A demissão de Sérgio Moro, a nomeação do Diretor-Geral da Policial Federal e a ficção jurídica do filme “Minority Report”

Autor: FARLEI MEYER, é Agente de Polícia Federal – Classe Especial (Aposentado), Bacharel em Direito, Pós-Graduado Direito Tributário, Doutorando em Direito Penal e Processo Penal (Univ. Buenos Aires (UBA) com a pesquisa “Origens e Patologias da Corrupção na Ditadura militar 1975-85”. E-mail: [email protected]

Resumo: Este artigo descreve os fatos ocorridos entre ABRIL e MAIO 2020, na qual os atos do Presidente da República exoneraram o Diretor-Geral da Polícia Federal, fazendo com que o Ministro MORO pedisse demissão e, subsequente intervenção do STF não permitindo a nomeação do Delegado Ramagem para o cargo de Diretor-geral da PF. As alegações do Ministro Alexandre de Moraes de que haveria interferências políticas na PF são analisadas nesse artigo, fazendo-se uma comparação com o filme “Minority Report“ em que, de forma ficcional, retrata um futuro onde pessoas são presas por crimes que ainda nem cometeram.

Palavras-Chaves: Moro, Valeixo, Ramagem, Diretor-Geral da PF, Minority Report.

 

Resumen: Este artículo describe los hechos ocurridos entre ABRIL y MAYO 2020, en los que los actos del Presidente de la República, cuando el Director General de la Policía Federal (Delegado Valeixo) fue destituido, causaron que el Ministro de Justicia SERGIO MORO renunciara y acusase al El presidente Bolsonaro de los intentos de intervención política en el PF. La intervención posterior de la Corte Suprema que no permite la nominación de Delegado Ramagem al puesto de Director General del PF bajo la justificación de que habría interferencia política en el PF se analiza en este artículo, haciendo una comparación con la película “Minority Report” en la que , ficticiamente, retrata un futuro donde las personas son arrestadas por crímenes que aún no han cometido.

Palabras clave: Moro, Valeixo, Ramage, PF Director General, Minority Report

 

Sumário: Introdução; 1. As atribuições da PF e o SISBIN; 2. O Poder Discricionário e seus limites. 3.  Cargos Comissionados e os Cargos de Confiança. 4. Os limites do Poder Discricionário, o interesse público e a subjetividade decisória. 5. Caso Lula, Cristiane Brasil e Alexandre Ramagem. 6. A Troca do Diretor-Geral da PF pelo Presidente da República. 7. Tentativas de Crimes e os “Pré-julgamentos”. Conclusão. Referências Bibliográficas.

 

Introdução

A notícia de 29-abril-2020 em que, o Ministro do STF ALEXANDRE DE MORAES suspendeu (liminarmente) a nomeação de ALEXANDRE RAMAGEM como Diretor da PF, com base em uma e ação protocolada pelo PDT alegando “abuso de poder por desvio de finalidade” do Presidente Bolsonaro e ainda, o Ministro do STF em sua decisão alegou que a PF “não é um órgão de inteligência da Presidência da República”, mas sim “polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas”.

Estas alegações nos acarretam reflexões e indagações acerca dos motivos desta decisão, os equívocos e desconhecimentos de como funciona a PF, suas reverberações jurídicas, sociais e morais.

Para que se possa visualizar todo espectro, temos de entender primeiramente a situação fática com que se daria a nomeação. O Ministro MORO, ao pedir demissão em 24-abr-2020, alegou dentre muitas coisas, que o Presidente da República, ao afastar o Delegado Valeixo da Direção Geral da PF, estaria tentando colocar alguém “de confiança”, pois necessitava da PF como fonte de informações e de inteligência para subsidiá-lo na tomada de decisões estratégicas

