Constitucionalismo ambiental, paradoxo e crise ante as incertezas e os riscos gerados pelo desenvolvimento tecnológico

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Resumo: O artigo trata do princípio da precaução, apresentando paradigmas para sua conformação no ordenamento jurídico brasileiro, e alguns paradoxos que trazem complexidade à sua operacionalização prática. Sem negar a existência do princípio nem rejeitar seu valor dentro do ordenamento, busca-se parâmetros para tornar pautar sua conformação sistêmica, levando em conta não só valores ambientais, mas também também axiomas econômicos, culturais e sociais.


Palavras-chave: Precaução, Paradoxos, Ordenamento Jurídico Brasileiro.


Abstract: The article deals with the precautionary principle, with the paradigms for their conformation in the Brazilian legal order, and some paradoxes that bring complexity to its practical use. Without denying the existence of the principle and reject their value within the legal order, seeks to guide their parameters to make systemic conformation, taking into account not only environmental values, but also economic, cultural and social axioms.


Keywords: Precaution, Paradoxes, Brasilian Legal Order.


INTRODUÇÃO


A modernidade apresentou à humanidade novas formas de lidar com a produção de riquezas, sobretudo a partir da revolução industrial, trazendo consigo novas relações sociais, culturais, jurídicas e econômicas. Nunca na história se produziram tantos bens, dando ao homem uma quantidade enorme de opções para escolher, em várias faixas de preço e em diferentes graus de necessidade. O problema ambiental surge a partir do momento que o homem se dá conta de que vivencia um sistema de produção de riquezas que é linear, e que seus hábitos de consumo são lineares, mas que ao mesmo tempo vive em um planeta onde os recursos são esgotáveis e que não pode absorver todo o impacto gerado pela espécie humana, nos padrões atuais. Simultaneamente, a sociedade se estruturou sob um modelo econômico que depende do desenvolvimento contínuo para gerar recursos e propiciar condições mínimas de sobrevivência para uma volumosa população, dando o tom dramático à relação complexa entre necessidades econômicas e preservação da vida. O próprio sistema econômico que acelera a degradação ambiental é a base das relações materiais que propiciam as relações sociais, políticas e intelectuais da vida em geral. Não se pode alterar substantivamente as relações de produção que se estabelecem dentro deste sistema, sem que se interfira na dinâmica do próprio sistema, o que se mostra uma tarefa delicada, pois a satisfação de necessidades materiais básicas de grande parte da população, sobretudo no ocidente, está atrelada à dinâmica deste modo de produção de riquezas.


A ciência, que no discurso da modernidade levantava a bandeira de que chegaria uma época em que a humanidade dominaria todo o conhecimento à sua volta através da razão, revelou-se na pós-modernidade como a maior geradora de novas incertezas – incertezas estas que surgem a cada novo passo do desenvolvimento das técnicas científicas. Longe do conhecimento seguro baseado nos ideais progressistas da modernidade científica, o que se presencia é o desenvolvimento empresarial de tecnologias que em muitos casos geram maiores incertezas do que benefícios, com o objetivo de manter-se a inovação e a competitividade em um mercado desigual e globalizado.


