O direito à educação no ordenamento jurídico argentino e brasileiro

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1. Considerações Iniciais*

O direito à educação como proteção da vida humana não tem fronteira, pois é anterior a qualquer norma, lei ou instituto positivo, até porque os ordenamentos jurídicos de qualquer sociedade não fazem outra coisa senão reconhecê-lo.  Certamente esta foi uma das razões da escolha do tema “O Direito a Educação no Ordenamento Jurídico Argentino e Brasileiro”. Nesse sentido, trata-se de um trabalho acadêmico contextualizado, que não tem a pretensão de aprofundamento nas questões educacionais, mas retratar uma experiência de intercâmbio cultural, bem como identifica as diferenças e semelhanças entre os dois ordenamentos jurídicos em relação ao direito à educação. E aqui, apesar das dificuldades de comparar, sem um conhecimento profundo do sistema jurídico e da cultura Argentina. O contato com a comunidade acadêmica da Faculdade de Direito de Buenos Aires, bem como a identificação do presente tema, com a dissertação de mestrado, intitulada “Educação à Luz do Direito”, motivou-me escrever sobre um tema atual e de interesse da comunidade acadêmica e da sociedade.

Para tanto, no primeiro momento, vamos apresentar breve comentário sobre as fontes internacionais relacionadas com a educação, destacando a concepção do direito à educação como um direito humano e a importância dos tratados e convenções internacionais no contexto da educação; no segundo momento, direito de ensinar e de aprender, sendo o item mais extenso deste trabalho devido a sua identificação com o direito à educação, oportunidade para perceber a relação entre o direito e a educação, bem como de utilizar o direito comparado como instrumento de comparações legislativas; no terceiro momento, vamos tratar de um tema atual e que tem ocupado destaque no cenário jurídico, que diz respeito à responsabilidade civil dos estabelecimentos de ensino; e finalmente vamos apresentar proposta do decano Atílio Aníbal Alterini da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, para uma nova Lei de Educação Superior e comentar a recente iniciativa do governo brasileiro, quando apresentou um. anteprojeto de Reforma. Universitária.

2. Fontes Internacionais Relacionadas com a Educação

O direito à educação no plano internacional tem sido constantemente lembrado nas declarações, tratados, convenções, cartas de princípios, compromissos, protocolos, acordos, que buscam a internacionalização do direito à educação. Este tem como paradigma a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948. No direito argentino, como nos esclarece REGINA MUNIZ, os tratados de direitos humanos, que regulam a educação e que foram constitucionalizados, têm o seu texto extraído da: a) Declaración Americana de los Derechos y Deberes de Hombre; b) Declaración Universal de Derechos Humanos; c) Pacto Internacional de Dedechos Econômicos, Sociales y Culturales, em que os Estados assumem o compromisso com a educação; d) Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos; e) Convención Internacional sobre la Eliminacion de todas lãs Formas de Discriminación Racial; f) Convención Americana sobre Derechos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica); g) Convención sobre la Eliminación de todas lãs Formas de Discriminación contra la Mujer; h) Convención contra la Torturo y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; i) Convención sobre los Derechos Del Nino.

Assim, os tratados de direitos humanos constitucionalizados pelo art. 75, inc. 22 regulam os aspectos relacionados com a instrução e o ensino, como nos ensina o jurista argentino Nestor Pedro Sagués, na sua obra “Elementos de Derecho Constitucional” (2003: p. 525).  Pode ocorrer, no entanto, contradições entre a Constituição e certos tratados. Neste caso, para alguns autores argentinos se aplica o Tratado, mas para outros se aplica a Constituição, considerando que estes tratados são complementares dela, porque não pode modificar a sua parte dogmática (Constituição Nacional – Comentada: p. 71). Vale dizer, também, a importância das reformas constitucionais de 1994 neste tema, embora se mantendo as divergências do ponto de vista teórico. É oportuno mencionar o seguinte comentário:

“Hace uma distinción: lê da a los Tratados, Convenciones y Concordatos sobre derechos humanos aprobados y ratificados (y a aquellos que se incorporen em el futuro), jerarquía constitucional (art. 75 inc. 22)”.

