A figura do psicopata no direito penal brasileiro

Resumo: Este trabalho pretende discutir a questão do psicopata no contexto jurídico brasileiro, notadamente no que se refere ao direito penal, analisando as possíveis respostas jurídicas relacionadas com o tema, tais como a responsabilidade penal, as sanções cabíveis, a execução da pena, entre outras questões de relevância. O objeto de estudo apresenta-se controverso e pouco estudado pela ciência jurídica. Para alcançar o objetivo proposto será necessário investigar alguns aspectos teóricos da psiquiatria forense, bem como analisar as jurisprudências e as doutrinas pertinentes ao tema.

Palavras chaves: Psicopata. Direito Penal. Psiquiatria Forense. Criminologia.

Abstract: This paper intends to discuss the psychopathic issue in the Brazilian legal context, especially with regard to criminal law, analyzing the possible legal responses related to the subject, such as criminal responsibility, appropriate sanctions, execution of sentence and other questions issue  relevance. The object of study presents is controversial and not much studied by legal science, in order to reach the proposed goal, it will be necessary to investigate some theoretical aspects of psychiatry and forensic psychology, as well as to analyze the jurisprudence and doctrines pertinent to the subject.

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Keywords: Psycho. Criminal Law. Psychiatry Forensic. Criminology.

Sumário: Introdução. 1 Conceito de psicopatia 2 Características do psicopata.  3. Responsabilidade penal do psicopata. 4 Das sanções penais ao psicopata. 5 propostas alternativas de tratamento jurídico dos psicopatas. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Com a expansão do capitalismo e a busca desenfreada pelo acúmulo de capitais, a capacidade destrutiva do homem se tornou cada vez mais presente. A vaidade, a ambição, o ódio e a inveja foram se propagando tal como uma praga.

Diante de um cenário social de violência e impunidade cada vez mais preocupante, a busca de respostas e soluções para prevenir e combater atitudes delituosas se torna uma das prioridades dos operadores do Direito.  Diariamente são noticiados atos desumanos, praticados de forma fria, cruel e injustificável, muitas vezes associados a indivíduos que não manifestam nenhum remorso ou arrependimento.

Albert Einstein, em uma de suas célebres frases afirma que “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.”. O mal sempre esteve e sempre estará presente. Ele é materializado de inúmeras formas: faz parte da natureza humana. Medidas necessárias precisam ser tomadas, o estado não pode ser negligente quanto a isso.

Sobreviver tornou-se tarefa difícil. O estresse diário, o convívio social, as frustações e as decepções fazem parte do cotidiano. Porém, o freio emocional que permite a convivência humana é a consciência. Ser consciente é saber distinguir o certo do errado, o bem do mal. Por outro lado, o remorso, a pena e a compaixão pelo próximo é o ponto inicial da empatia e do amor. Todavia, alguns sujeitos carecem desses sentimentos tão nobres.

De acordo com o psicólogo Robert Hare (2013, p.17) “os psicopatas possuem ciência dos seus atos, ou seja, sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e porque estão agindo dessa maneira. A deficiência deles está no campo dos afetos e das emoções. Dessa forma, tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse o seu caminho ou os seus interesses.” As consequências são devastadoras.

O direito surge em meio ao caos como um dos instrumentos capaz de harmonizar o convívio coletivo, ditando normas de caráter genérico na intensa busca da organização social. Acontece que a psicopatia é um campo raso no mundo jurídico. É preciso resolver essa deficiência e este artigo tem esse propósito. 

Diferentemente do que muitos pensam os psicopatas não possuem um estereótipo definido. Identificá-los não é tarefa fácil, mas é uma das medidas necessárias para prevenir e combater qualquer eminência de ataque dessas pessoas, que deixam seus rastros destrutivos por onde passam.  Eles podem estar em qualquer lugar, seja no cotidiano carcerário, ou na liderança de grandes empresas.

A psiquiatra Ana Beatriz Babosa Silva (2015, p.56), afirma que “a cada 25 pessoas no Brasil, uma é psicopata, atingindo em maior parte os homens, o que corresponde a 3% do total de 4% referente à pesquisa. Assevera, ainda, que a psicopatia possui níveis variados de gravidade: leve, moderado e grave. Os primeiros se dedicam a trapacear, aplicar golpes e pequenos roubos, mas provavelmente não “sujarão as mãos de sangue” nem matarão suas vítimas. Já os últimos botam verdadeiramente a “mão na massa”, com métodos cruéis e sofisticados, sentindo um enorme prazer com seus atos brutais.”

Impende ressaltar que nem todo psicopata beira o sombrio mundo da criminalidade. Ocorre que esse tipo de indivíduo possui características que o conduzem mais facilmente ao crime. Dessa forma, cabe ao direito penal oferecer as normas pertinentes com o intuito de impedir atitudes delituosas proveniente dessa natureza humana. Todavia, no que se refere à psicopatia, nossa legislação pátria carece de leis mais específicas e adequadas, capazes de assegurar um melhor tratamento ao enfrentamento da questão.

Portanto, o principal objetivo desse trabalho é discutir, criticamente, a forma como o direito penal brasileiro, em suas diversas fontes jurídicas, aborda a questão da psicopatia.

