Interpretação conforme a Constituição

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

O presente ensaio vem tratar de um tema de extrema importância, que diz respeito à interpretação, aplicação e controle de constitucionalidade das normas constitucionais: a interpretação conforme a Constituição.

Cotidianamente, o operador do Direito se vê envolvido em questões que tratam da constitucionalidade de uma dada norma ou texto legal.  Essa constitucionalidade é aferida, basicamente, ao se analisar as possibilidades de interpretação e aplicação dessa mesma norma. A atividade de interpretação, destarte, passa a ser inerente à própria atividade legiferante.

O trabalho do jurista é, precisamente, determinar as decisões sobre normas dispostas heteronomamente.  Tal tarefa implica, necessariamente, um proceder hermenêutico, isto é, implica fixar decisões baseadas numa norma heterônoma.  Como aqui se trata de Direito Constitucional, essas normas são normas constitucionais, dispostas legitimamente pelo legislador democrático.

Ao observar uma norma, legitimamente elaborada e efetivada, e aplicá-la fenomenicamente de acordo com um proceder hermenêutico, o jurista dispõe da interpretação conforme a Constituição como alternativa de justificação para a validez, universalidade e adequação à realidade de determinada norma.

Além disso, a interpretação conforme a Constituição caracteriza-se como uma forma flexível de concretização e aplicação das normas constitucionais.  Na medida em que renuncia ao formalismo jurídico, torna mais próximos os ideais de preponderância da justiça, em sua acepção material, e de segurança jurídica.

1. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

A interpretação conforme a Constituição se constitui fundamentalmente num mecanismo de controle, eis que sua principal função é assegurar um razoável grau de constitucionalidade das normas no exercício de interpretação das leis.

A interpretação conforme a Constituição determina que, quando o aplicador de determinado texto legal se encontrar frente a normas de caráter polissêmico ou, até mesmo, plurissignificativo, deve priorizar a interpretação que possua um sentido em conformidade com a Constituição.  Por conseguinte, uma lei não pode ser declarada nula quando puder ser interpretada em consonância com o texto constitucional.

A interpretação conforme a Constituição pode ter lugar também quando um conteúdo ambíguo e indeterminado de uma norma resultar coerente graças ao conteúdo da Constituição.

É sabido que se permite ao magistrado, no exercício de prestação jurisdicional,  realizar um juízo de constitucionalidade da lei. No caso de duas ou mais interpretações possíveis, há de se preferir aquela que se revele compatível com a Constituição.

Essa função de interpretar conforme a Constituição cabe diretamente ao órgão competente de cada país.  No Brasil, por exemplo, cabe ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de guardião máximo do texto constitucional. Já na Alemanha, tal tarefa cabe ao Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht).  É justamente o Tribunal competente, no exercício de suas funções, que declara qual das possíveis interpretações se revela compatível com a Lei Fundamental.

Entretanto, interpretar conforme a Constituição não significa alterar o conteúdo da lei. Até mesmo porque, se assim fosse, tratar-se-ia de uma intervenção extremamente drástica na esfera de competência do legislador – mais drástica do que a própria declaração de nulidade dessa mesma lei.  Tal hipótese permitiria ao ente legiferante a possibilidade de uma nova conformação da matéria, traindo, portanto, a eminente natureza de sua tarefa primitiva.

Nessa acepção, poder-se-ia entender a interpretação conforme a Constituição como uma declaração de nulidade sem redução do texto, na medida em que se restringe as possibilidades de interpretação, reconhecendo a validade da lei com a exclusão da interpretação considerada inconstitucional.

No entanto, a declaração de nulidade sem redução de texto e a interpretação conforme a Constituição não se confundem.  Tomá-las por iguais significaria considerar a interpretação conforme a Constituição como uma modalidade específica de decisão, e não como uma regra geral de hermenêutica ou princípio ampla e largamente utilizado, que a mesma verdadeiramente se constitui.  Com extrema clareza, Gilmar Ferreira Mendes assim trata a distinção:

“Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto, na interpretação conforme a Constituição, se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal”.1

2. DIMENSÕES DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

A interpretação conforme a Constituição, portanto, existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição.  Implica, necessariamente, dizer que excluem-se as possibilidades de interpretação consideradas inconstitucionais.