No caso brasileiro, é bem verdade que as regras de direito internacional servem para orientar a formulação e interpretação dos princípios e normas constitucionais, mas a nossa Constituição não incorporou textualmente os tratados e convenções internacionais, como o faz a Constituição Argentina. Hoje, contudo, em primeiro lugar, defende-se a idéia de que o direito à educação deve ser concebido como um direito humano; em segundo lugar, a reforma do judiciário, através da Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, trouxe uma grande contribuição para o direito à educação no nosso país, quando textualmente reconheceu a importância dos direitos humanos. Cabe, também, transcrever o § 3º do art. 5º da Constituição Federal:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Enfim, em que pese as diferenças nos sistemas jurídicos, objeto das nossas reflexões, as fontes internacionais ou os tratados de direitos humanos exercem um papel fundamental para o direito à educação.

3. Direito de Ensinar e de Aprender

Desde logo é importante esclarecer, em primeiro lugar, que os direitos de ensinar e aprender recebem status Constitucional no direito Argentino, basta examinar os artigos 14 c/c 75, inc. 18 da Constituição Nacional Argentina. Estes artigos são tão importantes para o direito à educação, como o art. 205 c/c 206 da Constituição Brasileira. Em segundo lugar, encontramos no ordenamento jurídico Argentino duas Leis Federais como marcos normativos do direito à educação. A Lei Federal de Educação 24.195, que no nosso ordenamento jurídico seria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) e a Lei de Educação Superior 24.521, regulamentada pelo decreto 173/96, mas atualmente objeto de discussão para estabelecer as bases para uma nova Lei de Educação Superior, conforme “Boletin Informativo de la Faculdade de Derecho de la Universidad de Buenos Aires, nº 71 de 14 de julho de 2005”.

No que diz respeito a Lei Federal de Educação – Lei 24195, que explicitamente regulamenta o direito constitucional de ensinar e aprender (art. 1º), programa o “sistema educativo nacional”, em cinco níveis: a) educação inicial, constituída pelo jardim de infância, para crianças de três a cinco anos de idade, sendo obrigatório o último ano; b) educação geral básica, obrigatória, de nove anos de duração a partir dos seis anos de idade, organizada em ciclos; c) educação média, posterior a básica, e de três anos de duração; d) educação superior, a caro de instituições universitárias e de grau universitário; e) a educação de pós-graduação, encontradas nas universidades e instituições acadêmicas (art. 10 e seguintes) (Nestor Pedro Sagüés, 2003: pgs. 213 a 218).

Uma abordagem específica e esclarecedora sobre “direito de ensinar e de aprender” no ordenamento jurídico Argentino, certamente encontramos na obra “Elementos de Derecho Constitucuional”, no Capítulo XXIX, ( págs. 513 a 534). Aqui, para o jurista Nestor Pedro Sagüés o art. 14 da Constituição Nacional representa o paradigma normativo deste tema, quando dispõe:

Derechos civiles.- “Todos los habtantes de la Nación gozan de los siguientes derechos conforme a lãs leyes que reglamenten su ejercicio; a saber; (…) de enseñar y aprender”.

No caso brasileiro, quer seja a legislação constitucional no seu art.6º, que seja a maioria dos doutrinadores, destacam a importância do direito à educação como direito social de segunda geração, até porque a garantia desse direito começou no âmbito do direito público, como direito fundamental, daí ser considerado serviço público educacional. Nesse sentido, no que diz respeito o direito à educação, o constitucionalista brasileiro José Afonso da Silva diz o seguinte:

“O art. 205 contém uma declaração fundamental que, combinada com art. 6º, eleva a educação ao nível dos direitos fundamentais do homem. Aí se afirma que a educação é direito de todos, com o que esse direito é informado pelo princípio da universidade. Realça-lhe o valor jurídico, por um lado, a clausula – a educação é dever do Estado e da família -, constante do mesmo artigo, que completa a situação jurídica subjetiva, ao explicitar o titular do dever, da obrigação, contraposto àquele direito. Vale dizer: todos têm o direito à educação e o Estado tem o dever de prestá-la, assim como a família.” (2003: p. 311).

