Ao Ministério Público do Trabalho, como instituição indispensável à função jurisdicional trabalhista, incumbe as funções cometidas pela Constituição Federal (art. 127), de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais e indisponíveis da sociedade, colocando-se à sua disposição, para o cumprimento dessas importantes funções, instrumentos necessários e eficazes, como o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública no âmbito trabalhista (arts. 129, inciso III, da CF, 83, inciso III e 84, inciso II, da Lei Complementar 75/93).
No Inquérito Civil Público, procedimento de natureza administrativa e inquisitorial, o parquet pode obter, do inquirido, compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial, conforme preceitua o § 6º, do artigo 5º, da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). Neste ajuste, comumente chamado de termo de compromisso, o interessado compromete-se a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em respeito à ordem jurídica vigente, mediante cominação de uma multa estipulada pelo órgão condutor do inquérito, que normalmente é diária e em valor consideravelmente alto, com o único objetivo de que o ajuste seja cumprido e a ordem jurídica protetiva da sociedade respeitada.
Não obstante, alguns poucos termos de compromisso não são cumpridos, cabendo ao órgão ministerial adotar as medidas necessárias ao seu cumprimento, tanto com relação à obrigação de fazer ou não fazer, como no tocante à cobrança do montante da multa estipulada, destinado ao fundo de amparo ao trabalhador (FAT). O meio eficaz e adequado para tanto é uma Ação de Execução direta perante a Justiça do Trabalho, onde o Ministério Público Trabalhista está legitimado a exercer suas atribuições legais (art. 83, caput, da Lei Complementar 75/93).
No entanto, têm surgido algumas vozes discordantes, sustentando, com base exclusivamente no artigo 876, da CLT, que na Justiça do Trabalho somente se executa títulos judiciais – decisões passadas em julgado e acordos homologados. O texto do aludido dispositivo, criado pelo Decreto-Lei 5.452/43 – Consolidação das Leis do Trabalho – quando a Justiça do Trabalho ainda era um órgão de natureza administrativa, não integrante, portanto, do Poder Judiciário e que tinha suas decisões executadas pela Justiça Comum, ainda conserva a seguinte redação: As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, e os acordos, quando não cumpridos, serão executados pela forma estabelecida neste Capítulo.
Esse entendimento, com o devido respeito aos seus defensores, não pode e não vai prevalecer, porque contraria a melhor doutrina e se espelha no método mais pobre e retrógrado de interpretação, que é o gramatical ou filológico, além do que está na contramão da evolução histórica do Direito, e, sobretudo, do Processo do Trabalho. A interpretação de uma norma jurídica, como se aprende nos primeiros anos acadêmicos, requer a aplicação dos diversos métodos existentes. Na lição ímpar de Carlos Maximiliano, in “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 3ª edição, “…o método gramatical é o menos compatível com o progresso, por ser o mais antigo e apegar-se às palavras, o que, tanto no Direito como em tudo mais, caracteriza a falta de maturidade do desenvolvimento intelectual”. E, concluindo suas lições sobre a interpretação gramatical, chamando-a de retrógrada e judáica, diz o festejado jurista que “nunca será demais insistir sobre a crescente desvalia do processo filológico, incomparavelmente inferior ao sistemático e ao que invoca os fatores sociais, ou o Direito Comparado”. E ainda: “Saber as leis é conhecer-lhes não as palavras, mas a força e o poder, isto é, o sentido e o alcance respectivos”.
Desse modo, ao contrário da utilização do processo meramente gramatical, como utilizado pela corrente mencionada, deve o hermeneuta contemporâneo valer-se dos processos orgânico, sistemático e finalístico, o que quer dizer, no escólio de Miguel Reale, na obra “Lições Preliminares de Direito”, 18ª edição, pp. 285/86, que “… o primeiro cuidado do hermeneuta contemporâneo consiste em saber qual a finalidade social da Lei, no seu todo, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações particulares” e que “fim da Lei é sempre um valor, cuja preservação ou atuação o legislador teve em vista garantir, armando-o de sanções, assim como também pode ser fim da Lei impedir que ocorra um desvalor”.