Pode-se perceber, com maior clareza no Brasil nas decisões do Supremo Tribunal Federal, duas dimensões abarcadas pelas possibilidades de interpretação conforme a Constituição. Por um lado, sua utilização em casos concretos vincularia apenas as partes envolvidas pela decisão, por meio do controle difuso de constitucionalidade.  Por outro, a interpretação conforme a Constituição pode ser justamente utilizada no controle abstrato de normas. Em ambas as situações, limita-se o órgão judiciário a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição.

Além disso, a interpretação conforme a Constituição comportaria várias dimensões, as quais se traduziriam em princípios decorrentes desse tipo de interpretação, tais como: o princípio da prevalência da Constituição; o princípio da conservação das normas e o princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição, mas contra legem. 2

Entende-se pelo princípio da prevalência da Constituição que a única possibilidade de escolha viável seria aquela que não fosse contrária ao texto ou ao programa da norma ou normas constitucionais.  O princípio da conservação das normas, por sua vez, considera que uma dada norma, suscetível de ser interpretada conforme a Constituição, não deve ser declarada inconstitucional.  Já o princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição, mas contra legem, impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a Constituição, mesmo que por meio desta consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional (tais como as leis ordinárias) e as normas constitucionais.

3. JUSTIFICATIVAS PARA A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

A interpretação conforme a Constituição se justifica pela necessidade de formação e conformação práticas da implantação da justiça constitucional através da Lei Fundamental.

Os fundamentos da interpretação conforme a Constituição são visualizados a partir do momento em que se analisa suas funções e utilidades.

Primeiramente, percebe-se a interpretação conforme a Constituição como elemento de concretização do princípio da unidade da ordem jurídica.  Em poucas palavras, pode-se dizer que por esse princípio deve-se entender a Constituição como contexto superior das demais normas jurídicas.3

Trabalha de acordo com o pensamento favor legis, segundo o qual o legislador não poderia ter pretendido votar lei inconstitucional.  Entende-se aqui uma presunção de constitucionalidade da lei, resultante do próprio controle de constitucionalidade.  Nessa perspectiva, perseguem-se ainda outros princípios decorrentes desse mesmo princípio anterior, tais como: o ideal de segurança jurídica, a presunção de um funcionamento regular da atividade legislativa e, por fim, a supremacia do legislador em sua tarefa de concretizar e realizar a Constituição.

A interpretação conforme a Constituição serve ainda para preencher as lacunas existentes no ordenamento jurídico. Tratar-se-ia, portanto, de uma otimização constitucional, segundo a acepção de Gusy.4  Verifica-se essa otimização na medida em que a interpretação possibilita uma construção, em conformidade com a Constituição, mediante analogia, redução, ou mediante derivação de premissas normativas constantes da própria Constituição.

4. LIMITES DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

A interpretação conforme a Constituição, realizada de forma legítima e escorreita, pressupõe a reunião de determinados elementos. É imprescindível a existência de um espaço de decisão, ou seja, que uma determinada questão comporte e aceite como admissíveis várias propostas interpretativas. Por outro lado, embora os órgãos judiciários rejeitem ou não apliquem as normas inconstitucionais, proíbe-se a correção de norma jurídica em contradição inequívoca com a Constituição, já que se trataria, em última análise, de uma nova conformação da matéria elaborada pelo ente legiferante. Impõe-se, necessariamente, o afastamento da interpretação conforme a Constituição se, no lugar da vontade do legislador, obtém-se uma regulação nova e distinta. Caracterizar-se-ia uma clara contradição com o sentido literal ou o sentido objetivo evidentemente recognoscível da lei, ou com a manifesta vontade do legislador.

Não se trata aqui de dizer que a vontade do legislador é determinante.  Ela não o é unicamente.  Entretanto, o órgão legiferante, no exercício de suas funções deve procurar aproximar-se ao máximo do escopo idealizado primordialmente pelo legislador.  Até mesmo porque, se assim não fosse, não haveria sentido na importância e na manutenção de sua atividade.

Inadmissível, portanto, a interpretação conforme a Constituição que tenha como resultado uma ordem contra o texto e o sentido legais, ou contra essa finalidade legislativa.

