Lei Complementar N.º 123: a capacidade postulatória dos Procuradores Estaduais e o Pacto Federativo

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Resumo: O presente trabalho tem por objetivo principal analisar os impactos da edição da Lei Complementar 123, principalmente no que diz respeito à constitucionalidade do seu artigo 41 que atribui à Procuradoria Geral da Fazenda a competência para inscrever em dívida ativa e cobrar os créditos tributários do chamado SIMPLES Nacional.


Palavras-chave: Lei Complementar 123. Pacto Federativo. Capacidade Postulatória. Capacidade Tributária. Competência Funcional Procuradores Estaduais. Dívida Ativa. Execução Fiscal. Simples Nacional. Recepção Normas.


Sumário: 1. Introdução. 2. Lei Complementar n.º123, de 14/12/2006. 3. Pacto Federativo. 4. Capacidade Postulatória dos Procuradores Estaduais. 5. A Posição do STF ao Longo dos Anos. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.


1 INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem por objetivo principal analisar os impactos da edição da Lei Complementar 123, principalmente no que diz respeito à constitucionalidade do seu artigo 41 que atribui à Procuradoria Geral da Fazenda a competência para inscrever em dívida ativa e cobrar os créditos tributários do chamado SIMPLES Nacional.


O Cerne da questão que será analisado é acerca da usurpação da competência constitucional dos Procuradores de Estado para defender os interesses de sua unidade federada.


Para melhor compreender o tema, far-se-á primeiro a análise da referida lei complementar, abordando o contexto sócio-político de sua edição.


Posteriormente, como não poderia deixar de ser, aprofundar-se-á na discussão do pacto federativo da República Federativa do Brasil, sua evolução e análise da situação atual, principalmente no que diz respeito às competências tributárias e repartição de receitas.


Após esta, apresentar-se-á informações a respeito da capacidade postulatória dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, tanto no que diz respeito aos matizes constitucionais como seus direitos e deveres enquanto advogados sujeitos à legislação específica.


Será trazido, ainda, para o bojo deste trabalho um breve relato sobre das Ações Diretas de Incostitucionalidade que abordaram e abordam o tema nos últimos anos, bem como serão analisadas as diversas posições de nosso Tribunal Superior.


Por fim, será apresentada uma proposta de modelo de atuação para inscrição e cobrança dos créditos tributários originados do SIMPLES Nacional.


2 LEI COMPLEMENTAR N.º 123, DE 14/12/2006


A Constituição de 1988, em seu artigo 179, ao tratar da ordem econômica e financeira, principalmente em seu capítulo primeiro: “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, estatuiu:


“Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentiva-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.


Trata-se de norma de eficácia limitada, de cunho programático, carecendo de lei específica para que possua eficácia plena e possa produzir todos os efeitos aos quais se propôs.


Não obstante, havia a Lei N.º 7.256/84, chamada de Estatuto da Microempresa a qual estabelecia: “normas integrantes do Estatuto da Microempresa, relativas ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial”.


O primeiro debate estaria na recepção ou não da lei supracitada pelo novo ordenamento jurídico trazido pela Constituição de 1988. Ora, não há dúvidas que a intenção do legislador constituinte se encontrava em congruência com o preconizado pelo Estatuto da Microempresa, mais que isto se nos apresenta claro que o desejado pelo Constituinte, principalmente aqueles que representavam os microempresários, era trazer ao nível constitucional as vitórias alcançadas com a edição do estatuto.


Foi então, e como não poderia ser diferente, que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Mandado de Injunção Coletivo N.º 73-5/94, declarou que a Lei n.º 7.256/84, fora recepcionada pela Constituição de 1988 e estava cumprindo com o mandamento do artigo 179 da CF, conforme transcrição abaixo:


“EMENTA: Mandado de Injunção Coletivo. Esta Corte tem admitido o mandado de injunção coletivo. Precedentes do Tribunal. Em Mandado de Injunção não é admissível pedido de suspensão por inconstitucionalidade, de lei, por não ser ele o meio processual idôneo para a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de ato normativo. Inexistência, no caso, de falta de regulamentação do artigo 179 da Constituição Federal, por permanecer em vigor a Lei 7.256/84 que estabelece normas integrantes do Estatuto da Microempresa, relativas ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial. Mandado de Injunção não conhecido. (STF, Ementário n.º 1772-1, DJ de 19.12.94). (Grifou-se).


Para não pairar mais qualquer dúvida sobre o assunto, solucionando todas as possíveis controvérsias, foram editadas as Leis 8.864/94 e a Lei 9.841/99, esta última revogando expressamente as Leis 7.256/84 e 8.864/94 e estatuindo o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.


Muito embora toda a atividade legislativa mencionada acima, somente com o advento da Lei 9.317/1996, o chamado Simples Federal, que a questão do tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas foi regulado no âmbito federal.


O que se viu a partir de então foi um leque de dispositivos legais de âmbito estadual e/ou municipal a regular as relações com as micro e pequenas empresas. Dessa sorte em cada localidade seria possível um tipo de tratamento diferente o que, com certeza, não foi nem é a intenção do preconizado no artigo 179 da CF.


A Emenda Constitucional 42/2003, ao alterar o artigo 146 da CF e incluir o artigo 94 da ADCT, reservou a Lei Complementar a definição de tratamento diferenciado e favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso de ICMS, Contribuições Sociais e PIS.


Depois deste breve histórico pode-se falar da Lei Complementar 123/2006 que instituiu normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado à microempresa e empresa de pequeno porte no âmbito dos poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Com vigência a partir de 01/07/2007 esta Lei Complementar revogou as demais leis que tratavam o tema, unificando nacionalmente a matéria.


