A necessidade da intervenção penal: uma análise dos crimes praticados contra a dignidade sexual à luz da tensão entre a autonomia pública e privada.

Resumo: O presente trabalho se dispõe a elabora um estudo anal Ático acerca dos crimes praticados contra a dignidade sexual com intuito de demonstrar a desnecessidade da intervenção penal em parte das condutas típicas inseridas no rol do Título IV do Código Penal qual seja Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual utilizando como base do estudo a tensão existente entre autonomia pública e privada assim como princípios indispensáveis para aplicação do direito penal. Para tanto faremos uma breve exposição de institutos indispensáveis para o desenvolvimento do tema tal como bem jurídico para em seguida avaliarmos todos os aspectos fáticos e jurídicos de crimes como o estupro o qual devido à gravidade do dano gerado a vítima bem como sua repercussão social torna impossível o afastamento da tutela jurisdicional do Direito Penal rufianismo e casa de prostituição estes plenamente cabeáveis sua exclusão do código penal eis que os mesmos não geram nenhum dano consideravelmente relevante bem como por serem condutas hodiernamente toleradas pela sociedade.

 Sumário: 1. Introdução. 2. A relevncia teórica do estudo do bem jurídico para adequada aplicação da norma penal. 2.1. Bem Jurídico. 2.1.1.Bem jurídico segundo Dias Roxin e Yacobucci. 2.2. O bem jurídico como fundamento dos princípios norteadores do Direito Penal. 2.2.1. Princípio da Lesividade. 2.2.2.Princípio da Adequação Social. 2.2.3.Princípios da Fragmentariedade e da Insignificância. 2.4. Críticas ao conceito de bem jurídico elaborada por Gunther Jakobs. 3. Análise dos institutos da autonomia pública e da autonomia privada sobre ótica constitucional do ordenamento jurídico brasileiro. 3.1. A Relação de interdependência existente entre autonomia pública e autonomia privada. 3.2.Princípio da Intervenção Mínima do Estado. 3.3.Princípio da Proporcionalidade. 3.4.A incidência da autonomia privada no Direito Penal. 4. Dos crimes contra a dignidade sexual e a tensão entre autonomia pública e autonomia privada. 4.1. Dos crimes contra a dignidade sexual em que se verifica a tensão entre autonomia pública e autonomia privada. 4.2.Uma proposta crítica de des intervenção do Direito Penal. 4.2.1.Análise pormenorizadas dos crimes do artigo 227 ao artigo 234 do Código Penal. 5. Conclusão. Referências

1.Introdução

 O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a real (des) necessidade da intervenção penal, sob a égide da tensão entre autonomia pública e autonomia privada, aos crimes que atentam contra a dignidade sexual, estes tipificados no Título IV do Código Penal – Dos Crimes Contra Dignidade Sexual.

Tendo em vista que a ciência jurídica tem que se desenvolver paritariamente com a sociedade, observa-se que análises, como a oferecida no presente trabalho, devem ser feitas em tempos e tempos para que, dessa forma, o Direito não fique ultrapassado em relação à sociedade, esta que passa por constantes transformações (dinamismo).

Referida análise deter-se-á a um embasamento tanto jurídico quanto sociológico acerca dos aludidos delitos, a fim de que seja verificado se estes ainda são condizentes com a jurisdição penal, isto é, se ainda são merecedores da tutela do Direito Penal.

Sabe-se que o Direito Penal tem por finalidade a proteção dos bens mais valiosos para convivência e o faz, ademais, exclusivamente frente aos ataques mais graves, eis que quando existirem outros meios eficazes, diversos do Direito Penal em si, de salvaguardar tais bens, não se fará necessária à intervenção penal. Aludida característica advém da natureza fragmentaria do próprio Direito Penal, conhecido este como ultima ratio[1].

Uma vez que o Direito Penal protege uma específica gama de bens jurídicos, quais sejam os mais importantes, têm-se diversas discussões acerca de quais bens ainda possuem essa valoração.

Ao levarmos em consideração que o Código Penal vigente fora elaborado em 1940, deduz-se que o mesmo protege, em sua maior parte, bens jurídicos que naquela época a sociedade julgava importante o que, diga-se de passagem, não são os mesmos da sociedade atual.