Numa perspectiva jurídico-material, faz-se necessário uma coordenação de funções dos órgãos que intervém no processo de concretização das normas constitucionais.  Ao se analisar a relação entre jurisdição constitucional e legislação, nota-se que a vontade e a conduta do legislador democrático gozam de uma presunção de constitucionalidade, a qual corresponde a uma conformação jurídica das relações sociais.  Obviamente, tal presunção surge como conseqüência do escopo do legislador democrático em procurar abarcar e conformar a realidade social à sua volta com o máximo de abrangência e fidelidade.

Contudo, a primazia do legislador democrático se produz à custa de uma mudança no significado do conteúdo da lei por parte do Tribunal Constitucional.5 Quanto mais o Tribunal “corrige” o legislador, mais se aproxima desses limites jurídico-funcionais, os quais são extremamente difíceis de se precisar com absoluta nitidez.6

Já numa perspectiva jurídico-funcional, a interpretação conforme a Constituição aparece como um princípio de auto-limitação judiciária, uma vez que se confiou, primordialmente, ao legislador democrático o poder de conformação jurídica do complexo de relações relevantes da vida.  Surgem, portanto, como limites imediatos à interpretação conforme a Constituição a expressão literal da lei e os propósitos perseguidos pelo legislador.

Logo, se partirmos da idéia de que tanto a relação material quanto a relação funcional se baseiam numa linha de manutenção da lei, a interpretação conforme a Constituição tratará a norma constitucional, dentro do possível, no mesmo sentido da tentativa de concretização por parte do legislador.

No Brasil, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a interpretação conforme a Constituição conhece limites. Esses limites resultam tanto da expressão literal da lei quanto da vontade do legislador. A interpretação conforme a Constituição só é admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, que implicaria uma mudança na própria concepção original do legislador.7

Por questões até mesmo de praticidade e procura de soluções mais simples, o Tribunal não se preocupa com a chamada “intenção do legislador”, caso possa resolver a questão dentro dos limites da expressão literal do texto.

CONCLUSÃO

A interpretação conforme a Constituição, diante do exposto, vai além da escolha dos vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito para distender-se até o limite da inconstitucionalidade.

Orienta-se a decisão no sentido da letra que conduza à compatibilidade da disposição legal interpretada com a Constituição e os seus princípios. Pressupõe-se, destarte, um sentido literal não unívoco, e não se opera contra o sentido literal que diretamente se obtém através da interpretação “gramatical” da lei.

Ao se fixar a interpretação conforme a Constituição no juízo abstrato de normas, ter-se-ia uma .pronúncia de inconstitucionalidade.  Se por um lado, a interpretação conforme a Constituição revela-se como uma alternativa de utilização da lei; por outro, veda sua aplicação inconstitucional.  Nesse sentido, a interpretação conforme a Constituição constitui meio para a efetivação de um controle de constitucionalidade da lei através da representação de constitucionalidade.

Já a representação de interpretação destina-se à determinação, dentre várias interpretações possíveis e válidas, daquela solução que melhor condiga com a norma em causa, conduzindo a resultado análogo ao que se chegaria através de um interpretação autêntica.

A interpretação conforme a Constituição, em última análise, constitui verdadeiramente uma interpretação da lei.  Uma vez que todo intérprete está obrigado a interpretar a lei segundo as decisões fundamentais da Constituição, sua atividade se torna o mais puro reflexo da concretização do princípio da interpretação conforme a Constituição.

Notas:

1. MENDES, Gilmar Ferreira.  Jurisdição Constitucional.  São Paulo: Saraiva, 1996. p.275.

2. CANOTILHO, José Joaquim Gomes.  Direito Constitucional.  5.ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1992.

3. BOBBIO, Norberto.  Teoria do ordenamento jurídico.  Brasília: Editora UnB, 6.ª ed., 1995.

4. Apud MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit. p. 222.

5. Pode-se citar, como exemplo: no Brasil, o Supremo Tribunal Federal; ao passo que, na Alemanha, o Bundesverfassungsgericht.

6. HESSE, Konrad.  Escritos de Derecho Constitucional.  Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1983.

7. A propósito, Rp. N.º 1.454, Relator Minisro Octavio Galoti, RTJ n.º 125, p. 997; Rp. N.º 1.389, Relator Ministro Oscar Corrêa, RTJ n.º 126, p. 514; Rp. N.º 1.399, Relator Ministro Aldir Passarinho, DJ de 09.09.1988.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antônio Henrique Graciano Suxberger

 

Advogado em Brasília/DF

 


 

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