Repercussões das ações diretas de inconstitucionalidade nº 4.357 E nº 4.425 sobre os precatórios judiciais: do regime especial de pagamento ao sequestro de verbas públicas

Resumo: O regime dos precatórios sofreu relevantes alterações recentemente, sobretudo a partir da edição das Emendas Constitucionais nº. 30/2000 e nº. 62/2009 e, principalmente, após as decisões proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade nº. 4.357 e nº. 4.425. Tratam-se de modificações que impactaram de forma significativa na disciplina da execução de quantia certa promovida em face da Fazenda Pública, refletindo em importantes aspectos, como, por exemplo, na existência de preferências entre os credores, nos índices de atualização monetária e juros de mora, na possibilidade de compensação – além de outras formas alternativas de pagamento –, na instituição de regimes especiais para os entes que estão mora e, finalmente, no sequestro de verbas públicas. O presente artigo objetiva examinar com pormenores a configuração do panorama apresentado pelos precatórios judiciais após estas recentes mudanças, além analisar outras importantes questões ainda pendentes de enfrentamento, identificando as possíveis tendências a serem adotadas pela sistemática dos precatórios.

Palavras-chave: Execução – Precatórios Judiciais – Emenda Constitucional nº. 62/2009 – ADIs nº 4.357 e nº. 4.425 – Sequestro de verbas públicas.

Sumário: 1. Introdução. 2. A Emenda Constitucional nº. 62 e alterações na Constituição. 2.1. As principais alterações produzidas no art. 100 da Carta Magna. 2.2. Regime especial de pagamento introduzido no art. 97 do ADCT. 3. O julgamento das ADIs nº 4.357 e nº. 4.425. 4. Modulação temporal determinada na “questão de ordem” na ADI nº 4425. 5. O Sequestro de verbas públicas. 6. Conclusão.

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1. Introdução

O presente estudo pretende abordar e sistematizar as principais repercussões das decisões proferidas nas ADIs nº 4.357 e nº. 4.425, mediante as quais se impugnou uma série de dispositivos introduzidos pela Emenda Constitucional nº. 62/09 no artigo 100 da Constituição Federal e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), como, por exemplo o artigo 97, que instituiu um regime especial de pagamento de precatórios para Estados e Municípios.

Nas referidas ações diretas, o Supremo Tribunal Federal (STF) posicionou-se pela parcial procedência do pedido, declarando, portanto, a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional nº 62/09, conforme será descrito nas páginas seguintes. Posteriormente, em 25 de março de 2015, em sede de “questão de ordem” na ADI nº 4.425, a Corte optou por modular os efeitos daquelas decisões, fixando o entendimento sobre, entre outros aspectos, a observância de manutenção temporária do regime especial por 05 (cinco) exercícios financeiros a contar de 1º de janeiro de 2016.

A Corte determinou que após este marco temporal, a atualização monetária dos créditos em precatórios deverá se dar pelo índice de preços ao consumidor amplo especial (IPCA-E) e, especificamente no tocante aos precatórios de natureza tributária, deve haver a incidência dos mesmos critérios de correção aplicado aos créditos tributários titularizados pela Fazenda Pública.

Com relação às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial de pagamento de precatórios criado pelo artigo 97 do ADCT, foram reputadas como válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, mas tão somente aqueles que forem expedidos até a data da decisão na mencionada “questão de ordem”, isto é, até 25 de março de 2015.

 Portanto, não subsistirá a quitação de precatórios por essas modalidades a partir desta data. Além disso, manteve-se a possibilidade de realização de acordos diretos pela Administração Pública, porém, desde que observada a ordem preferencial dos credores, devendo seguir orientação expressa de acordo com lei específica da Fazenda devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado.

Mostram-se salutares os entendimentos fixados pela Corte, e também benéficos os parâmetros estabelecidos para a produção dos efeitos das decisões proferidas. A fixação de eficácia prospectiva aos efeitos da decisão certamente fornece uma grande oportunidade para que os entes federativos logrem superar a mora nos pagamentos de precatórios, e, seguindo no regime especial de pagamento durante o período fixado, se organizem em relação aos seus débitos.

Além de abordar as principais questões enfrentadas nos julgados, considera-se relevante atingir uma compreensão satisfatória acerca da forma de pagamento dos precatórios, bem como sobre o cenário que levou à instituição do regime especial extinto. Finalmente, cabe examinar o importante mecanismo de índole coercitiva voltado para a satisfação dos créditos em face da Fazenda Pública e ao respeito à ordem cronológica de pagamento: o sequestro de verbas públicas.

2. Emenda Constitucional nº. 62/2009 e alterações na Constituição

2.1. As principais alterações sofridas pelo artigo 100 da Constituição

A Emenda Constitucional nº 62/2009 acrescentou os parágrafos 7º a 16 ao artigo 100 da CF[1], além de conferir nova redação aos dispositivos já constantes deste artigo. O poder constituinte derivado, ao editar a referida emenda, buscou alterar significativamente o regramento constitucional da execução de quantia em face da Fazenda Pública, que se efetiva mediante o regime dos precatórios judiciais e das requisições de pequeno valor (RPV)[2].

Estes dispositivos merecem destaque por representarem as balizas centrais do regime posterior à emenda, bem assim por terem sido objeto de amplos debates nas ações diretas em foco, sendo oportuno abordar as principais normas deles extraídas.

O §1º e §2º constituem exceções à ordem geral de pagamento de precatórios. Trata-se de débitos que, em razões de particularidades relativas à sua natureza ou a requisitos preenchidos pelos credores, são inseridos em ordens de pagamento distintas daquela. O §1º elenca os débitos de natureza alimentícia, que já eram considerados uma exceção à ordem geral, conforme constava do art. 100, caput, na redação anterior à emenda.