O Chamado Simples Nacional inclui os seguintes impostos e contribuições:


a) IRPJ- Imposto de Renda da Pessoa Jurídica;


b) IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados;


c) CSLL – Contribuição Social sobre Lucro Líquido;


d) COFINS – Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social;


e) PIS/PASEP – Contribuição para Programa de Integração Social;


f) Contribuição para Seguridade Social “Patronal”;


g) ICMS – Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações; e


h) ISS – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.


Na realidade, com o surgimento do SIMPLES Nacional, as empresas optantes deixaram de ser obrigadas a contribuir com os demais tributos da União, inclusive as contribuições para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.


Não está no escopo do presente artigo analisar o SIMPLES Nacional ou mesmo o tratamento diferenciado dado às micro e pequenas empresas, este tema deverá ser objeto de um outro estudo. Fez-se necessária esta digressão para que o leitor fosse contextualizado acerca do ambiente sócio-político e, principalmente, jurídico em que se insere a discussão central deste trabalho.


O artigo 41 da LC 123/2006 prevê:


Art. 41. À exceção do disposto no §3º deste artigo, os processos relativos a tributos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional serão ajuizados em face da União, que será representada em juízo pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.


§1º. Os Estados, Distrito Federal e Municípios prestarão auxílio à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em relação aos tributos de sua competência, na forma a ser disciplinada por ato do Comitê Gestor.


§2º. Os créditos tributários oriundos da aplicação desta Lei Complementar serão apurados, inscritos em dívida ativa da União e cobrados judicialmente pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.


§3º. Mediante convênio, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá delegar aos Estados e Municípios a inscrição em dívida ativa estadual e municipal e a cobrança judicial dos tributos estaduais e municipais a que se refere esta Lei Complementar.”


Somente para delimitar o escopo da discussão deve-se ressaltar alguns pontos da norma supracitada:


a) Alteração da legitimidade passiva para os processos relativos a tributos estaduais, distritais e municipais avocando esta legitimidade para a União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;


b) Alteração da competência administrativa para apuração e inscrição em dívida ativa, mais que isto a inclusão de créditos tributários originados de tributos estaduais, distritais e municipais na dívida ativa da União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;


c) Alteração da legitimidade ativa para cobrança judicial dos créditos tributários estaduais, distritais e municipais avocando esta legitimidade para a União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;


d) Ressalte-se que o convênio previsto no parágrafo 3º do citado artigo não inclui a possibilidade de o Distrito Federal vir a ser parte dele, afastando por completo a possibilidade de o Distrito Federal vir a participar da cobrança judicial de seus tributos incluídos no Simples Nacional.


Nas seções seguintes serão abordados os impactos do advento da presente norma para o pacto federativo nacional e sobre a competência constitucional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal para representar a sua unidade federada.


3 PACTO FEDERATIVO


Inicialmente, urge traçar algumas considerações acerca dos fundamentos e conceitos do federalismo.


Federalismo é um princípio que sustenta a Federação como um ideal para a vida social e política em determinados Estados, baseada no aspecto fundamental do pluralismo, na tendência de harmonização e no princípio regulador da solidariedade.[1]


Ou, ainda, como diria o mestre Antônio Roberto Sampaio: “é o federalismo a fórmula histórico-pragmática de composição política que permite harmonizar a coexistência, sobre idêntico território, de duas ou mais ordens de poderes autônomos, em suas respectivas esferas de competência”.[2]


Quando se fala em uma federação não se pode deixar de considerar que se está falando de uma forma de Estado descentralizada, composta de, pelo menos, duas esferas, que de forma harmônica e coesa constituem a federação. Uma única ordem constitucional a manter o Estado soberano, a União de todas as unidades federadas.


Falar em federalismo e não falar em repartição de competências, seria um despautério, pois somente com a dispersão do exercício do poder político da unidade central para as unidades federadas é que se terá a descentralização, pilar de um Estado Federal. De outro lado, ao não haver esta distribuição do poder político, sendo ele centralizado, deve-se falar em um Estado Unitário.


Poder-se-ia citar como características básicas do federalismo:


a) alocação eficiente dos recursos nacionais;


b) aumento da participação política da sociedade;


c) proteção das liberdades básicas e dos direitos individuais dos cidadãos;


d) autonomia constitucional, política, administrativa e financeira das unidades federadas;


e) uma só ordem constitucional a manter o estado soberano;


f) rigidez constitucional e controle concentrado de constitucionalidade;


g) mecanismos contra movimentos de secessão e para manter o pacto federativo;


h) distribuição de competência legislativa, tributária e política asseguradas constitucionalmente


Desde a proclamação da República e de acordo com todas as constituições nacionais, o Brasil é uma federação de estados autônomos, somente durante o império fomos um Estado Unitário.


Mais do que isto, a constituição federal de 1988 dispõe ser a forma federativa de estado uma cláusula pétrea, ou seja não passível de Emendas, transcreve-se:


Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos…”.


“Art. 60. A Constituição ser emendada mediante proposta: …


§4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:


I – a forma federativa de Estado;


II – O voto direto, secreto, universal e periódico;


III – a separação dos poderes;


IV – os direitos e garantias individuais”. (Grifou-se).


Não resta qualquer dúvida, jurisprudência e doutrina são uníssonas em afirmar que não é possível uma Proposta de Emenda Constitucional que queira impor o exercício do poder político de forma concentrada, que queira interferir na autonomia constitucional, política, administrativa, legislativa ou financeira das unidades federadas. Tal somente seria possível com a instauração de uma nova ordem constitucional, fruto do poder originário.


De outro lado, não se pode deixar de ter claro que a manutenção da forma federativa de estado não significa dizer que a distribuição de competências constitucionais não possa ser revista, o importante é que seja mantida a união federal e garantida a autonomia das unidades federativas.


