Resumo: Este trabalho busca definir o Instituto do Recall Político, oriundo dos Estados Unidos da América, como meio de deposição de mandatos políticos, diretamente, pelo eleitorado brasileiro. Procura demonstrar que o Recall se trata de método hábil para a busca da moralidade e da ética política no Brasil. Tem, ainda, como objetivo a analise do instituto em um contexto histórico e comparativo ao direito internacional e ao próprio ordenamento interno, contextualizando-o contemporaneamente, estabelecendo nexos da sua importância e da necessidade de implementação dentro da Constituição Nacional. Analisa o Recall de acordo com o Sistema Democrático Nacional, mostrando que o povo, como detentor do poder, tem o direito de escolher sobre a permanência ou não dos seus representantes nos cargos eletivos gerenciais do país.
Palavras chaves: Recall. Instituto. Destituição. Revogação. Mandato Político.
Abstract: This study seeks to define the Institute of Political Recall, coming from the United States, as a dismissal instrument of political mandates, directly by the Brazilian electorate. Seeks to show that the Recall it is effective method for the pursuit of morality and ethics policy in Brazil. It also has the objective of the institute's analysis in a historical and comparative context of international law and domestic law itself, contextualizing it contemporaneously, establishing links of its importance and the need for implementation within the national constitution. Analyzes the Recall according to the National Democratic System, showing that the people, how can the holder has the right to choose on the permanence or not their representatives in management elective offices in the country.
Keywords: Recall. Institute. Dismissal. Revocation. Political Office.
Sumário: Introdução. 1. O Conceito de Recall Político. 2. Historicidade e Direito Comparado. 3. A Distinção entre RECALL e o IMPEACHMENT. 4. O Recall e o Sistema Democrático Brasileiro. 5. Emenda Constitucional nº73 de 2005: Emenda do Recall. 6. A Inserção do Recall nos Termos da Constituição de 1988.
INTRODUÇÃO
O processo eleitoral no Brasil é realizado a cada quatro anos e busca selecionar pessoas, dentro de uma sociedade, capazes de atuar com fulcro na competência funcional exigida para o cargo a ser ocupado. Segue regras jurídicas próprias e garante que a democracia seja respeitada e que os representantes sejam escolhidos de acordo com o voto soberana do povo.
Seguindo a premissa da representatividade política e considerando o fato de que o povo é o detentor do poder, não há como divergir da ideia de que o povo deve reavaliar os seus representantes, não a cada quatriênio, nas novas eleições, mas de acordo com a necessidade, durante o mandato representativo conferido a eles, caso não se verifique a competência, a moral e o respeito aos eleitores.
No Brasil tem-se uma demasiada pluralidade de partidos políticos, alguns gigantescos e com ramificações em todo território nacional, outros menos expressivos e restritos a algumas regiões centrais. Fato é que, a cada processo eleitoral, milhares de candidatos, muitos deles sem qualquer conhecimento do que seja atuar em representação, decidir de acordo com a vontade popular ou do que seria deter o poder e manuseá-lo de acordo com sua essência fundamental, se habilitam na condição de pretensos representantes e, por desconhecimento ou ignorância da população, conseguem chegar ao meio político.
Denota-se, em alguns casos, que sequer os eleitores conseguem discernir a capacidade do agente político em face da responsabilidade do cargo. Com isso muitos desses agentes não correspondem aos desejos do eleitorado e como lhes faltam, em alguns casos, o conhecimento da posição que ocupam, são facilmente manipulados pelos interesses partidários ou pelos demais membros políticos que se perpetuam no poder em face da inocência de seus eleitores.
Porém, tais situações, mesmo que aos poucos, vêm mudando de panorama e observa-se, principalmente diante das manifestações populares recentes, que o povo vem ganhando maturidade política e exigindo dos seus representantes posturas mais condizentes com o bem comum do povo, o respeito às instituições, a competência gerencial, ética e probidade que se traduzem em moralidade administrativa, princípio constitucional expresso.
Vários são os fatores que fazem com que o povo brasileiro esteja descrente com política nacional e, sem dúvida alguma, a corrupção é o maior deles.