O §2º, com a redação atribuída pela EC nº 62, instituiu uma ordem preferencial[3] voltada apenas ao pagamento de créditos titularizados por idosos – isto é, pessoas com idade superior a 60 anos – e por sujeitos portadores de doenças graves –. É importante registrar que antes de tal previsão, a única preferência conferida aos idosos era a prioridade na tramitação processual, regra geral constante da Lei nº. 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Inexistia, portanto, qualquer diferenciação relativa aos idosos credores da Fazenda Pública no âmbito do regime de precatórios.

Ao seu turno, o § 3º consagra o regime das requisições de pequeno valor, no qual estão inseridos os débitos da Fazenda Pública que não ultrapassarem determinados limites. Nesse sentido, os débitos inseridos nessa sistemática também se situam à margem dos débitos contidos no sistema de precatórios. Em âmbito federal, o limite para adesão ao regime das requisições de pequeno valor é de 60 (sessenta) salários mínimos, conforme se extrai do artigo 17, §1º, Lei 10.259/01.

Já esferas estaduais e distrital, a matéria permanece sob o regramento do art. 87 do ADCT até que se verifique a publicação de leis específicas e definidoras pelos respectivos entes. Nos termos do referido artigo, os limites são de 40 (quarenta) salários mínimos perante as Fazendas dos Estados e do Distrito Federal e de 30 (trinta) salários mínimos perante as Fazendas dos Municípios.  

O §5º contempla a obrigatoriedade de os entes públicos devedores incluírem em seus orçamentos as dotações destinadas à satisfação dos débitos constantes de precatórios judiciais. O parâmetro estabelecido pelo dispositivo é a apresentação dos precatórios, que deve ocorrer até o dia 1º de julho a fim de que surja para o ente a obrigação de pagamento até o final do exercício financeiro seguinte. Essa inclusão é salutar para a efetivação do pagamento dos débitos fazendários e para a tramitação do regime de precatórios, o qual, vale registrar, se deve ao fato de que os bens públicos são impenhoráveis[4].

O §6º complementa o procedimento descrito no parágrafo anterior, ao definir que as dotações orçamentárias e os créditos abertos devem sem consignados ao poder judiciário, de modo que, caberá ao Presidente do Tribunal de onde emanou a decisão condenatória, determinar o pagamento integral.

No mesmo dispositivo, a Constituição elenca duas hipóteses nas quais o credor pode requerer ao Presidente do Tribunal o sequestro da quantia respectiva, são elas, na preterição de seu direito de preferência ou no caso de a Fazenda Pública não incluir no seu orçamento a dotação destinada à satisfação de seu débito, nos moldes descritos supra[5]. Trata-se de mecanismo que mitiga a regra da impenhorabilidade dos bens públicos, o que suscita diversos debates, consoante será abordado mais adiante.

Nos §9º e §10, a Emenda Constitucional nº 62 instituiu o regime de compensação dos débitos dos credores da Fazenda Pública. Segundo prelecionam aqueles enunciados normativos, cuida-se de uma compensação a ser realizada no momento anterior à expedição dos precatórios, com base nas informações fornecidas pela Fazenda Pública devedora no prazo de 30 dias a contar da solicitação feita pelo Tribunal.

Por meio do §12, o legislador buscou definir os índices a serem utilizados para fins de correção monetária e juros de mora dos débitos fazendários inscritos em precatórios. Com efeito, determinou-se a incidência do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança entre as datas da expedição do precatório e do pagamento do requisitório, a título de atualização monetária daqueles débitos. Com relação aos juros de mora, o dispositivo prevê a aplicação de juros simples no mesmo percentual dos juros incidentes sobre a caderneta de poupança, o que deve se dar a partir do fim do prazo constitucional para pagamento.

Finalmente, o §15 permite que lei complementar institua o regime especial para pagamento de créditos de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, abordando-se, inclusive, temas como vinculações à receita corrente líquida e forma e prazo de liquidação. Nesse sentido, a EC nº 62 instituiu um regime dessa natureza, voltado a vigorar enquanto não sobrevier a referida lei complementar, conforme será descrito a seguir.

2.2. Regime especial de pagamento introduzido no artigo 97 do ADCT

Pela EC nº 62/2009 foi introduzido no artigo 100 da Constituição o §15, o qual concedeu autorização para que o legislador ordinário, por meio de lei complementar, institua um regime especial para pagamento de precatórios por estados, distrito federal e municípios.

Cuidou a referida Emenda, entretanto, de instituir um regramento especial destinado a vigorar enquanto aquela lei complementar não fosse editada, o que fez mediante a inserção do artigo 97 do ADCT. Trata-se de um dispositivo que contém 18 parágrafos que veiculam um detalhado tratamento da moratória concedida àqueles entes federativos para o pagamento de seus precatórios, e que impõem um sistema de contingenciamento de recursos para essa finalidade. Necessário, neste ponto, abordar a sistemática elencada neste dispositivo, ainda que de modo sucinto.

Nos termos do artigo 97, caput, o regime se destina aos entes federativos que, ao tempo da publicação da EC nº 62, “estejam em mora na quitação de precatórios vencidos, relativos às suas administrações direta e indireta, inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime especial instituído por este artigo”. Pelo regramento ali versado, os entes federativos podem optar por saldar seus precatórios por meio de uma das formas previstas no §1º[6].

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O regime a que faz alusão o §1º, inciso I, prevê um depósito mensal, em conta criada para esta finalidade, de 1/12 do valor calculado percentualmente sobre a receita corrente líquida do ente federativo, até que os valores depositados alcancem o somatório dos precatórios devidos, nos moldes dos parágrafos 2º e 14.

Por seu turno, o regime descrito no §1º, inciso II, consiste na disponibilização de um prazo de 15 anos para que os entes políticos devedores venham a saldar seus precatórios. Para tanto, o dispositivo exige depósito anual, também em conta especialmente vinculada, do valor total dos precatórios devidos dividido pelo número de anos restantes dentro daquele prazo.