Como diria André Elali: “Assim, é possível pela norma vigente uma reformulação de competências, permitindo-se, por exemplo, a criação de um imposto sobre o consumo, de competência da União e em substituição ao IPI, ao ICMS e ao ISS, tendo-se por destinação compulsória a repartição de receitas com os Estados, Distrito Feral e Municípios de forma a se manter a atual ordem de receitas. Com tal destinação compulsória, manter-se-ia o nível de recursos necessários para a estruturação das entidades federativas.”[3]


Após estas considerações acerca dos conceitos e objetivos do federalismo, é importante para o presente estudo trazer uma adaptação da excelente monografia realizada pela FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e a Fundação Getúlio Vargas intitulado “Federalismo Fiscal, Eficiência e Eqüidade: Uma Proposta de Reforma Tributária”, de novembro de 1998.[4]


Naquela monografia, antes de fazer uma proposta de reforma tributária, objetivo maior do trabalho, foi realizado estudo comparado dos sistemas tributários mais importantes do mundo. Estas informações, principalmente no que diz respeito a administração tributária, são trazidas de forma adaptada ao presente texto de forma a contribuir com a exploração do tema a que este se propõe.


Nos Estados Unidos da América a administração tributária é descentralizada. Desta forma as competências para administrar e arrecadar tributos é distribuída em cada esfera de governo. Este fato gera ampla autonomia fiscal aos estados, mas, de outro lado, traz sérios problemas ao contribuinte que tem de prestar contas com vários fiscos de forma diferenciada para cada transação. Além disso não existe uma uniformização de procedimentos e fica clara a sobreposição de atividades e estruturas administrativas.


No Japão, os governos locais não têm autonomia para determinar base tributária e alíquotas. O Congresso define a base tributária e determina as alíquotas detalhadamente de cada imposto, qualquer ação dos governos locais tem de ter a aprovação do governo central.


Não obstante toda a centralização, a administração tributária é realizada tanto pelo governo central como pelos governos locais. Já no que diz respeito à administração tributária nacional, existe a ATN uma a agência do governo encarregada pela execução e administração da política tributária. Ainda, muito embora os impostos locais sejam administrados pela Administração Tributária Local, todas as atividades são vinculadas ao Ministério do Interior, responsável pelo planejamento e arrecadação dos impostos locais, de forma centralizada.


No Reino Unido, a constituição não delega amplos poderes aos governos locais, sendo-lhes atribuído somente dois tipos de impostos: o imposto nacional sobre a propriedade e o imposto local sobre a propriedade.


A administração tributária é feita basicamente por dois órgãos: o Serviço de Receita do Reino Unido e o Departamento de Aduanas e Impostos. Estes órgãos têm escritórios executivos espalhados por todo o território e são responsáveis pela administração e arrecadação de imposto em todo o Reino Unido. No que diz respeito ao imposto local, a maior parte da administração é do próprio governo local. Ressalte-se que as relações intergovernamentais no Reino Unido caracterizam-se por um forte controle do governo central, havendo reduzida autonomia dos governos locais.


A Alemanha, república federativa com um sistema parlamentarista de governo e estrutura bicameral, apresenta legislação tributária uniforme e centralizada. A jurisdição sobre a receita tributária, as categorias de impostos e a competência tributária de cada nível de governo estão determinadas na Constituição. O governo federal é responsável pela administração somente das tarifas alfandegárias, dos impostos seletivos sujeitos a legislação federal, do IVA das importações e das taxas fixadas pela União Européia. Todos os outros impostos são administrados pelas agências estaduais de arrecadação. Com relação aos impostos conjuntos, os estados atuem como agentes da federação. A administração dos impostos de competência dos governos locais é transferida total ou parcialmente para os estados. A administração arca com os custos da arrecadação dos impostos federais, todos os outros custos são de responsabilidade dos estados. A autonomia fiscal reduzida dos estados pode ser explicada, em parte, pelo modelo de federalismo cooperativo alemão baseado em partilha de receita tributária e o método de equalização financeira.


A distribuição dos impostos no Brasil é do tipo Especializada, ou seja, atribui a cada unidade federada competência sobre determinada base tributária. Assim o imposto de renda foi atribuído à união, o imposto sobre a propriedade territorial e urbana, foi destinado aos município, o imposto sobre consumo foi divido nas três esferas de governo, sendo dos estados a parte mais importante deste tipo de imposto.


O Título IV da Constituição Federal, Da Tributação e do Orçamento, Capítulo I, Do Sistema Tributário Nacional, principalmente no que diz respeito aos artigos 154 a 157, distribui as competências tributárias para a União, Estados e Distrito Federal e municípios.


Não basta dividir competência, para se implantar o chamado federalismo fiscal, uma das bases do federalismo, faz-se necessário buscar o equilíbrio entre a arrecadação das unidades da federação e as suas responsabilidades. Aqui nasceu um dos maiores erros da história da Federação Brasileira, erro este que, às vezes, faz com que pareçamos muito mais centralizado do que os estados unitários.


As competências tributárias foram claramente estabelecidas, mas, de outro lado, as responsabilidades não o foram. Questões essenciais como educação e saúde são atribuídas a todos os níveis da federação que, no lugar de viabilizar um maior comprometimento de todos, gera um jogo de empurra e troca de favores.