Para que se possa entender toda esta situação, primeiramente devemos entender o que fala a Lei de Acesso a Informação, conhecida como LAI (Lei 12.527/2011) que regulamentou o direito de qualquer pessoa a solicitar e receber dos órgãos e entidades públicos, de todos os entes e Poderes, informações públicas por eles produzidas ou custodiadas assim como regulamentou a classificação de documentos sigilosos. A publicidade passou a ser a regra e o sigilo a exceção, assim todas as pessoas comuns podem ter acesso a toda e qualquer informação pública produzida ou custodiada pelos órgãos e entidades da Administração Pública, salvo as de cunho pessoal e as de cunho estratégico visto que são consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade (à vida, segurança ou saúde da população) ou do Estado (soberania nacional, relações internacionais, atividades de inteligência) e assim podem ser, a critério dos Chefes dos Poderes (e demais autoridades definidas em lei) classificarem como Ultrassecreta prazo de segredo: 25 anos (renovável uma única vez), Secreta prazo de segredo: 15 anos e Reservada prazo de segredo: 5 anos.

 

  1. As atribuições da PF e o SISBIN

Quando nos referimos a investigações em curso na PF, todas estas são, in thesis, sigilosas, pois sua previsão já consta do Código de Processo Penal e na Lei 12.580/2013 que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Tal classificação de SIGILO DE JUSTIÇA se dá na maioria das vezes pelo magistrado do caso, a pedido do MPF ou da própria PF.

Só quem tem acesso aos dados da investigação criminal é quem está envolvido na investigação, ou seja, os Policiais Federais, o Procurador da República que acompanha e o Juiz/Desembargador/Ministro da causa. Eventualmente Superintendência da PF no Estado costuma saber (parte) da investigação, pois a deflagração necessita de meios logísticos para tal (recursos, viaturas, mais policiais, etc.). No dia da deflagração, quando ela já estiver tudo em andamento, o Diretor-Geral é informado e este comunica ao Ministro da Justiça que há uma deflagração de operação, antes não!

O próprio depoimento do ex ministro MORO à PF, no dia 02-maio, corroborou o fato de que a PF encaminhava relatórios de inteligência ao SISBIN e este os processa para relatórios ao Presidente da República por intermédio de seu gestor (ABIN), e que nem ele (MORO) sabia das operações da PF, salvo quando deflagradas e elas já estavam em curso pois são sempre de restritas e com a classificação sigilosa (conforme código penal e legislações especificas).

No caso do SISBIN, instituído pela Lei 9883/1999 que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência e cabendo à ABIN planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República. A Policia Federal, TAMBÉM é a polícia judiciaria da União (e não com a conotação de que SOMENTE é Polícia Judiciária que o Ministro Alexandre Moraes erradamente descreveu) possui, dentre suas várias atribuições, além de Polícia Judiciária a de Polícia Administrativa e (plano estratégico-operacional) a de Inteligência ESTRATÉGICA para subsidiar o SISBIN como podemos claramente ver na própria lei 9883/1999 (estrutura do SISBIN) e na PORTARIA do MINISTÉRIO da JUSTIÇA Nº 1.252, DE 29-dez-2017 (Regimento Interno da PF):

– Dirigir, planejar, coordenar, controlar, avaliar e orientar as atividades de inteligência;

– Planejar e executar operações de contra inteligência, antiterrorismo e outras determinadas pelo Diretor-Geral;

– Propor ao Diretor-Geral a aprovação de normas e o estabelecimento de parcerias com outras instituições, na sua área de competência.

– Prestar informações sobre matérias de sua atribuição, em atendimento a solicitações de órgãos externos;

– Produzir conhecimentos de inteligência a fim de subsidiar o processo decisório da administração da Polícia Federal além de se fazer representar no conselho consultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN.

A Portaria No. 4453/2014-DG/DPF que aprova a atualização do Plano Estratégico 2010 / 2022 o Portfólio Estratégico e o Mapa Estratégico da Polícia Federal também expõe como uma de suas diretrizes a Inteligência estratégica:

Inteligência bem estruturada: – Dispor de sistemas de inteligência estratégica e policial, capazes de produzir, proteger e difundir o conhecimento, que acompanhe as evoluções no segmento.

Comunicação eficiente: – Dispor de eficiente sistema de comunicação interna e externa, de modo a atender às necessidades decorrentes das atividades desempenhadas por cada unidade.

