Perfil constitucional do direito à saúde: natureza jurídica, eficácia e efetividade

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Resumo: O presente estudo analisa a natureza jurídica do direito à saúde, perpassando os conceitos de aplicabilidade, vigência, validade, eficácia e efetividade das normas, para adentrar a discussão sobre este é um preceito programático ou de eficácia plena. Examinam-se, ainda, o alcance e os efeitos do dispositivo constitucional de aplicação imediata previsto no artigo 5º, parágrafo 1º, da Carta Maior, invocando-se o princípio da máxima efetividade como ponto de conciliação teórica e efetivação prática, bem como abrindo caminho para breves reflexões quanto à judicialização da saúde e a seus pressupostos de sustentação e legitimação.

Palavras-chave: Direito Constitucional, direitos fundamentais, saúde, natureza jurídica, máxima efetividade.

Sumário: 1.Introdução. 2. Direito fundamental à saúde: natureza, eficácia, aplicabilidade e efetividade. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.

1. Introdução.

Compreender um instituto é o primeiro passo para concretizá-lo. Com a crescente judicialização da saúde e a busca por critérios mais precisos e equânimes na Administração Pública e no Poder Judiciário, é fundamental delinear um arcabouço teórico claro no que diz respeito à natureza jurídica do direito à saúde.

A análise perpassa os conceitos de aplicabilidade, vigência, validade, eficácia e efetividade das normas, para adentrar a classificação dos dispositivos constitucionais quanto a sua eficácia e aplicabilidade.

Com isso, chega-se à delicada discussão sobre a natureza do direito à saúde como norma programática ou como preceito de eficácia plena. A esse ponto, cumpre estabelecer o alcance e os efeitos do dispositivo constitucional de aplicação imediata previsto no artigo 5º, parágrafo 1º, da Carta Maior, examinando se ele estabelece ou não a uniformização dos direitos fundamentais como normas de eficácia plena.

Nesse contexto, invoca-se o princípio da máxima efetividade, como ponto de conciliação teórica e efetivação prática, abrindo caminho para breves reflexões quanto à judicialização da saúde e a seus pressupostos de sustentação e legitimação.

2. Direito fundamental à saúde: natureza, eficácia, aplicabilidade e efetividade.

O direito à saúde é definido como direito fundamental social, nos moldes do artigo 6º da Constituição Federal:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

O artigo 196 da Carta Maior, por seu turno, estabelece os alicerces constitucionais da tutela à saúde:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Esse arcabouço normativo suscita relevante discussão quanto a sua natureza jurídica, com relevantes reflexos para a discussão sobre a sindicabilidade judicial do tema.

Uma corrente de pensamento argumenta que, pela redação do artigo 196, trata-se de norma de eficácia limitada de natureza programática, o que implicaria aplicabilidade mediata e, para alguns, inviabilizaria a sua cobrança direta perante o Poder Judiciário em caso de ausência de espécie infraconstitucional – lei, decreto ou portaria, por exemplo – que concretize a política pública.

Outra corrente, por seu turno, afirma que se trata de direito fundamental, e, segundo preceito expresso do artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Segundo essa corrente, o direito à saúde tem aplicabilidade imediata e, inclusive, para certos autores, eficácia plena.

O melhor entendimento é o ponto médio entre os anteriores: o direito à saúde é norma programática – pois é o que deflui naturalmente da redação do preceito –, porém com máxima efetividade e possibilidade de concretização pelo Judiciário em caso de inércia do Administrador, nos termos do artigo 5º, parágrafo 1º, da Carta Maior.

Para melhor exame da matéria, convém introduzir brevemente os conceitos jurídicos de aplicabilidade, vigência, validade, eficácia e efetividade da norma, bem como as classificações dos preceitos constitucionais quanto a sua eficácia e efetividade.