Como forma de minimizar estes problemas estruturais surgem as transferências intergovernamentais previstas nos artigos 157 a 162 da CF. Lá serão encontradas seis tipos de transferências da união para os estados e quatro da união para os municípios, além de transferências dos estados para os municípios, quais sejam:


a) União para os Estados:


1. 21,5% da arrecadação dos impostos de renda (CF 159, I);


2. 21,5% sobre os produtos industrializados (CF 159, I);


3. 10% da arrecadação do IPI aos estados exportadores, proporcionalmente as suas exportações (CF 159,II);


4. 30% da arrecadação do imposto sobre operações financeiras (IOF-OURO);


5. 29% da arrecadação com a CIDE – contribuição de intervenção no domínio econômico (159, III);


6. 20% da arrecadação de impostos criados após a CF/88, competência residual da União;


b) União para os Municípios:


1. 22,5% da arrecadação dos impostos de renda;


2. 21,5% sobre os produtos industrializados;


3. 70% da arrecadação do imposto sobre operações financeiras (IOF-OURO);


4. 50% da arrecadação do imposto territorial rural


c) Estados para Municípios:


1. 25% da arrecadação do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços;


2. 50% da arrecadação d imposto sobre a propriedade de veículos automotores; e


3. 25% da transferência que o estado receber da cota-parte do IPI-Exportação (CF 159, §3º).


Mais do que isto, a Constituição ainda determinou que o imposto de renda retido na fonte dos servidores públicos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios ficasse como receita tributária de cada ente, respectivamente.


Estes repasses podem ter natureza constitucional, listados acima, ou não-constitucional. Os primeiros são vinculados e automáticos; já os segundos dependem de convênios ou acordos políticos.


Aqui se tem de ressaltar alguns pontos que são de extrema importância para o problema ora estudado:


a) as competências tributárias estão claramente delimitadas na Constituição Federal;


b) as responsabilidades de cada ente da federação brasileira carece de algum esclarecimentos e de extirpar as áreas de sobre, de forma a se poder definir exatamente aonde começa o papel de um e onde termina o do outro;


c) não há equilíbrio entre as bases tributárias, receitas, e as atribuições constitucionais, despesas;


d) existe mecanismo para equilibrar as fontes e usos, repartição das receitas tributárias, repasses constitucionais e não-constitucionais.


O que se pode defluir destas informações é que não há que se falar em autonomia do ente federado se não houver um perfeito equilíbrio entre as receitas tributárias e/ou repasses intergovernamentais e suas responsabilidades constitucionalmente estatuídas.


Mais que isto, o cerne da questão está na capacidade de arrecadação direta, sem que tenha de existir uma dependência de repasses intergovernamentais. Tal dependência leva, sem sombra de dúvidas, às políticas de “beija-mão” e de troca de favores, sem falar em tráfego de influência e corrupção.


Um Estado que se diz federal deve primar para que as responsabilidades, as fontes e os usos estejam o mais descentralizado possível, pois somente a proximidade com o beneficiário direto pode permitir uma eficiente fiscalização do cidadão.


4 CAPACIDADE POSTULATÓRIA DOS PROCURADORES ESTADUAIS


Chega-se agora ao ponto central do trabalho, avaliar a capacidade postulatória dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal. As informações trazidas até o presente momento serviram para contextualizar o leitor no tema. Primeiramente a discussão acerca da Lei Complementar 123, principalmente no que diz respeito à alteração da capacidade postulatória e avocação de competências administrativas. Na segunda parte do texto o foco recai na conceituação de federalismo, dando ênfase à necessidade da autonomia constitucional, administrativa, política e tributária dos entes federados. Agora, ao chegar mais próximo da conclusão do trabalho, há de ser abordada a competência constitucional da Advocacia pública.


Ao se falar em capacidade postulatória dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, faz-se necessário primeiro conceituar capacidade postulatória, para isto transcrevem-se os artigos 133 da CF/88 e 36 do Código de Processo Civil Brasileiro:


Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (CF/88).


“Art. 36. A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver”. (CPC)


Ou seja, a capacidade postulatória consiste na possibilidade de se postular em juízo. Só quem detém essa capacidade no processo civil brasileiro é o advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvadas as causas até 20 (vinte) salários mínimos que tenham curso nos juizados especiais.


Ressaltem-se algumas carreiras que possuem capacidade postulatória decorrente da lei que as instituiu, como é o caso do ministério público que recebe o poder de postular em juízo diretamente da Constituição. Ou, ainda alguns casos no processo penal (habeas corpus, revisão criminal) e o processo do trabalho.


Centrando a discussão na advocacia pública a Constituição reservou uma seção específica do capítulo “Das funções Essenciais à Justiça”, que no artigo 132 prescreve:


“Art. 132. Os procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”.


Poder-se-ia conceituar advocacia pública como sendo as funções atinentes à representação judicial e extrajudicial das pessoas jurídicas de direito público, bem como à prestação de consultoria, assessoramento e controle jurídico interno dos poderes que constituem o ente federado. De se deixar claro que ao se falar em ente federado não se faz distinção entre os poderes autônomos que compõe o Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário -, como também não se está restrito a administração.[5]


A representação da Fazenda Pública tem sede constitucional, sendo prescindível a juntada de procuração. Os procuradores dos Estados e do Distrito Federal não precisam juntar instrumento de mandado, pois este decorre do vínculo que mantêm com a administração.


Neste sentido:


“…os procuradores públicos adquirem o poder de representação pela só condição funcional, o que os desonera de apresentação de instrumento de mandado. Seria contraditório que detivessem aquela qualidade por decorrência normativa e simultaneamente houvessem de comprovar poder de representação volitivo. A procuração é materialização de negócio jurídico, circunstância incompatível com a natureza da relação que se estabelece entre o órgão Público e seus procuradores. Seu poder de representação está ‘in re ipsa’. Não por acaso, descabe substabelecimento dos poderes advindos da lei decorrentes da nomeação (fato que, mesmo inesperado, acontece no cotidiano forense)”.[6]


Conforme o Procurador Federal, Dr. Matheus Rocha Avelar, no artigo “Os Advogados Públicos e a Ordem dos Advogados do Brasil”[7], tratam-se das chamadas “Procuraturas Constitucionais” – Procuradoria Federal, Advocacia Geral da União e Procuradoria da Fazenda Nacional. O Autor as designa desta forma por terem os seus membros recebido a representação das entidades públicas diretamente da Constituição Federal. Permita-se que sejam incluídos nesta classificação os procuradores dos estados e do Distrito Federal, seguindo a mesma linha de raciocínio.