Ação Estratégica: Alianças Internacionais: – Promover o intercâmbio de informações entre órgãos e organismos internacionais, por meio da celebração de instrumentos adequados, notadamente nas áreas operacional, de inteligência e técnico-científica, no sentido de ampliar seu poder de atuação e melhor prestar seus serviços à sociedade, fornecendo aos servidores envolvidos no processo o treinamento e capacitação adequados.

Ação Estratégica: Cooperação Nacional: – Estabelecer, sistematizar e implementar padrões e normas de cooperação em âmbito nacional, promovendo o intercâmbio de informações entre órgãos e organismos nacionais, por meio da celebração de convênios, termos de cooperação e acordos de cooperação técnica, no sentido de buscar maior interação entre as ações desencadeadas nas unidades federativas, fornecendo aos servidores envolvidos no processo o treinamento e capacitação adequados.

Quando nos referimos aos requisitos legais da nomeação do cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal, segundo art. 2º-C da Lei nº 9.266/1996, in verbis:2o-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial. ”

Esta nomeação, sujeita exclusivamente à escolha do Presidente da República, é discricionária e este poder é submetido obviamente pelo controle dos princípios constitucionais de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, o conhecido L.I.M.P.E.

 

  1. O Poder Discricionário

Poder Discricionário é todo aquele concedido à Administração Pública para a prática de seus atos inerentes à liberdade de escolha, devendo fazê-las dentre as permitidas no ordenamento jurídico e claro, balizando-se sempre pela conveniência e oportunidade sob pena de estar cometendo arbitrariedades ou, como ensina o professor Hely Lopes Meireles (2005): “Discricionariedade é a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei”. Importante que a conveniência e oportunidade permitam ao administrador público a escolha, dentre as várias condutas previstas em lei, a que seja mais propícia para o interesse público.

Quando lemos a decisão do Ministro do STF Alexandre de Moraes, vimos que a sua intenção, e pensamento, em vários momentos da decisão liminar (Mandado de Segurança nº 37.097/DF) como nesta passagem: “[a] escolha e nomeação do Diretor da Polícia Federal pelo Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2º-C), mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por JACQUESCHEVALLIER – ‘o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito’” e ainda nesta outra parte: “[l]logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, no que o controle da Administração Pública, pelo Poder Judiciário está perfeito, porém peculiaridades sobre o caso não refletiram a real situação e atenção que necessitaram.

O Ministro do STF refere-se ao caso como sendo uma violação – in concretu – dos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público, tendo como base o que declarou o ex Ministro Sério Moro, ipisis litteris:

“Foi indicado o nome do atual diretor da ABIN (referindo-se ao delegado federal Alexandre Ramagem, posteriormente nomeado pelo Presidente da República para a Diretoria da Polícia Federal), que é até um bom nome dentro da Polícia Federal. Mas o grande problema é que não são tanto essa questão de quem colocar, mas sim porque trocar e permitir que seja feita a interferência política na PF. O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência, seja diretor-geral, superintendente e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas. Imaginem se durante a própria Lava Jato, o Ministro, Diretor-Geral ou a então Presidente Dilma ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento. A autonomia da PF como um respeito à aplicação a lei seja a quem for isso é um valor fundamental que temos que preservar dentro de um Estado de Direito O presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar, mas é algo que realmente não entendi apropriado. Então o grande problema não é quem entra mas porque alguém entra. E se esse alguém, a corporação aceitando substituição do atual Diretor, com o impacto que isso vai ter na corporação, não consegue dizer não para o Presidente a uma proposta dessa espécie, fico na dúvida se vai conseguir dizer não em relação a outros temas’

O Presidente da República Jair Bolsonaro respondeu, declarando em 24.04.2020: “Sempre falei para ele: Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação”. A questão discutida tanto pela mídia quanto pela própria decisão liminar do STF, não seria quanto à pessoa do Delegado Ramagem que preenche tecnicamente todos requisitos legais e constitucionais para sua nomeação no Cargo em Comissão e Função de Confiança de Diretor-Geral da PF pois além de tudo incide somente o mesmo a presunção de inocência, além de claro, ser atualmente o Diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, gestora e administradora de todo SISBIN.