Todos os dias nos diversos meios de comunicação vêm-se aflorar dezenas de denúncias sobre desvio de dinheiro público, obras milionárias não acabadas, má gestão ou mesmo gestão coordenada para benefício de uma minoria, enfim, constantes atos de corrupção que se tornam mais visíveis e revoltantes quando se observa a falência do sistema público de saúde, a educação arruinada, o crescente índice de violência não só nas grandes cidades, mas também nos confins do país em um fenômeno que se pode denominar de “interiorização do crime” e que ocorre em face da precariedade logística e falta de recursos humanos para o combate à violência nesses locais, além de outros aspectos que causam profunda consternação à população que já não crê em possibilidades de mudanças.
É certo e já foi aqui dissertado que o país passa por um processo de amadurecimento político da população, porém, esse não é um processo rápido, pelo contrário, demanda muito tempo para que a política brasileira seja realmente decente e competente, demanda tempo para que o povo desenvolva uma disciplina consciente no sentido de que cada cidadão reconheça seu papel e suas responsabilidades na escolha do seu candidato, demanda tempo para que a confiança entre representado e representante seja consolidada e a soberania nacional ganhe força.
E é de acordo com esse entendimento e com o respeito às essas premissas exaradas e aos princípios que regem o ordenamento jurídico pátrio, em especial a dignidade da pessoa humana, que surge a necessidade de uma avaliação das ações e atitudes dos políticos em detrimento da representação política dos cargos por eles ocupados.
Nesse contexto, verifica-se que o povo, como titular absoluto do poder que é único e indivisível, no entanto exercido de forma harmônica entre o legislativo, o executivo e o judiciário, deve possuir mecanismos capazes de decidir, sem intervenção destes ditos “três poderes” ou de qualquer outra instituição, em um processo democrático, a permanência ou não do político eleito no cargo como representante do povo.
É com base nesse escopo que o Recall Político se faz a ferramenta adequada para que o povo decida sobre os rumos da política brasileira, sem que isso gere insegurança jurídica, pelo contrário, para que isso garanta uma respeitabilidade mais asseverada tanto em âmbito interno quanto internacional, proporcionando o crescimento do país.
1. O CONCEITO DE RECALL POLÍTICO
Antecedendo à definição, propriamente dita, do que vem a ser o termo “Recall Político”, é preponderante uma persecução etimológica da palavra Recall a fim de delimitar as bases de estudo e desenvolvimento deste trabalho.
O Recall é um substantivo masculino, palavra proveniente da língua inglesa e que se traduz, em termos da língua portuguesa, basicamente, como sinônimo de convocação, revogação, anulação ou mesmo destituição, assim definida pelo dicionário Aulete[1], que também o explica como nome do procedimento em que o fornecedor convoca, por meio de anúncios veiculados na imprensa, os compradores de seu produto, quando constatado um defeito de fabricação, a fim de corrigi-lo antes que cause acidente, prejuízo ou danos ao consumidor.
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Também pode se dizer que a palavra, em um conceito pátrio, representaria a possibilidade de se rever e consertar algo que não está, de fato, funcionando como deveria. É o restabelecimento da função original de algo que apresentou vício.
O Recall Político analisado de forma contemporânea e, em primeiro momento adstrito ao Brasil, se estigmatiza como sendo o instituto necessário para devolver aos nacionais a capacidade de mudança relacionada à recomposição dos integrantes do poder legislativo e executivo, de forma que uma melhor gestão, conduzida pelos eleitos, potencialize a administração da máquina pública, perpetrando com que o “fazer” política no Brasil seja encarado com probidade e respeito, não só às leis expressas, mas também em relação à população que a cada quatriênio deposita suas esperanças nos candidatos em prol de um país com mais justiça social, com plena capacidade de auto desenvolvimento em todos os setores e, ainda, deseja ver sua soberania respeitada em detrimento de um bom governo, alicerçado pela ética e pela competência gerencial.
Este instituto, ainda pouco conhecido e discutido no Brasil, é definido por diversos doutrinadores, dentre eles Maria Benedita Malaquias Pires Urbano[2], ao destacar que o povo tem o poder de eleger os seus representantes e, dessa forma, deverá também deter o poder de destituí-los quando estes frustrem as expectativas neles depositadas, antes de expirar o prazo relativo ao cargo que estão a exercer. E a doutrinadora continua, afirmando que a eventual revogação terá lugar por via de uma eleição em que o povo seria questionado sobre a pretensão de manter ou não as funções o representante visado. Em poucas palavras, trata-se de uma substituição antecipada de representantes.
Acerca do assunto, o ex-ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, também se manifestou e proferiu importante comentário se dizendo inteiramente favorável ao instituto Recall Político, relatando que seria medida adequada à nossa realidade e que teria o efeito muito claro de criar uma identificação entre o eleito e o eleitor e de impor ao eleito responsabilidade para com quem o elegeu.
Alicerçando o entendimento doutrinário supramencionado, verifica-se o verdadeiro detentor do poder, disposto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[3], em seu artigo 1º, único, que aduz que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termos da Magna Carta.
Com base nessa premissa de autoridade do povo, dentre outras, foi que o Brasil adotou o sistema de Estado Democrático de Direito, o qual se norteia pela preservação de direitos e garantias fundamentais conforme artigo 5º, caput, da Constituição Federal.
Relacionando os citados dispositivos constitucionais com o capítulo IV da Constituição Federal, que trata Dos Direitos Políticos, observamos o exarado no artigo 14, que estipula sobre a soberania nacional, de forma a ressaltar que esta é exercida pelo sufrágio universal, pelo voto direto com valor igualitário para todos os cidadãos brasileiros, por meio de institutos como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.
No mencionado artigo 14 da Constituição da República Federativa do Brasil, assim como nos demais, não se vê previsão do direito de extirpação direta do político eleito e, com isso, surge o questionamento sobre a possibilidade de se retirar do poder aqueles representantes eleitos pelo povo, de forma direta, ou seja, assim como o povo os colocou no poder, por meio do voto direto e sem interferência dos poderes legislativo, executivo e judiciário na escolha popular do candidato, caberia ao povo a decisão unilateral de retirá-los de lá, caso não haja satisfação da população quanto à representatividade política do eleito.
É o povo que decide quem vai os representar por meio das eleições e se essa representação não condiz com a expectativa depositada neles, é o próprio povo que deveria deter o poder, de maneira direta, de retirá-los da posição de destaque gerencial a qual foram alçados.
Dessa forma, o Recall Político, no Brasil, se assim houvesse, seria definido como um instituto de revogação popular de mandatos eletivos, utilizado pelo eleitorado, de maneira direta, sem intervenção dos poderes constituídos, em razão de ser o povo o detentor de tal poder. Trata-se de mecanismo de participação democrática com vistas ao controle de mandatos eletivos conferidos individualmente a candidatos eleitos que não corresponderam aos anseios de seus eleitores e consequentemente aos dos demais brasileiros.
2. HISTORICIDADE E O DIREITO COMPARADO
Historicamente, o que se assemelha ao Recall Político no Brasil remonta do período imperial, mais precisamente no ano de 1822, quando, em 16 de fevereiro foi instituído um Decreto[4] pelo príncipe regente Dom Pedro I, o qual criou o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil, composto pelo próprio D. Pedro I e pelos ministros e secretários de Estado. Este Conselho tinha como atribuições, dentre outras, o aconselhamento do príncipe, quando houvesse solicitação, para resolução de questões importantes ou de difícil acordo.
Os Procuradores que compunham o Conselho eram nomeados por eleitores, conforme a determinação do Decreto. A composição do Conselho se dava na proporção de um Procurador para cada quatro deputados que integravam as Cortes, de acordo com o percentual de cada província até o limite de três Procuradores, ou seja, a província que contasse com até quatro deputados teria um procurador, província com cinco até oito deputados teriam dois procuradores e província com mais de oito deputados teriam três procuradores.
Este mesmo Decreto de 16 de fevereiro de 1822 ascendeu a situação de revogação dos mandatos e a consequente destituição dos eleitos para compor o Conselho de Procuradores, por intermédio da decisão de eleitores, nas hipóteses destes eleitos não cumprirem com as obrigações impostas para o cargo. Esta foi a primeira constatação, no Brasil, do instituto que hoje se denomina Recall Político.
O Conselho de Procuradores foi extinto após a Assembleia Constituinte de 1823, que visava à elaboração da Constituição de 1824.
Ainda no Brasil, as primeiras Constituições dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo trouxeram a possibilidade de interposição do Recall, mas por pouco tempo, logo esta hipótese foi retirada destes ordenamentos.
Já na Assembleia Constituinte de 1987, que precedeu à edição da atual Constituição Nacional, cogitou-se a inserção do Recall, com a denominação de “voto destituinte”, porém, sem sucesso.
Todavia, o Recall Político ganhou força e conhecimento global em detrimento da Carta de Los Angeles nos Estados Unidos da América, quando, em 1903, Theodore Roosevelt, delimitou os parâmetros legais para a hipótese de destituição de mandatos eletivos.
O primeiro Estado norte americano a aderir ao Recall Político foi a Califórnia, em 1911. De lá para cá, neste Estado, há relatos esparsos de que quatro governadores teriam perdido seus cargos em detrimento do instituto. Atualmente, nos Estados Unidos, não há previsão legal do Recall em âmbito federal, porém, doze Estados e mais de mil municípios aplicam o Recall Político como medida eficaz no combate à incompetência e a corrupção.
Em outras regiões do mundo, em épocas distintas, verifica-se, ainda, a interposição do Recall em consonância com a política, como é o caso do artigo 71 da Constituição de Weimar de 1919.
A respeito dessa história do Recall Político pelo mundo, Adrian Sgarbi[5], em sua obra O Referendo, ressalta que é possível se deparar em outros sistemas e com diversas oscilações terminológicas a previsão do Recall, como em algumas províncias da Argentina e nas antigas Constituições das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Não obstante a analise do Recall Político no Brasil, verifica-se a presença deste instituto em diversas outras nações, como é o caso dos Estados Unidos da América, já mencionado, e em outros países, dentre os quais a Alemanha, Suíça, Venezuela e Argentina.
Na Suíça, verifica-se um instituto parecido com o modelo de Recall Político aqui estudado, trata-se do Abberufungsrecht, que, traduzindo, pode ser destacado como Direito de Revogação. Este direito diverge-se do Recall Político pensado para o Brasil, no limite de que aquele permite a dissolução de toda uma Assembleia ou Parlamento, ao contrário deste que teria como objetivo principal a extirpação individual do político eleito.
Dessa forma, destaca-se o Abberufungsrecht, como direito de revogação coletiva de mandatos políticos.
O doutrinador Paulo Bonavides[6] em sua obra Ciência Política destaca que o Abberufungsrecht é previsto em sete regiões que este autor denomina “cantões” e um “semi-cantão” do Estado Suíço.
Na Alemanha, assim como na Suíça, o direito de revogação é de caráter coletivo, vez que possibilita a extinção de todo o parlamento ou assembleia por questões éticas, morais ou mesmo de falta de competência.
Já no continente americano, a Venezuela, país limítrofe ao Brasil, há previsão legal para o que eles denominam “Referendo Convocatório”, disciplinado pelo artigo 72 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela[7].
A Argentina surge como mais um país latino que prevê constitucionalmente a revogação de mandatos políticos. O instituto está inserido no artigo 66 da Constituição Argentina[8].
O modelo de revogação na forma que se conhece, com o nome de Recall, termo já estudado e de origem norte-americana, é entendido nos Estados Unidos da América como a possibilidade de revogação do mandato político do indivíduo que não conseguiu assegurar a confiança popular por questões ético/morais em detrimento de uma boa gestão.
Há previsões constitucionais em diversos outros países, não só os citados, da possibilidade de revogação de mandatos políticos em detrimento da incapacidade ética e moral ou gerencial de um cargo eletivo.
Destaca-se, no direito comparado, a inserção deste instituto em países como Cuba e Venezuela que vivenciam certa “ditadura” mitigada, onde se perpetua o poder de acordo com ideais partidários ou pessoais, ou mesmo de forma hereditária, em que o poder se confina nas mãos de uma estirpe.
3. A DISTINÇÃO ENTRE O RECALL E O IMPEACHMENT
Outro ponto de destaque no que diz respeito às formas de destituição de cargos políticos no país, é o Impeachment ou impedimento, determinado pela Lei 1.079 de 10 de abril de 1950.
O Impeachment, em voga atualmente, uma vez que o Brasil se encontra mergulhado em uma profunda crise econômica de abrangência mundial aflorada no ano de 2009, e, ainda, inserido em uma completa desordem política que se iniciou em 2013 por ocasião de manifestações populares, diga-se de passagem, com momentos de violência, espalhadas por todo o território nacional, contrárias a atos do governo federal e tendo como foco principal a insatisfação com a realização da Copa do Mundo no ano seguinte, diverge-se do Recall Político em vários pontos, inclusive quanto aos agentes passivos dos institutos.