Prosseguindo no tratamento da sistemática, o artigo 97 define que, assim como em ambos os regimes acima descritos, os recursos depositados devem ser destinados ao pagamento dos precatórios. Consoante preconiza o § 6º, ao menos 50% dos recursos depositados pelo ente federativo na conta especial devem ser utilizados para saldar precatórios em ordem cronológica de apresentação. O restante deve ser aplicado na forma de leilão na modalidade deságio, pagamento à vista e/ou pagamento por acordo direto com os credores, no teor dos parágrafos 8º, I, II, III e 9º, VII.

Consoante se observa, o regime aludido acima veiculou nova moratória à administração pública devedora, ao lhe conceder o prazo de 15 anos para o pagamento de seus débitos. Insta registrar que o cumprimento das sentenças condenatórias desfavoráveis pelo poder público já fora agraciado com uma moratória de 10 anos, instituída pela EC nº 30/2000. Em razão desta circunstância, e com fulcro em diversos dispositivos constantes do regramento trazido pelo artigo 97, este foi objeto de impugnação nas ações diretas a que alude tal dispositivo, conforme será abordado adiante.

3. O julgamento das ADIs nº. 4.357 e nº. 4.425

Neste ponto, examinaremos os entendimentos exarados em sede das mencionadas ações diretas de inconstitucionalidade, as quais, vale esclarecer, foram conjuntamente julgadas, sendo os respectivos acórdãos publicados em 14 de março de 2013.

Cabe antecipar que o plenário do STF acolheu parcialmente os pedidos de inconstitucionalidade. Primeiramente, no tocante ao §2º do artigo 100, haviam sido impugnadas as expressões “na data de expedição do precatório” e “até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no §3º deste artigo”.

Quanto a esta última, sustentava-se que a natureza alimentar dos pagamentos devidos aos credores idosos e portadores de doenças graves deveria admitir o pagamento integral dos créditos, sob pena de se retirar a eficácia da decisão condenatória transitada em julgado.

No entanto, conforme bem explicitado no voto do relator, o Min. Ayres Britto, esse regime veio a instituir a preferência específica aos mencionados credores, a qual não existia anteriormente, sequer em menor medida. Com isso, os débitos por eles titularizados, ainda que dentro dos referidos limites, apenas migram da lista dos precatórios alimentícios para a lista criada pelo aludido §2º, afastando a possibilidade de vulneração da eficácia da decisão. Ademais, a nova preferência guarda notável compatibilidade com os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Por outro lado, com relação à expressão “na data de expedição dos precatórios”, entendeu o STF pela existência de inconstitucionalidade diante da discriminação injustificada frente àqueles que viessem a completar os sessenta anos de idade na pendência do pagamento, mas após a expedição do precatório. Com efeito, ante a carência de justificativa para aquela discriminação, entendeu a Corte que o parâmetro adotado violaria o princípio da igualdade, o que lhe inquina de inconstitucionalidade.

O pedido de inconstitucionalidade também recaiu sobre o regime de compensação instituído pelos §9º e §10 do art. 100. Conforme mencionado, trata-se de um regime de compensação que autoriza a sua ocorrência de forma unilateral e automática, o que, na visão do Supremo, representa um acréscimo indevido de prerrogativa processual à Fazenda Pública, vale dizer, uma superioridade processual colidente com a garantia do devido processo legal e consectários, como o contraditório participativo e a ampla defesa.

Ademais, reconheceu-se que, no aspecto pragmático, este seria um mecanismo passível de gerar a frustração da satisfação dos créditos reconhecidos em juízo, comprometendo garantias constitucionalmente asseguradas, como a celeridade do feito e a duração razoável do processo[7]. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela inconstitucionalidade do regime de compensação instituído pelos mencionados dispositivos, por ofenderem, o desenvolvimento adequado e efetivo da atividade jurisdicional, além de ser um fator que, por certo, colabora com a descrédito que a sociedade tem depositado na performance do poder judiciário.

O §12, por sua vez, obteve sua inconstitucionalidade declarada no tocante aos trechos “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” (também constante do art. 97, § 1º, II e § 16, ADCT), por traduzir um parâmetro inidôneo à atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, e “independentemente de sua natureza”, porquanto o aludido índice não seria apto a pautar o cálculo dos juros de mora em matéria tributária.

Por isso, entendeu-se que o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança não possui aptidão para refletir a perda de poder aquisitivo da moeda, o que lhe torna inapto a manter um equilíbrio econômico-financeiro entre os sujeitos da relação jurídica. A questão é que a Constituição assegura a manutenção do valor real da moeda no tocante ao elemento quantitativo das obrigações de pagar, o que só é viável mediante a aplicação de um índice que reflita a real desvalorização da moeda em um dado período. No caso do regime de precatórios, fala-se do interregno compreendido entre a expedição do precatório e data do efetivo pagamento[8].

Diante do entendimento de que o índice adotado pelo legislador constituinte derivado não é idôneo ao fim a que se propõe – refletir a corrosão da moeda gerada pelo fenômeno inflacionário –, a Corte declarou a inconstitucionalidade da aludida expressão por ofensa ao direito de propriedade consagrado no art. 5º, XXII, da Constituição.

No tocante à utilização daquele índice para efeitos de juros moratórios, visualizou o STF que um possível sentido a ser extraído da expressão “independentemente de sua natureza” é o de que o índice de remuneração da caderneta de poupança deveria ser aplicado a todos os débitos constantes de precatórios, seja qual for a natureza da relação jurídica que se originou. Tal interpretação foi refutada pela Corte. Isso porque, conforme se visualizou, aquele índice não pode ser aplicado aos débitos oriundos de relações jurídico-tributárias. É sabido que o Código Tributário Nacional (CTN) preceitua, no artigo 161, §1º, que os sujeitos passivos das relações tributárias, ao incorrerem em mora junto à Fazenda Pública, submetem-se ao pagamento de juros de mora, que incidem à razão de 1% ao mês, salvo expressa disposição em contrário.