Contudo, ao direito não é permitido aguardar até que a ciência produza conhecimentos suficientes para embasar decisões judiciais; pelo contrário, deve responder à provocação jurisdicional com os conhecimentos de que dispõe, no momento em que for provocado. Ao operador do direito cabe o papel de encontrar a melhor maneira de decidir sobre este complexo conflito de interesses, em que os parâmetros técnicos nem sempre se apresentam sólidos o suficiente para embasar a decisão, pois só lhe é revelado o conhecimento científico que os laboratórios de pesquisa julgam pertinente tornar público. A decisão jurídica conta apenas com os parâmetros de certeza que os detentores do conhecimento científico julgaram pertinente publicar  – havendo uma espécie de decisão privada sobre os elementos técnicos que o poder público contará para concretizar sua decisão (ESTEVE PARDO, 2009, p. 59). A partir desta percepção sobre os riscos que o desenvolvimento desordenado impõe à humanidade, o paradigma ambiental ganha relevância no discurso jurídico. Conforme LORENZETTI, trata-se de um paradigma em processo de maturação, mas que talvez represente a mais profunda transformação produzida nos últimos anos no sistema jurídico, visto que não suscita uma mutação somente disciplinar, mas epistemológica (2009, p. 340), operando como metavalor capaz de impor limites aos direitos individuais, tradicionalmente estruturados sob um enfoque bilateral, e estabelecendo um enfoque coletivo, apto a lidar com causalidades complexas. Neste contexto marcado pelas incertezas desmanchando o discurso da segurança científica, e ante a impossibilidade do operador do direito em se recusar a aplicar a norma enquanto não surgirem parâmetros técnicos mais adequados, demonstra-se salutar compreender os paradigmas relacionados ao axioma jurídico da precaução, sobretudo em relação às ferramentas jurídicas que o concretizador do direito possui às mãos para aplicar uma interpretação apta a considerar os diversos interesses envolvidos na concessão ou não de tutela inibitória com base no princípio da precaução – seja para preservar interesses individuais, coletivos ou difusos. Neste esteio, o princípio da precaução pode ser considerado como a “essência do direito ambiental” (DERANI, 2008, p.149), com o intuito de promover um novo paradigma de proteção da sociedade contra os riscos ainda incomuns e incertos causados pelas novas descobertas científicas, colocando em causa os verdadeiros propósitos do conhecimento tecnocientífico.


1.O princípio da precaução e o ordenamento jurídico.


Ante a necessidade objetiva de encontrar caminhos para lidar com a complexa relação entre a humanidade e ambiente, especialmente com relação às incertezas que o desenvolvimento desordenado adiciona ao debate, a temática ambiental ganha destaque na agenda global em busca de mecanismos aptos a minimizar danos, com influência direta no ordenamento jurídico de diversos países. No Brasil, o artigo 225 da Constituição Federal, que integra o Capítulo VI, reserva atenção específica ao tratamento do meio ambiente, estabelecendo que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Além deste capítulo específico, a Constituição refere-se ao meio ambiente em outras vinte e três oportunidades, estabelecendo sua preservação para as presentes e futuras gerações, e atribuindo legitimidade para coibir atos lesivos a uma série de agentes. Neste tratamento constitucional, a defesa do meio ambiente é positivada como função institucional do Ministério Público[1], e estendida na forma de legitimidade postulatória a qualquer cidadão, através de ação popular[2]. A preocupação com o meio ambiente é posta também no capítulo relativo à ordem econômica, em especial no artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal. Interessante notar que, originalmente, o texto do citado inciso VI referia-se somente à “defesa do meio ambiente”, tendo sua redação alterada por força da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003 para “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”. Esta alteração estabelece um parâmetro mais abrangente de atuação por parte do Poder Público, atribuindo-lhe a possibilidade de diferenciar atividades econômicas de acordo com seu potencial ofensivo ao meio ambiente, não só em relação a seus produtos e serviços já disponibilizados em mercado, mas também em relação aos seus processos de elaboração e prestação. Tomado em conjunto, embora não haja uma referência textual ao princípio da precaução, o ordenamento constitucional brasileiro demonstra evidente preocupação com a preservação dos recursos ambientais, defendendo-o e preservando-o em favor das gerações presentes e futuras.


