Justiça Social: Os Impactos da Reforma Trabalhista Sobre o Feminino

SOCIAL JUSTICE: THE IMPACTS OF THE LABOR REFORM ON THE FEMININE

 

Mirella Arneiro Samaha de Faria; Graduada no curso de Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]

 

Resumo: A busca por relações sociais mais saudáveis, equânimes e justas fomentou a análise dos impactos da “Reforma trabalhista” implementada em 2017 sobre o feminino, tendo-se como problemática a alteração de diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o intuito de “adequar” a legislação brasileira às novas relações de trabalho. No entanto, nota-se como consequência a tais medidas, lesões ao princípio da justiça social, o que predispõe maior desigualdade de gêneros. Deste modo, o trabalho objetiva estudar a influência da “Reforma trabalhista” na vida laboral das mulheres, perpassando sobre o modo como o princípio da justiça social foi afetado por tais modificações, por meio de levantamentos bibliográficos e por meio do método fenomenológico de Gil (1994). Infere-se que a “Reforma” é fruto de interesses políticos, privados e mercadológicos que sobrepõem aos interesses sociais, restando-se como solução a aplicação do olhar constitucional sob as normas vigentes da CLT, com o condão de amenizar os prejuízos advindos da nova legislação, principalmente, no tocante ao sexo feminino.

Palavras-Chave: Reforma Trabalhista. Justiça Social. Mulheres.

 

Abstract: This work was developed from studies, reflections and theoretical and practical discussions in the classroom during the course “Business, environment, social inclusion and labor relations” of the Master Course in Business Law of the State University of Londrina (UEL). The search for healthier, more equitable and fair social relations fostered the analysis of the impacts of the “Labor Reform” implemented in 2017 on the feminine, having as problematic the alteration of several provisions of the Consolidation of Labor Laws (CLT), with the in order to “adapt” the Brazilian legislation to the new labor relations. However, it is noted as a consequence to such measures, lesions to the principle of social justice, which predisposes greater inequality of genres. In this way, the objective of this study is to study the influence of the “Labor Reform” on the labor life of women, on the way in which the principle of social justice was affected by such changes, through bibliographical surveys and through the phenomenological method of Gil 1994). It is inferred that the “Reform” is the result of political, private and market interests that overlap social interests, leaving as a solution the application of a constitutional view under the new rules of the CLT, with the purpose of mitigating the damages arising from new legislation, especially with regard to the female sex.

Keywords: Labor Reform, Social Justice, Women.

 

Sumário: Introdução. 1. A luta das mulheres: uma conquista histórica ameaçada. 2. Ofensa ao princípio da justiça social: retomada imprescindível. 3.  A reforma trabalhista no contexto do feminino. 3.1 A Instalação da Justiça do Trabalho: Notas do TST. 3.2 O Impacto da Reforma Trabalhista na Justiça do Trabalho.  3.3 A Luta da Mulher Continua: Olhares Constitucionais para com a CLT. Notas. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Este trabalho é fruto dos estudos, reflexões e discussões práticas e teóricas ocorridas no transcurso da disciplina “Empresa, meio ambiente, inclusão social e relações de trabalho” do curso de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina (UEL), na modalidade Aluna Especial.

Alinhavada tais diretrizes, é preciso, desde já, estabelecer a problemática deste trabalho, vejamos: em 11 de novembro de 2017 entrou em vigor a lei n. 13.467, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “adequando” a legislação às novas relações de trabalho. (BRASIL, 2017).

Entre as principais mudanças estão, por exemplo, i. a flexibilização do tempo para o contrato de trabalho de carga horária parcial, que por sua vez diminui na mesma proporção o salário, e culmina em uma maior vulnerabilidade social, o que obriga muitas mulheres a continuarem nos trabalhos informais; ii. o afastamento da legislação relativa ao trabalho formal (CLT) em casos que envolvam o labor informal; iii. a permissão legislativa do trabalho de grávidas e lactantes em lugares de insalubridade média ou mínima, devendo as mesmas apresentarem pedido médico formal para afastamento; iv. que os danos morais cobrados por empregadas devem ser proporcionais ao salário recebido por elas; e por fim, v. a revogação do descanso de 15 (quinze) minutos para as mulheres antes que elas iniciem suas horas extras.