De se destacar que não há simetria entre a representação da União e a dos Estados. O artigo 131 da Constituição Federal determina:


Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.


§1º (…)


§2º (…)


§3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.”


Como se vê a União possui uma Instituição que a representa, mas também possui um órgão, a ela vinculado, que possui a capacidade postulatória constitucionalmente definida para execução de dívida ativa de natureza tributária. Ou seja, se a causa ostentar natureza tributária ou fiscal a União será representada pela PGFN, nos outros tipos de demanda, sua representação é feita pela AGU.


Por muito tempo, principalmente quando da edição das constituições estaduais, houve o entendimento de que esta possibilidade de especialização e, principalmente, de delegação da capacidade de representação em juízo devesse se repetir na esfera estadual. Este tema será abordado com maior profundidade na próxima seção, mas somente para fundamentar a discussão, transcreve-se o artigo 69 do ADCT:


“Art.69. Será permitido aos estados manter as consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.”


Como se vê a norma é muito clara em somente permitir uma exceção ao preceituado no artigo 131 do corpo permanente da Constituição, mas, como dito anteriormente, este não foi um entendimento pacífico na jurisprudência e várias foram as decisões em outro sentido.


Neste sentido:


“A Carreira de Procurador do Estado e do Distrito Federal, foi institucionalizada em nível de Constituição Federal. Isto significa a institucionalização dos órgãos estaduais de representação e consultoria dos Estados, uma vez que os Procuradores, a que se incumbe essa função no artigo 132 daquela Carta Magna, hão de ser organizados em carreira dentro de uma estrutura administrativa unitária em que sejam todos congregados, ressalvado o disposto no artigo 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que autoriza os Estados a manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções (é o caso de Pernambuco).”[8]


5 A POSIÇÃO DO STF AO LONGO DOS ANOS


O presente tema já foi bastante discutido no Supremo Tribunal Federal, tendo origem na promulgação das constituições estaduais. Ao regulamentar a representação judicial e extrajudicial em suas unidades federadas, estas constituições trouxeram à discussão o real papel das Procuradorias-Estaduais e do Distrito Federal.


Algumas questões careciam de resposta o que levou a interpretações incongruentes sobre o mesmo tema:


a) Quais os limites constitucionais à organização dos Estados?


b) A norma prevista no artigo 131 da CF é de repetição obrigatória? Poder-se-ia utilizar de simetria entre o modelo da União e o dos Estados?


c) Quando o artigo 132 fala de “unidade federada” inclui todos os poderes, administração direta e indireta?


d) O cotejamento entre o artigo 131, do texto permanente, e o artigo 69 do ADCT possibilita a delegação da competência para consultoria jurídica?


Estas foram algumas questões que, via ações diretas de inconstitucionalidade começaram a bater às portas de nossa Corte Constitucional.


A primeira a levantar esta discussão foi a ADI n.º 175-2/PR, proposta em janeiro de 1990 e que trazia vários dispositivos da constituição estadual do Paraná para análise e manifestação. Certamente, o grande número de artigos questionados não possibilitou um debate mais profundo e contundente sobre o art. 132 da CF e culminou na decisão abaixo transcrita:


Ementa:1. FUNCIONALISMO. LICENCA ESPECIAL E DIREITO A CRECHE. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ITENS XVIII E XXI DO ART. 34 DA CONSTITUIÇÃO DO PARANA, POR TRATAREM DE MATÉRIA SUJEITA A INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO (ART. 61, PAR. 1., “C” E “D”, DA CARTA FEDERAL). 2. CORREÇÃO MONETÁRIA DE VENCIMENTOS EM ATRASO (PAR. 7. DO ART. 27 DA CARTA PARANAENSE), NÃO INCOMPATIVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 3. BANCO REGIONAL DO DESENVOLVIMENTO DO EXTREMO SUL. NATUREZA AUTARQUICA NÃO CARACTERIZADA, NÃO PODENDO TAMBÉM O ESTADO DISPOR, ISOLADAMENTE, SOBRE REGIME DOS SERVIDORES DA EMPRESA (ART. 46 DO ADCT DO PARANA), SEM O CONCURSO DAS DUAS OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO, DELA PARTICIPANTES (ART. 25 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). 4. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 55 DO ADCT DO PARANA, POR DILATAR A EXCEÇÃO DE DISPENSA DE CONCURSO PARA O CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO, PREVISTA NO ART. 22 DAS DISPOSIÇÕES TRANSITORIAS FEDERAIS, INFRINGINDO OS ARTIGOS 37, II, E 134, PARAGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. 5. COMPATIBILIDADE, COM O ART. 132 DA CARTA FEDERAL E O ART. 69 DO RESPECTIVO ADCT, DA MANUTENÇÃO, PELO ART. 56 DA CONSTITUIÇÃO PARANAENSE, DE CARREIRAS ESPECIAIS, VOLTADAS AO ASSESSORAMENTO JURÍDICO, SOB A COORDENAÇÃO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO. 6. AÇÃO DIRETA JULGADA, EM PARTE, PROCEDENTE.” (ADI 175-PR/PARANÁ, DJ. 08.10.1993). (grifou-se).