O Impeachment se destaca por ser meio de extirpação do chefe do poder executivo, seja ele federal, estadual ou municipal, o que também o seria o Recall Político, caso houvesse previsão constitucional deste instituto, mas com fundamentos diversos. No entanto, o Impeachment, tem como premissas as práticas de crimes de responsabilidade definidas pela Lei 1.079 de 1950, cometidos pelos chefes do poder executivo, dessa forma, somente estes podem figurar como possíveis agentes do polo passivo no processo de Impeachment.
O Impeachment depende, ainda, de uma manifestação em forma de denúncia feita por qualquer cidadão, acerca de atos praticados de forma contrária aos ditames da Lei 1.079/50, vide artigo 14 do diploma, o que poderia ser uma forma direta de o povo retirar do poder os maus políticos, não fosse a necessidade de recebimento de tal denúncia pela Câmara dos Deputados, em caso de âmbito federal. É a Câmara que decide sobre o início ou não do processo de julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade e não o próprio cidadão. Fato semelhante ocorre nas Assembleias Legislativas dos Estados e Câmaras Municipais.
O Recall Político diferencia-se do Impeachment por atingir qualquer ocupante de cargo público eletivo, seja ele chefe do executivo ou parlamentar, o que se faz mais justo, tendo em vista que os parlamentares estariam de certa forma, “blindados”, por não haver um meio próprio capaz de controlar as ações destes personagens políticos.
Salienta-se que o Recall teria, ainda, um viés próprio de capitulações delitivas e de ingerências que abrange não só a prática de crimes, tais como os de responsabilidade, mas também relacionados à capacidade de gestão dos políticos, isto é, a habilidade de conduzir a máquina pública de forma competente e moral, garantindo o crescimento econômico, social e o respeito aos eleitores, sem prejuízo de outras premissas públicas.
4. O RECALL E O SISTEMA DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
O Sistema Democrático Brasileiro é tido como um regime político em que todos os cidadãos elegíveis têm o direito de participar da vida pública do país, por meio de eleições, plebiscitos e/ou referendos e, assim, se constata a premissa do disposto no artigo 14 da Constituição da República Federativa do Brasil.
A Constituição da República trata, em vários pontos do diploma, sobre a participação do povo na vida pública do país. Reserva o artigo 1º para dissertar sobre a definição do Estado Democrático Brasileiro e seus fundamentos, dispõe no artigo 5º sobre os direitos e deveres individuais de toda pessoa e sobre os direitos coletivos, o artigo 8º fala sobre a participação sindical, separa o capítulo IV para exarar sobre os direitos políticos de cada cidadão e o artigo 14 da Constituição delimita os parâmetros para o exercício desses direitos.
Além do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular estipuladas no referido artigo 14, o Recall Político poderia e deveria, plenamente, ser inserido em tal dispositivo, como forma de participação popular na vida política do país e da manifestação do direito político de cada cidadão. O Recall consistiria, nestes termos, em um poder do cidadão de ver seus direitos respeitados e seus anseios atendidos.
5. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº73 DE 2005: EMENDA DO RECALL
Em 2014, encerrou-se a tramitação, com arquivamento no Congresso Nacional, de uma proposta de Emenda à Constituição[9] de autoria do então Senador da República Eduardo Suplicy, que tratava da inserção do instituto do Recall nos termos do artigo 14 da Constituição.
A Emenda pretendia mudar não só o disposto artigo 14, mas também o artigo 49 da Constituição com vistas a inserir o Recall Político como fundamento para o controle das ações de políticos no Brasil.
De acordo com a proposta de Emenda, seria inserido o artigo 14-A com redação dizendo que após um ano da data da posse nos respectivos cargos, o Presidente da República, ou os membros do Congresso Nacional, poderiam ter seus mandatos revogados por referendo popular. Ressalta que o mandato de Senador poderia ser revogado pelo eleitorado do Estado por ele representado, assim como estabelece a hipótese de dissolução da Câmara dos Deputados, convocando-se nova eleição, que deveria ser realizada no prazo máximo de três meses. Tal referendo se realizaria por iniciativa popular, dirigida ao Superior Tribunal Eleitoral, e exercida, conforme o caso, mediante a assinatura de dois por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por sete Estados, com não menos de cinco décimos por cento em cada um deles, ou mediante a assinatura de dois por cento do eleitorado estadual, distribuído pelo menos por sete Municípios, com não menos de cinco décimos por cento em cada um deles.