 

  1. Cargos Comissionados e os Cargos de Confiança

A questão especifica, e a diferença, entre os cargos em comissão e cargos de confiança, têm relacionamento direto e exclusivamente às atribuições de direção, chefia e assessoramento, que devem ser tão somente exercidas exclusivamente por servidores estatutários, ocupantes de cargos efetivos (que, pela legislação vigente, e entendo ser o caso, o do Diretor-Geral da PF).

Os cargos comissionados, por sua vez, podem ser ocupados por qualquer pessoa, servidor público ou não, cabendo à legislação ordinária estabelecer os casos, condições e percentuais mínimos destinados aos servidores de carreira, pois vejamos o que fala a própria Constituição Federal de 1988, em seu Art. 37, caput e inciso V:  “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

A liminar baseia-se na intenção que se deu a nomeação de RAMAGEM para o cargo viciando-a e que, segundo o Ministro do STF: “[…] o grande problema é que não são tanto essa questão de quem colocar, mas sim porque trocar e permitir que seja feita a interferência política na PF”, reparemos no caso e o verbo usado: “[…] trocar e permitir […]” e a imputação de “[…] permitir que seja feita a interferência política na PF” já definindo como certa esta, imputando (imaginada?) conduta criminosa futura.

A questão da nomeação do Diretor-geral da PF, diferentemente das de Advogado-Geral da União e no caso de Procurador-Geral da República, encaminhada lista tríplice pelos pares, ao Presidente da República, mas este não necessariamente precisa, por lei, obedecê-la, podendo indicar o que mais lhe for conveniente e com “afinidades”, como foi o caso do atual ALEXANDRE ARRAS e que tampouco foi questionado em algum momento pelo STF. Claro que nos casos de AGU e MPF, estes sofrem a “sabatina” pelo SENADO e este os nomeia, sendo o Presidente tão somente quem ‘indica”, sendo novamente emanado de seu “poder discricionário”, inerente e exclusivo do Presidente da República, chefe do Poder Executivo.

 

  1. Os limites do Poder Discricionário, o interesse público e a subjetividade decisória

O que alguns estão se indagando se esse “Poder” teria em seu exercício. O Poder Discricionário é aquele em que à Administração Pública é permitida praticar atos com a liberdade de escolha, pautada na conveniência e oportunidade, podendo fazer as escolhas entre as alternativas permitidas no ordenamento, sob pena de agir com arbitrariedade, como MEIRELES (2005, p. 118-119) define “Discricionariedade como a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei”.

Sendo um dos poderes administrativos concedido pela legislação, a Administração Pública deve decidir qual a melhor escolha, dentre as opções postas ao seu conhecimento e possibilidades, será a que deva ser tomada para alcançar seus objetivos (interesse público) dando-lhe uma liberdade de ação (diferente do Poder Vinculado) mas sempre, com viés estratégico, ponderando o executor, com um juízo de oportunidade e conveniência, como explica GASPARINI (2009, p.97) de que são “juízos subjetivos do agente competente sobre certos fatos e que levam essa autoridade a decidir de um ou outro modo. O ato administrativo discricionário, portanto, além de conveniente, deve ser oportuno. A oportunidade diz respeito com o momento da prática do ato. […] A conveniência refere-se à utilidade do ato. […]”

O Poder Discricionário é relativo e não absoluto e está assim restrito a limites como as exigências dos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (L.I.M.P.E.), como ensina o mestre MELLO (2010, p.973) “[…] Não há como conceber nem como apreender racionalmente a noção de Discricionariedade sem remissão lógica à existência de limites a ela, que defluem da lei e do sistema legal como um todo – salvante a hipótese de reduzi-la a mero arbítrio, negador de todos os postulados do Estado de Direito e do sistema positivo brasileiro.[…]”