Desse modo, compreendeu-se que, no âmbito das relações tributárias, atribuir aos juros de mora do regime dos precatórios um índice diverso daquele utilizado nas hipóteses em que a Fazenda Pública figura como credora caracterizaria discriminação infundada em face dos particulares, o que denotaria ofensa ao princípio constitucional da isonomia, elencado no art. 5º, caput.

Neste sentido, a expressão “independentemente de sua natureza” foi declarada inconstitucional sem redução de texto, a fim de que se elimine a interpretação pela qual o índice de remuneração básica da caderneta de poupança deveria ser aplicado também para fins de juros de mora nas relações jurídico-tributárias. Nos precatórios expedidos em decorrência de débitos fazendários de natureza tributária, pois, há que se aplicar o mesmo índice praticado no âmbito das relações tributárias em que figura como credora a Fazenda Pública, qual seja, aquele consignado no já mencionado artigo 161, §1º, do CTN, salvo disposição específica em sentido diverso.

Diante dos entendimentos sobre o conteúdo do artigo 100, § 12, CF, a Corte entendeu por bem declarar a inconstitucionalidade por arrastamento do artigo 1º-F da Lei nº. 9.494/97, o qual, mediante redação atribuída pela Lei nº. 11.960/09, reproduzia aquelas regras. Com relação ao regime especial de pagamento de precatórios instituído no artigo 97 do ADCT, conforme já descrito, há, em verdade, dois modelos instituídos pelo §1º daquele artigo, os quais se diferenciam apenas no tocante ao prazo para pagamento e ao montante a ser depositado na conta especialmente vinculante.

Nas ações diretas em foco, observou-se que os referidos regimes, não obstante suas diferenças, concedem aos entes federativos uma nova moratória para o pagamento de precatórios, e determinam que as Fazendas Públicas devedoras contingenciem receitas voltadas à quitação de seus débitos. Neste cenário, independentemente da data de expedição do precatório – antes ou após a EC nº 62/2009 –, entendeu-se que a sistemática colide frontalmente com os princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito, sobretudo no que concerne à submissão do poder público às suas próprias leis, condição que se faria nitidamente relativizada pela concessão destes benefícios.

O regime especial concede o prazo de 15 anos para que os precatórios venham a ser saldados, ou até mesmo um prazo indeterminado, na hipótese de adoção do primeiro modelo previsto no §1º; sem olvidar que o prazo para a quitação dos débitos dos entes federativos devedores já fora ampliado anteriormente, por exemplo, por 10 anos por ocasião do advento da EC nº 30/2000[9].

Neste sentido, reconheceu-se que esses regimes violam especificamente o acesso à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva, o que se torna ainda mais reluzente ao considerarmos que até mesmo os precatórios que haviam sido parcelados nos termos dos artigos 33[10] e 78 do ADCT poderão ser abarcados pela nova moratória. Esta é a razão pela qual o regramento em tela comprometeria de modo determinante a execução por quantia em face da Fazenda Pública, o que, em última análise, se reflete em um notável óbice à realização do direito pertencente ao credor reconhecido como devido[11].

As regras que instituem o contingenciamento de recursos orçamentários são marcadas pelos mesmos vícios de constitucionalidade daquelas alusivas aos prazos concedidos, segundo entendeu a Corte. Isso porque os percentuais de contingenciamento previstos no §1º do art. 97 do ADCT se direcionam, em verdade, a condicionar que o ente público devedor somente possa se responsabilizar por seus débitos até aqueles limites, acima dos quais seu patrimônio não poderia ser destinado à satisfação dos direitos de seus credores; regramento que também ofende o acesso à justiça e a efetividade da prestação jurisdicional[12].

Ademais, o STF destacou a censurabilidade das regras que afastam a ordem cronológica de apresentação dos precatórios, quais sejam, o leilão por maior deságio, o pagamento dos débitos em ordem crescente e a negociação direta com o credor, todas constantes do art. 97, §8º, ADCT. Cuida-se de critérios que, no entendimento da Corte, destoam dos princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da igualdade entre os cidadãos – no caso, entre os credores -, na medida em que se destinam a contemplar não os credores que aguardam por mais tempo pela satisfação de seus direitos, mas sim aqueles cujo pagamento é menos oneroso para a Fazenda Pública.

Com base nas perspectivas sumariamente descritas, o STF declarou, portanto, a inconstitucionalidade do regime especial de precatórios instituído pela EC nº 62, de modo a se prestigiar a efetividade de princípios basilares do sistema republicano democrático, o direito adquirido e a coisa julgada. De todo modo, o STF entendeu por bem estipular uma modulação temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, objeto de análise do próximo tópico.

4. mODULAÇÃO TEMPORAL DETERMINADA NA “QUESTÃO DE ORDEM” na ADI nº. 4.425

Em 25 de março de 2015, o STF julgou a “questão de ordem” suscitada na ADI nº 4425, em que se debateu a necessidade de modulação dos efeitos das decisões proferidas naquela ação direta, bem como na ADI nº. 4.357, em que se julgou parcialmente inconstitucional a EC nº. 62, que alterou o artigo 100 da CF e acrescentou o artigo 97 ao ADCT, conforme já mencionado.

A referida “questão de ordem” foi suscitada pelo Min. Luiz Fux, em atenção à circunstância de ter a referida emenda produzido efeitos desde a sua edição em 2009 até o momento da declaração de sua inconstitucionalidade parcial em 2013. Assim, os entes federativos aplicaram a sistemática contemplada no artigo 97 do ADCT por quase quatro exercícios financeiros completos, gerando a consolidação de uma série de situações jurídicas nesse intervalo de tempo. Ademais, no exato momento da declaração de inconstitucionalidade, encontrava-se em andamento a execução de programação financeira realizada com base naquele regramento. Com isso, suscitou-se o debate acerca do cabimento da modulação de efeitos da declaração, a qual é autorizada pelo art. 27 da Lei 9.868/99[13] e constitui prática consagrada na jurisprudência do STF.

