Teoria dialética e movimento alternativista em busca de novos direitos

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Resumo: O presente artigo versa sobre a teoria dialética e o movimento alternativista do Direito, explicando-os e aplicando-os a um caso concreto de julgamento por parte do Supremo Tribunal Federal e contraposto por um juiz de direito com relação à união homoafetiva no Estado brasileiro. Objetiva-se analisar a legitimidade da decisão da Suprema Corte e seu caráter vinculante, bem como destacar a importância destas teorias no âmbito da interpretação normativa. Busca-se esclarecer a dúvida presente referente à mudança da interpretação ou modificação do texto da lei, se esta é válida pelo Supremo Tribunal Federal ou se compete apenas ao Poder Legislativo. Este trabalho foi orientado pela Professora Maria Sueli Rodrigues.


Palavras-chave: decisão; homoafetivo; legitimidade; Supremo; constituição.


Abstract: This paper discusses the theory of dialectical and movement alternativists law, explaining them and applying them to a case of trial by the Supreme Court and opposed by a court of law with respect to gay marriage in the Brazilian state . The objective is to analyze the legitimacy of the Supreme Court decision and its binding, as well as highlighting the importance of these theories within the normative interpretation. It attempts to clarify the doubts regarding this change in interpretation or modification of the law, it is valid by the Supreme Court or if it is solely to Congress.


Keywords: decision; homoaffective; legitimacy; Supreme; constitution.


Sumário: 1. Introdução. 2. Análise do caso concreto. 3. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Introdução


A busca pela não-dogmatização do direito repercutiu de forma diferenciada no Brasil e fez emergir inúmeros movimentos, dentre os quais se destacam: o pluralismo jurídico, muito bem observado na obra de Antônio Carlos Wolkmer; o movimento do “Direito achado na Rua”, ou teoria dialética, desenvolvida por Roberto Lyra Filho; o movimento do Direito Alternativo, iniciado pelos magistrados gaúchos no período pré-constituinte; entre outros.


O movimento do “Direito Achado na Rua”, que tem em Brasília o seu lugar de gênese e o contexto de ditadura militar, ápice da repressão militar sobre a sociedade, segue o sentido de um direito sem dogmas[1], inclusive sendo bastante tratado por Roberto Lyra Filho. A principal crítica elaborada ao Direito seria a separação entre a teoria do Direito e a sociedade, a finalidade, portanto, seria buscar esta reconexão. Para este autor, a dogmática esteve sempre presente, desde o Direito Natural. A teoria de Roberto Lyra Filho seria trazer a dialética para o Direito, e quem faria isso seria o social, que não se aparta do direito.


Roberto Lyra Filho traz também a crítica tanto ao Estado Liberal quanto ao Estado Social, pois, segundo este autor, são dogmáticos, fixos e não aceitam serem criticados, portanto não levando em consideração o social, a grande questão seria: “Como pode algo que lida com a grande dinâmica da sociedade ser fixo, dogmático, inexorável?”. Nas explicações de Roberto Lyra, a origem de cada Direito está sempre em um movimento social, seriam as novas garantias. A disciplina-chave, na interpretação de Roberto Lyra Filho, seria a sociologia jurídica.


Um ponto de encontro entre a teoria dialética – ou “Direito Achado na Rua” – e o movimento do Direito Alternativo seria a defesa e a utilização das lacunas e a potencialização das contradições da constituição a favor do mais fraco, do mais desfavorecido, do oprimido.


O movimento do Direito Alternativo no Brasil tem no estado do Rio Grande do Sul o seu local de gênese, um contexto histórico bastante peculiar que seria o período pré-constituinte e tem a origem ligada ao marxismo. Este movimento também busca romper as barreiras do dogmatismo jurídico no processo de aplicação do Direito sob a tese de que o dogmatismo jurídico faz com que o Direito não produza a justiça e a paz social. Para enfrentar tal dogmatismo jurídico seria necessário interpretar o Direito em favor dos injustiçados e oprimidos.


Este movimento tem uma característica interessante e bastante incomum, uma vez que os movimentos surgiam geralmente no meio acadêmico ou no meio universitário, esse nasceu da prática, dos magistrados gaúchos que se reuniram e criaram um grupo de estudos para discutir as críticas ao Direito. Criticavam que as discussões ocorridas no meio universitário não atingia a aplicação do Direito e nem interferiam de modo significativo na sociedade. Este grupo chegou à conclusão de que deveriam analisar o Direito comprometido com um novo modelo de sociedade. A amplitude deste movimento abarcou, nos anos 90, aproximadamente 10% dos magistrados gaúchos e não foi um movimento localizado apenas no estado que lhe deu origem, espalhou-se por todo o Brasil e hodiernamente ainda é utilizado – ainda que por vezes não seja identificado.