Dito isso, é notório que houve inúmeras modificações na legislação trabalhista que afetam direta, e negativamente, as mulheres. Nesse sentido, vejamos o que diz Jéssica Barbosa (BARBOSA, 2018), assistente de direitos das mulheres da Action Aid [1], quando questionada sobre o aumento das desigualdades entre gêneros provocada pela reforma trabalhista: “A resposta é muito simples. Embora nós mulheres tenhamos alcançado bastante espaço no mercado formal, dentro da classe trabalhadora ainda ocupamos uma posição frágil. Mesma as mulheres tendo, em média, mais estudo e qualificação, a diferença salarial entre homens e mulheres é de 16%. Além disso, somos maioria nos postos de trabalho informais, de menos poder de decisão e de tempo parcial. Por serem os sujeitos mais frágeis dentro das relações de trabalho, acabam sendo as mulheres as mais atingidas por medidas que flexibilizam direitos e garantias nesse setor”. (grifo nosso).

Ou seja, as mulheres, sobretudo, como destinatárias das modificações legislativas, por serem sujeitos, com maior histórico de lutas por direitos serão as mais fortemente impactadas pela supressão de direitos, e é aí que este trabalho se impõe, ocupando seu espaço, denunciando, através de uma reflexão crítica, as brechas possibilitadas pela nova regulação, o aumento das desigualdades entre gêneros, ofendendo, diretamente o princípio da justiça social.

Assim, este trabalho objetiva estudar, teoricamente, a influência da reforma trabalhista na vida laboral das mulheres, perpassando sobre o modo como o princípio da justiça social foi afetado por tais modificações.

Para tanto, serão estudados três pontos específicos, a modificação legislativa que afetou diretamente o labor das mulheres, o panorama histórico de luta das mulheres ao longo da história na conquista dos seus direitos, e, por fim, a análise da gravosa ofensa ao princípio da justiça social, por meio da mácula dos direitos femininos laborais.

Por fim, o método adotado para esta pesquisa será o fenomenológico de Gil (GIL, 1994), costumeiramente aplicado em pesquisas qualitativas, não constituindo-se por método dedutivo nem indutivo, mas preocupando-se com a realidade como ela é construída socialmente e interpretada, nas suas mais variadas formas.

 

1 A luta das mulheres: uma conquista histórica ameaçada

De acordo com a Jornalista e Doutora em Ciências Sociais, pela UFT, Cynthia Mara Miranda (MIRANDA, 2012), no Brasil, os movimentos feministas vêm se organizando fortemente há pelo menos quarenta anos, quando a Organização das Nações Unidas, em meados da década de setenta criou um espaço para discutir os obstáculos que obstruem o avanço das mulheres no mundo.

Ainda de acordo com a mesma autora, a primeira experiência de institucionalização de reivindicações dos movimentos feministas no Brasil ocorreu com o surgimento do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) em 1985, junto ao Ministério da Justiça e sua estrutura contava com uma secretaria executiva, uma assessoria técnica e um conselho deliberativo, fomentadas com orçamento advindo do Fundo Especial de Direitos das Mulheres.

Tal conselho foi criado como resultado das reivindicações dos movimentos feministas pela integralização aos mais diversos espaços como sujeitos políticos, ou seja, a CNDM surge com o objetivo de assegurar à mulher condições de liberdade, igualdade de direitos e participação na política, economia e cultura do próprio país. (BANDEIRA, 2005).

Em 1987, o movimento feminista em conjunto com o CNDM criou a “carta das mulheres à Assembleia Constituinte”, um documento rico que defendia a justiça social, a criação do sistema único de saúde, o ensino público e gratuito para todos, e detalhava, entre outras, as demandas trabalhistas, como ampliação da licença-maternidade, a concessão da aposentadoria para as trabalhadoras rurais e 13º (décimo terceiro) salário e férias anuais de 30 (trinta) dias para as empregadas domésticas. (PINTO, 2003; MIRANDA, 2012).

A partir de 1989, e depois com a entrada do ex-presidente Fernando Collor, a CNDM perde força, autonomia administrativa e financeira, até que em 1995 o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, através da pressão do movimento feminista, reativa o CNDM, no entanto, sem orçamento e estrutura administrativa. Desde então, até meados de 2002, as lutas traçadas foram no combate à violência, participação da mulher na política nacional e inserção no mercado de trabalho. (BANDEIRA, 2005).

A partir de 2003, com o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou-se a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM, 2018), que passa a abrigar em sua estrutura o CNDM, como órgão consultivo, além do que as Conselheiras passam a ser escolhidas e indicadas a partir da rede nacional dos movimentos feministas.

Em 2004 foi criado o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, composto por 199 (cento e noventa e nove) ações divididas em quatro ações, sendo uma delas a igualdade no mundo do trabalho e cidadania. (MIRANDA, 2012).

De lá pra cá [2], numa análise, ainda que superficial, das informações disponibilizadas no site da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, atualizado pela última vez em 26.03.2015, é possível perceber que pouco investimento em políticas públicas pelo governo federal para o fortalecimento dos direitos das mulheres no trabalho foi e está sendo feito.

Nota-se que foi criada uma Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres – SAE, que visa desnaturalizar a divisão sexual do trabalho que estrutura as desigualdades na vida das mulheres, bem como criado um comitê técnico de estudos de gênero e uso do tempo, com a finalidade de promover entendimento do uso do tempo nas dinâmicas entre trabalho e vida cotidiana.

Ou seja, segundo o Centro feminista de estudos e assessoria (2016),o histórico de lutas das mulheres pela conquista de seus direitos é longo e brilhante, em contrapartida é preciso deixar claro que em determinados momentos políticos do país, a depender dos interesses dos governantes, os investimentos em políticas de enfrentamento à desigualdade de gênero são levados à escassez, o que causa profunda crise social, assim como é o momento presente, em que a reforma trabalhista, inclusive precifica o sujeito homem, restringe o acesso à justiça dos cidadãos e eleva a desigualdade entre os gêneros, ofendendo o princípio da justiça social.

Isso ocorre, por exemplo, quando se sabe, que o incentivo legal à terceirização ocorre, principalmente, entre os grupos marginalizados, como mulheres e negros. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2017) mostram que mulheres terceirizadas tendem a ter trabalhos com remuneração baixa, enquanto homens tendiam a ter remuneração intermediária.

Outro exemplo de como a reforma trabalhista impacta diretamente no princípio da justiça social é quando há a flexibilização da jornada de trabalho, a chamada modalidade intermitente, em que tais possibilidades de flexibilização podem, inclusive, anular os benefícios conquistados com a Proposta de Emende à Constituição (PEC) das domésticas de 2015, que definiu a jornada de 44 (quarenta e quatro) horas semanais para tal profissão.

Um último ponto é que a antiga legislação trabalhista permitia que o trabalhador ofendido pelo empregador exigisse judicialmente indenização por danos morais ou existenciais. No entanto, a nova regra trabalhista limita o valor da indenização proporcionalmente ao salário do empregado. Neste contexto, é preciso pontuar que tal modificação afeta diretamente as mulheres, pois são elas quem são as mais afetadas por assédio no ambiente de trabalho, e somado ao fato de que recebem em média menos que os homens, elas tenderiam a receber valores indenizatórios muito inferiores aos dos homens.

Daí a importância da reflexão sobre os impactos da reforma trabalhista no princípio da justiça social.

 

2 Ofensa ao princípio da justiça social: retomada imprescindível

Mas quais as suas origens e como pode ser entendido o princípio da justiça social?

A noção de justiça social vem apoiada nas ideias de igualdade e solidariedade, que surgiram ainda no século XIX, período em que a busca era por equilíbrio de direitos entre as pessoas, ou seja, buscava-se a concretização dos direitos como educação, saúde e trabalho.

Assim, a noção de justiça social passou a ser ligada à ideia de sociedade igualitária. NO entanto, com o advento da globalização, no final do século XX, inúmeros problemas sociais foram realçados, a partir da integração da economia das diferentes nações. (COHN, 2005, p. 49-60).

John Rawls (2003), através de sua teoria da justiça, buscou corrigir as injustiças sociais causadas pelo capitalismo, através de uma concepção política de justiça, capaz de determinar as condições de equidade na cooperação social entre os cidadãos livres e iguais.

A sociedade como sistema equitativo de cooperação social significa que a colaboração entre os cidadãos de um determinado Estado guia-se por regras e procedimentos públicos reconhecidos; e mais, cada cidadão aceita a ideia de cooperação, num sentido de reciprocidade ou mutualidade, consistente em que cada cidadão que contribua para a sociedade deve se beneficiar da cooperação, segundo as regras e procedimentos estabelecidos. (SOARES, 2014, p. 327-247).

Rawls (2003, p. 13-16), afirma, ainda, que a sociedade é organizada através do princípio de cooperação, em que as instituições políticas, sociais e econômicas de uma sociedade se articulam para formar um sistema único de cooperação social. Neste contexto, o que parece que Rawls diz é que num sistema de cooperação social, há divisão de direitos e deveres básicos de forma equânime.

E o pensador vai além, quando afirma, ainda, que a ideia de justiça social de Rawls considera a justiça como a virtude primeira das instituições sociais, com isso expande sua ideia afirmando que as leis e as instituições, mesmo quando eficazes, devem ser substituídas ou abolidas se injustas, e os direitos assegurados pela justiça não devem estar sujeitos a negociações políticas, nem interesses ocultos. (SOARES, 2014).

Em que pese a teoria hipotética de Rawls idealize uma situação contratualista, de um status quo capaz de garantir acordos básicos, nele firmado, a fim de que as pessoas sejam livres e iguais de forma consensual, é válido destacar que sua teoria, em essência, numa visão crítica, demonstra que o que se vive no cenário nacional hoje, em especial ao mundo das mulheres é um esquecimento dos direitos assegurados pela justiça (?) e que não devem estar sujeitos a negociações políticas, nem interesses ocultos, e mais, o que se nota é um apagamento da distribuição dos direitos e deveres (ABREU, 2006, p. 18-26) de forma racional, criteriosa e justa.

Assim, nota-se, que, no caso da problemática deste trabalho, a reforma trabalhista, no campo do feminino, ultrajou o princípio da justiça social, já que ceifou inúmeros direitos e garantias previstos anteriormente na legislação, fazendo com que surja a longo e médio prazo, um aumento considerável na desigualdade entre gêneros no setor trabalhista.

Mas como superar este momento de desigualdade na distribuição de direitos e garantias?

 

3 A reforma trabalhista no contexto do feminino

Valdete Souto Severo (2017), Juíza do Trabalho no Estado do Rio Grande do Sul, publicou que a Justiça do trabalho não pretende promover a igualdade entre capital e trabalho, muito menos de superar o sistema. Ao contrário, ao aplicar a legislação de proteção social, a Justiça do Trabalho atua como contenção à luta de classes, determinando limites e impedindo o caos.

Dentro desta perspectiva, o historiador Fernando Teixeira da Silva (REFORMA, 2017), Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFHC) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e autor do livro “A Justiça do Trabalho e sua história”, afirmou que a tal reforma trabalhista “afeta o princípio da solidariedade, o princípio de direitos, o princípio de justiça social, tudo em nome do mercado, em nome da eficiência, da concorrência entre grandes corporações”.

Isto porque, como já dizia Rawls (2003), em relação aos interesses políticos e obscuros, nela [reforma trabalhista] estão os interesses do capital financeiro e as ingerências em quaisquer relações de trabalho e sua organização volta-se para as expectativas do mercado.

Mas antes de continuar nesta toada, vejamos algumas anotações sobre a instalação da Justiça do Trabalho no Brasil, de acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

 

3.1 A Instalação da Justiça do Trabalho: Notas do TST

De acordo com o disposto no texto “A justiça do trabalho entre dois extremos” do TST (2018), o século XX foi o século do trabalho, em que este se tornou o aspecto central da vida do homem, deixando de ser única e exclusivamente meio de subsistência e constituindo a identidade dele.

Este século foi também aquele que originou as grandes massas nas cidades, criando por sua vez os grandes movimentos urbanos de trabalhadores (HOBSBAWN, 1998), ora conduzidos por ideologias de direita, ora pela esquerda.

E é justamente no meio do confronto de tais ideologias, inclusive mundiais, que a Justiça do Trabalho é criada no Brasil em 1941 (Decreto n. 1237/1939), momento este, também, de crescimento da classe média e da classe operária, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

A Justiça do Trabalho, então, surge como uma ameaça comunista ou força fascista, pressionando a maior parte dos Estados a criar órgãos jurisdicionais e leis trabalhistas.

De acordo com Viana (2014, p. 23) para os defensores da Justiça do Trabalho, ela introduziria um marco civilizatório no Brasil, impedindo que os mais desfavorecidos dependessem da “boa vontade dos mais abastados”.