Em relação à legislação infraconstitucional, além do Decreto  2.519, de 16 de março de 1998, que promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica no direito brasileiro (e com ela o princípio da precaução), podem ser encontradas referências ao princípio da precaução em diversos pontos do ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 27 do Código Florestal (Lei 4.771/1965), determina que o Poder Público estabeleça normas de precaução em relação ao emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais; o referido artigo foi regulamentado pelo Decreto 2.661/1998, que fixa proibições e margens de segurança aceitáveis para a prática do que pode ser considerado como queima controlada. A Lei 9.605/1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, impõe pena de reclusão, de um a cinco anos, para aquele que deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível. O Decreto 4.296/2002, que estabelece critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil (regulamentando o art. 9º, inciso II, da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938/1981), também fixa o axioma de precaução entre seus princípios. O Decreto 5.300/2004, que dispõe sobre regras de uso e ocupação da zona costeira, em seu artigo 5º, inciso X, faz menção textual ao “princípio da precaução tal como definido na Agenda 21”, evidenciando que o legislador nacional refere-se reiteradamente ao debate global sobre o tema. A Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), em seu artigo 1º faz menção expressa ao dever de observância do princípio da precaução entre suas diretrizes. O Decreto 5.591/2005, ao regulamenta dispositivos da Lei de Biossegurança, reafirma o dever de observância ao princípio da precaução. A Lei 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, também estabelece, no parágrafo único de seu artigo 6º, a observância ao princípio da precaução. O Decreto 6.514/2008, em seu artigo 62, inciso VII, estabelece multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) para quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução ou contenção em caso de risco ou de dano ambiental grave ou irreversível. Estas são apenas algumas referências, a título exemplificativo, que demonstram a recorrência do princípio da precaução em diversos registros do ordenamento jurídico brasileiro, bem como do debate internacional sobre o tema. Naturalmente, não se pretendeu aqui uma análise exaustiva da incidência de referências ao princípio da precaução no ordenamento jurídico ou mesmo do debate internacional, até porque não é esse o objetivo deste espaço. Contudo, as múltiplas referências encontradas bastam para evidenciar a necessidade de compreensão de tal instituto, e de como o princípio da precaução pode ser concretizado no plano operacional do direito.


Da legislação supracitada, extrai-se a importância do Poder Público no papel de mediador do princípio da precaução em relação à sociedade, conferindo-lhe efetividade dentro de um modelo de desenvolvimento apto a promover o uso sustentável dos recursos. Conforme visto, o artigo 27 do Código Florestal ressalta o papel dos poderes legislativo e do executivo no estabelecimento de normas com parâmetros de precaução para o uso de fogo, tarefa realizada efetivada pelo Decreto 2.661/1998, que estabelece os parâmetros objetivos. Mas em diversos outros pontos da legislação, o princípio figura de modo abstrato, sem que os parâmetros sejam objetivamente fixados por textos legais – até porque seria impossível que o legislador positivasse absolutamente toda matéria apta a ser abrangida pelo princípio da precaução. Alia-se a este fato o próprio caráter de incerteza ante os danos graves e de difícil reparação a que o princípio da precaução visa combater. Esta indeterminação enseja a possibilidade de que, ante a demora dos demais poderes, o judiciário seja provocado para que se posicione sobre o tema em relação a casos concretos – o que significa que os juízes terão de decidir, sem poder contar com parâmetros técnicos precisos, entre proteger a coletividade de um risco incerto e não-quantificável ou manter em funcionamento uma atividade econômica potencialmente nociva.


A possibilidade de aplicabilidade concreta do princípio da precaução por parte do judiciário é uma realidade que inclusive figura entre julgados do Superior Tribunal de Justiça que, a partir de uma interpretação do artigo 6º da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), do artigo 21 da lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) e do artigo 927 do Código Civil (Lei 10.406/2002), conjugado ao princípio da precaução, vem decidindo sobre a inversão do ônus da prova em matéria ambiental, transferindo ao empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus processual de demonstrar a segurança do empreendimento. Neste sentido, a título exemplificativo, recomenda-se a análise dos seguintes julgados: RESP nº 1.060.753 – SP e 972.902 – RS, ambos de relatoria da min. Eliana Calmon; RESP nº 933.079 – SC, de relatoria do min. Herman Benjamin; RESP 1.049.822 – RS, de relatoria do min. Francisco Falcão. Em comum, estas decisões apontam para uma mudança na presunção de licitude das atividades para um modelo de presunção da ilicitude: cabe ao empreendedor demonstrar que seu empreendimento não é lesivo ao meio ambiente – modelo evidenciado pela inversão do ônus da prova. Ainda assim, admitida a possibilidade de aplicação do princípio da precaução em âmbito judicial e levando-se em conta a configuração diversificada das incertezas com que o princípio da precaução é defrontado em cada caso concreto, é inevitável que o operador do direito seja chamado a lidar com o custo x benefício que as decisões judiciais tragam à coletividade, evidenciando-se a necessidade de lidar também com uma perspectiva consequencialista dos efeitos da decisão no mundo concreto.