Por oportuno, merece transcrição a lição do ilustre juslaboralista pátrio, professor Amauri Mascaro Nascimento (“Curso de Direito do Trabalho”, 8ª edição, página 187, 1989, Ed. Saraiva, São Paulo) sobre a interpretação da norma jurídica trabalhista: ”Uma atitude empírico-sociológica conduzirá a uma valoração maior dos fatos sociais, levando o intérprete a voltar-se muito mais para o mundo do ser e nele fundar os seus critérios interpretativos… Entendida a importância da educação judicial e concebido o juiz como terapeuta das enfermidades sociais, será inútil, especialmente ao direito do trabalho, ficar na postura exegética”, referindo-se à escola da exegese, da época do Código Civil de Napoleão, que partia do pressuposto de que o intérprete do direito era um escravo da lei, tal como filologicamente redigida, arrematando o ilustre mestre que “ Não quer dizer isso que o juiz do trabalho é um livre apreciador do direito como orientação extremada da Escola do Direito Livre, mas sim que no lugar da lógica gramatical, sistemática ou legal, deve aplicar a denominada lógica do razoável de que nos fala Recaséns Siches e entender que a realização da justiça é o fim para o qual se volta a atividade jurisdicional”.
É, portanto, com uma visão retrospectiva, mas sem perder de vista o presente e o futuro, que passaremos a examinar o tema em debate, levando em conta o fim da atuação do Ministério Público no mundo moderno, o valor da preservação da ordem jurídico-trabalhista e o resgate da desgastada imagem da morosa Justiça do Trabalho dos nossos dias, ressaltando que a Justiça especializada e o Processo do Trabalho, em função do ramo do direito que aplicam – o Direito do Trabalho – devem ocupar espaço de vanguarda do próximo milênio, como foi a intenção dos seus idealizadores no passado. Para alcançar esse desiderato, porém, é preciso abandonarmos – juízes, procuradores, advogados, etc. – os institutos ortodoxos do processo, idealizados e influenciados no século XIX pelos princípios liberais do individualismo, e partirmos para aplicação dos modernos institutos de direito processual, como a Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor e o próprio Código de Processo Civil na parte em que recebeu inúmeras alterações na busca da efetividade da prestação jurisdicional. É necessário, todavia, que façamos logo, porque o trem da história, impulsionado pelas mais rápidas e radicais transformações que inquietam o planeta, não está disposto a esperar os acomodados.
Com efeito, a primeira afirmação que se faz, embora óbvia, é que a Justiça do Trabalho é competente para conhecer e julgar a execução de termo de compromisso tomado pelo Ministério Público do Trabalho, com amparo nos artigos 114 e 129, inciso III, da Constituição Federal, combinado com os artigo 83, inciso III, da Lei Complementar 75/93, 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 e 585, inciso II, do Código de Processo Civil.
Ora, o artigo 876, da CLT, não exclui a execução de título extrajudicial perante a Justiça do Trabalho. Ocorre, apenas, que referido dispositivo é omisso a respeito, porque, quando da elaboração da Consolidação, não existia no ordenamento jurídico nacional a defesa de interesses difusos e coletivos que atualmente – a partir da Constituição de 1988 – está afeta ao Ministério Público do Trabalho, que atua como órgão agente.
Desta forma, no caso de omissão, aplica-se a regra contida nos artigos 769 e 889, da CLT, que dispõem, in verbis:
Artigo 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
Artigo 889 – Aos trâmites e incidentes do processo de execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem os processos dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.