O direito Argentino, por sua vez, considerar a prestação do serviço educacional como direito público de ensinar e aprender, (Arts. 5º , 75, inc. 2 –CNA) ), porém inclui o mesmo direito como “derechos civiles” (art.14 – CNA) No caso brasileiro, a doutrina, não a legislação, já reconhece o direito à educação com características dos direitos da personalidade, fazendo parte dos direitos inatos – direito à vida – dotado de proteção civil, embora não deixando de ser um direito social fundamental e de interesse público, como sustentam Eduardo Bittar na sua obra Direito e Ensino Jurídico (2001: p.158) ; Limongi França in RT 567/9; Regina Muniz no excelente trabalho “ O Direito à Educação”: pp. 136 à 161 e Rosilene Martins no seu livro “Direito à Educação” : pp. 57 a 94. A propósito, segundo esta autora, “dizer que a educação é um direito da personalidade significa dizer que o referido direito está intimamente ligado à personalidade do homem”. (2004: 74). Compactuamos com os referidos autores, até porque o direito à educação é um direito privado subjetivo absoluto e, ao mesmo tempo, direito público subjetivo fundamental, como já sustentamos em outros trabalhos.

Nestor Sagüés, jurista argentino, já mencionado, identifica e relaciona os direitos de ensinar e de aprender na sua obra da seguinte forma: a) Derecho a ensenar: libertad de enseñanza; derechos de los docentes; libertad de cátedra; estabilidad de los docentes. b) Derecho de aprender: ingreso; medidas disciplinarias y expulsiones de estudiantes; derecho al diploma (Elementos de derecho constitucional, 2003: pgs. 514 a 525). Como se observa, o art. 14  da Constituição Argentina confere “a todos os habitantes da Nação o gozo do direito de ensinar e aprender”, semelhante ao que encontramos no art. 206, II, da Constituição Federal Brasileira, quando dispõe: “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I. II. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”. Vale dizer, ainda, em relação o direito de ensinar na legislação Argentina, que os estrangeiros possuem o mesmo direitos civis dos cidadãos argentino, como dispõe os artigos 20 e 25 da Constituição Argentina:

“Extrangeiros. Derechos. Naturalización.- Los extranjeros gozan em  el território de la nación de todos los los derechos civiles Del cidadano...”(art.20). “Política inmigratoria..-El gobierno federal fomientará la inmigración eurpea: y no podrá restringir, limitar ni gravar com impuesto alguno la entrada em el território Argentino de los extranjeros que traigan por objeto labrar la tierra, mejorar lãs industrias, e introducir y enseñar lãs ciências y lãs artes”.