Nesta perspectiva, a Corte optou por modular os efeitos daquelas decisões declaratórias de inconstitucionalidade, e reputou cabível conservar a vigência do regime especial de precatórios pelo prazo de 5 (cinco) exercícios financeiros, firmando-se como termo “a quo” o dia 1º de janeiro de 2016.

A fixação desses efeitos compreende a manutenção, no referido período, do contingenciamento dos percentuais da receita corrente líquida a que faz referência o artigo 97, §2º, do ADCT, bem assim das sanções em face da não liberação dos recursos destinados ao pagamento de precatórios, previstas no § 10 daquele artigo.

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Em relação a outros aspectos, o STF conferiu efeitos ex nunc à declaração de inconstitucionalidade, firmando como termo inicial a já mencionada data de julgamento da questão de ordem, convalidando os precatórios expedidos ou pagos até então com base na emenda parcialmente invalidada. Nestes termos, após 25 de março de 2015, o índice a ser utilizado para fins de correção monetária dos créditos inscritos em precatórios passa a ser o índice de preços ao consumidor amplo especial (IPCA-E), e os juros de mora relativos aos débitos tributários passam a sofrer a incidência dos mesmos juros de mora a que se submetem os devedores da Fazenda Pública, qual seja, o previsto no art. 161, §1º do CTN, salvo expressa previsão em sentido contrário.

Além disso, o STF optou pela convalidação de determinadas formas alternativas de pagamento de precatórios pautadas na EC nº 62, realizadas antes da data do julgamento da questão de ordem, quais sejam: i) as compensações unilaterais até então autorizadas pelo art. 100, parágrafos 9º e 10 da Constituição; ii) os leilões com critério do maior deságio, aos quais alude o art. 97, §9º do ADCT; iii) os pagamentos à vista por ordem crescente dos créditos, previstos no art. 97, §8º, II do ADCT. A possibilidade de realização de acordos diretos entre o ente público devedor e seus credores foi mantida, mas submetida a um limite de redução correspondente a 40% do valor do crédito atualizado, e condicionada à ordem de preferência dos credores.

Tratam-se dos principais pontos em face dos quais a Corte optou pela modulação de efeitos, o que esperamos ser uma providência apta a resguardar a segurança jurídica das relações constituídas à luz da emenda parcialmente invalidada. Ademais, a manutenção do regime pelo prazo de 5 anos, nos termos acima, deve ser visualizada pelas administrações dos entes federativos como uma oportunidade valiosa de quitação dos precatórios subsistentes, a fim de se restaurar o equilíbrio financeiro-orçamentário das fazendas públicas devedoras e, simultaneamente, promover a satisfação dos créditos daqueles que já tiveram seus direitos frente ao poder público reconhecidos judicialmente.

5. AS REPERCUSSÕES DAS AÇÕES DIRETAS nº. 4.357 e nº. 4.425 sobre o sequestro de bens públicos

Abordadas as principais conclusões atingidas pelo STF nas aludidas ações diretas, e tendo em vista a conformação do regime dos precatórios ora configurada, é importante analisar as repercussões das recentes mudanças sobre as hipóteses de sequestro de bens públicos no direito brasileiro.

Antes de procedermos a esta análise, vale esclarecer que o sequestro de bens públicos é uma medida satisfativa, que visa a permitir, em hipóteses específicas, o recebimento de créditos inscritos em precatórios. O caráter satisfativo do sequestro consiste justamente em sua aptidão de gerar não somente a apreensão da quantia, como também sua entrega ao credor que comprova lhe fazer jus, consoante pontua Leonardo Carneiro da Cunha[14].

Neste cenário, é relevante examinarmos as principais hipóteses de cabimento de sequestro de bens públicos vigentes no momento anterior ao julgamento daquelas ações diretas, para, então, verificar se as hipóteses subsistentes delas divergem[15]. Trata-se dos casos em que há preterição na ordem de pagamento dos precatórios, e da hipótese de não inclusão, no orçamento do respectivo ente, de dotação destinada à satisfação do débito.

A primeira hipótese é calcada no princípio da igualdade de tratamento entre os credores, e autoriza a medida em razão da gravidade da inobservância da ordem de pagamento[16]. A inobservância da fila principal de precatórios somente pode ser concebida nos casos em que a discriminação é justificada, que são aqueles previstos no artigo 100, parágrafos 1º e 2º da Constituição, quais sejam, os relativos aos precatórios alimentares e aqueles em que figuram como credores pessoas com idade superior a 60 anos ou portadores de doença grave. Trata-se, em verdade, de hipóteses que justificam ordens distintas, que são apartadas daquelas em função de suas particularidades. Com efeito, a preterição no âmbito de cada uma daquelas ordens de pagamento – artigo 100, caput, §1º ou §2º – autoriza o sequestro[17].

A segunda hipótese é a da não inclusão, pelo ente devedor, de recursos destinados ao pagamento dos precatórios no orçamento correspondente ao exercício financeiro posterior à expedição daqueles. Esta hipótese constitui uma inovação da EC nº. 62, após a alteração da redação do antigo §3º do artigo 100, passando a contemplá-la no § 6º[18].

A terceira hipótese diz respeito ao descumprimento de regimes especiais de parcelamento consagrados na Constituição. Conforme já mencionado, as emendas constitucionais nº. 03/93, 30/00 e 62/09 instituíram, respectivamente, nos artigos 33, 78 e 97 do ADCT, parcelamentos voltados à satisfação dos créditos em relação aos quais os entes federativos incorriam em mora.