No caso específico da execução de termo de compromisso firmado perante o Ministério Público do Trabalho, a Lei 6.830/80 também é omissa a respeito; assim, não há nenhum obstáculo legal quanto à aplicação do § 6º, do artigo 5º ( acrescentado pelo artigo 113, da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor), da Lei 7.347/85, que regulamenta o procedimento da defesa em juízo dos interesses difusos e coletivos e da ação civil pública, que estabelece, verbis:
§ 6º – Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (grifamos)
Na mesma linha, o artigo 585 e inciso II, do CPC (com nova redação dada pela Lei 8.953/94) dispõem:
Artigo 585 – São títulos executivos extrajudiciais:
I – …
II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores.(grifamos)
Assim, o Ministério Público, por meio do Inquérito Civil Público, apura a denúncia recebida e convida o indiciado para assinar o termo de compromisso de adequação de conduta, o qual é reconhecido como título executivo extrajudicial, conforme dispõe o § 6º, do artigo 5º, da Lei 7.347/85, acima reproduzido, e que é executado diretamente por todos os ramos do Ministério Público, perante a Justiça na qual atua. Ora, se o Ministério Público do Trabalho tem sua atuação perante a Justiça do Trabalho, como assegurado pela Lei Complementar 75/93 (art. 83, caput), é por demais evidente que o termo de compromisso por ele obtido, quando não cumprido, terá de ser executado perante essa Justiça. Em prevalecendo entendimento contrário – diga-se de passagem, conservador e em sentido contrário à evolução histórica da modernização e aperfeiçoamento dos instrumentos processuais de defesa da coletividade – um dos ramos do Ministério Público – o do trabalho – teria sua atuação diminuída, o que levaria o Inquérito Civil Público trabalhista, um dos mais importantes instrumentos de atuação do parquet, em defesa da sociedade, à total inutilidade.
Desse modo, não é crível nem jurídico que a Justiça do Trabalho não admita a execução de referido título apenas por apego a conceitos clássicos balizados no velho sistema ortodoxo individualista que informa o nosso processo desde o século XIX, pois, assim, tornar-se-ia inútil a atuação do Ministério Público como órgão agente, que teria de ajuizar ação de conhecimento, de cumprimento ou monitória, para fazer valer o termo de compromisso, o que é incompatível com a busca e necessidade de economia e celeridade processuais, tão reclamadas no Processo do Trabalho.
A ação monitória, aliás, nem seria cabível na presente hipótese, quando o que se busca é o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e o pagamento da multa estipulada – cláusula penal. A ação monitória é cabível apenas para o caso de pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de bem móvel (artigo 1.102a, do CPC). A não ser que se ajuizasse uma monitória para o pagamento da multa e uma outra ação sobre a obrigação de fazer ou não fazer, como tem sido o conteúdo dos termos de compromisso assinados nos autos dos Inquéritos Civis Públicos, o que, o que, no nosso entender, seria fora de propósito. A Justiça do Trabalho não pode caminhar na contramão da história.
Necessário se faz ressaltar que a interpretação que alguns vêm dando sobre o alcance do artigo 876, da CLT, deve, data venia, ser superada, diante de basilares regras de hermenêutica, devendo-se levar em conta, isto sim, o momento atual em que se busca coletivizar a solução dos conflitos em todos os ramos do direito, com o objetivo maior da celeridade processual. Nesse sentido, é a lição do já mencionado jurista Miguel Reale, a seguir reproduzida, ad litteram :
“…Mas, se a Hermenêutica Jurídica atual não consagra as teses extremadas do Direito Livre, desenvolve, de maneira mais orgânica, a compreensão histórico-evolutiva, entendendo a norma jurídica, como temos ensinado ultimamente, em termos de:
a) um modelo operacional de uma classe ou tipo de organização ou de comportamentos possíveis;
b) que deve ser interpretado no conjunto do ordenamento jurídico;
c) implicando a apreciação dos fatos e valores que, originariamente, o constituíram;
d) assim como em função dos fatos e valores supervenientes.
É dessa dupla visão, retrospectiva e prospectiva da norma, que deve resultar o seu significado concreto, reconhecendo-se ao intérprete um papel positivo e criador no processo hermenêutico, o que se torna ainda mais relevante no caso de se constatar a existência de lacunas no sistema legal, o que põe o problema da integração normativa, objeto de nosso estudo no capítulo seguinte” (obra citada, p. 289).
A lição acima transcrita serve para o caso como uma luva. Aliás, com a aplicação subsidiária de institutos do processo comum na Justiça do Trabalho – autorizada explicitamente pela CLT, no artigo 769 – estamos bastante acostumados, cabendo lembrar do uso induvidoso do recurso adesivo, da reconvenção, da ação rescisória, da execução provisória, dos embargos declaratórios, da ação de consignação em pagamento, da ação monitória, entre tantos outros. A execução do termo de compromisso, como título executivo extrajudicial, será apenas mais um e dos mais importantes para o momento em que a Justiça laboral tanto necessita resgatar a sua imagem de justiça célere e barata.