Como todo ato administrativo deve obedecer aos princípios do L.I.M.P.E., o “crivo” do Poder Discricionário deverá, mesmo teoricamente, haver obedecido à estes princípios, ser controlado pelo Poder Judiciário, sendo inclusive pacífica a jurisprudência deste “controle” dos atos administrativos discricionários sobre o que se referem à sua legalidade e a sua legitimidade, havendo somente certa divergência no campo do “mérito administrativo” porém, como se verifica, a jurisprudência têm se manifestando no sentido de que tal controle da legalidade do ato pode ser também do seu mérito:

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm se manifestado sobre o tema:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 557 DO CPC. APLICABILIDADE. ALEGADA OFENSA AO ART. 2º DA CF. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. ILEGALIDADE. CONTROLE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Matéria pacificada nesta Corte possibilita ao relator julgá-la monocraticamente, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil e da jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. 2. A apreciação pelo Poder Judiciário do ato administrativo discricionário tido por ilegal e abusivo não ofende o Princípio da Separação dos Poderes. Precedentes. 3. É incabível o Recurso Extraordinário nos casos em que se impõe o reexame do quadro fático-probatório para apreciar a apontada ofensa à Constituição Federal. Incidência da Súmula STF 279. 4. Agravo regimental improvido. STF – AI: 777502 RS, Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 28/09/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-204 DIVULG 22-10-2010 PUBLIC 25-10-2010 EMENT VOL-02421-05 PP-01103.

ADMINISTRATIVO – ATO DISCRICIONÁRIO – CONTROLE JUDICIAL – LEI 4.717/65 – AGENTE DE PROTEÇÃO VOLUNTÁRIO DO JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – NATUREZA DA FUNÇÃO – PARTICULAR EM COLABORAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO – EXCLUSÃO – PENALIDADE – DEVIDO PROCESSO LEGAL. – “Em nosso atual estágio, os atos administrativos devem ser motivados e vinculam-se aos fins para os quais foram praticados (V. Lei 4.717/65, Art. 2º). Não existem, nesta circunstância, atos discricionários, absolutamente imunes ao controle jurisdicional. Diz-se que o administrador exercita competência discricionária, quando a lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aquela que lhe pareça mais condizente com o interesse público. No exercício desta faculdade, o Administrador é imune ao controle judicial. Podem, entretanto, os tribunais apurar se os limites foram observados.” (MS 6166/Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros) – O agente voluntário de Proteção do Juizado da Infância e Juventude insere-se na categoria dos particulares que colaboram com a Administração. Eles exercem múnus público, sem vínculo permanente com o Estado. Eles não gozam de estabilidade, mas sua investidura não pode ser desconstituída ad nutum. – Se o Regimento Interno, define como penalidade a exclusão dos Agentes de Proteção Voluntários do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, não é lícito aplicar-se tal sanção, sem observar-se o contencioso previsto no próprio Regimento (Art. 20, § 2º). STJ – RMS: 15018 GO 2002/0075502-5, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 22/10/2002, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 10.03.2003 p. 89RSTJ vol. 171 p. 71.

 

Os casos em pauta não são sobre a questão de que retiram da Administração Pública a liberdade de agir, mas tão somente a de impedir o desvio e abuso de poder, sob a justificativa da discricionariedade.

 

  1. Caso Lula, Cristiane Brasil e Alexandre Ramagem

Alguns defendem que tal decisão do Ministro Alexandre de Moraes se deu em consonância com julgados anteriores do próprio STF, como no caso da nomeação do ex presidente LULA para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil (MS nº 34.070/DF) ou de CRISTIANE BRASIL para o cargo de Ministra do Trabalho (McRcl nº 29.580/DF).

Nestes dois casos anteriores, as decisões se deram, e tiveram como base, o desvio de finalidade em especial o princípio da moralidade administrativa, pois foram baseadas em provas destas, das gravações e demais documentos divulgados pela imprensa, estando claramente caracterizada seu desvio de finalidade e interesse público.

Especificamente a nomeação para o cargo de Diretor-Geral da PF, o julgamento do caso ALEXANDRE RAMAGEM deu uma dimensão diferenciada à autonomia da Polícia Federal, e por reflexão a de outras carreiras de Estado e das capacidades da discricionariedade dos poderes do Presidente da República. Nos casos de LULA e CRISTIANE BRASIL, os problemas residiam e estavam centrados exclusivamente nos “nomeados” (e seus atos pretéritos), o que não ocorre no caso de RAMAGEM, conforme as fundamentações e explanações da decisão do próprio Ministro STF Alexandre de Moraes.