Esta perspectiva demonstra que o modelo de tutela jurisdicional do princípio da precaução, caso pretenda-se apto a concretizar um paradigma protetivo em relação à coletividade, necessita não só de ferramentas sólidas para impedir a ocorrência de riscos intoleráveis, como também de mecanismos aptos a propiciar um juízo de ponderabilidade sobre estes riscos em relação ao modo de produção vigente. Em outras palavras, de nada adiantaria a inversão do ônus probatório se o juízo não possuísse meios de impedir a continuidade da atividade potencialmente lesiva antes que o agente efetivamente produzisse tais provas; da mesma maneira, a imposição de uma medida inibitória deve ser racionalizada de modo a evitar temeridades, subvertendo o sentido de preservação da qualidade de vida das pessoas – sobretudo ao não levar em conta as necessidades econômicas reais que integram a noção de qualidade de vida.


2.Princípio da precaução, função social e paradoxos práticos.


Conjecturando-se sobre as possibilidades práticas de aplicação do princípio da precaução, o operador do direito será confrontado com casos complexos e precisará decidir, mesmo sem poder contar com parâmetros técnicos precisos, entre proteger a coletividade de um risco incerto e não-quantificável ou manter em funcionamento uma atividade econômica supostamente nociva, mas que gere determinados benefícios sociais. Se o agente econômico não for capaz de produzir provas com bases científicas de que sua atividade não representa riscos, esta presunção de ilicitude é suficiente, por si só, para coibir preventivamente a atividade? Seria do interesse social que uma atividade produtiva que envolva interesses econômicos de diversas camadas sociais seja inibida ante a possibilidade de que um dano irreversível hipoteticamente ocorra, independentemente de outras considerações? E quando o modelo probabilístico não é suficiente para definir qual tipo de risco a humanidade está sendo submetida, quais parâmetros podem ser utilizados? Nesta hipótese, parece inevitável que o operador do direito seja instado a lidar não só com a subsunção da norma de precaução ao caso concreto, mas também com uma análise consequencialista dos efeitos da decisão no caso concreto, e seus reais efeitos sobre a coletividade. Para lidar com a complexidade desta questão é de extrema importância ventilar a ideia do que pode ser entendido como a função social do princípio da precaução, para os fins propostos por este artigo, e como esta função social se relaciona com o perigo da ocorrência de um dano grave ou irreversível.


Ante o alcance do dano ambiental, focável do plano individual ao coletivo, perceptível em relação à comunidade local, e podendo até mesmo transcender a uma esfera difusa, não individualizável, e que atinge à coletividade como um todo, demonstra-se necessária uma mudança de paradigmas, proporcionando uma estrutura jurídica material e formal apta a lidar com bens não individualizáveis e de difícil reparação. De acordo com MORATO LEITE, os valores atingidos pelo dano ambiental ultrapassam o âmbito patrimonial, podendo atingir valores morais (extrapatrimoniais) que, por sua própria natureza, dificilmente serão reparados à contento pela ótica de reparações financeiras (2003, p. 265). Em que pese a crescente motivação das empresas na promoção de sua visão pública através do chamado ‘marketing verde’, e de uma política de gestão de ‘stakeholders’, o tratamento jurídico da questão do dano ambiental e da compulsoriedade de condutas aptas a evitá-lo ainda se fazem necessárias. Até mesmo porque o próprio interesse crescente na área do marketing no tema ‘sustentabilidade’, ressalvadas as diferenças de enfoque, indica para o campo do direito as próprias expectativas da esfera pública por um paradigma que absorva o tema ‘sustentabilidade’ como axioma geral, sobretudo jurídico. Não se deve, porém, cair na tentação de limitar a proteção ao meio ambiente às ações voluntariosas do ‘marketing verde’, que apesar de ser ‘verde’, continua sendo predominantemente ‘marketing’ – e por isso mesmo racionalizado a partir de uma perspectiva primariamente lucrativista.