O termo de compromisso de ajustamento de conduta foi criado recentemente, com a edição do moderno Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que acrescentou o § 6º ao artigo 5º, da Lei da Ação Civil Pública ( Lei 7.347/85), constituindo-se em valioso instrumento de atuação do Ministério Público, que, evidentemente, não existia à época da edição do artigo 876, da CLT, quando a Justiça do Trabalho sequer tinha função típica judicial.
Por óbvio, o artigo 876 não pode ser interpretado como sendo taxativo, principalmente pela existência de dispositivos legais posteriores que criaram e regularam o termo de compromisso tomado pelo Ministério Público do Trabalho, com eficácia de título executivo extrajudicial.
Em apoio ao nosso entendimento, transcrevem-se, a seguir, algumas opiniões da doutrina atual, inclusive de juízes e procuradores do trabalho, entre outros doutrinadores de renome:
“…O principal argumento dos que negam a natureza executiva de tal título na Justiça do Trabalho baseia-se na literalidade do texto legal. Mas, tal interpretação, como bem sabido, é a mais pobre de todas as técnicas interpretativas.
(. . .)
(. . .)
Sob o aspecto da literalidade, ainda que fosse verdadeira a noção de que o texto do art. 876 da CLT afasta a executividade dos títulos executivos extrajudiciais, não menos verdadeira é a constatação de que impera no campo doutrinário um descontentamento com a limitação do referido dispositivo legal, reconhecendo-se, principalmente, no caso da ação civil pública, que agora foi trazida para a esfera trabalhista, que tal limitação inibe a necessidade premente na sociedade de se eliminarem conflitos, quando se possa fazê-lo de forma segura, fora do âmbito do judiciário. . . .
(. . .)
Por isso, a interpretação literal que nega a executividade de tal título não está em conformidade com a técnica histórico-sócio-evolutiva.
(. . .)
Por fim, mas não com menos importância, interessante verificar que sequer a interpretação literal do art. 876 autoriza a conclusão de que os títulos extrajudiciais não se executam na Justiça do Trabalho. O referido dispositivo menciona as decisões judiciais transitadas em julgado, ou das quais não se penda recurso com efeito suspensivo e os “acordos não cumpridos”, não mencionando se estes acordos são formulados em juízo ou fora dele. Possivelmente seriam, mas só por presunção, porque literalmente isto não está dito e nem foi assim justificado na exposição de motivos da lei que lhe deu vigência.
(. . .)
Assim, por todos os ângulos que se examine a presente questão, parece-nos que a conclusão inevitável é a de que o termo de ajuste de conduta tem força executiva na Justiça do Trabalho, mas resta sempre o temor de que o arbitrário jurídico prevalecente a respeito do presente tema não se altere, pois, como acentua Humberto Theodoro Júnior, “é sem dúvida muito mais cômodo seguir antigos padrões, estabelecidos de longa data na praxe forense e nos manuais da doutrina, do que repensar soluções para os quase sempre complicados problemas da interpretação evolutiva das normas legais…” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. “Ação Civil Pública e Execução de Termo de Ajuste de Conduta”. Jornal Trabalhista, ano 15, nº 730, pp. 1090-1091, 05 out.1998).
“… III. Do cabimento de execução de título executivo extrajudicial
O objeto fixado no compromisso tem idêntico teor à coisa julgada material que teria sido obtida através da ação civil pública. Ora, se apenas a Justiça do Trabalho tem competência material para apreciar as ações civis públicas trabalhistas, também é a única com competência para executar obrigações extrajudiciais de igual teor.