 

  1. A Troca do Diretor-Geral da PF pelo Presidente da República

Quando foram expostas as mensagens de “WhatsApp” pelo (hoje) Ex-Ministro MORO em que demonstram que o Presidente alegava, para exonerar o Delegado VALEIXO de seu cargo comissionado e função de confiança, fato este que o próprio Bolsonaro já externava há algum tempo por “descontentamentos” em relação a não ser informado e não ter “relatórios de Inteligência” da PF, além de, nas palavras do próprio Delegado VALEIXO à PF em 11.05.2020, o Presidente não teria nada contra a sua pessoa, mas queria alguém com “mais afinidade”.

Hoje tramitam no STF dois inquéritos, sendo um sobre as “Fake News” e outro sobre o “Fechamento do Congresso e do STF”, ambos de cunho sigiloso mas parece que sua divulgação para o Jornal “O ANTAGONISTA” em 22.04. 2020 parece ter sido a “gota d´agua” para a exoneração do Delegado VALEIXO. A estranheza surge no momento em que uma investigação, presidida pelo STF, operacionalizada pela PF e que, a priori, é sigilosa, então como a imprensa teve acesso e a ABIN não? No mesmo grupo de mensagens, o Presidente diz a frase: “Mais um motivo para a troca”.

Uma outra reclamação da atuação da PF em não subsidiar a Presidência da República com Informações de Inteligência e Estratégicas, se deu na reunião com seus Ministros e que o ex-Ministro MORO (este referindo-se à reunião em seu depoimento à PF), transcrita pela AGU e divulgada pelo site NOTICIAS UOL (14.05.2020) – Presidente Bolsonaro: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc.”

 

  1. Tentativas de Crimes e os “Pré-julgamentos”

Os crimes, no ordenamento jurídico brasileiro, são classificados como MATERIAIS: onde o tipo penal descreve o resultado e este exige o resultado (seja alcançado) para que haja consumação, e os DE MERA CONDUTA: na qual não se precisa de nenhum resultado naturalístico para se consumar, e os FORMAIS: onde o tipo descreve o resultado naturalístico, mas este não necessariamente precisa ser alcançado para que o crime seja considerado consumado, ou como ensinou DAMASIO  (1997) “possuem um resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção”.

Os crimes formais, geralmente, possuem um “fim especial de agir”, como exemplo citamos a extorsão, crime contra a honra, ameaça, dentre outras.

Uma outra classificação das infrações penais é a divisão dos crimes em UNISSUBSISTENTES: aqueles crimes em que, de um ato só, sem fracionamento, a execução e a consumação coincidem e, portanto, impossível a tentativa, como geralmente os crimes formais e de mera conduta. Outros são os crimes PLURISSUBSISTENTES que, ao contrário dos anteriores, são todos que a execução pode se desdobrar em vários atos sucessivos, ocorrendo consequentemente a ação e o resultado típico, em momentos diferentes (distintos). Por exemplo citamos (via de regra) os crimes materiais.

No que preceitua a legislação pátria sobre “tentativas”, presentes especialmente no Art. 14 do CP – Diz o crime: Tentativa

[…]

II – Tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Para fins de doutrina, a tentativa conforme DUPRET (2008) divide-se em:

Tentativa Perfeita (Crime Falho) ocorre quando o agente exaure toda a sua potencialidade lesiva, mas o crime se consuma por circunstâncias alheias a sua vontade.

Tentativa Imperfeita: este já ocorre quando o agente não exaure toda a sua potencialidade lesiva e o crime não acontece por circunstâncias alheias a sua vontade.