Os signatários da iniciativa popular deveriam declarar o seu nome completo, a sua data de nascimento e o Município onde têm domicílio eleitoral, sendo vedada a exigência de qualquer outra informação adicional.
O referendo para revogação do mandato do Presidente da República poderia também realizar-se mediante requerimento da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dirigido ao Tribunal Superior Eleitoral e seria considerado sem efeito, se a soma dos votos nulos e em branco corresponder a mais da metade do total dos sufrágios expressos.
Se o resultado do referendo fosse contrário à revogação do mandato eletivo, não poderia ser feita nova consulta popular sobre o mesmo assunto, até a expiração do mandato ou o término da legislatura.
Deveria, o referendo, ser regulado de acordo com a nova redação do artigo 14 e seria convocado pelo Superior Tribunal Eleitoral. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam regular, em suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas, o referendo revocatório dos mandatos do chefe do Poder Executivo e dos membros do Poder Legislativo.
A nosso ver, a proposta de emenda constitucional que busca a interposição do Recall como instrumento de controle e fiscalização de mandatos políticos se destaca pelo caráter impositivo nos comandos destinados a regular os meios de processamento do instituto de revogação política.
A proposta estabelece, ainda, parâmetros para que o Recall seja utilizado de forma consciente e não se transforme em objeto de manipulação política do eleitorado, divergindo-se totalmente dos propósitos elencados para a utilização do recurso.
Determina que, decorrido um ano da legislatura, seja ela do chefe do executivo, seja dos membros do poder legislativo, o povo será chamado a se manifestar sobre a permanência, ou não, do eleito no cargo, tendo em vista a atuação dele nos atos políticos durante o período.
6. A INSERÇÃO DO RECALL NOS TERMOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Diante da análise do Recall em todas as suas formas, verifica-se que se trata de uma hipótese plausível para a moralidade da política nacional.
Não se pode, porém, enxergá-la como sendo a salvação dos problemas instaurados nesta república, os demais recursos como o próprio processo de Impeachment, o referendo, o plebiscito e o voto popular são medidas capazes de corroborar para o desempenho ético, competente e responsável da gestão pública, bastando, somente, que sejam manuseados da maneira correta, de acordo com a destinação de cada qual.
A proposta de Emenda Constitucional apresentada neste trabalho não se trata da única tentativa de instituição do Recall no país, pois em várias outras oportunidades já foram apresentadas propostas semelhantes, no entanto esta recente proposta analisada se traduz a forma mais perfeita de definição e processamento do instituto.
Não se pode, no entanto, deixar de analisar o fato de tal parecer ter sido rejeitado e consequentemente arquivado pelo Congresso Nacional, demonstrando-se, assim, mais um ato de imoralidade da política brasileira.
Os nacionais, em sua maioria, sequer tiveram conhecimento dos termos da proposta ou mesmo foram chamados a se manifestar sobre o assunto, aduzindo-se mais uma vez que o poder do povo encontra-se mitigado pelos interesses pessoais de seus representantes.
Inadmissível que a emenda do Recall não tenha sido sopesada em sua essência e discutida com a seriedade que merece, pois, em caso de aprovação, o que se vê distante de uma realidade, vários seriam os políticos, em especial os componentes do legislativo, que perderiam seus mandados em detrimento do novo dispositivo constitucional, muitos por despreparo, outros tantos por incompetência, porém, a maioria por atos antiéticos e imorais que culminam em corrupção, considerada, hoje, o câncer da política brasileira.
Dessa forma, verifica-se que os interesses dos políticos prevalecem sobre os interesses dos eleitores, uma vez que tal proposta afetaria diretamente os membros do executivo e legislativo, impedindo ou, ao menos, diminuindo as chances de realização de desvios de verbas em benefício próprio.
Informações Sobre o Autor
Welton Lucas Humberto
Bacharel em Direito, Graduado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (unibh)