O direito de ensinar envolve em primeiro lugar de criar ou fundar instituto de estudo de qualquer nível. Esta é uma liberdade de ensinar, que implica na possibilidade de funcionamento das escolas privadas, paralelamente ao Estado, que está obrigado a garantir a todos o acesso ao ensino, através de escolas públicas. Para Nestor Sagués, “não seria constitucional o monopólio estatal em algum setor da educação Argentina, sem prejuízo do direito de o Estado controlar o ensino privado, tanto em seu conteúdo como em seu desenvolvimento e qualidade, em função do seu poder de regulamentação do art. 14 e dos planos de estudos que deve disciplinar, segundo o art. 75, inciso 19”. A liberdade do ensino, também presente no nosso ordenamento jurídico, art. 209 da Constituição Federal (Regina Muniz, 2002: 304). A propósito, a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino é garantida pela nossa Constituição Federal (art.206,III). Além disso, o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209 da CF). É bem verdade, no regime constitucional argentino, o Estado tem a obrigação constitucional de subsidiar as escolas privadas autorizadas (…) Neste caso, com subsídios no pagamento dos salários dos docentes dos estabelecimentos educativos privados, autorizados por aquele”, segundo Miguel Angel (Tratado de derecho constitucional: p. 677). Para REGINA MUNIZ, entre nós, embora não haja previsão legal para o subsídio do setor educacional privado, excetuado o disciplinado no art. 213 da Constituição Federal, que abre as portas do apoio financeiro público às entidades comunitárias, confessionais e filantrópicas, bem como às atividades universitárias de pesquisa extensão, não incluídas, obviamente, as atividades normais por ela (universidades particulares) desenvolvidas, não se pode, certamente, afirmar que o ensino privado não seja subsidiado, dado que o art. 150, VI, alínea c, da Constituição Federal disciplina que, ”sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. Tal mandamento constitucional, segundo a autora, deve ser combinado com o art. 14 do Código Tributário Nacional. Além disso, temos os benefícios às instituições privadas de ensino superior, que estão previstos na Lei 11.096, de 13 de janeiro de 2005 – PROUNI. Devido o aumento da demanda educacional nos estabelecimentos de ensino privados, não podemos deixar de destacar a importância da Lei 9.870, de 23 de novembro de 1999 (Anuidades Escolares), que disciplina as relações juspedagógicas entre alunos, estabelecimentos de ensino e poder público. Aqui, trata-se de uma lei específica do Direito Educacional. (Grifo nosso)

Cabe uma indagação: O Estado é obrigado a criar e manter estabelecimentos educativos?  Sobre o tema, a Constituição (art.5º) obriga as províncias a assegurar a educação primária, bem como análoga obrigação tem o governo federal nas áreas territoriais que lhe compete (2003: p. 514). Em caso de conflito entre os planos educativos das províncias e dos nacionais, haverá de prevalecer a primazia deste último, sempre que existir um razoável interesse federal no caso, como diz o jurista Nestor Pedro Sagüés.  No Brasil, com o advento da Constituição de 1988 (art. 208) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (art. 5º), o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo. E o não oferecimento ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208,I § 2º da CF;  Art. 54 § 1º e 2º do ECA). Enquanto em outros níveis, quer seja no direito brasileiro, quer seja no direito argentino, não há exigência constitucional de ensino obrigatório e gratuito, embora o Estado programe educação secundária (ensino médio) e universitária (terceiro grau) para quem não pode pagar os gastos. Em outras palavras, o princípio da gratuidade do ensino determina que o Estado nacional, as províncias e a atual Cidade de Buenos Aires obriga-se a garantir a gratuidade nos serviços educacionais estatais, em todos os níveis e regimes.  Da mesma forma, no caso brasileiro, a constituição estabelece a gratuidade do ensino público federal, estadual e municipal, também, em todos os níveis, inclusive universitário, conforme dispõe o art. 206, IV da Constituição Federal:

“O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios (…) gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”.

Do direito de ensinar se deduz o direito constitucional de liberdade de cátedra, como se deduz, também, da parte final do art. 14 da Constituição Argentina. Trata-se de um direito em favor dos docentes, mas como qualquer direito cabem limitações razoáveis contidas na lei e na doutrina. Por exemplo, não é absurdo proibir a difusão de ideologia totalitária, tampouco o desrespeito a moral pública (art. 19, CNA), em especial os direitos personalíssimos. Entre nós, a liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, arte e o saber está prevista na Constituição Federal (inc. II do art. 206). E a liberdade de cátedra é entendida como um direito do professor, que poderá livremente exteriorizar seus ensinamentos aos alunos, sem qualquer ingerência administrativa, ressalvada, porém, a possibilidade da fixação do currículo escolar pelo órgão competente (Alexandre de Moraes, 2002: p. 1951).