Já o mestre Rogério GRECO (2020) explana de forma mais especifica quando ensina que na execução iniciada de um crime, embora não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, pode-se falar em tentativa (conatus), mas toda vez em que pudermos fracionar o iter criminis, se o agente, percorrendo este e der início à execução de um delito, mas que por fatos e circunstâncias alheias à sua vontade, podemos atribuir-lhe a tentativa. Já outros crimes são classificados (em tese) pela doutrina como impossíveis na modalidade tentada, por exemplo, os crimes habituais, os preterdolosos, os culposos, os unissubsistentes, os omissivos próprios e, até por via de regra por causa da consumação antecipada, os crimes formais.

Aproximando-nos mais do caso in concretu, analisado o Art. 158 do CP (somente como exemplo acadêmico), tomemos por exemplo o que nos ensina Nelson HUNGRIA (2017) no que se refere a um tipo penal específico, para fins didáticos e de esclarecimentos da linha de raciocínio: “No tocante à extorsão (art.158) apesar de se tratar de crime formal, admite-se a tentativa, pois não se perfaz único actu, apresentando-se um iter a ser percorrido. Assim toda vez que deixa de ocorrer a pretendida ação, tolerância ou omissão da vítima, não obstante a idoneidade do meio de coação deixa este, já em execução, de se ultimar […].

Explicando o que o autor quis falar, quando (e se) o agente não conseguir a conduta positiva (ou negativa) da pessoa (vítima) e assim não conseguiu consumar o crime, mas se a vítima, in casu, fizer o que o agente queria o crime se faz consumado, mesmo que a haja uma (eventual) fruição do produto da extorsão, neste caso o crime se apresenta como formal, pois a exigência de vantagem é ainda parte do “momento executivo” do crime de extorsão, ocorrendo antes da consumação.

Porém, caso a vítima, não se sentindo constrangida ou intimidada, ou ainda se não fizer o que determinar o agente, não podemos falar em consumação, mas sim em tentativa, pois o iter criminis não foi completamente percorrido e a (“pseudo”) ameaça não resultou com que a vítima fizesse (ou deixasse de fazer) ou ainda tolerasse algo, assim podemos verificar na jurisprudência pátria: “Entendo que apesar de ser a extorsão enquadrada entre os CRIMES FORMAIS, isto não impede que se reconheça a ocorrência em sua forma tentada, pois, sendo ela um delito plurissubsistente, isto é, que se preenche com a realização de vários atos, nada obsta a que o agente pratique apenas parte do inter criminis… Uma das formas de reconhecimento da forma tentada é quando a vítima não se submete à violência ou à grave ameaça, interrompendo o inter”. TJMG, processo 1. 0395.06.013002-2/001(1) Numeração única 0130022-84.2006.8.13.0395, Relator: Fernando Starling.

“O delito descrito pelo art. 158, do CP, encerra um crime plurissubsistente, ou seja, a conduta típica apenas se esgota com a reunião de diversos atos, o que, na espécie, não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do ora apelante… Para que se reunisse todos os elementos constitutivos da figura típica, seria necessário que, ao lado do constrangimento perpetrado pelo agente – mediante violência ou grave ameaça – e com intuito de obtenção de vantagem econômica, houvesse a efetiva limitação da liberdade individual da vítima, de modo que essa fizesse, tolerasse ou deixasse de fazer algo fora dos marcos de atuação do querer individual”. TJMG, processo 2.0000.00.356285-8/000(1) Numeração Única 3562858-25.2000.8.13.0000, Relator: Antônio Armando dos Anjos.

 

Ementa. PENAL – EXTORSÃO – CRIME FORMAL – TENTATIVA – ADMISSIBILIDADE. A extorsão é um crime formal e plurissubsistente. Consuma-se independentemente da obtenção da indevida vantagem econômica. Admite-se, contudo, a tentativa quando a vítima não se submete à violência ou à grave ameaça, interrompendo o iter criminis. Recursos parcialmente providos. V.v: PENAL – EXTORSÃO – CRIME FORMAL – CONSUMAÇÃO – CONSTRANGIMENTO DA VÍTIMA – RECURSOS IMPROVIDOS. O delito de extorsão classifica-se como crime formal ou de consumação antecipada, de forma que a plena subsunção do fato ao tipo do art. 158, CP, independe da efetiva obtenção da vantagem indevida exigida e, apesar de, em tese, o crime admitir a tentativa, a hipótese é de difícil ocorrência, já que, para a consumação, é suficiente a concretização do constrangimento, que ocorre quando a vítima se sente efetivamente ameaçada pelo agente. Recursos improvidos. TJMG: 200000047367580001 MG 2.0000.00.473675-8/000(1)