O trabalho será dividido em cinco etapas, que correspondem aos objetivos específicos. Primeiramente, será discutido o conceito de psicopatia com a finalidade de desvendar um de seus maiores mistérios: trata-se de uma doença mental, uma doença moral ou um transtorno de personalidade? 

A segunda seção apresentará as principais características do psicopata. É preciso conhecer o sujeito considerado psicopata, como ele se comporta, vive e age.

No capítulo seguinte será destacado a responsabilidade penal do indivíduo psicopata, oportunidade em que se discutirá sobre a sua culpabilidade, esclarecendo se se trata de uma figura imputável, semi–imputável ou inimputável.

Posteriormente, serão abordadas as sanções penais cabíveis aos psicopatas notadamente no que se refere o direito penal.

Por fim, será desenvolvida uma pesquisa jurídica quanto às possíveis propostas alternativas de tratamento jurídico dos psicopatas.

1 CONCEITO DE PSICOPATIA

A palavra “psicopata” significa “sofrimento da mente” – psykh (mente) e pathos (sofrimento).

As primeiras pesquisas sobre os psicopatas foram elaborados pelo psiquiatra americano Hervey Cleckley e publicadas em 1941 por meio do livro The mask of sanity (a máscara da sanidade) o qual descrevia entrevistas clínicas com seus pacientes. Seus estudos sobre os psicopatas são relevantes ainda hoje.

Em 1991, a partir dos estudos desenvolvidos por Hervey, o psicólogo canadense Robert Hare elaborou um questionário utilizado na identificação de psicopatas, denominado “Escala Hare”, que consiste em um diagnóstico desenvolvido por um profissional psiquiatra a partir da análise clínica e do histórico do paciente, atribuindo pontos de 0 a 2 a uma série de características, como: “boa lábia”, ego inflamado, lorota desenfreada, sede por adrenalina, impulsividade, falta de culpa, sentimentos superficiais, comportamento antissocial, falta de empatia, má conduta na infância e irresponsabilidade. A soma dos pontos determina o grau da psicopatia.

A psiquiatria apresenta razoável dificuldade em definir e classificar os transtornos mentais, uma vez que o modelo biomédico exige, para a taxonomia das enfermidades, que se possa determinar com clareza e segurança qual a sua etiologia, patogenia e evolução. Os transtornos mentais, a exemplo das neuroses e das psicopatias ficam fora da aplicação desse modelo, isto porque não é possível estabelecer uma etiologia definida, a patologia é desconhecida, e a evolução imprevisível.  Dessa forma, criou-se o modelo denominado psicossocial.

Os especialistas divergem acerca do que seja “psicopatia”, existindo três correntes sobre sua definição. Uma primeira corrente defende que se trata de uma doença mental, a segunda trata da psicopatia como uma doença moral e, por último, há quem defenda ser um transtorno de personalidade.

Aqueles que sustentam que a psicopatia é uma doença mental argumentam que tal enfermidade deriva de fatores biológicos, tais como disfunções do lobo frontal do cérebro, responsável pela impulsividade e empatia, além de predisposição genética. Contudo, a corrente que se alinha com a primeira definição é minoritária e sofre bastante crítica.

Para a segunda corrente, que entende a psicopatia como uma “loucura moral”, os fatores biológicos não influenciam o estado mental do psicopata; o que ocorre é a dificuldade do indivíduo em lidar com regras, ocorrendo um desvio perverso diante das imposições legais, visto que estaria desprovido de senso moral, sendo movido pela emoção a uma carga de adrenalina que, conforme se intensifica provoca no indivíduo um desejo cada vez mais cruel de sofrimento alheio.

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A terceira corrente é a majoritária e aponta a psicopatia como um transtorno de personalidade.

Personalidade é o conjunto de características que individualizam o sujeito, o qual possui seu modo próprio de agir e de pensar. A personalidade se refere, portanto, ao modo de ser do indivíduo. Na definição da Associação Americana de Psiquiatria, é “[…] uma tendência de sentir, comporta-se e pensar de formas relativamente consistentes ao longo do tempo e nas situações em que o traço pode se manifestar”. (Katia Mecler, 2015, p. 35).

Por outro lado, alguns teóricos consideram a personalidade o resultado de duas instâncias, que associadas produzem dezenas de possibilidades. A primeira diz respeito ao temperamento que provém da predisposição biológica.  A segunda é o caráter e advém das experiências vividas, é a consciência que a pessoa tem de si, dos outros e do mundo que o cerca.

Assim, “o transtorno de personalidade é identificado quando os traços que particularizam os indivíduos são desajustados e inflexíveis, dificultando a adaptação em sociedade e afetando negativamente o ambiente e as relações parentais, afetivas e sociais.” (Katia Mecler, 2015, p.36).

Vale destacar, também, que alguns autores utilizam a palavra sociopata, como sinônimo de psicopata, por associar a psicopatia a fatores sociais negativos, muitas vezes fruto de acontecimentos melancólicos e traumáticos na vida do sujeito psicopata.

Saliente-se que as instituições médicas adotam termos diversos para se referir à psicopatia. A associação de Psiquiatria Americana (DSM-IV-TR) utiliza o termo Transtorno da Personalidade Antissocial; por sua vez, a Organização Mundial de Saúde (OMS) opta por Transtorno de Personalidade Dissocial. Na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a Personalidade Dissocial é classificada com o código F60.2.