Em maio de 1993, o Conselho Federal da OAB aforou a ADI nº 881 questionando Lei Complementar do Espírito Santo que instituía cargos comissionados de assessor jurídico no Poder Executivo, ressalte-se que a decisão foi de 08/93, mas somente foi publicada em 04/97.


“E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) – ASSESSOR JURÍDICO – CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO – USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. – O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.” (ADI-MC. 881/ES-ESPÍRITO SANTO. DJ. 25.04.1997). (grifou-se).


Até o presente momento a discussão se encontrava dentro do Poder Executivo, mas a ADI n.º 1557-DF, proposta pela ANAPE – Associação Nacional de Procuradores Estaduais em face da Câmara Legislativa do Distrito Federal, questionou a constitucionalidade da criação de uma Procuradoria Geral da Câmara Distrital por violar o artigo 132 da CF, cuja ementa transcreve-se abaixo:


“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA Nº 9, DE 12.12.96. LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. CRIAÇÃO DE PROCURADORIA GERAL PARA CONSULTORIA, ASSESSORAMENTO JURÍDICO E REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA CÂMARA LEGISLATIVA. PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA E DE OFENSA AO ART. 132 DA CF. 1. Reconhecimento da legitimidade ativa da Associação autora devido ao tratamento constitucional específico conferido às atividades desempenhadas pelos Procuradores de Estado e do Distrito Federal. Precedentes: ADI 159, Rel. Min. Octavio Gallotti e ADI 809, Rel. Min. Marco Aurélio. 2. A estruturação da Procuradoria do Poder Legislativo distrital está, inegavelmente, na esfera de competência privativa da Câmara Legislativa do DF. Inconsistência da alegação de vício formal por usurpação de iniciativa do Governador. 3. A Procuradoria Geral do Distrito Federal é a responsável pelo desempenho da atividade jurídica consultiva e contenciosa exercida na defesa dos interesses da pessoa jurídica de direito público Distrito Federal. 4. Não obstante, a jurisprudência desta Corte reconhece a ocorrência de situações em que o Poder Legislativo necessite praticar em juízo, em nome próprio, uma série de atos processuais na defesa de sua autonomia e independência frente aos demais Poderes, nada impedindo que assim o faça por meio de um setor pertencente a sua estrutura administrativa, também responsável pela consultoria e assessoramento jurídico de seus demais órgãos. Precedentes: ADI 175, DJ 08.10.93 e ADI 825, DJ 01.02.93. Ação direita de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.” (ADI 1557/DF-DISTRITO FEDERAL. DJ. 18.06.2004). (grifou-se).


Ainda, em junho de 1997, a ANAPE ingressou com a ADI 1679, questionando a Constituição Estadual de Goiás que criou a Procuradoria da Fazenda Estadual, vinculada ao Secretário Estadual de Fazenda. Nesta se discutiu com profundidade a possibilidade de replicação, por simetria, do modelo de representação judicial da União para os Estados e o Distrito Federal. Abaixo a ementa da decisão:


“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional no 17, de 30 de junho de 1997, promulgada pela Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, que acrescentou os §§ 2o e 3o e incisos, ao artigo 118 da Constituição estadual. 3. Criação de Procuradoria da Fazenda Estadual, subordinada à Secretaria da Fazenda do Estado e desvinculada à Procuradoria-Geral. 4. Alegação de ofensa aos artigos 132 da Constituição e 32, do ADCT. 5. Descentralização. Usurpação da competência funcional exclusiva da Procuradoria-Geral do Estado. 6. Ausência de previsão constitucional expressa para a descentralização funcional da Procuradoria-Geral do Estado. 7. Inaplicabilidade da hipótese prevista no artigo 69 do ADCT. Inexistência de órgãos distintos da Procuradoria estadual à data da promulgação da Constituição. 8. Ação julgada procedente.” (ADI 1679/GO-GOIÁS. DJ. 21.11.2003). (grifou-se)


O que se vê até o presente momento é o início de uma posição dominante na Corte Suprema que assegura aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal a unicidade de competência para representar os seus entes federados judicial ou extrajudicialmente.


Considerando a análise das decisões até hoje tomada acerca deste assunto e tendo por premissa a manutenção da linha de pensamento dos julgadores, poder-se-ia dividir a atual corte em três blocos de interpretação quanto ao tema, quais sejam:


a) Defendem a prerrogativa constitucional de competência para representação judicial e extrajudicial dos procuradores, mas admitem que os Poderes Legislativo e Judiciário possam ter procuradorias próprias para representá-los em defesa de uma possível usurpação de competência. Neste bloco incluímos a Excelentíssima Ministra Ellen Gracie e os Excelentíssimos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello;


b) Outro bloco de interpretação segue a mesma linha do primeiro somente difere por não admitir a representação autônoma dos Poderes Legislativo e Judiciário, entendendo que o art. 132 fala em unidades federadas, sendo estas a comunhão de todos os poderes: executivo, legislativo e judiciário. Aqui se fala do Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio;


c) Um terceiro grupo tergiversa entre os posicionamentos não se podendo dizer que possuam uma posição contundente acerca do tema. Representam esta linha os Excelentíssimos Ministros Cezar Peluso e Carlos Britto;


d) Por fim em relação a alguns membros da corte não foi possível verificar o posicionamento, são eles a Excelentíssima Ministra Carmem Lúcia e os Excelentíssimos Ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito.


É neste cenário que a Associação Nacional dos Procuradores de Estado – ANAPE afora a ADI 3903 em face da norma constante do art. 41 da Lei Complementar n.º 123, de 14, de dezembro de 2006 que, no seu entendimento, viola as normas do art. 132 e do art. 146, parágrafo único, IV, da Constituição Federal, bem como atinge o pacto federal.