Aplicabilidade é “a qualidade que uma norma tem de incidir”[1],de ser aplicada aos casos concretos. Essa aplicabilidade pode ser direta ou indireta. Será direta quando a norma não precisar de espécie infraconstitucional para incidir completamente sobre as situações da vida, como ocorre com o preceito “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” (artigo 5º, inciso XX, da Constituição). Será indireta quando a norma constitucional necessitar de outra espécie infraconstitucional para incidir sobre as situações da vida, como se observa no dispositivo “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” (artigo 5º, inciso VII, da Constituição). Aqui, tem-se um comando ao legislador ou ao administrador, para que editem novas espécies normativas e viabilizem a incidência indireta da norma constitucional sobre os fatos da vida.

Validade é a compatibilidade sistêmica da norma, “formal e substancialmente, com os ditames da constituição”[2]. Decorre de ter emanado de autoridade competente, de ter observado o devido processo legislativo, de respeitar os preceitos constitucionais (tanto no caso das espécies infraconstitucionais, que devem observância a toda a Carta Maior, como também no caso das próprias emendas à constituição, que devem fidelidade às cláusulas pétreas).

Vigência é “a qualidade que faz uma norma existir juridicamente e que a dota de observância obrigatória”[3]. Deriva, no prisma formal, do fato de ter a norma sido publicada e promulgada.

Eficácia é “a capacidade da norma de produzir efetiva ou potencialmente os efeitos previstos, seja de forma fática, seja técnico-normativa”[4]. Ela se desdobra em eficácia jurídica e em eficácia social (ou efetividade). Eficácia jurídica é a “aptidão técnica da norma para produzir os efeitos visados”[5] e é identificada por alguns autores com a aplicabilidade[6]. Decorre, no prisma formal, do término do período de vacatio legis. Eficácia social ou efetividade, por seu turno, é a constatação de que a norma está efetivamente regendo a realidade social, bem como de que ela está sendo concretamente observada nos situações da vida[7], conduzindo ao efetivo alcance dos objetivos almejados[8].

A partir desses conceitos, as normas constitucionais podem ser classificadas, quanto a sua eficácia e aplicabilidade, em normas de eficácia plena, normas de eficácia contida (ou contível) e normas de eficácia limitada (as quais, por seu turno, subdividem-se em normas de princípio institutivo e normas programáticas). Trata-se da classificação formulada por José Afonso da Silva[9], mais usual na doutrina pátria.

Normas de eficácia plena são as que têm aplicabilidade direta, imediata e integral. Elas dispensam complementação normativa infraconstitucional para sua concretização e também não admitem nenhuma restrição no plano infraconstitucional. É o exemplo da norma do artigo 5º, XX, da Constituição (“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”).

Normas de eficácia contida (ou contível) são as que têm aplicabilidade direta e imediata, porém não necessariamente integral, pois a própria Constituição autorizou o legislador ordinário a restringir o alcance do preceito. É o caso do artigo 5º, XIII, da Constituição (“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”).

Por fim, normas de eficácia limitada são as que têm aplicabilidade indireta e mediata, pois sempre necessitam de complementação normativa infraconstitucional (quer legislativa ou administrativa) para sua concretização fática. É o que ocorre com o artigo 5º, XXXII, da Constituição (“o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”). São os chamados comandos ao legislador ou ao administrador, para que editem normas complementares que viabilizem a concretização do preceito constitucional, o qual, por seu turno, veiculou propósitos a serem alcançados.

Essas normas de eficácia limitada subdividem-se, conforme a classificação de José Afonso da Silva, em normas de princípio institutivo e normas de princípio programático. Normas de princípio institutivo são as que veiculam a obrigação de o legislador criar certos procedimentos ou institutos, como o procedimento de desapropriação (artigo 5º, XXXII) ou o instituto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (artigo 102, parágrafo 1º). Já as normas de princípio programático constituem as chamadas normas-tarefas, delimitando objetivos ou fins gerais visados pelo Estado, a serem perseguidos pelo legislador e pelo administrador, sobretudo no campo social. São metas a serem cumpridas na maior medida do possível, mediante a intervenção concretizadora infraconstitucional.