Importante, ainda, fazer a distinção entre psicopata e psicótico. O segundo possui dificuldade em projetar e definir a realidade, em virtude de alucinações e delírios, a exemplo do esquizofrênico. Por sua vez, o primeiro tem plena consciência e compreensão do mundo que o cerca.

2 CARACTERÍSTICAS DO PSICOPATA

Antes da discussão sobre o tema proposto nesta seção vale trazer à tona uma pequena fábula africana:

“Um escorpião aproximou-se de um sapo que estava na beira de um rio e lhe disse:

– Amigo sapo, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo?

O sapo respondeu:

– Só se eu fosse louco! Você vai me picar e eu vou ficar paralisado e afundar.

 Disse o escorpião:

– Isso é ridículo! Se eu o picasse, ambos afundaríamos e nos afogaríamos.

Confiando no discurso persuasivo do escorpião, o sapo concordou e o levou nas costas, nadando para atravessar o rio.

Quando chegaram no meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo.

Atingido pelo veneno, e já começando a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou: – Por que você fez isto?

E o escorpião, friamente, respondeu:

– Por que sou um escorpião e esta é a minha natureza.”

Da fábula apresentada conclui-se que, assim como escorpião, a conduta social do psicopata é determinada pela natureza peculiar de seu estado mental, que desconhece culpa, empatia, compaixão ou solidariedade. Assim, seu comportamento não conhece regra moral, contrariamente, é conduzido tão-somente por seus desejos, impulsos e instintos.

Ana Beatriz Barbosa (2014, p. 69), psiquiatra e escritora de notório conhecimento sobre o assunto, descreve doze características dos psicopatas, que serão analisadas a seguir.

a) Egocentrismo e megalomania

Os psicopatas são extremamente egoístas, se colocam como prioridade diante de tudo e de todos. Além disso, possuem sentimento de superioridade, o que faz com que, em alguns casos, pareçam arrogantes e metidos. Dessa forma, agem como lhes convém, desrespeitando normas e pessoas.

b) Superficialidade e eloquência

Os psicopatas possuem discurso convincente, transparecem inteligência e propriedade no que falam, porém, basta indagá-los para que a superficialidade de suas palavras e de seu conhecimento seja revelada. Além de boa articulação, eles sabem o suficiente para conquistar o que desejam. Essa característica é consequência da megalomania. Os psicopatas têm necessidade de autoafirmação. 

c) Ausência de sentimento de culpa

Essa é uma das características mais perigosas dos psicopatas. Eles não sentem remorso, não se arrependem dos seus atos. Agem por impulso e não pensam nas consequências.

d) Ausência de empatia

Empatia é a capacidade de considerar e respeitar os sentimentos alheios. Trata-se da habilidade de se colocar no lugar do outro, de vivenciar o que sentiria caso estivesse na situação e circunstância experimentadas por ele.

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e) Mentiras, trapaças e manipulação

Para o psicopata toda forma de ludibriar a vítima e conquistar o seu objetivo é válida. Na maioria dos casos, o delito praticado é o de estelionato (Código Penal, art. 171); isto porque ele usa de sua lábia e boa conversa para fantasiar algo com o intuito de induzir ao erro e conquistar o que deseja, valendo-se do consentimento alheio, atuando com destreza e técnica invejáveis.

f) Pobreza de emoções

Estudos comprovam que os psicopatas possuem atividade cerebral reduzida na parte que opera as emoções, mais especificamente na área atrás dos olhos, denominada de órbitofrontal cerebral. Importante citar que essa ausência emocional não interfere em seu raciocínio, pelo contrário, é um fato que aguça seus instintos, uma vez que fatores sentimentais não interferem em suas condutas.

Ademais, mesmo em sujeitos não psicopatas, a emoção e a paixão não exclui a imputabilidade penal, conforme estabelece o art. 28 do Código Penal.

O fato de os psicopatas serem desprovidos de emoção influencia sobremaneira suas atitudes. Para eles o ser humano é apenas um objeto útil e necessário a garantir futuras vantagens.

g) Impulsividade

Os psicopatas agem de maneira impulsiva, sem pensar nas consequências de seus atos. Seus desejos os movem. Dessa forma, por mais que possuam a parte cognitiva inalterada, ficam cegos quando têm uma finalidade em mente.

h) Autocontrole deficiente

O autocontrole é de fundamental importância no convívio em sociedade. É o que impõe limite às atitudes de um sujeito. A falta de autocontrole dá margem a uma impulsividade desenfreada e aumenta o risco de atitudes violentas movidas pela emoção ou por motivos banais.

i) Necessidade de excitação

Tédio, monotonia e rotina são palavras que não cabem no dicionário dos psicopatas. A busca incansável por excitação, pelo proibido e pelo inquietante lhes dá combustível em busca de suas metas. Por esse motivo, frequentemente, causam acidentes, provocam brigas e destroem objetos. Dificilmente permanecem por longo tempo em empregos ou namoros; a estabilidade os incomoda. Um dos pontos assustadores dessa característica é o prazer em vivenciar o sofrimento alheio, torturando e maltratando pessoas e animais.

j) Falta de responsabilidade

Independentemente do local em que o psicopata se encontra, seja em âmbito profissional ou familiar, não haverá responsabilidade ou até mesmo compromisso. São seres indignos de confiança.  Dessa forma, é inócuo firmar acordos ou contratos com o psicopata.

k) Problemas comportamentais precoces

Mesmo com todas as dúvidas que permeiam a origem da psicopatia, pode-se afirmar que ninguém se torna psicopata da noite para o dia. A psicopatia se traduz numa maneira de ser, existir e perceber o mundo. A idade não é um fato que altera a natureza do psicopata, assim, desde a infância pessoas com esse tipo de transtorno apresentarão atitudes reprováveis.

l) Comportamento transgressor

O psicopata não respeita regras, não possuindo limites para sua conduta, e tendem a reincidir nos crimes após o cumprimento das sanções impostas. 

A identificação do psicopata vai depender da quantidade e intensidade das características apontadas. Vale mencionar que todos estão sujeitos a possuir um, ou até mais, desses atributos. Mentir, ser irresponsável, ser impulsivo, etc não faz de ninguém um psicopata, além do mais, nem todo criminoso é psicopata e nem todo psicopata é criminoso. Como bem esclarecido anteriormente, há diferentes níveis de psicopatia. É possível que esse tipo de sujeito nunca cometa um crime, porém, suas características os tornam imprevisíveis e inconfiáveis.

2.1 CASOS FAMOSOS DE PESSOAS DIAGNOSTICADAS PSICOPATAS NO BRASIL

Para a melhor compreensão acerca das características dos psicopatas, vale descrever as características de dois psicopatas famosos: Pedrinho Matador e Maníaco do Parque.

Pedro Rodrigues Filho, mais conhecido como “Pedrinho Matador” faz jus ao seu apelido. Entre os crimes realizados estão: tráfico de drogas, sequestro e cárcere privado, roubo, porte ilegal de arma, furto, lesão corporal, ameaça, tentativa de homicídio e homicídio. Todos seus processos já transitaram em julgado e a soma das penas ultrapassa 450 anos. Sendo o homem que mais tempo permaneceu preso no Brasil, 38 anos, Pedrinho matador, que é considerado o bandido mais temido do Brasil, afirmou praticar homicídios por prazer. Sua primeira vítima foi com treze anos, desde então, não parou mais. Hoje contabiliza 100 assassinatos, 47 foram dentro da penitenciária. Matou seu pai com 22 facadas e depois mastigou seu coração. Pedrinho possui um discurso coerente e calmo. Assevera que mudou e está pronto para ser reinserido na sociedade, porém, a frieza emotiva e a falta de remorso perante seus crimes o diferenciam das outras pessoas. A morte para ele é algo banal, sem qualquer tipo de ressonância afetiva com as vítimas.

Francisco de Assis Pereira, popularmente conhecido como Maníaco do Parque, estuprou e matou seis mulheres e tentou assassinar outras nove. É espantoso como ele descreve seus atos de maneira fria, sem alterar o tom da voz e não demostrar arrependimento ou remorso. Francisco parece se orgulhar de seus crimes; descreve-os sem sentir qualquer tipo de constrangimento. Ao executá-los chegou a praticar canibalismo, se masturbar diante do corpo da vítima e cometer necrofilia.

Em 2002, Suzane Von Richthofen que, à época do crime tinha 19 anos, estudava Direito e era fluente em três línguas, planejou e auxiliou a morte de seus pais, visando um beneficiamento financeiro. Suzane mostrou-se uma pessoa fria, calculista, violenta e dissimulada que, inclusive simulou tristeza no velório de seus pais, poucas horas antes de ter comedido o crime, a fim de afastar qualquer incidência de autoria.

Com base nos dois casos apresentados acima, vale citar outro traço marcante do psicopata, conforme ensina Vicente Garrido (2005). Trata-se de sua capacidade de adaptação em lugares distintos. Os psicopatas passam despercebidos em meio à população, adquirindo novas roupagens, conforme lhes for necessário. Dessa forma, identificá-los não é fácil.

 Por mais que Pedrinho, Francisco e Suzane sejam pessoas diferentes, divergindo, inclusive, quanto ao modus operandi, é possível notar nos casos apresentados as características delineadas no capítulo anterior, umas com mais intensidade que outras.

O transtorno psicótico pode ser encontrado em qualquer etnia, cultura, gênero ou situação financeira.

3 RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA

De acordo com a vertente tripartite, a conceituação analítica de crime depende da verificação de um fato típico, antijurídico e culpável.

a) O fato típico

O fato típico envolve quatro elementos: a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade. A conduta de relevância para o direito penal envolve toda ação ou omissão provida de consciência e voluntariedade, dolosa ou culposa. O resultado jurídico é a consequência da conduta e faz referência a uma violação a um bem juridicamente tutelado.

O nexo causal é o elo entre a conduta e o resultado. Segundo Guilherme Nucci (2014, p. 157) trata-se do “vínculo estabelecido entre a conduta do agente e o resultado por ele gerado, com relevância suficiente para formar o fato típico”.

Por sua vez, a tipicidade é a violação significativa a um bem jurídico tutelado que possui enquadramento nas normas penais. “É a descrição abstrata de uma conduta. Trata-se de uma conceituação puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal.” (NUCCI, 2014, p. 144).

b) Antijuricidade

Antijuridicidade é a conduta injustificável que contraria o ordenamento legal, causando efetiva lesão a um bem jurídico protegido.

c) Culpabilidade

Culpabilidade é um juízo de valoração social que recai sobre o fato e seu autor, dessa forma, para que um fato ilícito seja passível de punição legal é necessário ter como condições para aplicação da pena: a imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

Estando ausente qualquer dessas condições traz ao fato a impossibilidade de aplicação da pena, visto serem pressupostos inerentes à imposição da sanção cominada no tipo.

A imputabilidade penal é elemento constitutivo da culpabilidade e faz referência à pessoa maior de dezoito anos, mentalmente sã, que tem a capacidade de receber pena, além de compreender e entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento, ou seja, sabe exatamente o que está fazendo no momento da execução do crime.

O inimputável não comente crime. Trata-se da pessoa que não pode responder judicialmente por seus atos, mas pode ser responsabilizada penalmente, aplicando-lhe medida de segurança. Trata-se da impossibilidade de personificar a imputabilidade.

Existem três critérios para aferição da imputabilidade: o biológico, o psicológico e o biopsicológico. O primeiro leva em consideração unicamente a idade do indivíduo. Em segundo plano, o psicológico leva em consideração, exclusivamente, o nível de discernimento do agente em relação à sua conduta, independentemente de sua idade. No ordenamento jurídico brasileiro é adotado o critério biopsicológico, que consiste tanto na análise biológica quanto na psicológica. Nesse sentido, veja-se decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) envolvendo a questão:

“Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa”; (HC 33.401-RJ, 5ª T., rel. Felix Fischer, 28.09.2004, v.c., DJ 03.11.2004, p.212).

Dessa forma, ao fazer a aferição do critério biopsicológico, faz-se necessárias duas observações: o indivíduo deve possuir, no mínimo, dezoito anos à época dos fatos e ser inteiramente capaz de compreender a natureza dos seus atos, caso contrário será inimputável e isento de pena. É o que preceitua o artigo 26, do Código Penal:

“Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. (BRASIL,1940)

O semi-imputável possui discernimento parcial dos seus atos, em razão de perturbação mental que reduz a capacidade de percepção da conduta reprovável, todavia, sua responsabilidade penal não é totalmente excluída.

“Art. 26 – […]

Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. (BRASIL, 1940)

Guilherme Nucci (2014, p. 256) “entende que desenvolvimento mental incompleto ou retardado consiste numa limitada capacidade de compreensão do ilícito ou da falta de condições de se autodeterminar, conforme o precário entendimento, tendo em vista ainda não ter o agente atingido a sua maturidade intelectual e física, seja por conta da idade, seja porque apresenta alguma característica particular.”

“A perturbação da saúde mental, por sua vez, não deixa de ser também uma forma de doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a sua inteligência ou a sua vontade. Perturba-o, mas não elimina a sua possibilidade de compreensão” (Guilherme Nucci, 2014, p. 259).

O enfoque da discussão está no transtorno psicótico que, por ser um transtorno de personalidade, não afeta a vontade e a inteligência do sujeito. Dessa forma, não exclui sua culpabilidade.

“A especificação psicológica ou psiquiátrica detém-se nas fronteiras. Loucura, anormalidade, normalidade? Em relação a quê? Notas caracterológicas, por exemplo, não são sintomas mórbidos. Neuroses, simples colorações psicofísicas da conduta, não afetam os processos mentais”. (Roberto Lyra, 2014).  

Uma das dificuldades que permeia o presente tema perpassa por classificar os psicopatas no que se refere à sua responsabilidade penal. Importante trazer à tona o posicionamento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca do tema:

“CAPACIDADE DIMINUÍDA DOS PSICOPATAS – TJSP: “OS PSICOPATAS SÃO ENFERMOS MENTAIS, COM CAPACIDADE PARCIAL DE ENTENDER O CARÁTER CRIMINOSO DO ATO PRATICADO, ENQUADRANDO-SE, PORTANTO, NA HIPÓTESE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 22 (ART. 26 VIGENTE) DO CP (REDUÇÃO FACULTATIVA DA PENA)”. (RT 550/303).

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. USO DE ARMA DE FOGO. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTANCIAS JUDICIAIS. PREPONDERÂNCIA DA MENORIDADE RELATIVA. RÉU SEMI-IMPUTÁVEL. PERICULOSIDADE COMPROVADA. OPÇÃO PELA MEDIDA DE SEGURANÇA. 1. NÃO SE JUSTIFICA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE MUITO ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO LEGAL, SE APENAS UMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FOI CONSIDERADA EM DESFAVOR DO RÉU. 2. A MENORIDADE RELATIVA, QUE CONDIZ COM A PERSONALIDADE DO AGENTE, PREPONDERA SOBRE QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE, MESMO A REINCIDÊNCIA. 3. TRATANDO-SE DE RÉU SEMI-IMPUTÁVEL, PODE O JUIZ OPTAR ENTRE A REDUÇÃO DA PENA (ART. 26 , PARÁGRAFO ÚNICO , CP ) OU APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA, NA FORMA DO ART. 98 , DO CP . 4. CONFIRMADO, POR LAUDO PSIQUIÁTRICO, SER O RÉU PORTADOR DE PSICOPATIA EM GRAU EXTREMO, DE ELEVADA PERICULOSIDADE E QUE NECESSITA DE ESPECIAL TRATAMENTO CURATIVO, CABÍVEL A MEDIDA DE SEGURANÇA CONSISTENTE EM INTERNAÇÃO, PELO PRAZO MÍNIMO DE 3 ANOS. 5. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”. (APR 99243302009807001. Rel: Jesuino Rissato. Data de publicação: 28/03/2012)

Conclui-se que os juízes atribuem ao psicopata a semi-imputabilidade. Ocorre que, como delineado no item pertinente à conceituação, o psicopata não possui perturbação de saúde mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Sua parte cognitiva é perfeita e ele é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Tendo em vista que o Código Penal adotou o critério biopsicológico para a aferição da imputabilidade, é indispensável a emissão de um laudo médico para a análise da parte biológica, tal como: a existência de doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Pois, não está dentre as competências dos magistrados desenvolver a função de médico, e sim, restringir-se a observar a parte psicológica que diz respeito à capacidade de se conduzir de acordo com seu entendimento e compreender o caráter ilícito do fato. Nesse sentido, os artigos 149 e 150 do Código de Processo Penal:

“Art. 149 – Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o Juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, do descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

Art. 150 – Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o Juiz designar.” (BRASIL,1941)

Persistindo dúvida quanto à imputabilidade penal, há três alternativas apontadas por Carlota Pizarro (2003, p. 56-60): a) o julgador estaria limitado ao que foi alegado pelo réu, em sede de defesa. b) a presunção natural é a de que as pessoas são capazes, razão pela qual o estado de inimputabilidade é anormal. c) o estado de inimputabilidade e suas consequências têm origem normativa, razão pela qual, somente na situação concreta, caberá ao juiz decidir se é melhor para o réu considerá-lo imputável ou inimputável.

Considerando que o Código Penal normatiza o estado de inimputabilidade e suas consequências, cabe ao juiz, analisar o caso concreto, observar a doença mental, atestada pelos peritos, bem como o crime cometido, e assim traçar o melhor caminho a ser seguido, valendo-se da sua prerrogativa de decisão.

Guilherme Nucci (2014, p. 259) argumenta, ainda, que “uma pessoa mentalmente sã, colocada entre doentes mentais, tende a sofrer muito mais – e até enlouquecer; um indivíduo insano, colocado entre os que sejam mentalmente sãos, em face de seu limitado grau de compreensão, inclusive quanto à sua situação, padece menos.”

Todavia, em que pese o art. 182 do Código Penal afirmar que o juiz não está vinculado ao laudo pericial médico, mesmo que o magistrado não concorde com a conclusão especializada deve determinar a realização de um novo exame.

4 DAS SANÇÕES PENAIS AO PSICOPATA

No sistema jurídico brasileiro há duas espécies de sanções penais: a pena e a medida de segurança. O que as diferenciam, entre outros aspectos, é a finalidade e a duração. Na lição de Nucci (2014, p. 338.), “pena é a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes.”

Em razão da semi-imputabilidade atribuída aos psicopatas, a medida cabível está entre a redução de pena (art. 26, parágrafo único, do CP) e a aplicação de medida de segurança (art. 98 do CP):

“Art. 26 – […]

Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(BRASIL, 1940)

Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.” (BRASIL,1940)

Medida de segurança é uma sanção penal com intuito preventivo e curativo aplicada a indivíduos inimputáveis e semi-imputáveis, que apresentam periculosidade, visando evitar o cometimento de novos crimes e tratá-los da maneira correta.

Periculosidade consiste na perturbação mental, compreendendo a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto e a dependência.

Mirabete (2014) aponta que “a medida de segurança visa à prevenção, no sentido de preservar a sociedade da ação de delinquentes temíveis, recuperando-os com tratamento curativo.”

O art. 386, parágrafo único, III do Código Penal dispõe que na decisão absolutória o juiz imporá medida de segurança. Nesse sentido é a Súmula 422 do STF: “a absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação de liberdade”

As espécies de medida de segurança estão previstas de forma taxativa no artigo 96 do Código Penal.

“Art. 96. As medidas de segurança são: 

I – Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; 

II – sujeição a tratamento ambulatorial.  

 Parágrafo único – Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta”. (BRASIL, 1940)

Em regra, a aplicação da medida de segurança ocorre com a internação para o inimputável que pratica fato punido com reclusão, sendo equivalente ao regime fechado da pena restritiva de liberdade. Subsidiariamente, na hipótese de crime punível com detenção, caberá o tratamento ambulatorial, que guarda relação com as penas restritivas de direito. Contudo, essa padronização imposta pelo art. 97 do Código Penal é muito contestada por doutrinadores e especialistas da psiquiatria que defendem a fixação de um critério baseado na natureza e gravidade do transtorno metal. O superior Tribunal de Justiça, em jurisprudência, já se manifestou quanto à lide em questão:

“A medida de segurança, enquanto resposta penal adequada aos casos de exclusão ou de diminuição de culpabilidade, previstos no art. 26, caput e parágrafo único, do Código Penal, deve ajustar-se , em espécie, à natureza do tratamento de que necessita o agente inimputável ou semi-imputável do fato-crime”. (Resp 324091- SP, 6.ª T., rel. Hamilton Carvalhido, 16.12.2003, v. u., DJ 09.02.2004, p.211).

Em meio à legislação que trata do tema, surge uma problemática: é possível medida de segurança de caráter perpétuo? Levanta-se esta questão porque o artigo 97 estabelece que a internação ou o tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. Ocorre que o artigo 75 determina que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos, e o artigo 5º da Constituição Federal define a impossibilidade de penas de caráter perpétuo.

 Ora, as medidas de segurança não são penas, dessa forma, por questões lógicas nada impediria a incidência da perpetuidade, porém o STJ ao tratar do tema, pacificou o entendimento que as restrições atribuídas às penas seriam aplicadas analogicamente às medidas de segurança, através da súmula 527:

 “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”

O prazo mínimo da medida de segurança varia entre 1 a 3 anos e, após esse período, será realizada outra perícia, repetindo-a de ano em ano, por determinação judicial, conforme o art. 97, §§ 1º e 2º, do CP:

“Art. 97 –  […]

§ 1º – A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.   

§ 2º – A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução”. (BRASIL, 1940)

 A medida de segurança possui tempo indeterminado, uma vez que não é possível prever quando o indivíduo cessará sua periculosidade. Além do mais, não possui o mesmo caráter reeducativo e punitivo da pena. Sua finalidade é tratar do delinquente de forma isolada, oferecendo tratamento adequado e proteção social.

Diagnosticada a insanidade mental durante o cumprimento da pena restritiva de liberdade, é possível, a qualquer tempo, substituí-la por medida de segurança. Nesse sentido, o art. 98 do Código Penal:

Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

Art. 99 – O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”. (BRASIL, 1940).

Por fim, verificada a extinção da punibilidade, mesmo que aferida a insanidade mental do acusado, o juiz não imporá medida de segurança.

5 PROPOSTAS ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO JURÍDICO DOS PSICOPATAS

Após a análise minuciosa sobre o tema, observa-se que não há um consenso jurídico. Por mais que os psicopatas sejam tratados como semi-imputáveis, sua punição dependerá da proporção dos seus atos, e como ele será transmitido. A mídia possui papel fundamental nesse contexto. Aplicar medida de segurança em casos famosos de tamanha reprovação social transmite uma sensação de impunidade e insegurança, acarretando indignação e revolta popular.

Em 1992, um caso chocou o Brasil, Daniella Perez que à época fazia parte do elenco da telenovela “de corpo e alma”, foi assassinada por seu par romântico fictício, Guilherme de Pádua. Seu corpo foi encontrado com 18 golpes de punhal. Por envolver pessoas nacionalmente conhecidas, o caso foi amplamente divulgado e o pedido de justiça tomou conta da população, que conseguiu mais de 1 milhão de assinaturas em iniciativa popular. O motivo do crime teria sido o descontentamento de Guilherme ao saber que sairia da novela, acreditando que a culpa seria de Daniella.

Após ser condenado a 19 anos de prisão, psiquiatras notaram traços de psicopatia em Guilherme de Pádua, que permaneceu preso, até cumprir um terço da pena e ser liberado.

Essa divergência jurídica que atinge os psicopatas constitui uma afronta a um princípio consagrado da carta magna, que diz respeito à igualdade.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.(BRASIL, 1988)

Países como a Alemanha, Suécia e França apresentam a castração química que equivale à aplicação de hormônios femininos, em indivíduos psicopatas reincidentes de crimes sexuais, diminuindo o nível de testosterona e o seu libido.

Nos Estados Unidos, Edmund Kemper, matou, esquartejou e praticou necrofilia com os corpos de suas vitimas, incluindo o de sua mãe, sendo condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

Sendo a psicopatia um modo de ser, é pacifico o entendimento doutrinário que o transtorno psicopático não tem cura. Inexiste qualquer evidencia de dados que comprovem a eficácia de um tratamento específico. Dificilmente um psicopata transgressor consegue ser reinserido à sociedade e não retornar à criminalidade, conforme explica Silva (2008, p. 133), “a taxa de reincidência criminal dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos”. Diante disso, alguns autores defendem sanções como: medida de segurança perpétua e isolamento.

a) Medida de Segurança Social Perpétua

Em 05 de fevereiro de 2007, o deputado federal Carlos Lapa do PSB/PE apresentou um projeto de lei com a finalidade de alterar o Código Penal, instituindo a medida de segurança social perpétua para o psicopata, assim declarado por junta médica, que cometesse estupro ou atentado violento ao pudor seguido de morte contra criança ou adolescente. Estaria sujeito à mesma pena o psicopata que matasse sequencialmente, cuja ação indicasse certa constância nos procedimentos, meios e fins, ou praticasse ações que capazes de provocar terror e intranquilidade à população, causando a morte de inocentes.

Como justificativa, Carlos Lapa alega que “as vedações contidas na Constituição Federal quanto às penas de morte e a prisão perpétua têm como destinatários os imputáveis. A medida de segurança social seria aplicada a indivíduos que matam em série, e os que matam crianças, estuprando-as ou cometendo-lhes atentado violento ao pudor.”

Argumenta que os psicopatas são irrecuperáveis e cita como exemplo o caso de “Chico Picadinho”, que foi preso por matar e esquartejar uma bailarina e, após oito anos de reclusão, ao ser posto em liberdade condicional, matou uma prostituta.