O regime do artigo 78 do ADCT, no §4º, consigna expressamente a possibilidade de sequestro por preterição no direito de precedência ou em caso de omissão no orçamento da Fazenda Pública devedora. Já o art. 97, § 10, inciso I do ADCT reiterou a providência descrita naquele artigo, prevendo a possibilidade de sequestro no caso de não realização de algum dos depósitos referentes ao parcelamento, à escolha do Presidente do Tribunal[19].

Finalmente, registra-se a possibilidade de sequestro no caso de desrespeito ao prazo de pagamento no âmbito das requisições de pequeno valor referenciados nos artigos 100, § 3º da Constituição, 87 do ADCT e 17, § 1º da Lei nº. 10.259/01. Conforme menciona Diego Cantoario[20], a doutrina extrai essa hipótese do artigo 17, caput e §2º da Lei 10.259/01[21]. Sob essa perspectiva, é possível afirmar que as hipóteses de sequestro em tela são as mais sobressalentes no tocante à disciplina dos precatórios, com as alterações trazidas pela EC nº 62/09 e no momento anterior ao julgamento das ADIs nº 4357 e 4425.

Com o julgamento dessas ações diretas, conforme exaustivamente apontado, o STF declarou a inconstitucionalidade do regime especial contido no art. 97 do ADCT, embora tenha autorizado sua subsistência por 5 anos a contar de 01/01/2016. Por outro lado, o artigo 100, §6º não foi objeto de qualquer declaração de constitucionalidade, e o artigo 17, §2º da Lei 10.259/01 sequer foi objeto das mencionadas ações diretas.

Entre as principais hipóteses de sequestro ora aludidas, somente se faz afastada pela invalidação decorrente das ADIs nº. 4.357 e 4.425 a hipótese de sequestro no caso de não realização de algum dos depósitos referentes ao parcelamento previsto no artigo 97 do ADCT. Tal hipótese não mais viabilizará a ocorrência de sequestro após o prazo definido na Questão de Ordem na ADI nº. 4.425, em razão na insubsistência do regime.

As demais situações subsistem. Embora as hipóteses de sequestro de bens públicos conservem seu caráter excepcional no direito brasileiro – como não poderia ser diferente, diante do regime jurídico dos bens públicos no ordenamento pátrio –, elas permanecem sendo válidas em casos voltados a reafirmar os valores assegurados no regime de precatórios, isto é, nos casos em que os entes públicos incorrem em condutas que violam princípios que são os verdadeiros alicerces axiológicos do sistema de pagamento dos precatórios, entre eles, isonomia, impessoalidade e moralidade administrativa.

Vale reiterar as principais hipóteses subsistentes: i) preterição na ordem de pagamento dos precatórios[22]; ii) não inclusão, no orçamento do respectivo ente de dotação destinada à satisfação do débito e; iii) desrespeito ao prazo de pagamento no âmbito das requisições de pequeno valor.

Não obstante o sequestro de bens públicos permaneça sendo autorizado por hipóteses taxativas, cuida-se de situações em que a medida se demonstra essencial, por permitir uma tutela diferenciada do direito material do credor, voltada a se contrapor às possíveis arbitrariedades dos agentes públicos incumbidos de cumprir as determinações constadas nas condenações em face da Fazenda Pública.

6. Conclusão

As ações diretas de inconstitucionalidade nº. 4.357 e nº. 4.425 desempenharam um papel fundamental na conformação atual da disciplina dos precatórios e, por consequência, na execução de quantia promovida em face da Fazenda Pública. Assim, a declaração parcial de inconstitucionalidade proferida incidiu sobre temas centrais e estratégicos do regime, como a discriminação em relação aos credores que completam 60 anos entre a data de expedição do precatório e o momento do pagamento, a possibilidade de compensação unilateral por parte da Fazenda e os índices de atualização monetária e juros de mora dos débitos fazendários.

Devemos observar que a declaração de inconstitucionalidade do regime especial instituído no artigo 97 do ADCT representa verdadeiro afastamento da tentativa empreendida pelos poderes públicos de concederem uma nova moratória para o pagamento dos débitos inscritos em precatórios, o que se repudiou, sobretudo, com base nos princípios da máxima efetivação da tutela jurisdicional e do direito adquirido. Sobre a possibilidade de sequestro de verbas públicas, este importante instrumento coercitivo permanece em vigor nas principais hipóteses de violação aos fundamentos centrais do regime de precatórios.

Finalmente, conclui-se que a modulação temporal definida pelo STF em “questão de ordem” na ADI nº. 4.425 se demonstra imprescindível para o resguardo da segurança jurídica das relações consolidadas à luz da EC nº 62, e, na prática, fornece uma preciosa oportunidade de os entes federativos adimplirem seus débitos no decorrer dos 5 anos, pelos quais o regime especial ainda se manterá vigente.

É preciso sempre nos lembrarmos que, ao se garantir o cumprimento das obrigações devidas pela Administração Pública de forma eficiente, o benefício não se destina apenas em satisfizer o direito do credor já reconhecido, mas também em se lutar rumo ao resgate da credibilidade social em relação à tutela de direitos e sua efetivação pelo poder judiciário.

 

Referências
ASSIS, Araken de. Manual da Execução – 17ª Ed., São Paulo: RT, 2015.
BUENO, Cássio Scarpinella; SUNDFELD, Carlos Ari. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2003.
CANTOARINO, Diego Martinez Fervenza. Sequestro de Verbas Federais após as decisões do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade de números: 2.362; 4.357; 4.372 e 4.42. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2010.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. A Fazenda Pública no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2015.
SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Redefinição de papéis na execução de quantia certa contra a fazenda pública. In: Revista CEJ, vol. 09, nº. 31, 2005. Disponível em: < http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08/Artigos/RicardoPerlingeiro.pdf>. Acesso em 02 de abril de 2016.
­­­­­­­­­­­­­­­________________________________. Precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPV). Manuais de procedimentos da Justiça Federal. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2005. Disponível em: < http:// www.cjf.gov.br/manuais/man_procedimentos.asp >. Acesso em: 09 de abril de 2016.
 