É certo que existem várias outras classificações. Dentre as mais clássicas, destaca-se a formulada por Vezio Crisafulli[10] (normas de eficácia plena – que não demandam complementação normativa para sua plena aplicabilidade –, e normas de eficácia limitada – que demandam tal complementação normativa). Na mesma linha geral de bipartição, também se apontam a taxonomia de Ruy Barbosa[11] e a de Pontes de Miranda[12] (normas autoexecutáveis, self-enforcing, self-acting ou bastantes em si – que não necessitam de complementação normativa – e normas não autoexecutáveis, not-self-enforcing, not-self-acting ou não bastantes em si – que necessitam dessa complementação).

Dentre as classificações mais modernas, pode-se apontar a idealizada por Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto[13], tratando de normas de aplicação e normas de integração. As normas de aplicação correspondem às de eficácia plena e se subdividem em normas de aplicação irregulamentáveis (as que têm aplicabilidade imediata, direta e não comportam sequer atividade regulamentadora) e normas de aplicação regulamentáveis (que incidem direta e imediatamente, porém contam com uma regulamentação, que é meramente auxiliar, e não integrativa). Já as normas de integração se dividem em restringíveis/infringíveis (correspondentes às de eficácia contida ou contível) e complementáveis (que correspondem às de eficácia limitada).  Também tem relevância a classificação de Maria Helena Diniz[14], a qual acrescenta à taxonomia de José Afonso da Silva as normas de eficácia absoluta ou supereficazes, que não podem ser afetadas sequer por emendas constitucionais, como é o caso das cláusulas pétreas.

De todo modo, sintetizando os pontos comuns entre todas essas classificações, o importante é destacar que, pela forma como foi redigido o artigo 196 da Constituição e pela sua essência (a saúde é prevista como direito “garantido mediante políticas sociais e econômicas”, que visem ao acesso universal, igualitário e integral), trata-se de norma de eficácia limitada de princípio programático, a qual pode ser definida também como não bastante em si, not-self-acting, bem assim norma de integração complementável [15].

O preceito constitucional estabelece objetivos a serem buscados pelo administrador e pelo legislador, impondo-lhes a tarefa de editarem normas infraconstitucionais que veiculem as políticas públicas mediante as quais se garantirá o direito à saúde, como fim a ser perseguido. A Constituição não evidencia diretamente o que deve ser feito e, por isso mesmo, necessita de complementação normativa para sua concretização, motivo pelo qual a aplicabilidade é indireta, como é a característica das normas de eficácia limitada.

Por outro lado, o artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição, dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Sobre esse dispositivo, dois pontos merecem destaque: seu alcance e seus efeitos.

Quanto ao alcance, verifica-se que, apesar de o preceito se encontrar no artigo 5º – que trata essencialmente dos direitos individuais e coletivos –, sua incidência não se restringe a eles, pois o preceito é expresso ao afirmar que os direitos fundamentais em gerale não apenas os individuais e coletivos – têm aplicação imediata. Estão incluídos, portanto, os direitos sociais[16].

Quanto aos efeitos, discute-se se esse parágrafo teria o condão de transformar todos os direitos fundamentais – inclusive o direito à saúde, que tem natureza de preceito de eficácia limitada – em normas de eficácia plena, com aplicabilidade direta e imediata.

A resposta é negativa. A classificação de uma norma decorre de sua natureza. Se o dispositivo não contém o comando completo, que baste para o cumprimento pelo administrador, ele terá eficácia limitada, independentemente de ser ou não um direito fundamental. De nada adiantaria afirmar artificialmente que determinada norma tem eficácia plena, pois isso não mudaria o fato de que, se não for editada uma complementação infraconstitucional, o administrador continuará sem ter a dimensão exata do que deve ser feito para cumprir o comando constitucional. É o que explica Manoel Gonçalves Ferreira Filho[17]:

“A intenção que a ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas fiquem letra morta por falta de regulamentação. Mas o constituinte não se apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas na sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja: quando a condição de seu mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro e determinado. Do contrário ela é não-executável pela natureza das coisas.”