Nesse contexto, em 07 de agosto de 2009 foi publicada a Lei Federal 12.015 que alterou o Título IV do Código Penal – Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual ‑, visando adequá-lo a atual situação social. Referida lei trouxe importantes alterações, tais como a unificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor na figura do estupro (artigo 213), como também a própria nomenclatura do título IV, antes conhecida como “Dos Crimes Contra os Costumes”.

Contudo tais transformações não foram suficientes para “modernizar” o Direito Penal, eis que há resquícios do moralismo da sociedade de 1940 em algumas figuras típicas mantidas.

Hodiernamente, foi aprovado pela comissão especial do senado o anteprojeto do Código Penal, o qual visa alterar por completa a legislação penal, com intuito de trazer ao Direito Penal mais eficiência e modernidade. Oportuno, neste momento, realizar uma reavaliação da sociedade como um todo, para que assim seja possível identificar quais bens jurídicos poderão ser rotulados como os mais importantes.

Visando possibilitar uma melhor compreensão pelo leitor, o presente trabalho foi dividido em 03 (três) capítulos. O primeiro, nomeado como “A relevância teórica do estudo do bem jurídico para adequada aplicação da norma penal”, visa discutir o instituto do bem jurídico e a importância deste para o direito penal.

O estudo do bem jurídico se faz indispensável para o desenvolvimento de nossa pesquisa, pois, o Direito Penal, como ramo do direito público, tem como principal objetivo a proteção dos bens jurídicos mais importantes contra as lesões ou  ameaças de lesões mais graves, como dito anteriormente. Com isso para que sejamos capazes de identificar quais são os bens mais importantes é fundamental a compreensão do elemento que faz de um bem, ou de uma situação cotidiana, um bem jurídico.

O segundo capítulo do presente trabalho, nomeado como “Análise dos institutos da autonomia pública e da autonomia privada sobre a ótica constitucional do ordenamento jurídico brasileiro”, busca explicar o que são autonomia pública e autonomia privada, a relação de coexistência entre ambas, assim como sua relação com o direito penal. Além disso, neste capítulo busca-se ainda entender a atual forma de aplicação da norma penal pelo Estado, e o âmbito de atuação deste, bem como, se os direitos individuais são preservados, ou se estes são sucumbidos em prol do interesse social.

A aludida análise esta intimamente ligada à discussão oferecida pelo primeiro capítulo, eis que, além de se verificar se esta ocorrendo à correta intervenção estatal, neste capítulo irá analisar também que, se dependendo da complexidade do bem jurídico lesado assim como a gravidade da lesão sofrida, seria o particular, por si só, capaz de solucionar o litígio sem a intervenção penal.

Por fim, no terceiro e último capítulo do presente trabalhado, nomeado como “Dos crimes contra a dignidade sexual e a tensão entre autonomia pública e autonomia privada”, discutir-se-á a temática do trabalho propriamente dita, visto que será elaborada, neste capitulo, uma analise pormenorizada dos delitos tipificados no Título IV do Código Penal, a fim de que seja concluído se o bem jurídico protegido pelo tipo penal de fato deve ser considerado um bem jurídico penal, se a conduta ora tipificada se mantém inadmitida pela sociedade, ou se ela passou a tolerá-la, se é cabível ao particular solucionar o litígio em outras esferas do Direito.

Nota-se que a relevância teórica da presente pesquisa consiste na necessidade de uma análise acerca da real necessidade da intervenção do Direito Penal quanto há possíveis lesões causadas à dignidade sexual do indivíduo, sobretudo, no que diz respeito à abrangência de autonomia privada e autonomia pública, para que dessa forma não haja nenhuma supressão de direitos individuais, entretanto, além disso, os levando a realizar uma reavaliação acerca de quais condutas devem ser configuradas como crime.

Já no âmbito prático, observa-se que o Direito Penal possui uma influência muito forte na vida em sociedade, visto que o mesmo trata-se, na verdade, dos reflexos da concepção moral e cultural de um povo, uma vez que este visa proteger um Estado Social (um valor da vida humana).

Este ramo do Direito Público surgiu, primordialmente, para punir aquele indivíduo que venha descumprir o contrato social pré-estabelecido por um povo, em outras palavras o mesmo surgiu para amenizar os anseios de uma população quanto à necessidade de se impor uma sanção aquele que aja em desconformidade com os padrões sociais, isto é que veio causar alguma espécie de dano a apenas um indivíduo ou a toda a coletividade.