 

Quando partimos para a análise da decisão do Ministro do STF Alexandre de Moraes, este fundamentou sua decisão sobre a escolha e nomeação do diretor da PF pelo presidente como: “[…] mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal” e “[…] Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.

 

CONCLUSÃO

O que podemos analisar nos fatos transcorridos desde a saída do Ex-Ministro MORO em 24.04.2020, passando pela liminar concedida pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes em 29.04.2020, até as últimas informações sobre a reunião ministerial de 22.04.2020 divulgadas (desgravações) pela AGU em 14.05.2020, foram as de que o Ministro do STF, de forma equivocada, refere-se à Polícia Federal como sendo SOMENTE uma Polícia Judiciária da União, esquecendo-se que a mesma atua também como órgão membro e alimentador do SISBIN, gerenciada pela ABIN, que se serve (e utiliza) destas informações para subsidiar o Presidente da República na tomada de decisões estratégicas de interesses nacionais.

Outro fato que se torna importante é o de que a insatisfação do presidente foi externada há algum tempo, não contra a pessoa do Delegado VALEIXO, mas que a sua atuação estava “deixando a desejar” como Diretor-Geral por, além de não tendo “afinidades” com o Presidente (não esqueçamos que o cargo também é de CONFIANÇA), não o subsidiava, através do SISBIN/ABIN com todas informações, mas (não podemos pré julgar, afirmar e tampouco levianamente acusar, longe disso!), mas foi sob sua administração o “vazamento” de informações, a priori e s.m.j. sigilosas de investigações em curso no STF, para a imprensa o que, nas palavras de BOLSONARO, seria “mais um motivo para a troca”, pois o Gabinete da Presidência da República e a ABIN (provavelmente) souberam pela Imprensa e não pelos “canais oficiais do SISBIN.

Outro ponto que se conclui nestes episódios todos é a de que, na decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, alegando os princípios da Impessoalidade, Moralidade e Interesse Público, de que a nomeação seria para “[…] permitir que seja feita a interferência política na PF.” ou seja, já estava convencido e preliminarmente imputou tanto ao Presidente da República, quando ao delegado RAMAGEM, a tentativa do crime de interferência política e obtenção ilegal de informações sigilosas.

Este pré-julgamento e imputação criminosa, me fez lembrar, e obviamente fazer um paralelo perigoso, com “MINORITY REPORT”,  filme de ficção científica lançado em 2002 e estrelado por Tom Cruise, dirigido por Steven Spielberg e cujo roteiro se passa em uma Washington/DCNorthern Virginia (USA) no ano de 2054, onde “o PRÉ-CRIME“, é um departamento de polícia especializada que apreende criminosos com base no conhecimento prévio fornecido (não cometeram o crime ainda) por três videntes chamados “PRECOGS“. No filme o principal protagonista (Tom Cruise) é acusado de um crime que não ainda não cometeu, tornando-se um fugitivo.

Esta comparação, embora ficcional, não pode deixar de ser feita pois o que se imputou,  tanto ao Presidente da República (ao exonerar VALEIXO) e nomear RAMAGEM (e a este também), fato que ainda não fizeram, e sequer havendo o “conatus” e tampouco a preparação ou fruição de um resultado que sequer se sabe o “intentus” ou “modus operandi”, pois como a Policia Federal (confirmado tanto por declarações do Ex Ministro, de Delegados e da FENAPEF) trabalha com dados sigilosos, decretados pelo magistrado titular e poucas pessoas sabem dos detalhes, nem Superintendente (maioria das vezes) nem Diretor-Geral (muito menos o Ministro da Justiça) antes da deflagração, se torna uma “tentativa” de um CRIME IMPOSSÍVEL.

 

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