Inexiste qualquer incompatibilidade entre esta norma e o disposto no art. 876 da CLT. A nominação dos títulos passíveis de execução perante a Justiça do Trabalho inscrita nessa norma não tem caráter taxativo. Mesmo que tivesse sido esta a intenção da época da promulgação daquele texto legal, hoje tal entendimento não pode prevalecer, tendo em vista a força da disposição do art. 114, da Constituição Federal, como exposto acima, que permite a ampliação da competência da Justiça do Trabalho por lei ordinária. Desse modo, eventual taxatividade estaria revogada…” (MEDEIROS, Adriane de Araújo. “Título Executivo Extrajudicial na Justiça do Trabalho”. Genesis : Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, vol. 8, nº 48, p. 762, dez.1996).
“… No termo de compromisso, tomado pelo órgão do Ministério Público, do inquirido, constará multa a ser exigida no caso de descumprimento do acordado, título este que valerá como título executivo extrajudicial (Lei 8.078/90, art.113; Lei 7.347/85 art. 5º, § 6º). Assim, no caso de quebra do compromisso, poderá o órgão do MP ajuizar ação de execução, para exigir judicialmente o pactuado…” (TAPETY, Adriana de Freitas. “Ação Civil Pública para a tutela de interesses difusos na Justiça do Trabalho”. Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo, ano 6, 1º sem., p.46, mar.1996).
“…Verifica-se, pois, que o Ministério Público, como titular da ação civil pública, poderá tomar do inquirido termo de compromisso, no qual constará multa pelo seu descumprimento. Ocorrendo este, o Ministério Público poderá ajuizar ação de execução com base no termo de compromisso, de vez que possui força de título executivo extrajudicial…”(MARTINS FILHO, Ives Gandra. “Processo Coletivo do Trabalho”. São Paulo: LTr, 1994. p. 163)
“A recente reforma do Código de Processo Civil, entre tantas inovações, trouxe uma que, a despeito de haver passado quase despercebida pelos juslaboralistas, apresenta especial interesse, seja como novo e poderoso meio de pacificação extrajudicial dos conflitos trabalhistas, seja como fonte de alargamento da prática institucional do Ministério Público do Trabalho.
Trata-se da nova redação dada ao artigo 585, inciso II, do Estatuto Processual, introduzida pela Lei 8.953, de 13/12/94, por via da qual se confere natureza de título executivo extrajudicial ao instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, de aplicação não só possível como desejável às relações de trabalho e ao processo trabalhista, como se tentará demonstrar nestas notas.
Acreditamos que os óbices a serem levantados contra a eventual execução, na Justiça especializada, desse instrumento de transação, podem ser afastados mediante um exame da questão que transcenda barreiras dogmáticas e uma visão empedernida do processo trabalhista, incapazes de harmonizá-lo com os avanços da moderna ciência processual, calcados nos princípios da efetividade e da instrumentalidade do processo, que têm influenciado decisivamente, nas duas últimas décadas, a produção legislativa brasileira em matéria civil, com a criação de mecanismos eficazes para a solução de litígios de pequena monta, destinados a propiciar ao cidadão comum acesso efetivo a uma ordem jurídica justa.
Presidindo e referendando a conciliação entre as partes, ainda antes que estas venham a provocar a jurisdição, o que representará, de imediato, importante fator de desafogo para o notório assoberbamento das cortes trabalhistas, estará o Ministério Público do Trabalho, antes de tudo, prestando relevantíssima contribuição para que se cumpra, na prática, o ideal do acesso à Justiça, base de um sistema jurídico moderno, voltado para a efetivação dos direitos e a pacificação social.” (BARROSO, Carlos Eduardo. “O Instrumento de Transação Referendado pelo Ministério Público. Novos Rumos para a Composição dos Conflitos Trabalhistas e o Processo do Trabalho”. Genesis : Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, v.7, n.42, p. 762, 765-766, jun.1996
“… a CLT, no art. 876, disciplina apenas o título executivo judicial; entretanto, não se trata de omissão excludente, mas de omissão impotente, porque à época da edição da Consolidação das Leis do Trabalho, a própria “sentença trabalhista” era título extrajudicial executável perante a Justiça Estadual” (PITAS, José Severino da Silva. “Título Executivo Extrajudicial. Marco histórico da transformação da Justiça do Trabalho”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, São Paulo, nº 7, pp. 11/12, 1995)
“…Assim, não é mais possível, nos dias de hoje, sustentar-se que não cabe a execução por título extrajudicial no Judiciário Trabalhista, porque a Constituição Federal, posterior e hierarquicamente superior à CLT, assegurou a todo Ministério Público, inclusive ao do Trabalho, a instauração de Inquérito Civil Público e o ajuizamento da ação civil pública, para a defesa dos interesses difusos ou coletivos e individuais homogêneos, e o texto legal apto a embasar a prática de tais medidas é, sem sombra de dúvidas, a Lei 7.347/85, alterada pela Lei 8.078/90, até que a legislação específica para regulamentar o ICP e a ACP na esfera trabalhista venha a ser editada, tendo a seguinte redação o art. 5º, parágrafo 6º da citada lei:..” (GUIMARÃES, Carlos Alfredo Cruz. “Termo de Compromisso e Laudo Arbitral. Conceito. Hipóteses de Cabimento. Execução”. Genesis : Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, v. 10, nº 59, pp. 625/627, nov. 1997).