Todavia, como esperado, “os padrões sociais”, assim como a sociedade em si, é algo que esta em constante transformação, devido à influência de vários fatores externos. Com isso, tais transformações devem ser sempre observadas pelo Direito Penal, para que assim o mesmo se mantenha sempre atualizado e possa, por consequência, representar e proteger da melhor forma o interesse da coletividade.

Neste ínterim, nota-se a necessidade de uma reavaliação dos conceitos básicos que sustentam Direito Penal como um ramo da Ciência Jurídica, com intuito de trazer a ele mais eficácia, eficiência e modernidade.

Por fim, insta destacar que para realização da presente pesquisa fora adotado o método dedutivo, posto que para o desenvolvimento do tema problema partiu-se de uma concepção ampla dos institutos do bem jurídico, autonomia pública e autonomia privada, assim como da compreensão de princípios norteadores do Direito Penal, tais como Proporcionalidade e Intervenção Mínima do Estado.

2.A relevância teórica do estudo do bem jurídico para adequada aplicação da norma penal.

 Para viabilizar a análise proposta no presente trabalho se faz indispensável à compreensão de alguns institutos pertencentes ao âmbito penal, um deles, o qual será discutido no presente capítulo, é o instituto do Bem Jurídico.

Antes de adentrarmos a discussão do que é bem jurídico, insta salientar que será debatido neste capítulo apenas a relação que este possui com o Direito Penal, visto que a polêmica que rodeia o conceito de bem jurídico é de fato muito extensa, e discuti-la aqui e agora se faz inviável, além de que nos afastaria do real propósito do presente trabalho, qual seja realizar uma analise dos crimes tipificados pelo Título IV do Código Penal — “Dos Crimes Praticados Contra a Dignidade Sexual”.

Lado outro, se faz necessário, porém, ilustrarmos aqui fatos históricos que contribuíram para construção do atual conceito de bem jurídico. Tendo em vista que, ao pesquisarmos referido instituto, muitos pontos controversos emergiram acerca de seu significado e finalidade, sendo de comum acordo, a parte majoritária da doutrina, apenas que o Direito Penal possui como função primeira a proteção do bem jurídico penal.

A discussão sobre o conceito do bem jurídico se faz presente desde o século XVII e meados do século XIX, com o surgimento da Escola Clássica e, por consequência, das teorias a respeito de crime e da pena.

Sendo certo que este surgiu durante o período do iluminismo penal, período em que insurgiu o direito penal moderno, isto é, surgiu em meio a um período histórico no qual houve a transição do conceito de ilícito, sendo que, anteriormente, o ilícito era visto sob a ótica teológica. Ou seja, o delito além de configurar uma afronta ao ordenamento jurídico vigente ainda era classificado como um pecado, uma ofensa à vontade divina.

Buscando impor limitação ao exercício do ius puniendi[2], o movimento iluminista tratou de elaborar um conceito concreto do que seria crime.

“Assim, identificou-se o crime com a necessária lesão de um direito subjetivo do individuo ou da comunidade, pretendendo-se expurgar do Direito Criminal a punição de condutas que fossem apenas moralmente reprováveis ou contrárias à religião, mas que não causassem dano diretamente a uma pessoa em concreto ou à própria ‘república’.” (CUNHA, 1995, p.29)

Durante o período iluminista ainda foram desenvolvidas teorias contratualistas[3] que fundamentaram o Estado (o qual deve existir em função do homem), bem como justificaram o jusnaturalismo[4]. Influenciados pelo racionalismo cartesiano[5] e pelo empirismo inglês[6], o indigitado movimento substituiu a religião (igreja) pela racionalidade (ciência), isto é Deus deixou de ser foco e o homem passou a sê-lo (antropologista), agora o homem “é a própria razão de ser do mundo, deferindo-lhe a condição de detentor de direitos inatos”. (KIST, 2003, p. 149).

Por sua vez, Prado (2003, p.28) asseverava que o “delito encontrava a sua razão de ser no contrato social violado e a pena era concebida somente como medida preventiva”.

“Fundamentando a existência do Estado e seu poder no contrato social, ou seja, na necessidade que os homens sentiram (para poderem coexistir de forma tanto quanto possível pacífica) de delegar parte (na formulação de Locke) do seu poder, dos seus direitos inatos, da sua vontade, no Estado, para que este pudesse ordenar a sociedade, também aqui residiria o fundamento do direito de punir.” (CUNHA, 1995, p.32).

Quanto à possibilidade de aplicação das teorias contratualistas ao âmbito penal propiciou o entendimento de delito como lesão de um direito subjetivo e liberal concreto-imanente, responsável por assegurar as liberdades individuais e os direitos do Estado.

Observa-se que a influência do movimento iluminista e da base contratualista se mostrava nítida, sobretudo por uma hierarquização dos direitos subjetivos, sendo estes objetos da proteção penal. Referida proteção tinha guarita nas formulações kantianas, que, segundo as quais, entendiam que quando o exercício da liberdade fosse realizado de forma excessiva por um individuo este, por consequência, atingiria um direito subjetivo alheio, sendo, portanto, uma forma de atentado contra seu titular e contra a própria figura do Estado, visto que cumpre ao Estado garantir a vida em sociedade.

Com o decorrer dos anos e, obviamente, com a inevitável evolução dos estudos de bem jurídico, verificou-se que o direito subjetivo, ora objeto de discussão dos iluministas e dos estudiosos da ciência penal, nada mais é que o nosso conhecido bem jurídico, objeto de proteção do Direito Penal hodierno.

Sendo que, conforme aduzido por Yacobucci (2006, p.70), o conceito de bem jurídico tomou uma maior relevância no âmbito penal depois de finda a Segunda Guerra Mundial. Tendo em vista que, após este lamentável marco de nossa história, surgiu uma nova onda de politica estatal (esta precedida, respectivamente, pelo Estado Liberal de Direito e Estado Social de Direito), tanto no Brasil quanto no mundo, a qual deu origem ao Estado Democrático de Direito, que possuía um modelo próprio com princípios e objetivos específicos, não sendo este, portanto, apenas uma junção bizarra dos modelos estatais anteriores.

Nesse momento histórico o bem jurídico passou a ser compreendido como meio de legitimar ou dar validade às normas penais, eis que não mais haveria norma penal sem um bem jurídico para tutelá-lo (princípio da exclusiva proteção do bem jurídico). Salientando-se que, o bem jurídico adotou critérios claros de taxatividade e de delimitação do foco de proteção jurisdicional.

Em outras palavras, seria dizer que o conceito de bem jurídico “buscou impedir que se façam difusos ou intangíveis os conteúdos cuja afetação pode ser objeto de imputação de consequências penais” (YACOBUCCI, 2006, p. 71)

Nota-se que o conceito de bem jurídico passou a configurar o núcleo do conceito de crime, visto que seria o segundo a prática, ou ameaça da prática, de um ato lesivo ao primeiro. Ficando a cargo do bem jurídico, portanto, proporcionar uma forma mais racional e ‘justa’ ao exercício do ius puniendi.

Nesse sentido, podemos afirmar que o bem jurídico busca evitar qualquer espécie de abuso ou excesso legislativo, bem como impor restrições à aplicação da norma penal, evitando-se, dessa forma, que o Direito Penal se estendesse desenfreadamente.

Em decorrência disso, o caráter legitimador do bem jurídico, outrora mencionado, não serviria apenas como instrumento dogmático, mas se fez útil ainda como fonte, tanto de interpretação judicial quanto de fundamentação de decisões de politica criminal.

Destarte que, hodiernamente, o conceito de bem jurídico encontra-se em crise. Conforme bem explanado por Yacobucci (2006, p. 73), a crise do bem jurídico consiste praticamente em dois pontos principais, o primeiro com base na dúvida de que talvez não soubermos ao certo qual é a verdadeira função do direito penal, se cabe a este ramo do direito público punir quem desobedece à norma penal ou seria objeto deste a proteção do bem jurídico resguardado pela norma penal. Já o segundo ponto diz respeito ao fato de que legislador utilizou-se do direito penal em áreas da vida social, tais como a econômica, as quais o foco da “proteção carece da mesma determinação que nos casos de bens essenciais da pessoa individual”, isto no âmbito da politica criminal.

Deslumbra-se, que sobre o debate do conceito de bem jurídico, constata-se que até hoje não se tem em uso uma definição majoritariamente satisfatória sobre este. Nota-se que atualmente temos doutrinadores que dizem exatamente a mesma coisa acerca do bem jurídico, utilizando-se para tanto apenas termos distintos.

Questões como essas, bem como outras advindas pela realização da pesquisa serão solucionadas neste capítulo.

2.1. Bem jurídico.

 Como dito anteriormente, no que diz respeito o estudo do bem jurídico em si, verifica-se um grande número de doutrinadores que contribuíram para a construção da definição deste instituto, uma vez que o bem jurídico é matéria indispensável à compreensão do objetivo do Direito como uma ciência social aplicada.

Diga-se de passagem que, a compreensão do instituto do bem jurídico não se faz indispensável apenas ao Direito Penal, o mesmo é de suma importância a todos os ramos do direito, visto que cada repartição do Direito (Penal, Civil, Trabalhista, etc.) busca tutelar um tipo específico de bem jurídico.

Contudo, com relação ao Direito Penal este tem uma dinâmica diferente daquela que possui com os demais ramos do direito, visto que cabe ao Direito Penal proteger uma gama especifica de bens jurídicos. Por força do Princípio da Fragmentariedade[7], um dos princípios norteadores a este ramo do direito público, cabe ao Direito Penal, somente, proteger os bens mais importantes, sendo que esta proteção ainda deve ser feita apenas frente às lesões mais graves.

Quanto à definição do bem jurídico em si, o presente capítulo se limitará apenas a demonstrar os estudos desenvolvidos por Guilhermo Jorge Yacobucci, Jorge Figueiredo Dias e Claus Roxin, juristas estes que dedicaram sua vida ao estudo e ao aperfeiçoamento deste assunto.

 2.1.1.O conceito de bem jurídico segundo Dias, Roxin e Yacobucci.

Claus Roxin, em sua obra “A proteção dos bens jurídicos como função do Direito Penal” (2009), preocupou-se em verificar quais condutas ou comportamentos devem ser objetos de punição estatal e, logicamente, quais deverão ser protegidos pela seara penal. Isto é, quais circunstâncias da vida cotidiana são dignas de se tornarem bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal.

Sendo certo que ele encontrou na teoria do bem jurídico uma forma de limitar o poder de intervenção jurídico-penal do Estado, para que, dessa forma, não ocorram excessos na aplicação do ius puniendi. Conforme se expressa (ROXIN, 2009, p. 12) “a ideia principal foi que o Direito Penal deve proteger somente bens jurídicos concretos, e não convicções políticas ou morais, doutrinas religiosas, concepções ideológicas do mundo ou simples sentimentos”.

Com isso, entendeu-se que o Direito Penal tem por finalidade preservar, em prol dos cidadãos, os meios necessários para uma vida pacífica, livre e socialmente segura. Devendo este somente, e tão somente, intervir quando não subsistirem outras medidas político-sociais que afetem de forma menos gravosa a liberdade dos cidadãos. Buscando alcançar um equilíbrio entre o poder estatal, tão fundamental para ordem pública, e a liberdade individual garantida pelo artigo 5º, e demais incisos, da Constituição Federal.

Com isso, o Estado, utilizando-se do Direito Penal quando não houver outros meios cabíveis, deve salvaguardar tanto as condições individuais necessárias para vida em coletividade (vida, corpo, propriedade, etc), quanto às instituições estatais adequadas para este fim.

[…] “ podem-se definir bem jurídicos como circunstancias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos. A diferenciação entre realidades e finalidades indica aqui que os bens jurídicos não necessariamente são fixados ao legislador com anterioridade, como é o caso, por exemplo, da vida humana, mas que eles também possam ser criados por ele, como é o caso das pretensões no âmbito do Direito Tributário.”(ROXIN, 2009, p. 18)

Jorge Figueiredo Dias (2007, p.114) define bem jurídico como a “expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso”. Nota-se que sua compreensão não foge da concepção de Roxin, a qual pressupõe dois estágios para o reconhecimento.

Sendo que o primeiro pressuposto consiste na valoração de determinada circunstância ordinária pela sociedade, para que assim o Estado, posteriormente, a classifique como um bem jurídico de muita ou pouca importância (com base nos anseios sociais). Uma vez determinado este bem de grande importância, ficará incumbido o Direito Penal de protegê-lo (segundo pressuposto).

Deste modo, observa-se que bem jurídico nada mais é que todos os objetos legítimos de proteção das normas, sejam eles concretos, como a inviolabilidade da propriedade, ou sejam eles circunstâncias reais inerentes à pessoa humana, tais como a vida a integralidade física. Não é necessário que o objeto de proteção possua realidade material[8] para que seja bem jurídico. Sendo cabível ao legislador, quando verificada uma real necessidade, criar bens jurídicos que possam ser objeto da tutela penal.

“Von Liszt não só elimina ab initio qualquer possível confusão entre bem jurídico e objeto material de proteção, senão que afasta a tendência individualista de considerar o bem jurídico como um mero direito subjetivo. Dentro desta dialética de interesses individuais-sociais estão em jogo na realidade dois aspectos fundamentais da teoria do delito: a noção de ofensividade das condutas ilícitas e a determinação do sujeito afetado, em suma, do titular do bem jurídico que busca proteger-se. Um e outro coligam-se em ultima instancia com ideia que se tem dos fins e funções do direito penal. […] O centro da noção de bem jurídico se relaciona com a pessoa que vive em sociedade, com seu desenvolvimento dentro desta e seu modo de vincular-se com os terceiros, dentro de um contexto geral de ordem e segurança garantidos pelas normas.” (YACOBUCCI, 2005, p.79)

Nota-se que, o conceito de bem jurídico ora apresentado por Roxin, trata-se de um conceito jurídico-critico com a legislação, que por sua natureza impõe ao legislador uma certa limitação ao poder de punição legítima que este detém. Diferenciando-se, dessa forma, do metódico conceito bem jurídico, o qual entende o bem jurídico, unicamente, como instrumento de validação da norma penal. No qual o delito em si não restaria configurado com a ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado, mas sim com o descumprimento da norma penal, o bem jurídico seria entendido como “fim da norma, ratio legis[9]”. (ROXIN, 2009, p. 20)

Na mesma linha de raciocínio de Roxin e Dias, temos o entendimento comum de Alice Bianchini, Antônio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, os quais, apesar de compartilhar do mesmo entendimento de Claus Roxin, utilizam-se de nomenclaturas diversas daquele. Bianchini, Molina e Gomes entendem bem jurídico como sendo apenas a ação de identificar um dado bem como sendo indispensável para o desenvolvimento social, a este bem eles lhe atribuíram o nome de bem existencial. Que nada mais é que as “circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias” mencionadas por Roxin. Vejamos:

[…] “ é o bem jurídico relevante para o individuo ou para a comunidade (quando comunitário não pode perder de vista, mesmo assim, sua individualidade, ou seja, o bem comunitário deve ser também importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que, quando apresenta grande significação social, pode e deve ser protegido juridicamente. A vida, a honra, o patrimônio, a liberdade sexual, o meio-ambiente, etc. são bens existenciais de grande relevância para o individuo.” (BIANCHINI, MOLINA e GOMES, 2009, p. 232)

Entretanto, hodiernamente compreende-se que apenas a identificação de um bem existencial não é mecanismo suficiente para conceder a este o status de bem jurídico. Para que um bem existencial se torne um bem jurídico tem que ser observado o interesse do ser humano, individualmente e coletivamente, em preservá-lo, isto é, somente após verificado o inegável valor do bem existencial para o desenvolvimento social, o interesse em sua proteção e, logicamente, o reconhecimento deste pelo Direito é que o mesmo passará ser considerado bem jurídico.

Assim entende-se por bem jurídico o reconhecimento pelo Direito da intenção comum de proteção de um bem existencial.

Dessa forma, nas palavras de Cezar Bittencourt (2006, p. 25), bem jurídico “[…] são bens vitais da sociedade e do individuo, que merecem proteção legal exatamente em razão de sua significação social. […] A soma dos bens jurídicos constitui, afinal, a ordem social”.

A lista de doutrinadores modernos, assim como Cezar Bittencourt, que comungam do mesmo entendimento de Roxin é extensa, por isso limito-me a expor apenas os acima mencionados, sendo válido, porém, colacionarmos o raciocínio desenvolvido por Canterji que, sob a influência dos textos de Roxin, Dias e Yacobucci, elaborou uma definição de bem jurídica intrinsecamente ligada à finalidade do Direito Penal. Senão vejamos:

[…] “ inicialmente se coloca como missão do Direito Penal a tutela do bem jurídico e, em seguida, afirma-se que bem jurídico é todo Estado Social pretendido que o Direito deseja assegurar contra lesões. Em outras palavras, o objetivo do Direito Penal é tutela do bem jurídico, podendo esse ser conceituado como todo valor da vida humana protegida pelo direito.” (CANTERJI , 2008, p.75)

Neste ponto, faz-se necessário, por bem, explanarmos sobre uma das características mais importante do bem jurídico, a qual já fora até mencionada anteriormente, que é a de restringir o poder de punição estatal, ius puniendi.