Qual seria, então, o efeito do princípio da aplicação imediata, inscrito no artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição? Os efeitos são dois: um no plano interpretativo e outro no plano dos fatos.

No plano interpretativo, o dispositivo reafirma o princípio da máxima efetividade[18] ou da interpretação efetiva, segundo o qual se deve conferir à norma constitucional – notadamente em matéria de direitos fundamentais – a interpretação que maior efetividade lhe proporcione, ou seja, que favoreça ao máximo a realização concreta dos propósitos da norma no plano dos fatos. Reafirma-se, ainda, sob uma perspectiva mais geral, o princípio da força normativa da constituição[19], consoante o qual o intérprete deve densificar ao extremo os preceitos constitucionais, conferindo-lhes a interpretação que forneça maior eficácia, permanência e alcance à Carta Maior como um todo.

No plano dos fatos, o dispositivo enfatiza a possibilidade que o cidadão e a coletividade têm de, no caso de inadequação do legislador ou do administrador na definição ou na atualização da complementação normativa, buscar o Poder Judiciário para ver concretizado o direito.

Deveras, a natureza de norma de eficácia limitada impede que o administrador forneça determinada terapêutica sem que ela esteja prevista nas portarias e demais espécies definidoras das políticas públicas estatais de saúde. Entretanto, se a inadequação ou incompletude da complementação normativa estiver inviabilizando a aplicação imediata do direito fundamental à saúde, e esse fato for provado em Juízo, o administrador não poderá afirmar simplesmente que o direito à saúde é inexigível naquele caso concreto, por se tratar de norma constitucional de eficácia limitada.

Pelo contrário: o princípio da aplicação imediata dos direitos fundamentais vem afirmar que, se a política pública do administrador for irrazoável ou inadequada àquele caso, cumprirá ao Poder Judiciário analisar o tema e concretizar o direito, determinando o fornecimento da terapêutica que se mostrar correta e razoável.

Não se há falar, no caso, em violação à separação de poderes. O julgador não está assumindo o lugar que seria próprio do Administrador, mas sim constatando a violação a direitos por parte do poder público – quer por ação ou por omissão – e adotando as providências necessárias para sanar essa violação. É esse o papel próprio do Judiciário, em atenção ao princípio do acesso à justiça, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Nessa linha, Luís Roberto Barroso[20] dispõe que “a ausência de lei integradora, quando não inviabilize integralmente a aplicação do preceito constitucional, não é empecilho à sua concretização pelo juiz, mesmo à luz do direito positivo vigente”.

Examinando especificamente o tema da saúde, Maria Elisa Villas-Bôas[21] esclarece que “em caso de necessidade imediata, pode o julgador concretizar a norma em questão para a solução do caso sub judice”.

É o no mesmo sentido o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.”[22]

“Se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável (…) afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á (…) a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.”[23]

O rumo é também trilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo o princípio do acesso à justiça e a possibilidade de concretização de direitos pelo Judiciário quando o legislador falhar em sua tarefa constitucional:

“Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.

Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.”[24]

Evidentemente, é imperioso ter em vista o princípio da conformidade funcional[25] ou justeza, segundo o qual há de prevalecer a interpretação condizente com a separação de poderes idealizada pela Constituição, sem excessos e nem insuficiências na aplicação dos institutos pelos Poderes.

O Judiciário pode e deve intervir quando a política pública comprovadamente for inadequada para a tutela à saúde, mas apenas nesse caso, e na justa medida do razoável e proporcional. A intervenção concretizadora do julgador pressupõe a insuficiência ou inadequação da atuação do administrador e, por isso mesmo, os dois primeiros elementos a serem considerados na judicialização são, de um lado, se há ou não política pública; e, de outro, se ela é ou não razoável para o caso em análise. Trata-se, com efeito, da concretização recíproca e intercolaborativa dos princípios da máxima efetividade, do acesso à justiça e da conformidade ou justeza.

3. Conclusão.

A definição da natureza das normas não decorre de um ato de vontade ou da relevância dos direitos por elas assegurados. Decorre, sim, da forma como o preceito se efetiva e dos pressupostos concretos que, no plano dos fatos, são indispensáveis a sua concretização.