Partindo de uma concepção que visava determinar o modo de atuar das instâncias administrativas, o princípio da precaução passou a ser idealizado para operar e decidir por si mesmo, convertendo-se em elemento de decisão (ESTEVE PARDO, 2009, p. 143). De acordo com esta concepção do princípio da precaução, o empreendedor não pode se respaldar na ausência de conclusões científicas para justificar a utilização de produto ou procedimento potencialmente lesivo – cabe-lhe o ônus de provar que não há riscos ao meio ambiente e à coletividade. O princípio da precaução determina como valor uma postura proativa a fim de eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente, antes mesmo que seja estabelecido um nexo causal entre o dano e uma evidência científica absoluta de sua causalidade (MORATO LEITE, 2003, p. 47). Conforme DERANI, o princípio da precaução trata de uma prevenção contra a suspeição de perigo, ou ao menos a garantia de uma suficiente margem de segurança em relação à linha de perigo, exigindo com isto uma necessária modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica, impondo ações políticas básicas por parte do governo, como a implementação de pesquisas no campo ambiental, melhoramento e desenvolvimento de tecnologias, entre outras ações (2008, p. 151). A base da precaução não é o risco, mas sim o cuidado; há a necessidade de esclarecer-se a razão final do que se produz. Considerar a real necessidade de desenvolvimento de determinada atividade colocar-se-ia no início da prática do princípio da precaução. Trata-se de uma necessidade objetiva, que pode opor-se à subjetividade da necessidade criada pelo mercado – os desejos e a criatividade humana são infinitos, mas o ambiente e os recursos naturais são finitos. Deve-se buscar a melhora da qualidade de vida, e não sua prejudicialidade; este critério deve operar especialmente sobre a apropriação dos recursos naturais, o trânsito de produtos, e as emissões industriais (DERANI, 2008, p.153).


Sem discordar da importância do instituto, mas levando a análise por outro sentido, MILARÉ chama a atenção para a existência de questionamentos tanto quanto à forma e aos limites da aplicação do princípio da precaução, como quanto à sua pertinência, carecendo de uma definição clara e universalmente aceita, e ressalta ainda a importância de que tal princípio seja analisado com parcimônia, a fim de evitar que interesses diversos se disfarcem sob o manto de precaução, utilizando o princípio como forma de manipular a opinião pública em situações onde não há risco real (2006, p.11). Segundo MILARÉ, “a invocação do princípio da precaução deve ocorrer quando a informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta e haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o meio ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível de proteção escolhido” (2006, p.22). Isto porque a manipulação do caráter de incerteza pode servir a interesses alheios à proteção da coletividade e ao meio ambiente, acrescentando mais elementos a esta relação complexa. A ideia de que há necessidade de indícios de que os efeitos da atividade possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com um nível de proteção escolhido revela dois pontos importantes: a impossibilidade de se lidar com toda e qualquer hipótese de riscos (o que tornaria a atividade jurisdicional imprevisível, ante a falta de critérios objetivos) e a noção de que há um nível de proteção escolhido (naturalmente, escolhido pela coletividade, a partir de seu próprio comportamento dentro de uma esfera pública pluralista por essência).  A suspeita sobre os riscos precisa de um mínimo de fundamento racional acerca de sua potencialidade – afinal o juiz não pode ser instado a decidir a partir de seus próprios palpites sobre matérias que não fazem parte de sua formação.