Agora, cabe investigar: o quê é os direitos de aprender? Estes direitos significam os direitos à educação? Quais são os direitos de aprender? Como se manifesta e se aplica o direito constitucional de Aprender? Para Nestor Sagüés, os direitos de aprender são os direitos de ingresso ou acesso à educação; de continuar estudando e de diploma. Entendemos que, estes, são direitos semelhantes ao direito à educação. Segundo ele, em princípio, o direito de aprender significa liberdade de escolher onde se educar. Em segundo, cabe uma indagação: Existe um direito constitucional à educação gratuita? Aplica-se o direito de ingresso, se o interessado carece de recursos suficientes para educação primária, cuja  prestação deve ser assegurada pelo Estado (art. 5º da Constituição Nacional). Enquanto em outros níveis, como já cometamos, não há exigência Constitucional, embora valioso que o Estado programe a educação em todos os níveis para quem não pode pagar os gastos com a educação.

Com a reforma constitucional de 1994 o art. 75, inciso 19, introduziu algumas idéias novas em matéria educacional, dentro das competências do Congresso que explicita as normas e princípios que regem a educação, a saber: a) consolidação da unidade nacional com o respeito das particularidades provinciais e locais; b) responsabilidade indelegável do Estado com a educação; c) participação da família e da sociedade; d) promoção dos valores democráticos; e) igualdade de oportunidades e possibilidades sem discriminação alguma; f) gratuidade e eqüidade na educação pública estatal. E aqui, segundo Regina Muniz, sobre estes princípios houve um debate prolongado em torno da compatibilidade dos conceitos de “gratuidade” e “equidade”, idéias que devem se somar, posto que não são contraditórias: a eqüidade significa que “se impõe ao Estado o dever de prover os habitantes dos meios suficientes para terem acesso à educação gratuita, com o fim de alcançar, assim, uma efetiva igualdade de oportunidade, se a gratuidade não é suficiente para isso. g) Promoção da investigação e desenvolvimento científico e tecnológico; h) proteção à identidade e pluralidade cultural; i) livre criação e circulação das obras do autor; j) proteção do patrimônio artístico; k) proteção dos espaços culturais e audiovisuais; l) competências das províncias”.

No Brasil a Constituição de 1988 contemplou dez artigos (205 a 214), que abordam de forma ampla os assuntos educacionais. Destacam-se, no entanto, os princípios inovadores em matéria educacional (V. artigos 206 a 208, incisos e parágrafos). Aliás, o direito à matricula representa o primeiro dos princípios do artigo 206, inciso I da Constituição brasileira: “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.

Em relação à inscrição ou matrícula nos estabelecimentos educacionais argentino podem ocorrer impedimentos? Em princípio os impedimentos são inconstitucionais, até porque o direito à educação significa, também, direito à matrícula como direito constitucional  fundamental do interessado. A Corte Suprema de Justicia de la Nación, cujo presidente atual é o doutor Eugênio Zaffaroni, Juiz da Corte – na oportunidade chegamos a entrevistá-lo – “tem dito que certos impedimentos são inconstitucionais como, por exemplo, a decisão da Universidade de Buenos Aires que proibiu a matrícula de alunos pelo fato de ter sido expulso de outras universidades. Aqui, segundo a Corte Suprema, não podia aplicar o impedimento de maneira automática, sem considerar as causas que motivaram tal expulsão, porque isto importaria uma inabilidade perpétua, ou seja, permanente para receber instrução de um órgão oficial, o que seria violação do direito constitucional de aprender”.