“… Não se diga ser esse título inexecutável no âmbito da Justiça do Trabalho, sob o entendimento de vir a execução perante ela ordenada de modo taxativo e restrito no art. 876/CLT.
Não o cremos. O dispositivo consolidado veicula a execução apenas das decisões passadas em julgado ou das quais não caiba mais recurso com efeito suspensivo e dos acordos judiciais não cumpridos. Não é abrangente de todas as situações fáticas caracterizadoras de acordo, transação e comprometimento. É irrecusável na espécie o permissivo contido no art. 585, II, do CPC, de acolhimento de todo título que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. A legitimidade ativa para a ação é do MPT.” (DONATO, Messias Pereira. “Ação Civil Pública”, in: VIANA, Márcio Túlio, e RENAULT, Luiz Otávio Linhares (coord.). “O que há de novo em Processo do Trabalho. São Paulo: Editora LTr Ltda., p.35. 1997).
“…A pretensão deduzida no processo de execução por título extrajudicial a ser promovido pelo MPT refere-se a contratos de trabalho (presentes e futuros). Daí por que se apresenta incontestável a competência da Justiça obreira para executar o termo de ajuste de conduta descumprido, com base no art. 114, “caput”, parte final, da “Lex Mater”.
(…)
Com efeito, a Consolidação das Leis do Trabalho data de 1943, época em que não se cogitava da defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos nem da ação civil pública e do inquérito civil público, em cujo contexto se enquadra o termo de ajuste de conduta sob análise.
Em conseqüência, o legislador não tratou do assunto no art. 876 da CLT, omissão que autoriza, na forma do art. 769 do mesmo Diploma Normativo, a incidência subsidiária do direito processual comum, até porque salta aos olhos a compatibilidade do termo de compromisso firmado perante o MPT com o processo do trabalho. Afinal, mediante a propositura de um processo de execução, conseguir-se-á, com celeridade, eficiência e baixo custo, a solução de irregularidades que atingem dezenas, centenas e até milhares de trabalhadores em algumas situações.
(…)
Por tais razões, a resposta à primeira pergunta é sim, a Justiça do Trabalho é competente para executar termo de ajuste de conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho em inquérito civil público” (BRITO, Rildo Albuquerque Mousinho de. “Execução de Termo de Compromisso firmado perante o Ministério Público do Trabalho”. 10º Congresso Brasileiro de Direito Processual do Trabalho, São Paulo: LTr, 1998, pp. 15/19).
Como se vê e sem maiores digressões, pode-se concluir que o artigo 876, da CLT, não se constitui em óbice à admissão da execução do termo de compromisso tomado pelo Ministério Público do Trabalho, que é indiscutivelmente um título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho, como nos demais ramos do Judiciário.
A atuação preventiva e coletivizada do Ministério Público do Trabalho é de suma importância, não só para a sociedade, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF/88, artigo 127), mas, também, para a própria Justiça do Trabalho, principalmente no momento em que recebe muitas críticas, sendo a principal delas no tocante à morosidade na prestação jurisdicional. Essa morosidade tem como causa principal a inexistência de sistemas preventivos de solução de conflitos e de soluções processuais coletivizadas.