Conforme DUPUY (2007), um paradoxo relativo ao princípio da precaução pode ser percebido em sua própria formulação internacional: a ideia de que “a ausência de certezas, dado o estado atual do conhecimento científico e tecnológico, não deve atrasar a adoção de medidas eficazes e proporcionadas as medidas preventivas destinadas a prevenir o risco de grave e danos irreversíveis ao meio ambiente a um custo economicamente aceitável” divide-se entre a lógica do cálculo econômico, baseada na mensurabilidade dos custos, e o contexto de tomada de decisões que coloca ênfase sobre o estado incerto do conhecimento e da gravidade e da irreversibilidade do dano. Isto implica o enfrentamento da noção de que, se a incerteza prevalece, qual seria o coeficiente para estabelecer uma medida proporcional para evitar um dano que é desconhecido, e do qual não se pode mensurar a gravidade ou reversibilidade de seus efeitos hipotéticos – e sobretudo qual seria a medida objetiva do custo x benefício de possíveis ações preventivas ante catástrofes hipotéticas. Neste sentido, DUPUY chama a atenção para três paradoxos fundamentais pelos quais os limites de aplicação prática da noção de precaução permanece uma incógnita. O primeiro refere-se à ideia de que a noção de precaução não traz parâmetros para avaliar adequadamente o tipo de incerteza com que somos confrontados no presente, pois as incertezas que evoca só possuem verificabilidade futura: ao tentar antecipar eventos hipotéticos para os quais não existem dados suficientes, a noção de precaução remete a suposições sobre um futuro abstratamente concebido – e epistemologicamente inatingível. Assim, nos casos em que a incerteza é tal que implica que a incerteza em si é incerta, é impossível saber se as condições para a aplicação do princípio da precaução foram ou não cumpridas. Um segundo paradoxo sobre a ideia de precaução é que, por ser incapaz de afastar-se da normatividade própria do cálculo de probabilidades, o princípio não consegue captar o que constitui a essência da normatividade ética sobre a escolha em situação de incerteza. A humanidade considerada como um sujeito coletivo fez uma opção no desenvolvimento de suas capacidades potenciais, a partir de um modelo de produção que gera incerteza sobre suas consequências sobre o ambiente. Pode ser que a sua escolha vá levar a grandes catástrofes, assim como pode ser que a humanidade encontrará os meios para evitá-las, contorná-las, ou para passar por elas. Ninguém pode dizer que forma irá acontecer, pois o julgamento só pode ser retroativo. Isso faz com que a escolha de um modelo de desenvolvimento em detrimento de outro corresponda à concepções morais sobre uma vida digna de ser vivida, e sobretudo aos modos de atingir a este padrão de qualidade de vida – o que gera desloca o campo de incerteza para outros campos de conhecimento, sem que se possa ter certeza sobre a eficácia das medidas adotadas em nome de uma concepção de precaução. O terceiro paradoxo é que, colocando a ênfase na incerteza científica, ignora-se totalmente a natureza do obstáculo que nos impede de agir em face de uma catástrofe. O obstáculo não é a incerteza científica, o obstáculo é a impossibilidade de acreditar que o pior vai acontecer – pois se um agente é capaz de evitar uma catástrofe, é preciso acreditar na sua capacidade de evitá-la antes que ela ocorra. Se, por outro lado, um agente for bem-sucedido em impedir uma catástrofe hipotética, a realização prática desta catástrofe se mantém na esfera do impossível, e como resultado, os esforços de precaução parecerão inúteis, em retrospecto. Isto implica que a eficiência de uma medida de precaução carece de verificabilidade prática, visto que seus efeitos incertos só seriam percebidos caso o risco se concretizasse – fazendo que medidas de precaução sejam adotadas sem que seus resultados possam ser verificados na prática. Impossível ignorar o tom de esquizofrenia a que o concretizador da norma pode ser conduzido, caso opte por um modelo rigorosamente fiel ao enunciado internacional (e absorvido pelo ordenamento brasileiro) do princípio da precaução. De acordo com MORATO LEITE, a maior crítica à efetiva implementação do princípio da precaução talvez esteja na “dificuldade de precisar o seu exato conteúdo, tendo, na verdade, sido mais invocado do que colocado em prática” (2003, p. 49).


ESTEVE PARDO diferencia os pressupostos para a aplicação do princípio da precaução de acordo com as incertezas enfrentadas: originárias ou sobrevindas. Como pressuposto geral, tem-se a constatação de uma situação de incerteza científica com risco potencial para a saúde ou o meio ambiente (2009, p. 143). Incerteza originária seria aquela que ocorre quando não se conhecem com a necessária certeza aspectos científicos relevantes de uma atividade, produto ou instalação. O risco deriva da introdução de um novo produto, aplicação de uma nova técnica, um novo fármaco, a liberação de um organismo geneticamente modificado no meio ambiente, etc; já a incerteza sobrevinda é produzida exclusivamente pelos avanços do conhecimento científico, permitindo conhecer riscos para a saúde ou para o meio ambiente que até então eram considerados inócuos: o produto já existia anteriormente, mas os avanços do conhecimento científico tornaram possíveis a identificação dos riscos (2009, p.144). De todo modo, havendo uma suspeita racionalmente fundamentada de risco, a incerteza não exonera a empresa de responsabilidades; pelo contrário, reforça o dever de prudência – inclusive imputando-lhe o ônus da prova sobre os riscos que envolvem a atividade, em consonância com o princípio ‘in dubio pro ambiente’ (HAMMERSCHMIDT, 2003, p. 149).


De acordo com  ESTEVE PARDO, as variadas medidas que podem ser tomadas com base no princípio da precaução são em essência medidas de exceção ao regime jurídico vigente, visto que muitas vezes se volta contra um produto que cumpriu a todas as exigências legais de praxe, mas que em determinado momento não foi capaz de esclarecer a todas as dúvidas suscitadas (2009, p. 145). A drasticidade da medida sugere que sua aplicação só poderá ocorrer quando houver um risco eminente para a vida humana. Desta forma, a função social do princípio da precaução pode ser identificada com a necessidade de gerar um nível de proteção adequado a manter um padrão mínimo de qualidade de vida para a espécie humana, salvaguardando recursos vitais sempre que houver perigo da ocorrência de um dano grave ou irreversível, sendo que a ausência de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes, a fim de impedir a potencial degradação ambiental. O objetivo é o de evitar um dano grave e irreversível para o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico: a vida humana. Deste modelo, retira-se não só a ideia de que “o direito ambiental é um direito de abstenção compartilhada da coletividade e do Estado de ações que venham a provocar o dano relevante ao meio ambiente” (MORATO LEITE, 2003, p. 51), mas também de que, se o objetivo é justamente o de evitar o dano à coletividade, a medida adotada com base no princípio da precaução deve atender a um standard de proporcionalidade, de modo que a medida inibitória não cause mais danos do que os riscos a que se pretende evitar.


HAMMERSCHMIDT afirma o princípio da proporcionalidade como modelo de ponderação sobre os custos e benefícios da poluição e sua redução (2003, p. 151; neste sentido também ESTEVE PARDO, p. 146). Não há como trabalhar com a pretensão de um ‘risco zero’ dentro da atividade humana, impondo a todas as orientações decisórias o caminho do ‘não fazer’ – há que se trabalhar com um certo grau de proporcionalidade, na busca pelo interesse coletivo predominante dentro do embate travado no seio da esfera pública. O racionalismo científico mostrou-se incapaz de aumentar seu poder de previsibilidade na mesma proporção que aumentou seu poder criativo – e é a esta criatividade exacerbada que o princípio da precaução pretende controlar, em uma relação de abstenção compartilhada por toda a coletividade em prol de uma menor exposição aos riscos e incertezas que o desenvolvimento tecnocientífico gera a cada instante, em uma busca inconsequente por resultados econômicos. Trata-se, objetivamente, de uma limitação que os interesses da coletividade põem aos interesses privados, no sentido da preservação de uma qualidade de vida digna. De acordo com DERANI (2008), “a realização do princípio da precaução envolve primeiramente a verificação da constitucionalidade das justificativas dos objetivos da realização de determinado empreendimento antes mesmo de se examinar a relação objetivo-risco, como forma de analisar seu potencial poluidor” (2008, p. 154).


Assim, a problemática da tutela ambiental se revela mais ampla do que a defesa incondicional do meio ambiente; trata-se, antes de mais nada, de uma relação complexa entre diversos valores sociais, espalhados em vários campos autônomos de conhecimento científico. O problema ambiental não é um problema do meio ambiente, mas um problema humano, gerado pela opção por um modelo de produção, desenvolvimento e consumo construídos a partir de suas próprias relações sociais. Ante tal perspectiva, a concretização do direito deve ser feita não a partir da estrutura interna de suas sequências; pelo contrário, o trabalho jurídico deve ser abordado “a partir de seu contexto social, a partir de sua relação com outras tarefas, causadas e formuladas pelo convívio social” (MULLER, 2007, p. 202). Questiona-se, no processo de concretização do princípio da precaução, a necessidade coletiva do novo empreendimento que apresenta um potencial de risco novo e indefinido, cuja incerteza abrange a possibilidade de se causar um dano relevante à qualidade de vida humana. Como componente desta relação de conflito, está não só o direito a um ambiente equilibrado; está também o direito ao desenvolvimento econômico, o acesso à renda, ao trabalho, e sobretudo à promoção de condições de vida que se tenha . Assim, a gravidade e a irreversibilidade do dano são os parâmetros a serem proporcionalizados com os efeitos econômicos, culturais e sociais da proibição. O concretizador da norma se depara com um julgamento sobre a necessidade da sociedade em assumir um risco coletivo provocado por interesses desenvolvimentistas; analisa assim a justificativa para a realização do empreendimento e as necessidades da coletividade, buscando nesta relação os parâmetros para interpretar o caso concreto.


CONCLUSÕES ARTICULADAS.


Desta maneira, a possibilidade de aplicação do princípios da precaução não pode ser concebida como regra absoluta, levando-se em conta o caráter complexo da questão. Há um entrelaçamento entre diversas questões, diversos interesses, e diversas necessidades: enquanto alguns grupos tem interesse em comercializar imediatamente as tecnologias desenvolvidas, outros grupos podem sentir necessidade de que tais inovações passem por um padrão de segurança mais rigoroso. A motivação de tais interesses é algo intangível pelo operador do direito. Ante a complexa crise da pós-modernidade, o interesse coletivo pode estar tanto no desenvolvimento de novas tecnologias quanto em um padrão maior de precaução, tudo depende das perspectivas oferecidas pelo caso concreto. A imponderabilidade de algumas situações faz com que decisões sobre situações de incerteza sejam arbitradas a partir de um juízo moral de ponderabilidade, e o resultado prático de tais decisões contribua para difundir novas incertezas a outros campos de conhecimento – trazendo ao operador do direito a necessidade de parâmetros mínimos para que uma hipótese de risco seja considerada racionalmente válida e verificável.


A função social do dever de precaução identifica-se com a necessidade de gerar um nível de proteção adequado a manter um padrão mínimo de qualidade de vida para a espécie humana, salvaguardando recursos vitais sempre que houver perigo da ocorrência de um dano grave ou irreversível, sendo que a ausência de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes, a fim de impedir a potencial degradação ambiental. A ideia de proporcionalidade fornece elementos para confrontar os riscos a que se pretende evitar com os resultados das medidas destinadas a este fim: as medidas adotadas em nome da precaução não podem ser mais gravosas do que o dano potencial a que se pretende evitar, sob pena de desvirtuar sua função. Tais características reforçam o dever de prudência do operador do direito ante o caso concreto, de modo a adequar necessidades e resultados. O dever de precaução, para ser concretizado enquanto norma, precisa estar invariavelmente articulado a uma preservação da qualidade de vida humana – sua proposição no mundo jurídico está articulada por este paradigma, e é dele indissociável. Este paradigmas de preservação deve ser confrontado com os paradoxos de sua aplicação prática, Qualquer reivindicação por precaução que esteja além deste modelo teórico terá muito mais eficiência se for tratada no plano social, como conflito entre interesses de grupos reivindicando medidas divergentes, dentro de uma sociedade tipicamente pluralista.


 


Referências 

CAFFERATTA, Néstor A. Teoría general de la responsabilidad civil ambiental. in LORENZETTI, Ricardo Luiz. (dir.) Derecho Ambiental y daño. 1ª ed. Buenos Aires: La Ley, 2009.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Saraiva, 2008.

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LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Trad. Sandra Valenzuela; rev. Paulo Freire Vieira. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.

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TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.


Notas:

[1]CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (…) III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

[2]Art. 5º(…) LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;


Informações Sobre o Autor

Daniel José Pereira De Camargo Salles

Advogado, Mestrando em Direito


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