Vale dizer que “[…] se é verdade que a Justiça do Trabalho, em seus primórdios, foi incubida de ‘substituir’ os atores dos conflitos coletivos, também é verdade que a relação dos trabalhadores com essa Especializada foi ambígua: alguns a enxergavam como “estratégia de dominação do Estado”, outros encontraram nela um recurso real para lutar por seus direitos”. (grifo nosso)

Assim, a Justiça do Trabalho surge como uma garantia, um limitador de classes, capaz de impedir abusos como outrora dissera a MM. Juíza do trabalho Valdete Souto.

 

3.2 O Impacto da Reforma Trabalhista na Justiça do Trabalho

Fernando Teixeira da Silva (REFORMA, 2017) [3] ao analisar os impactos da reforma trabalhista no judiciário trabalhista, expõe que ela colocará o negociado acima do legislado, tornando a Justiça do Trabalho apenas um órgão homologatório de contratos privados entre trabalhadores e patrões, interferindo cada vez menos nos chamados direitos coletivos.

Para o citado autor a reforma afetará, também, o princípio da gratuidade, porque os trabalhadores em certas ações deverão arcar com os custos e honorários, o que por sua vez, limitará o acesso à Justiça, cerceando, inclusive a função social da Justiça do trabalho.

Além disso, expõe o Professor que a reforma trabalhista procurou desagregar as relações sociais, através das formas precárias de vínculos [com colegas de trabalho e mesmo as instituições], em que tudo é pensado no curto prazo, soma-se a isso a finalidade de destruição dos elementos identitários de tal reforma, porque os sujeitos não serão mais trabalhadores, mas meros prestadores de serviços.

Deste modo, para além da finalidade mercadológica do capital, a finalidade oculta reforma trabalhista é atacar a tradição, a cultura e os avanços identitários dos sujeitos, homens e mulheres, enquanto sujeitos coletivos, através da individualização das relações sociais, enfraquecendo os movimentos sociais, inclusive, como o das mulheres que durante anos lutaram e lutam para implementar igualdade das relações de trabalho e emprego.

E ao enfraquecer os movimentos sociais, a reforma trabalhista atua, inclusive, da desestabilização da organização da sociedade, afetando a toda a sociabilidade política dos seres humanos, em detrimento do mercado, eficiência e concorrência das grandes corporações.

 

3.3 A Luta da Mulher Continua: Olhares Constitucionais para com a CLT

De acordo com dados do Portal Brasil (MULHERES, 2018), a inserção da mulher no mercado de trabalho é cada vez maior, sendo que as mulheres estão ocupando maior espaço no ambiente de trabalho, por exemplo, em 2007 elas representavam 40,8% do mercado formal e em 2016 passaram a ocupar 44% destas vagas.

Passemos agora a analisar algumas modificados legislativas que advieram com a reforma e que tendem a fomentar a desigualdade de gênero e social.

Dentre as várias mudanças advindas coma Lei 13.467/2017, chama a atenção a previsão do Artigo 394-A da CLT que menciona “Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: 

I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; 

II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; 

III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. 

  • 1o……………………………………………………………. 
  • 2oCabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. 
  • 3oQuando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caputdeste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento.

Vale pontuar que antes da reforma trabalhista era terminantemente proibido o trabalho de mulheres grávidas em ambiente insalubre, em qualquer dos seus graus. Assim, era responsabilidade das empresas readequar sua funcionária para um local adequado.

No entanto, com a modificação da legislação a mulher grávida, agora, pode trabalhar em local insalubre em grau mínimo (10%) ou médio (20%), e no período de lactação, terá a possibilidade de trabalhar no de grau máximo (40%).

A exceção à regra encontra-se na possibilidade do atestado médico indicando a impossibilidade delas laborarem nessas áreas.

Ora, se antes a obrigação era da empresa/patrão, agora a responsabilidade recai única e exclusivamente sobre a trabalhadora, que dependerá de autorização dos patrões para ir a consultas médicas, gastará seus pequenos salários com tais consultas e sem indenização, alterando, inclusive, toda a sua vida privada.

A par disso, será que existe algo que possa ser feito para conter os abusos e arbitrariedades da reforma trabalhista no campo feminino?

Lenio Luiz Streck (2017), escreveu um artigo intitulado “Como usar a jurisdição constitucional na reforma trabalhista”, e nele o jurista evidencia os pontos positivos de alguns enunciados da 2ª Jornada da Anamatra, que impõe um olhar constitucional sobre a reforma trabalhista para continuar na garantia de direitos dos cidadãos.