O Ministério Público do Trabalho, como defensor dos interesses indisponíveis da sociedade, vem dando sua contribuição na busca da rapidez e efetividade da prestação jurisdicional, ajudando, conseqüentemente, no resgate da credibilidade do Judiciário Trabalhista. No tocante à prevenção, ao receber denúncias, que são inúmeras, o parquet instaura Inquéritos Civis Públicos e obtém, em boa parte deles, sem a busca de tutela jurisdicional do Estado, um termo de ajustamento de conduta à ordem jurídica; quando não firmado o termo, o Ministério Público ajuíza a competente Ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho, na busca de um comando judicial de cunho coletivo ou difuso, que beneficia dezenas, centenas e até milhares de trabalhadores, evitando, desta forma, o ajuizamento de grande número de reclamações individuais, que é a praxe hoje corrente na Justiça obreira, responsável em grande parte pelo abarrotamento de processos. As ações coletivas, na Justiça do Trabalho, muito mais do que em qualquer outro ramo do Judiciário, são de fundamental importância para facilitar o acesso do cidadão aos órgãos jurisdicionais bem como para aproximar o Judiciário da democracia, como muito bem retrata a decisão a seguir transcrita, verbis:
As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual é um imperativo do mundo moderno. Através dela, com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isto faz o Judiciário mais ágil. De outro lado, a substituição processual do indivíduo pela coletividade torna possível o acesso dos marginais econômicos à função jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judiciário aproxima-se da democracia. O sindicato está legitimado para requerer Mandado de Segurança coletivo em favor de uma parcela da categoria profissional, ameaçada pela liquidação do respectivo órgão de previdência complementar (STJ – MS nº 5.187/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. publicado no DJ de 29/06/98).
Não se pode negar, evidentemente, que o êxito e a sedimentação da atuação do parquet depende em muito do apoio e do reconhecimento dessa Justiça especializada, que dá a palavra final nas ações ajuizadas, e não tem se furtado, até agora, na maioria dos casos, desta importante missão, que vem desempenhando por meio dos seus membros mais comprometidos com a modernização do processo e com a celeridade e eficácia da atuação judicial.
Desse modo, se por hipótese remota não for reconhecida a execução direta do termo de compromisso tomado pelo Ministério Público do Trabalho, perante a Justiça especializada, tornar-se-á inútil a atuação do parquet trabalhista, porque nenhum inquirido, sabendo da ineficácia de tão importante instrumento – Inquérito Civil Público – assinará termo de compromisso ou adequação de conduta, pois lhe será mais cômodo aguardar a solução judicial de um processo, que, como se sabe, demora muito mais do que a conclusão de um inquérito, cujo prazo é de 6 meses, conforme dispõe a Resolução nº 28/97, do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.
Concluindo este trabalho, depois de muito refletir sobre o tema em debate, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que cabe, na Justiça do Trabalho a execução direta do termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho. Chegamos a esta conclusão, tendo em vista a omissão contida no artigo 876 da CLT e a aplicação subsidiária dos dispositivos legais acima mencionados, não só por compatíveis com o processo do trabalho, como por absoluta necessidade que têm este e a nossa Justiça especializada de se engajarem na modernização da prestação jurisdicional, buscando incentivar e prestigiar as soluções extrajudiciais, sendo o Inquérito Civil Público um dos importantes meios na busca desse desiderato. Por pertinente, é de se ressaltar a grande contribuição que vem dando o Ministério Público do Trabalho nessa nova fase de aperfeiçoamento dos instrumentos processuais em nosso país, em especial na defesa dos interesses difusos, coletivos e transindividuais homogêneos (artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor). Finalmente, a não execução direta do termo de compromisso na Justiça do Trabalho poderá levar o órgão ministerial trabalhista à inutilidade, pois a sua função extrajudicial como órgão agente tenderá a cair no descrédito por falta de efetividade da atuação em favor da sociedade.
Informações Sobre o Autor
Raimundo Simão de Melo
Procurador Regional do Trabalho
Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Professor de Direito e Processo do Trabalho
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho