveis rurais; política de desenvolvimento rural; colonização; contratos agrários de arrendamento rural e parceria; uso da terra pública, usucapião especial; cooperativismo.

O problema agrário é de importância fundamental para o país. Se levarmos em conta a pobreza gigantesca das pessoas que vivem nos campos, podemos entender a comparação estabelecida por Pinto Ferreira entre os movimentos de reforma agrária e abolicionista.

Latifúndio significa uma grande área de terra. O Brasil é, segundo Pinto Ferreira, o país do latifúndio. Foi e é. Dados de 1920, 1930, 1940, em diante apontam sempre esta realidade.

O problema agrário no Brasil tem importância fundamental. Ele há de ser enfrentado imediatamente.

Os movimentos sociais.

O grande movimento que contesta a realidade atual de concentração latifundiária no Brasil é o MST. O movimento dos sem terra é tema de notícias diárias na imprensa nacional e mundial, assunto de calorosas discussões e fonte de muita controvérsia.

Já é possível ver, como em Mato Grosso, a presença de diferentes movimentos sociais que anseiam a terra, mas, não exatamente pertencem ao MST.

No momento em que governantes lançam campanhas contra a fome, ou ainda, declaram que o seu governo tem como meta dar a cada brasileiro três refeições diárias, o grave problema da fome deve ser encarado e enfrentado com políticas perenes e duradouras.

Tendências.

São apontadas três opções para a reforma agrária, quais sejam: o assistencialismo agrário, o radicalismo agrário e o método de reforma agrária gradualista.[13]

Por assistencialismo agrário, a simples divisão da terra não é a solução. No entanto, assume-se que é necessária uma completa reorganização da agricultura nacional para aumentar sua produtividade. Outra exigência dificilmente realizável em face da realidade atual é a carência de diferentes técnicos de toda a espécie como agrônomos, veterinários, zootecnistas, etc. Afinal, como fazer reforma agrária sem os técnicos necessários?

Já o radicalismo agrário entende que a simples posse da terra é o eixo do problema. Aqui o essencial é a simples distribuição imediata de terras ao campesinato.

A reforma agrária gradualista visa a permitir a união da tradição com o progresso no planejamento da reforma agrária. Aqui há de ser feita uma reforma agrária cientificamente planejada que permita a melhor distribuição de terras e o aumento de produtividade por meio da técnica e da ciência.

Um outro caminho para a mudança da estrutura agrária brasileira é o aproveitamento das terras públicas.

Notas
[1] PINTO FERREIRA, Curso de Direito Agrário, SP: Saraiva, 1994, Pp.35-43.
[2] PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant, pp. 44-47.
[3] PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant, pp. 49-51.
[4] PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant, pp. 53-54.
[5] PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant, pp. 74 -76.
[6] OSTROVITIANOV apud PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant. pp. 59-61.
[7] PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant. P.92.
[8] PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant. P.94.
[9] Op. Cit. Ant. Pp.95-96.
[10] PINTO FERREIRA Op. Cit.Ant P.107.
[11] FONSECA, José Eduardo (RF, 38:267) apud PINTO FERREIRA Op. Cit.Ant P.105.
[12] PINTO FERREIRA Op. Cit.Ant Pp.105-106.
[13] PINTO FERREIRA, Op. Cit. Ant. Pp. 129-130.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Francisco Mafra.

 

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.

 


 

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