Em sua peça inicial questiona principalmente:


a) A usurpação da autonomia e das atribuições funcionais das Procuradorias Estaduais e dos próprios entes Federados ao retirar a competência para ajuizar as ações para cobrança dos tributos e contribuições relativos ao SIMPLES Nacional;


b) O ataque à competência constitucional das Procuradorias-Gerais Estaduais e do Distrito Federal para inscrever suas respectivas dívidas ativas;


c) O fato de, no seu entendimento, a Constituição Federal, em seu artigo 146, parágrafo único, ser expressa em instituir uma faculdade no que diz respeito ao regime único de cobrança administrativa dos impostos e contribuições dos Estados, Municípios e União e não uma obrigação que possa ser imposta pela União;


d) Por fim, a grave afronta às autonomias estaduais e municipais, bem como à estrutura federativa do Brasil.


6 CONCLUSÃO


O que se viu até o presente momento neste trabalho pode ser sumarizado da seguinte forma:


a) Existe lei em plena vigência e eficácia tratando do assunto;


b) Muito embora os vários questionamentos sobre a constitucionalidade destes normativos, não foi deferida qualquer medida liminar que sustasse a produção dos efeitos das normas citadas;


c) De se deixar claro também que, pelo que se tem notícia, não houve qualquer medida efetiva da Procuradoria da Fazenda Nacional no sentido de faz valer a sua competência para inscrever, ajuizar e representar em juízo conforme previsto nos normativos em questão;


d) Ainda, não há, como é do conhecimento geral, capacidade operacionala da PGFN de assumir mais estas responsabilidades, para tal seria necessária a revisão de seu quadro de procuradores e de toda a sua estrutura de apoio;


e) Mais do que isto e ainda sobre a possibilidade de a PGFN assumir estas responsabiliadades, a previsão da Lei Complementar em comento está por admitir o desenvolvimento de uma complexa rede de distribuição da PGFN, de forma a se estruturar para atender nos mais distantes municípios e localidades do nosso território nacional. Quem conhece o nosso Brasil, certamente tem a noção do que se está falando;


f) Saindo um pouco da esfera do Executivo, ter-se-ia de discutir a competência para processar e julgar tais feitos. Como não poderia deixar de ser diferente, chegar-se-ia aos órgãos da Justiça Federal. Aqui se apresentam as mesmas dificuldades estruturais. Com tal medida um sem número de processos que hoje tramitam na justiça comum estadual seriam deslocados para a justiça comum federal. Da mesma forma, seria necessário um plexo de medidas de forma a dotar de recursos orçamentários, materiais e de pessoal a justiça federal;


g) Não se poderia deixar de analisar também os impactos para o contribuinte, afinal de contas a presente norma nasceu baseada nas diretrizes constitucionais de proporcionar tratamento diferenciado e simplificado às empresas de micro e pequeno porte. Aqui certamente repousam os principais impactos das medidas trazidas pela Lei Complementar 123, principalmente quando se fala na avocação de competência das procuradorias dos estados para a PGFN. O deslocamento da competência da justiça comum estadual para a justiça federal, fará com que o contribuinte tenha de se especializar, juntamente com os seus advogados, em uma nova esfera do judiciário, mais do que isto perder-se-ia a análise de âmbito local e mais próximo, característica primeira da justiça estadual, para se passar à análise da justiça federal.


O que se vê claramente é que, além da inconstitucionalidade do dispositivo por modificar competência constitucionalmente estabelecida, as medidas previstas na Lei são desarrazoadas e de difícil implementação. Mais do que isto atacam frontalmente os princípios administrativos da eficiência e supremacia do interesse público.


Assim não resta outra medida senão declarar a inconstitucionalidade do artigo 41 da Lei Complementar n° 123, de forma a fazer cumprir a competência constitucionalmente estabelecida para os procuradores dos estados.


Não obstante, faz-se necessário discutir como se dará a operacionalização da inscrição e cobrança dos tributos participantes do SIMPLES.


Quem deve responder passivamente nas questões relativas a estes tributos?


Como devem ser estabelecidas as obrigações acessórias?


Quem deve inscrever e como deverá imputar o pagamento dos tributos?


Estas questões dão margem a outro artigo e devem ser devidamente exploradas, mas, tão somente como sugestão e para não deixa-las totalmente sem resposta se propõe:


a) O estabelecimento de convênios de cooperação entre União, Estados e Municípios de forma a possibilitar a adoção de medidas administrativas e judiciais para os assuntos que envolvam o SIMPLES Nacional nos termos do artigo 241, da CF/88:


“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada dos serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”.


b) O valor de cada tributo é definido individualmente sendo ainda prevista a repartição do valor arrecadado, desta forma a inscrição na Dívida Pública deve ocorrer nos três níveis da federação tomando por base a expectativa de arrecadação;


c) Por fim, dever-se-ão ser seguidas as normas gerais de imputação do Código Tributário Nacional, art. 163, do CTN, cominadas com a ordem de preferência para a execução dos créditos tributários em caso de concurso entre fazendas públicas, art. 187, do CTN. Assim, deve-se primeiro garantir o pagamento dos tributos da União, seguido dos estados, DF e Territórios, conjuntamente e pro rata, e depois dos municípios, também conjuntamente e ro rata. Ainda, deve-se considerar o prazo prescricional e o valor dos créditos tributários.


As modernas tendências da administração tributária levam a tormar próximas as fontes das receitas e de suas aplicações. Assim o movimento mais adequado seria de se buscar atribuir maiores competências e responsabilidades para as administrações locais – municípios – em detrimento da estruturas centralizadas no órgão central – União.


Como se vê, a Lei Complementar 123 vai de encontro aos princípios da boa administração tributária, por isso merecendo ajustes.