Contudo, uma situação especial ocorre quanto ao acesso a institutos privados. Certas correntes sustentam que o direito de ensinar, não cria a relação de obrigação para atender o direito de aprender, que é absoluto em relação às escolas públicas. Porém, a postura mais moderada argumenta que a liberdade de aprender deve ser assegurada em condições razoáveis de ingresso e negando o acesso apenas para aqueles que não reunirem as condições previstas na lei. Vale dizer, segundo esse entendimento, que o direito de admissão e o direito de permanência não podem ser negados arbitrariamente. A propósito, no caso brasileiro, o legislador estabeleceu o princípio da igualdade para o acesso e, ao mesmo tempo, para permanência na escola (art.206, I).

A Lei 24.195 – Lei Federal da Educação, no caso Argentino, estabelece direitos e deveres tanto para os educandos, como para os pais. Por um lado, os alunos devem ser respeitados em sua liberdade de consciência, convicções religiosas, morais e políticas; a prova de avaliação tem que responder a critérios científicos e fundamentos; e por própria determinação os alunos podem fundar associações, centros ou clubes, para funcionar nas unidades educativas. Igualmente tem o direito a receber educação em quantidade e qualidade suficiente e, orientações vocacional, acadêmica e profissional-ocupacional (art.43) Por outro lado, os pais contam com o direito de escolher para seus filhos a instrução educacional cujo ideal corresponda as suas convicções éticas, filosóficas e religiosas. Além disso, ele deve ser informado sobre a evolução dos estudos de seus filhos (art.44).

No que diz respeito ao direito a diploma, significa dizer que  é uma conseqüência do direito constitucional de matricula e de aprender.  É reconhecido o direito de obter o diploma, desde que o interessado satisfaça, também, as exigências acadêmicas e administrativas correspondentes. O estrangeiro, por sua vez, gozam na Argentina desses mesmos direitos, ou seja, de receber um título universitário, em igualdade de condições com os argentinos (art.20 CNA).

4. Responsabilidade dos Estabelecimentos Educacionais       

A responsabilidade civil tem ocupado destaque no cenário jurídico brasileiro, devido às profundas modificações de concepção de dano moral e material, que está ocorrendo atualmente. Da mesma forma, a responsabilidade dos estabelecimentos educacionais. Estes celebram contratos de prestação serviço educacional, mas devido ao aumento da demanda educacional no contexto das instituições de ensino particular, aumentaram as demandas judiciais.

No caso do direito argentino, embora com predominância do ensino público, a responsabilidade dos estabelecimentos educacionais privados e, ao mesmo tempo, estatais está prevista textualmente no Código Civil de La República Argentina, com nova redação que lhe deu a Lei Federal de Educação 24.830, que é o marco normativo da educação no ordenamento jurídico argentino. Nesse sentido, estabelece o art. 1117 da legislação civil que:

“Os proprietários de estabelecimentos educacionais privados e estatais serão responsáveis pelos danos causados ou sofridos por seus alunos menores quando se acharem sob o controle da autoridade educativa, salvo se provarem o caso fortuito. Os estabelecimentos educativos deverão contratar um seguro de responsabilidade civil. A tais efeitos, as autoridades jurisdicionais devem tomar as medidas para o cumprimento da obrigação precedente. A presente norma não se aplicará aos estabelecimentos de nível terciário ou universitário”.

Além disso, a responsabilidade dos estabelecimentos de ensino tem por fundamento o dever de vigilância, que foi transferido pelos pais ou pelos responsáveis dos menores aos estabelecimentos de ensino, privado ou público, que só podem elidi-la provando caso fortuito, o que configura, assim, segundo o que dispõe o art. 1117 do Código Civil Argentino, embora nenhuma referência faz à culpa.