Notas
[1] “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. § 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. […] § 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. […]§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva. […]§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. […]§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos. […] § 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios. […] § 15. Sem prejuízo do disposto neste artigo, lei complementar a esta Constituição Federal poderá estabelecer regime especial para pagamento de crédito de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre vinculações à receita corrente líquida e forma e prazo de liquidação”.

[2] Sobre esta questão: RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. A Fazenda Pública no Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2015, pp. 130-139.

[3] Nas ações diretas abordadas nesse artigo, o STF denominou esse regime de “superpreferência”, conforme noticiado no Informativo 697.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo697.htm#Precatório: regime especial e EC 62/2009 – 14>. Acesso em: 04 abr. 2016.

[4] Por todos: ASSIS, Araken de. Manual da Execução – 17ª Ed., São Paulo: RT, 2015, p.924.

[5] Neste ponto, reside outra inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 62, na medida em que, na redação anterior do artigo 100, apenas havia previsão de sequestro para o caso de descumprimento da ordem cronológica de pagamento.

[6] § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sujeitos ao regime especial de que trata este artigo optarão, por meio de ato do Poder Executivo:  I – pelo depósito em conta especial do valor referido pelo § 2º deste artigo; ou II – pela adoção do regime especial pelo prazo de até 15 (quinze) anos, caso em que o percentual a ser depositado na conta especial a que se refere o § 2º deste artigo corresponderá, anualmente, ao saldo total dos precatórios devidos, acrescido do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança e de juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança para fins de compensação da mora, excluída a incidência de juros compensatórios, diminuído das amortizações e dividido pelo número de anos restantes no regime especial de pagamento. […]

[7] A problemática é elucidada nas palavras do Min. Ayres Britto, proferidas no julgamento da ADI nº. 4.357: “a via-crucis do precatório passou a conhecer uma nova estação, a configurar arrevezada espécie de terceiro turno processual-judiciário, ou, quando menos, processual-administrativo. Com a agravante da não participação da contraparte privada. É como dizer: depois de todo um demorado processo judicial em que o administrado vê reconhecido seu direito de crédito contra a Fazenda Pública (muitas vezes de natureza alimentícia), esta poderá frustrar a satisfação do crédito afinal reconhecido. E não se argumente que ao administrado é facultada a impugnação judicial ou administrativa dos débitos informados pela Fazenda Pública. É que o cumprimento das decisões judiciais não pode ficar na dependência de manifestação alguma da Administração Pública, nem as demandas devem se eternizar (e se multiplicar), porque “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (inciso LXXVIII do art. 5º da CF) (…) a Fazenda Pública dispõe de outros meios igualmente eficazes para a cobrança de seus créditos tributários e não-tributários. Basta pensar que o crédito, constituído e inscrito em dívida ativa pelo próprio Poder Público, pode imediatamente ser executado, inclusive com a obtenção de penhora de eventual precatório existente em favor do administrado. Sem falar na inclusão do devedor nos cadastros de inadimplentes. A propósito, este Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firme no sentido de vedar o uso, pelo Estado, de meios coercitivos indiretos de cobrança de tributo”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarConsolidada.asp?classe=ADI&numero=4357&origem=AP>. Acesso em: 05 de abril de 2016.

[8] O Supremo Tribunal Federal já assentara o entendimento acerca da inadequação do índice de remuneração básica da poupança para os fins em comento, conforme se lê do voto do Min. Moreira Alves na ADI 493, citado pelo Min. Ayres Britto na mencionada ADI 4357: “Em se tratando de taxa de remuneração de títulos para efeito de captação de recursos por parte de entidades financeiras, isso não ocorre por causa dos diversos fatores que influem na fixação do custo do dinheiro a ser captado. (…) A variação dos valores das taxas desse custo prefixados por essas entidades decorre de fatores econômicos vários, inclusive peculiares a cada uma delas (assim, suas necessidades de liquidez) ou comuns a todas (como, por exemplo, a concorrência com outras fontes de captação de dinheiro, a política de juros adotada pelo Banco Central, a maior ou menor oferta de moeda), e fatores esses que nada têm que ver com o valor de troca da moeda, mas, sim – o que é diverso -, com o custo da captação desta”.
Constatando os possíveis efeitos da adoção do índice de remuneração básica da poupança para efeitos de atualização monetária, o Min. Ayres Britto destacou: “Ora, se a correção monetária dos valores inscritos em precatório deixa de corresponder à perda do poder aquisitivo da moeda, o direito reconhecido por sentença judicial transitada em julgado será satisfeito de forma excessiva ou, de revés, deficitária. Em ambas as hipóteses, com enriquecimento ilícito de uma das partes da relação jurídica. E não é difícil constatar que a parte prejudicada, no caso, será, quase que invariavelmente, o credor da Fazenda Pública. Basta ver que, nos últimos quinze anos (1996 a 2010), enquanto a TR (taxa de remuneração da poupança) foi de 55,77%, a inflação foi de 97,85%, de acordo com o IPCA”.

[9] Esta emenda constitucional introduziu a moratória regulamentada no art. 78 do ADCT.

[10] Este artigo veiculou moratória instituída pela EC nº 03/1993.

[11] A problemática é descrita com primor nas palavras do Ministro Luiz Fux, em voto proferido na ADI nº 4357: Ao permitir que o pagamento de precatórios seja realizado em até 15 anos (para não mencionar os casos que não têm prazo sequer definido, como já apontado), a EC nº 62/09 frustrou a efetividade da tutela jurisdicional e embaraçou o acesso à justiça. De que serve uma sentença condenatória incapaz de surtir efeitos práticos? A resposta é simples e direta: nada. Uma sentença condenatória despida de força executiva é incapaz de tutelar a esfera do cidadão, sob o ângulo subjetivo, e insuscetível de restaurar a higidez da ordem jurídica, sob o prisma objetivo. Um processo efetivo é aquele apto a proporcionar os resultados que almeja. A moratória instituída pela EC nº 62/09 frustra qualquer pretensão de efetividade da tutela jurisdicional, fazendo com que o descumprimento das regras de direito material fique desacompanhado de atos efetivos de execução por quantia certa.