É feita uma crítica em relação à formação do jurista, que é baseada no positivismo jurídico-legalista. O movimento alternativista nega a apoliticidade, a imparcialidade e a independência dos juízes. O Direito não é desvinculado da política e os juízes, enquanto pertencentes a este movimento, adotavam uma postura axiológica[2] na interpretação e não a postura neutra.


Existem alguns pressupostos que o movimento alternativista defende, a saber: servir ao processo de emancipação da classe trabalhadora; jurista deve valorar as normas em busca da libertação dos trabalhadores; negar falta de posicionamento político, imparcialidade e independência dos juízes; utilizar as incoerências e contradições da constituição em benefício dos fracos; entender o direito como ambivalente, pois apesar de defender interesses da classe dominante, é também justiça; no campo do direito ocorre a luta de classes; construção de interpretação jurídico-progressista para que os mais fracos sejam contemplados; direito como elemento de emancipação para consolidar conquistas dos mais fracos, etc.


O ponto de secessão entre a teoria dialética – ou “Direito Achado na Rua” – e o movimento do Direito Alternativo é que este é um movimento de juízes sobre sua própria prática, enquanto aquele é formado por advogados populares e movimentos sociais.


O presente artigo tem como objetivo estudar, sob o enfoque das teorias citadas, um caso de repercussão nacional julgado pela Suprema Corte Constitucional brasileira e contraposta por um juiz de primeira instância do estado de Goiás sobre a união homoafetiva.


2. Análise do caso concreto


Nos dias 04 (quatro) e 05 (cinco) de maio do corrente ano foi realizado o julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 em que se propõe que se equipare a união entre pessoas do mesmo sexo à entidade familiar prevista no artigo 1723 do Código Civil. Ambas as ações foram consideradas procedentes pelo relator Ayres Britto para dar ao artigo 1723 do CC interpretação segundo os princípios de dignidade humana, igualdade e liberdade conforme a Constituição Federal, de forma que também seja reconhecida juridicamente e socialmente como entidade familiar a união homoafetiva. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto de que as ações seriam procedentes, tornando unânime a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo reconhecimento da união homoafetiva.


Embora Ações Diretas de Inconstitucionalidade como a ADI 4277 tenham caráter vinculante, ou seja, depois de julgadas procedentes passam automaticamente a ter o caráter imperativo da lei, o juiz do estado de Goiás, Jeronymo Pedro Villas Boas, decidiu contra a decisão do STF. Segundo ele, o STF alterou a lei quando mudou a interpretação desta, pois onde se lia “união entre homem e mulher”, agora se lê “qualquer união, entre homem e mulher, homem e homem e mulher e mulher”. Segundo Villas Boas, o STF não tem tal poder de alterar a constituição; este poder pertenceria apenas ao âmbito legislativo. Assim, o casamento entre o estudante Odílio Torres e o jornalista Leo Mendes foi anulado temporariamente obedecendo à decisão do juiz, e desobedecendo a decisão unânime dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A corregedora-geral de Justiça de Goiás, desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, porém, anulou a decisão do juiz Jeronymo Pedro Villas Boas e também abortou seu plano de tentar anular outras uniões homoafetivas registradas em Goiânia. A corregedora-geral apontou vários erros na atitude do juiz, não só de inconformidade, mas de insubordinação. Beatriz chama de “atípica” a atuação de Villas Boas por manifestar “seu inconformismo” com o acórdão do STF. Para ela, “ele não poderia ter decidido de forma contrária ao STF. Um juiz de 1ª instância não está aí para criticar ou revogar decisões do Supremo”. Pois ao agir assim, o juiz causou “danosas conseqüências à ordem jurídica”


O caso do juiz de Goiás suscitou importantes questões sobre a legitimidade do Supremo em alterar, não a lei, mas a interpretação desta. Sabemos que a constituição, assim como todo o direito, foi criada em um contexto específico, e muitas vezes, com o passar do tempo deixa de ser suficiente para regular a situações da atualidade, ou seja, passa a dar respostas desatualizadas a situações que requerem dinamismo. A sociedade se modifica aos poucos, e o direito deve acompanhá-la. Por uma questão de segurança jurídica, no entanto, existem mecanismos para que o texto da constituição não possa ser modificado facilmente. Segundo a teoria do Direito Alternativo, portanto, cabe aos juízes interpretar as leis de modo a adequá-las aos interesses do povo em geral, protegendo principalmente os oprimidos e fracos, oferecendo aparatos jurídicos para o fortalecimento destes.