Entre nós, a responsabilidade dos estabelecimentos de ensino esta prevista no artigo 932, IV, e 933 do Código Civil, e pode ser dividida em: a) responsabilidade do estabelecimento de ensino em relação à terceiro por atos de seus educandos; b) e responsabilidade do educandário em relação aos seus alunos. E aqui, a responsabilidade que tem por fundamento o dever de vigilância transferido pelos pais ou responsáveis dos menores ao estabelecimento de ensino, incide tanto para os danos causados pelos alunos a outros alunos ou a terceiros, como pelos próprios funcionários ou professores da instituição de ensino. Da mesma forma, o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu a responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores de serviços em relação aos danos causados aos seus hospedes, educandos etc. Se não bastasse, esclarece Sergio Cavalieri Filho, “o parágrafo único do art. 927 do Código Civil também estabeleceu responsabilidade objetiva direta para todos os que desenvolvem atividades de risco, isto é prestam serviços”. (2005: p. 217). Vale lembrar, também, que a presunção de responsabilidade fundada na culpa “in vigilando” não alcança o professor universitário, porque ele não tem o dever de vigilância sobre os estudantes, até porque por serem maiores

Para Carlos Roberto Gonçalves, em síntese, esclarece que, no caso dos educadores, não há incompatibilidade entre o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor a respeito dos prestadores de serviço em geral e o novo Código Civil, pois ambos acolheram as responsabilidades objetivas, independentes de culpa. No Programa de Responsabilidade Civil, obra consagrada pela comunidade jurídica, Sergio Cavalieri Filho ressalta que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também se vem firmando no sentido de enquadrar no Código do Consumidor a responsabilidade dos hotéis, educandários e outros estabelecimentos fornecedores de serviços pelos danos causados aos seus hóspedes ou educandos. (2005: p. 218/219) Serve de exemplo, prossegue o autor, um caso concreto:

“Alunos de um colégio que danificaram o elevador do edifício onde funcionava o estabelecimento de ensino. Na ação de indenização movida pelo condomínio contra o colégio, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o réu faltou com a necessária vigilância, indiferente à indisciplina dos alunos no interior do edifício, pelo quê o condenou a reparar os danos, assegurando-lhe, todavia, o direito de ação regressiva contra os responsáveis pelos menores e contra os alunos maiores que participaram dos fatos determinantes dos danos (RJTJSP 25/611)”.

Por fim, quer seja no direito argentino, quer seja no direito brasileiro, a responsabilidade civil dos estabelecimentos de ensino ocupa um lugar de destaque na legislação, doutrina e jurisprudência, contribuindo, assim, para o direito à educação, bem como para  as interfaces entre a educação e o direito.

5. Reforma Universitária – Lei de Educação Superior

O direito à educação superior é o tema do momento para a comunidade acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, até porque a comunidade não está satisfeita com a atual Lei da Educação Superior 24.521, como tivemos oportunidade de constatar no Curso de Investigação Jurídica que participamos na Argentina. Da mesma forma, chegando ao Brasil tomamos conhecimento que a versão definitiva do anteprojeto de Reforma Universitária foi entregue pelo ministro da Educação ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aqui no Brasil, salvo o Decreto 3.274/99, a rigor, não existe uma Lei de Educação Superior propriamente dita, e sim diferentes legislações esparsas que regulam a educação superior, que serão alteradas.

No caso da Argentina, as razões são de ordem constitucional e do Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais da ONU ( Nova York,1966), que tem hierarquia constitucional segundo o art. 75 ,inciso 22º, da Constituição Nacional Argentina, atribuindo a todo habitante o direito de aceder, “sobre a base da capacidade”, a uma educação superior progressivamente “gratuita” ( art.13,inc. 2-c).   Para tanto, o documento del decano de la Facultad de Derecho de la Universid de Buenos Aires apresenta as bases para uma nova Lei de Educação Superior, para melhorar as condições de funcionamento das instituições educativas do nível superior e garantir a igualdade de oportunidades e igualdade de possibilidades para todos os setores da população. Eles sustentam, em suma, que a legislação da Educação Superior seja adequada às pautas do Projeto de Nação desenhado pela Constituição Nacional com esses critérios, como um dos perfis do Contrato Social que no vincula aos argentinos, como afirma o decano Atílio Aníbal Alterini e o Secretario Acadêmico Gonzalo Alvarez, em Buenos Aires, em junho de 2005.