Assevera que o projeto em comento visa proteger a sociedade contra indivíduos portadores de psicopatia que têm cometido os crimes mais bárbaros que escandalizam o mundo, principalmente porque as suas vitimas geralmente são as mais indefesas, como mulheres e crianças.

b) Isolamento

Por sua vez, Marcelo Itagina, deputado estadual, propôs uma alteração na lei 7210/1984, de execuções penais, que tem como finalidade criar uma seção distinta aos psicopatas que vise o seu restabelecimento sem desamparar da recuperação dos demais presos.

Propõe ainda, que a concessão de livramento condicional, o indulto e a comutação de penas do preso classificado como psicopata, bem como a sua transferência para regime menos rigoroso, dependa de laudo permissivo emitido por quem tenha condição técnica de fazê-lo, com a devida segurança, a fim de evitar a reincidência.

c) Sistema Prisional Especializado

Considerando que os psicopatas são imputáveis, por lógica, a sanção aplicada seria a pena, não a medida de segurança. Nesse sentido, o art. 10 da Lei de Execução Penal preceitua que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Sob o mesmo prisma, o art. 22 da mesma lei, estabelece que “a assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade”. Ocorre que a realidade presente em nosso sistema carcerário é assombrosa. Pessoas entram mal e saem piores, é a verdadeira escola da criminalidade. Ademais, considerando as características que integram os psicopatas, mantê-los presos coloca em perigo a integridade física dos outros detentos e diminui as chances de reeducação social destes, contaminando-os com suas filosofias e ideologias perversas.  Ana Beatriz Barbosa (2016) aponta, ainda, que três quartos dos detidos em penitenciarias não são psicopatas, dessa forma 75% são recuperáveis.  

O artigo 5º da constituição federal que dispõe dos direitos e deveres individuais e coletivos, em seu inciso XLVIII, assegura que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. Em razão disso, existe tratamento especializado para as crianças e adolescente, bem como às mulheres. Com os psicopatas não deveria ser diferente considerando a peculiaridade da sua natureza. Um sistema prisional específico com medidas adequadas e profissionais especializados seria uma medida coerente e justa.

Contudo, levando em consideração as restrições orçamentárias e falta de prioridade das autoridades políticas em relação aos estabelecimentos carcerários brasileiros, o sistema prisional especializada aos psicopatas é uma medida inviável em médio prazo.

d) Regulamentação da Escala Hare da Identificação dos Psicopatas

A escala Hare PCL-R, comentada no capítulo 1, foi criada por Robert Hare, psiquiatra de notório conhecimento a respeito da psicopatia. 

Sua regulamentação se torna necessária para auxiliar o trabalho desenvolvido pelos psiquiatras na identificação dos psicopatas e na emissão de laudos técnicos. Separando os psicopatas dos demais, na aplicação e execução da pena.

 Sua utilização, que já é adotada em outros países, precisa de legislação específica para sua adaptação no Brasil, a fim de estabelecer um critério a ser utilizado de forma padronizada, com o intuito de manter um tratamento isonômico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade está em constante mudança. Novos conhecimentos e respostas são frequentemente adquiridos na intensa busca da evolução social.

O direito penal como instrumento garantidor do bom convívio e limitador das condutas humanas tem a obrigação de se adequar às transformações da sociedade.

Os psicopatas constituem parcela considerável da população, sua existência é fato comprovado e perceptível.

Inadmissível, portanto, que o sistema jurídico brasileiro não ofereça à sociedade um conjunto de normas que apresente tratamento adequado para os crimes cometidos por psicopatas. Nesse sentido, a psiquiatria forense se torna fundamental nesse processo de aprimoramento do direito penal.

Vale salientar que este trabalho não se propõe a propagar o ódio aos psicopatas, nem puni-los em razão de sua natureza. O que está em pauta é a inconsistência do sistema jurídico brasileiro no tratamento conferido aos crimes cometidos por psicopatas.

Observa-se que há, inclusive, divergências médicas, quanto à conceituação da psicopatia, na qual consiste num transtorno de personalidade, uma vez que os traços particulares dos indivíduos psicopatas são desajustados e inflexíveis, dificultando a adaptação em sociedade e afetando negativamente o ambiente e as relações parentais, afetivas e sociais.

O psicopata não possui qualquer doença mental que comprometa seu discernimento, ademais, sua parte cognitiva é perfeita e inalterada, atribuindo lhe a imputabilidade penal, diferentemente do que entende a jurisprudência pátria.

Faz-se necessário estabelecer critérios específicos e adequados para tratar do assunto, fazendo valer do tratamento isonômico que estabelece a Constituição.

De antemão, levando em consideração a dificuldade em apontar quem possui o transtorno de personalidade psicopático, a regulamentação da Escala Hare apresenta medida viável a ser aplicada.

Ademais, o sistema prisional especializado ofereceria o tratamento adequado ao psicopata, atendendo às peculiaridades de sua natureza.

A figura do psicopata no direito penal brasileiro ainda está longe de ter o devido enfoque nas discussões jurídicas, mas este trabalho se propõe a discutir de forma crítica as estruturas jurídicas que permeiam o tema.  Para tanto, a união entre o direito e a psiquiatria permanecerá por longo tempo.

 

Referéncias
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MECLER, Katia. Psicopatas do cotidiano. 1. Ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2015.
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Informações Sobre o Autor

Gabriel Alves Coelho

Bacharel em Direito advogado especialista e atuante em Direito Penal Administrativo e Gestão Pública


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