O referido jurista cita o Enunciado 18 da 2ª Jornada da Anamatra, que segundo ele, prevê a inconstitucionalidade da previsão de um microssistema autopoiético e hermético de regulação do dano extrapatrimonial da esfera da Justiça do Trabalho. Ora, não há como uma lei infraconstitucional, realizar tal determinação, isso porque segundo Streck, cabe fazer uma declaração de inconstitucionalidade com redução de texto do artigo 223-A da CLT, para excluir a expressão “apenas”.

Para o pensador, ainda, é preciso que o Judiciário atue no controle de constitucionalidade, seja aplicando leis constitucionalmente adequadas, seja deixando de aplicar leis inconstitucionais. O fundamento desta análise, advém, inclusive, segundo o Enunciado 2 da 2ª Jornada da Anamatra, buscando, inclusive, proteger o próprio Direito.

Assim, no tocante ao objeto deste trabalho, vale destacar que o ponto de vista levantado por Streck, sobre a realização de uma leitura constitucional da reforma trabalhista, também deve ser realizada como um fator positivo e preponderante sobre as relações de trabalho das mulheres, já que elas são a parte da população que serão mais significativamente afetadas pela reforma trabalhista.

 

Conclusão

Este trabalho pretendeu demonstrar e valorizar, por meio da crítica à ofensa ao princípio da justiça social, causada pela reforma trabalhista, que culminou diretamente no impacto do gênero feminino, tão marcado por disputas de espaços, poder e legitimidade social.

Assim, como se viu, a reforma trabalhista, advinda com a Lei 13.467/2017, trouxe inúmeros problemas às mulheres, em seu ambiente e relações de trabalho, como a flexibilização da jornada de trabalho, na chamada modalidade intermitente, a limitação do valor da indenização extrapatrimonial ao salário do empregado, e a possibilidade da mulher trabalhar em ambientes insalubres durante o período da gravidez.

Fato é que se pode perceber que tais modificações legislativas não afetaram única e exclusivamente as mulheres, mas toda uma conjuntura social, que estava se organizando coletivamente a fim de construir seus ideais de melhoria.

No entanto, antes desta reforma trabalhista às mulheres eram garantidos determinados privilégios, que na realidade nada mais eram do que direitos conquistados com muito suor e luta por um mínimo de igualdade laboral, ou seja, antes da reforma os direitos a elas garantidos tinham o objetivo de nivelar as diferenças entre os sexos no Brasil, que é historicamente marcado pela sociedade machista.

Fica evidente, assim, que interesses políticos, privados e mercadológicos se sobressaíram sobre os interesses sociais e coletivos, no entanto, ainda que com essa ofensa ao princípio da justiça social, foi possível perceber que há solução, pelo menos momentânea, para o atual problema causado pela reforma trabalhista.

Ou seja, a aplicação de um olhar constitucional sobre a consolidação das leis do trabalho possibilita a colocação de um freio no desmanche dos direitos e garantias das mulheres, estendendo tais direitos e garantias até então conquistados e pré-estabelecidos infraconstitucionalmente através da história de luta feminina.

Este talvez não seja o meio mais eficaz de tornar fato um dever ser mais justo socialmente, mas na atual conjuntura política, econômica e cultural, a Constituição tem o condão de retomar ações e políticas públicas do Estado Social, pois ela é, ainda, capaz de ampliar as liberdades civis e fundamentais de todos os cidadãos.

Deste modo, um olhar primeiro constitucional sobre as relações de trabalho, sociais, culturais e históricas das mulheres determinará que se cumpra a lei suprema, isto é, que se garanta a existência digna de todas as pessoas, com justiça social. Ao contrário do que se prega falaciosamente, com o argumento de que manter as diferenças de tratamento entre homens e mulheres em marcos trabalhistas e previdenciários acaba por legitimar a desigualdade.

 

Notas

[1] Action Aid é uma organização internacional que trabalha por justiça social, igualdade de gênero e pelo fim da pobreza.

[2] Importante destacar, de acordo com a Desembargadora Alice Monteiro de Barros (2016), em seu Curso de Direito do Trabalho, que a partir de 2004 o trabalho da mulher foi, também, valorizado com legislações, como por exemplo a proteção à maternidade coma Lei 11.324 de 2006 e a Lei 11.340 de 2006).

[3] Entrevista realizada com o historiador Fernando Teixeira da Silva, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

 

Referências

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