No caso brasileiro, o Ministro da Educação apresentou uma versão do Anteprojeto da Lei de Educação Superior, ao contrário dos decretos, para discussões, debates e sugestões da comunidade acadêmica e da sociedade, envolvendo os professores, estudantes, técnico-administrativo, pesquisadores e representantes de entidades acadêmicas, da comunidade científica, do movimento social e do setor produtivo. Estabeleceu que a instituição interessada em apresentar novas sugestões de mudanças deveria encaminhar suas propostas até o dia 30 de junho de 2005. Em seguida, 29 de julho de 2005, o Ministro da Educação apresentou a versão final da reforma universitária ao Presidente da República para encaminhar a câmara Federal.

Com o advento da Lei da Educação Superior as redes públicas e particulares de ensino superior vão sofrer muitas mudanças, que certamente deverão adaptar seus estatutos e regimentos no prazo previsto na lei. Mudanças também vão ocorrer no Plano Nacional de Educação, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, bem como em diversas normas que complementam o cenário do Direito Educacional e dos diferentes aspectos da educação superior. E aqui, o Estado, a sociedade e a comunidade acadêmica têm uma grande responsabilidade social, até porque o Brasil têm, também, sérios problemas em matéria educacional.

Para João Roberto Moreira Alves, Presidente do IPAE, o anteprojeto de Lei da Educação Superior apresenta avanços e retrocessos. Do ponto de vista político, dividir a responsabilidade social da educação, através dos debates, discussões e opiniões, certamente consiste em avanços na educação. Contudo, algumas propostas do governo não estão agradando a comunidade acadêmica e a sociedade.

Esperamos que, com as sugestões apresentadas pela sociedade, o Congresso Nacional melhore o Projeto de Reforma Universitária.

Considerações Finais

Devido à abrangência do tema e falta de um conhecimento profundo dos fatores de toda ordem, que estão por detrás de qualquer ordenamento jurídico, procuramos destacar alguns aspectos do direito à educação no ordenamento jurídico argentino e brasileiro. O tema é um convite, em especial, para reflexão da comunidade jurídica e educacional, pois observamos em ambos ordenamentos jurídicos que o direito à educação deve ser visto, também, na ótica dos direitos humanos, até porque pela sua própria natureza e característica. E aqui, direito à educação não tem fronteira e os governos e as sociedades de todas as nações tem uma responsabilidade social com a educação do povo. E muito podem contribuir, para a igualdade de oportunidade e acesso à educação, mas, sobretudo para uma igualdade real de condições e permanência na escola.

Enfim, o tema direito à educação é um terreno fértil para os estudantes, pesquisadores da área educacional e jurídica, educadores, juristas e operadores do direito, que tem no Direito Educacional* contribuições efetivas para o estudo e prática das relações entre o direito e a educação, bem como um instrumento de transformação e inclusão social na área educacional.

 

Referência Bibliográficas
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CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9. ed. rev. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002).- São Paulo: Saraiva, 2005.
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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.
Boletin Informativo de la Faculdad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires. Ano 4/numero 71 – 14 de Julio de 2005.
Notas
* *Trabalho acadêmico elaborado para o Curso de Perfeccionamento e Investigación Jurídica entre La Universidade  Estácio de Sá Y La Universidade de Buenos Aires – Facultad de Derecho, Buenos Aires: Julio de 2005 – Trabalho apresentado no V Encontro de Pesquisadores do Direito da UNESA, em 19 de agosto de 2005.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Nelson Joaquim

 

Advogado (UFRJ), mestre em Direito (UGF), Pós-graduação em Direito Civil, Romano e Comparado (UFRJ), Pós-graduação com especialização em Educação à Distância (SENAC), Professor universitário de curso de graduação em Direito, ministra a disciplina de Direito Educacional no Curso de Pós-graduação de Gestão Educacional e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

 


 

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