O direito à saúde tem natureza de norma constitucional programática, e seria artificial e inócuo classificá-la como norma de eficácia plena. O preceito de aplicação imediata do artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição, não tem o condão de converter todos os direitos fundamentais em normas de eficácia plena, pois esse é um aspecto que se encontra no plano do sein – do ser e dos fatos, independentemente da vontade humana –, e não do sollen – do dever-ser.

Nada obstante, o ponto que realmente interessa para a tutela e concretização dos direitos fundamentais não está na esfera da eficácia e nem na da aplicabilidade, mas sim na da efetividade. O aspecto relevante na proteção do direito à saúde não é lhe conferir artificialmente eficácia plena, e sim lhe atribuir efetividade ou eficácia social.

Nesse contexto, o preceito de aplicação imediata do artigo 5º, parágrafo 1º,  tem dois efeitos essenciais: o interpretativo – reafirmando o princípio constitucional da máxima efetividade – e o fático – reforçando o acesso ao Poder Judiciário para realizar o direito fundamental à saúde, quando a atuação mediatizante da Administração Pública for insuficiente.

Esse preceito, associado ao princípio do acesso à justiça, solidifica o arcabouço legitimador para que o Poder Judiciário concretize o direito à saúde, mas apenas caso a política pública se mostre objetivamente inadequada ou ausente, e na estrita medida do indispensável, em um constante diálogo entre os princípios da máxima efetividade e da conformidade funcional.

 

Referências
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Notas:
[1]     BRITO, Edvaldo. Limites da Revisão Constitucional, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993, p. 57. Em sentido similar, FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Aplicabilidade e interpretação das normas constitucionais. In: Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990, p. 14-15.

[2]     SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 55.

[3]     CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle Judicial das Omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 76-77, seguindo definição de José Afonso da Silva (op. cit., p. 52)

[4]     VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. Direito à saúde, políticas públicas e demandas judiciais: quando a realidade e os direitos fundamentais se chocam. Salvador: Juspodium, prelo editorial, p. 124.

[5]     Idem, ibidem.

[6]     SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 66.

[7]     Idem, p. 13.

[8]     ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 18.

[9]     SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 81.

[10]    CRISAFULLI, Vezio. Stato, popolo, governo: illusioni e delusioni costituzionali. Milão: Dott A. Giuffré Editore, 1985.

[11]    BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal Brasileira. Coligidos e coordenados por Homero Pires. v. 2. São Paulo: Saraiva & Cia, 1932.

[12]    MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969. v.I. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 126.

[13]    BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.

[14]    DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

[15]    VILLAS-BÔAS, Maria Elisa, Direito à saúde, políticas públicas e demandas judiciais: quando a realidade e os direitos fundamentais se chocam. Salvador: Juspodium, prelo editorial, p. 144.

[16]    MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 831.

[17]    FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 102.

[18]    BRITTO, Carlos Ayres.  Teoria da Constituição. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 198. SILVA NETO, Manoel Jorge e. O Princípio da Máxima Efetividade e a Interpretação Constitucional. São Paulo: LTR, 1999, p. 95.

[19]    MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 178.

[20]    BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. 4.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 140.

[21]    VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. Direito à saúde, políticas públicas e demandas judiciais: quando a realidade e os direitos fundamentais se chocam. Salvador: Juspodium, prelo editorial, p. 145.

[22]    RE 393175 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006, DJ 02-02-2007 PP-00140 EMENT VOL-02262-08 PP-01524.

[23]    ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191.

[24]    AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010.

[25]    SILVA NETO, Manoel Jorge e. O Princípio da Máxima Efetividade e a Interpretação Constitucional. São Paulo: LTR, 1999, p. 82 et seq.


Informações Sobre o Autor

Eduardo da Silva Villas-Bôas

Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia e Advogado da União com atuação na Procuradoria-Geral da União, perante o Superior Tribunal de Justiça.


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