Em conclusão pode-se afirmar que houve considerável avanço ao se unificar a legislação que propõe tratamento diferenciado para as empresas de micro e pequeno porte. Simplificar o processo de arrecação reduzindo procedimentos e formulários deve ser uma busca constante da administração. Reduzir a carga tributária de forma a beneficiar os maiores geradores de empregos e propulsores da economia, mais do que um objetivo é uma responsabilidade dos governos. De outro lado, não se pode permitir a interferência na autonomia das unidades federadas sob o prestesto de simplificar processos e procedimentos. O pacto faderativo deve ser, aliás, como previsto no ordenamento constitucional pátrio, cláusula pétrea e sensível a ser observada em todas as ações de governo. Ainda, sob o mesmo pretesto, não se pode dar azo à sagacidade da União em abocanhar competências e recursos, fazendo com que o Brasil, em alguns momentos, seja mais centralizado do que alguns estados unitários.


Finalmente, deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 41 da Lei Complementar 123, devendo as pretensões ali declaradas serem, de forma negociada com todos os entes da federação, reguladas por meio de convênio de cooperação nos moldes previstos no artigo 241, da Constituição Federal de 1988.


 


 


Bibliografia

SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Discriminação de rendas tributárias. São Paulo: José Brushatsky, 1972.

 ELIALI, André – O Federalismo Fiscal Brasileiro e o Sistema Tributário Nacional – São Paulo: MP Editora, 2005.

FENAFISCO/FGV – Federalismo Fiscal, Eficiência e Eqüidade: Uma Proposta de Reforma Tributária – Monografia contratada pela FENAFISCO para a FGV-EPGE Escola de Pós Graduação em Economia, trabalho elaborado a partir de princípios e diretrizes deliberadas pelo Conselho Deliberativo da Entidade e acompanhado por uma comissão específica.

PEREIRA, Hélio do Vale. Manual da Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro. Renovar, 2003.

AVELAR, Matheus Rocha. Os Advogados Públicos e a Ordem dos Advogados do Brasil: sai manifesta dissociabilidade. Jus Navegandi, Teresina, 1520, 30 ago. 2007. Disponível em: <htpp://jus2.uol.com.br/dout.id=10323>. Acesso em: 29 jan. 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. 2. Tiragem, 1993, São Paulo: Malheiros.

artigo “Art. 132 Da Constituição Federal – Interpretação e Alcance no âmbito da Administração Pública – Análise Jurisprudencial”, ZANDONAI, Marisa, As Perspectivas da Advocacia Pública e a Nova Ordem Econômica/Organizadores: Zênio Ventura, Paulo Roney Ávila Fagundez – Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.



 

Notas:

[1] “Federalism in is broadest and most general sense is a principle which conceives the federation as the ideal form of social and political life. It is characterized by a tendency to substitute coordinating for subordinating relationships from above with reciprocity, understanding and adjustment, command with persuasion and force with law. The basic aspect of federalism is pluralistic its fundamental tendency is harmonization and its regulative principle is solidarity”. BOEHM, Max Hildebert. Encyclopedia of the Social Sciences, p. 169-170, op. cit. in O Federalismo Fiscal Brasileiro e o Sistema Tributário Nacional, ELIALI, André, p. 17-18.

[2] SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Discriminação de rendas tributárias. São Paulo: José Brushatsky, 1972, p. 9. Op. Cit. in. O Federalismo Fiscal Brasileiro e o Sistema Tributário Nacional, ELIALI, André, p. 18. 

[3] , ELIALI, André – O Federalismo Fiscal Brasileiro e o Sistema Tributário Nacional – São Paulo: MP Editora, 2005, p. 63.

[4] FENAFISCO/FGV – Federalismo Fiscal, Eficiência e Eqüidade: Uma Proposta de Reforma Tributária – Monografia contratada pela FENAFISCO para a FGV-EPGE Escola de Pós Graduação em Economia, trabalho elaborado a partir de princípios e diretrizes deliberadas pelo Conselho Deliberativo da Entidade e acompanhado por uma comissão específica.

[5] Texto adaptado de GRADE JÚNIOR, Cláudio. A advocacia pública no Estado Democrático de Direito. Jornal o Estado do Paraná –Caderno Direito e Justiça. Curitiba, 27/jun/2004, citado no artigo “Art. 132 Da Constituição Federal – Interpretação e Alcance no âmbito da Administração Pública – Análise Jurisprudencial”, ZANDONAI, Marisa, As Perspectivas da Advocacia Pública e a Nova Ordem Econômica/Organizadores: Zênio Ventura, Paulo Roney Ávila Fagundez – Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.

[6] PEREIRA, Hélio do Vale. Manual da Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro. Renovar, 2003, p.82.

[7] AVELAR, Matheus Rocha. Os Advogados Públicos e a Ordem dos Advogados do Brasil: sai manifesta dissociabilidade. Jus Navegandi, Teresina, 1520, 30 ago. 2007. Disponível em: <htpp://jus2.uol.com.br/dout.id=10323>. Acesso em: 29 jan. 2008.

[8] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Consitucional Positivo. 9.ed. 2. Tiragem, 1993, São Paulo: Malheiros, p. 540.


Informações Sobre o Autor

Washington Luís Batista Barbosa

especialista em Direito Público – Faculdade de Direito Processus, Pós Graduando em Direito do Trabalho – Faculdade Fortium, MBA Marketing – FGV – Fundação Getúlio Vargas, e MBA Formação para Altos Executivos – USP – Universidade de São Paulo, Assistente da Assessoria Jurídica da Diretoria-Geral do Tribunal Superior do Trabalho, Ex Diretor Fiscal da Procuradoria Geral do Governo do Distrito Federal.


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