[12] Novamente, o voto do Min. Luiz Fux ilustra de modo preciso essa controvérsia: “Com efeito, beira as raias do absurdo jurídico que a autoridade pública no Brasil, independentemente do número de ilícitos que cometa, somente responda até certo limite, traduzido em percentuais de receita corrente líquida. O que a EC nº 62/09 introduz no ordenamento brasileiro é uma grotesca espécie de imunidade parcial do Estado à ordem jurídica, em franca colisão com a ideia de Estado de Direito, que clama pela sujeição completa e irrestrita do poder ao império da lei (rule of law). A parcela de condenações que sobeje o limite fixado pelo constituinte reformador não seria atendida de plano, deixando o cidadão cujo direito já foi reconhecido pelo Poder judiciário ao sabor dos caprichos da autoridade”.

[13] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm>. Acesso em: 09 abr. 2016.

[14] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 318

[15] As duas primeiras hipóteses constam do art. 100, §6º da Constituição, que dispõe: § 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder judiciário, sendo de atribuição do Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva.

[16] Marçal Justen Filho é assertivo ao definir que: “As dívidas objeto de precatório deverão ser liquidadas segundo a sua ordem cronológica. À medida que a lei orçamentária for sendo executada, serão liberadas as verbas correspondentes. Os valores serão transferidos para o Tribunal requisitante, a quem caberá promover o pagamento. A violação à ordem cronológica configura grave irregularidade e autoriza o sequestro de valores a pedido do credor lesado”. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 1.249.

[17] Algumas situações ensejam controvérsias quanto à ocorrência de preterição na ordem de pagamento, para fins de se determinar a possibilidade ou não de sequestro. Um exemplo diz respeito ao pagamento de precatórios a partir da celebração de acordos extrajudiciais entre o credor e o poder público. Conforme demonstra Cantoario (p. 07), é defensável que esses métodos alternativos ocasionam preterição na ordem de pagamento, uma vez que levam ao pagamento daqueles credores que celebram acordos antes dos que lhes antecedem na ordem de pagamento. O autor anota que esta posição também é defendida por Araken de Assis, Vicente Greco Filho e Flávio Araújo Willeman. De todo modo, vale observar que a EC nº 62 possibilitou a realização de acordos extrajudiciais entre credores e entes públicos após o transito em julgado da sentença condenatória. Embora isso tenha sido julgado inconstitucional nas ADIs 4357 e 4425, o STF modulou os efeitos para manter a referida possibilidade, mas submetida a um limite de redução correspondente a 40% do valor do crédito atualizado, e condicionada à ordem de preferência dos credores.

[18] Em comentário à inovação trazida pela EC nº 62 neste ponto, Marcelo Novelino esclarece que: Com a Emenda Constitucional 62/2009, a ordem de sequestro da verba pública necessária à satisfação do débito passou a ser admitida em duas hipóteses: I) preterimento do direito de precedência; ou II) não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do débito. Em ambos os casos, o credor poderá requerer o sequestro da quantia respectiva, cuja autorização caberá ao Presidente do Tribunal (CF, art. 100, §6º), depois de ouvido o Chefe do Ministério Público (CPC, art. 731). NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 10 Ed Salvador: Juspodivm, 2015, p. 763.

[19] Art. 97. […] § 10. No caso de não liberação tempestiva dos recursos de que tratam o inciso II do § 1º e os §§ 2º e 6º deste artigo: I – haverá o sequestro de quantia nas contas de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, por ordem do Presidente do Tribunal referido no § 4º, até o limite do valor não liberado; […] 

[20] CANTOARINO, Diego Martinez Fervenza. Sequestro de Verbas Federais após as decisões do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade de números: 2.362; 4.357; 4.372 e 4.42. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, p.21.

[21] Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.§ 1º Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).§ 2º Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.

[22] Ressalta-se, ainda, que há controvérsias quanto à legitimidade ativa e passiva na disciplina do sequestro. No tocante à legitimidade ativa, a doutrina controverte acerca da legitimidade dos credores não imediatamente preteridos na ordem de pagamento. Conforme elucida Diego Cantoario, há uma primeira corrente (defendida por Cássio Scarpinella Bueno) segundo a qual apenas o primeiro credor entre os preteridos é que possui legitimidade para requerer a medida; por outro lado, a segunda corrente (abraçada por Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, Leonardo José Carneiro da Cunha e Diego Cantoario) afirma que qualquer credor preterido possui legitimidade ativa para requerer o sequestro. Com relação à legitimidade passiva, o autor esclarece que uma primeira corrente (Alexandre Câmara, Barbosa Moreira e Wanderley José Federighi) anota que a demanda deve ser ajuizada em face do credor beneficiado pela preterição, ao passo que a segunda corrente (Leonardo José Carneiro da Cunha, Juvêncio Vasconcelos Viana e Diego Cantoario) define que o sequestro pode incidir tanto sobre o patrimônio público quanto sobre o patrimônio do credor beneficiado pela preterição dos demais. CANTOARINO, Diego Martinez Fervenza. Sequestro de Verbas Federais após as decisões do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade de números: 2.362; 4.357; 4.372 e 4.42. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, p.26.


Informações Sobre os Autores

Felipe Rocha Magalhães

Graduado em Direito pela UFJF. Advogado

Ludmilla Camacho Duarte Vidal

Mestre em Direito Processual UERJ. Pós-graduada em Direito Processual UFJF. Pesquisadora visitante da Universidade Paris I Panthéon Sorbonne


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