O Direito Alternativo defende, pois, que o Direito seja utilizado como instrumento de proteção dos que mais precisam dele. Não objetiva, portanto, inicialmente o fim dos dogmas, assim como a teoria dialética do direito, mas o uso destes em proveito dos fracos. O método do Direito Alternativo é, portanto, a interpretação direcionada da lei e não existe de forma apenas teórica, mas é amplamente utilizado como prática cotidiana, inclusive no Brasil. Assim, o Direito Alternativo seria o método pelo qual o Direito, mesmo dogmático, serviria de instrumento para a proteção das minorias. Cada juiz, portanto, deveria fazer uso desta teoria em suas decisões cotidianas.


Os homossexuais, segundo a teoria do Direito Achado na Rua, se caracterizam como um Novo Movimento Social, e buscam reconhecimento jurídico, de forma a institucionalizar as diferenças que os caracterizam. Buscam, assim, por exemplo, tornar juridicamente válido o casamento e/ou a adoção homoafetiva. A maior aceitação popular dos homossexuais na sociedade e a votação unânime dos ministros do STF pelo reconhecimento do casamento homoafetivo caracterizam o momento em que a sociedade amadurece e aceita uma mudança significativa no direito, que passa a incluir e melhor representar a minoria. Essa mudança representa uma vitória para a teoria do Direito Achado Rua e para a teoria do Direito Alternativo.


Como afirmou o presidente de honra do Congresso Brasileiro das Carreiras Jurídicas de Estado, o ex-ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição Federal e da democracia brasileira nos últimos 20 anos. Assim, como órgão supremo do judiciário e guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, não deve ser arbitrário, mas pode interpretar a constituição segundo o Direito Alternativo, visando beneficiar somente a sociedade. A constituição, por sua vez, garante o princípio da dignidade da pessoa humana, a liberdade de expressão e a equidade, sendo, dessa forma, dever do STF garantir a aplicação desses princípios.


3. Conclusão


A conclusão a qual se chega, sob a ótica da teoria dialética, é que o Poder Judiciário já não está tão apartado da sociedade como outrora e que esse leva em consideração os interesses de alguns movimentos sociais, porém ainda de forma tímida e não abarcando a totalidade dos interesses a qual a teoria defende.


Do ponto de vista do movimento alternativista, a decisão da Suprema Corte foi inovadora e contemplou os interesses dos oprimidos, buscou-se modificar o entendimento de um artigo do Código Civil para que este pudesse debruçar-se e contemplar tal movimento social emancipado das classes injustiçadas.


Portanto, ao se analisar a decisão procedente do Supremo Tribunal Federal acerca da ADI 4277, bem como da ADPF 132, conclui-se que a decisão não foi apenas legitima, como foi também benéfica para o direito, para o novo movimento social que lutava por essa decisão e para a sociedade como um todo.


 


Referências bibliográficas:


Juristas – O seu portal jurídico. Todos os direitos reservados. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/uniao-homoafetiva-breves-notas-apos-o-julgamento-da-adpf-132-e-da-adi-4277-pelo-stf/252/>. Acesso em: 02 de julho de 2011.

Jurisprudência e Concursos. Revista Jurídica eletrônica. Disponível em:<http://www.jurisprudenciaeconcursos.com.br/jurisprudencia/supremo-tribunal-federal-reconhece-uniao-homoafetiva>. Acesso em: 02 de julho de 2011.

Jus Navigandi. Revista Jurídica eletrônica. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/8769/o-efeito-vinculante-nas-decisoes-do-supremo-tribunal-federal>. Acesso em: 01 de julho de 2011.

Lyra Filho, Roberto. Para um direito sem dogmas. Porto Alegre, Fabris, 1980. 51p. 22cm.

Carvalho, Amilton Bueno de. Direito Alternativo em movimento. 1ª Ed., LUAM, 1997.


Notas:


[1]  Dogma é uma crença estabelecida ou doutrina de uma religiãoideologia ou qualquer tipo de organização, considerado um ponto fundamental e indiscutível de uma crença.

[2]  Axiológico: referente a axiologia. Axiologia: é o ramo da filosofia que estuda os valores, etimologicamente significa “Teoria do valor”, “estudo do valor” ou “ciência do valor”.

 


Informações Sobre os Autores

Raimundo Leal de Barros Neto

Estudante de Direito.

Camila Batista Gonçalves

Estudante de Direito.


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