Sobre o tema Roxin explica que a aplicação do direito penal, mais especificamente do ius puniendi, deve ser feita sob a égide do Princípio da Proporcionalidade[10], princípio que visa proteger o individuo contra eventuais excessos que o Estado possa cometer.

Sendo certo, portanto, que “uma norma penal que não protege um bem jurídico é ineficaz, pois é uma intervenção excessiva na liberdade dos cidadãos” (2009, p. 27).

Neste norte, Roxin ainda estabeleceu uma lista de pressupostos que deverão ser observados pelo legislador ao criar a norma penal, pressupostos estes que servem para limitar o legislador penal, o alcance da norma penal e, por consequência, restringir o ius puniendi; são eles:

1.Inadmissibilidade de incriminação penal motivada ideologicamente ou que atente contra os direitos fundamentais;

2.A impossibilidade de criação do bem jurídico a partir da tipificação legal (vontade do legislador), sendo imprescindível que a norma incriminadora tenha possibilidade de ampliar a coexistência livre e pacifica dos homens;

3.A impossibilidade de criminalização de condutas atentatórias à moral;

4.O atentado a própria dignidade humana não é, todavia, lesão de um bem jurídico;

5.Não configura bem jurídico a proteção dos sentimentos, exceto do sentimento de ameaça;

6.A proteção de bens jurídicos pelo sistema penal somente é legitima como mecanismo de proteção contra terceiros, mas não contra o titular, de forma que a autolesão ou fomento dela não legitimam a intervenção penal;

7.É ilegítimo o uso do sistema penal como mecanismo de produção de leis penais simbólicas, haja vista que esses não protegem bens jurídicos;

8.Também é ilegítimo o uso do direito penal como mecanismo de proteção de tabus, haja vista que esses não configuram bens jurídicos; e por fim;

9.O direito penal não tem legitimidade para proteger abstrações incompreensíveis, tais como: ‘perturbar a paz pública, entre outras. (ROXIN, 2006, p. 20 et seg.)[11]

Roxin criou os pressupostos acima citados com intuito, além de restringir o poder de punir o qual o Estado possui o monopólio, preservar as liberdades individuais garantidas a todos os indivíduos.

Posto isso, levando tais pressupostos em conta, assim como as definições anteriormente apresentadas, vislumbra-se que o conceito de bem jurídico incorpora o núcleo central da teoria do crime, visto que crime resume-se na prática de um ato atentatório ao bem jurídico. Possuindo o Direito Penal, em decorrência disso, como função primeira a preservação do bem jurídico.

2.2. O bem jurídico como fundamento dos princípios norteadores do Direito Penal.

  Para que a analise proposta no presente trabalho seja possível, faz-se necessária que seja esta feita não apenas com base em parâmetro histórico e em institutos jurídicos. Faz-se necessária ainda que a mesma seja realizada sob a égide dos princípios do Direito Penal.

Oportuno, neste ponto desta pesquisa, além de explicarmos as diretrizes de cada princípio, fazermos uma associação entre aludidos princípios e o conceito de bem jurídico. Vez que, devido ao relevante papel do conceito de bem jurídico ao Direito Penal, nada mais lógico que este desempenhe também um importante papel junto aos princípios norteadores deste ramo do direito.

Todavia, mister destacar que, não serão estudados aqui todos os princípios atuantes na área penal, serão vistos aqui apenas aqueles princípios necessários ao alcance do objetivo do presente trabalho. Dessa forma serão apreciados somente os princípios da Lesividade; da Adequação Social; Fragmentariedade e Insignificância.

 2.2.1. Princípio da Lesividade.

O princípio da lesividade, também conhecido como princípio da ofensividade, vem determinar quais condutas poderão ser objeto de aplicação do Direito Penal, limitando, por consequência, o poder do legislador de tipificar dadas condutas. Este princípio afasta a possibilidade de aplicação do Direito Penal nos casos em que os bens jurídicos penais não estejam sendo efetivamente sendo atacados.

Segundo Sarrule, ora citado por Rogério Greco (2008, p. 53),

“As proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem gravemente a direitos de terceiros; como consequência, não podem ser concebidas como respostas puramente éticas aos problemas que se apresentam senão como mecanismo de uso inevitável para que sejam assegurados os pactos que sustentam o ordenamento normativo, quando não existe outro modo de resolver o conflito.”

O princípio em questão tem por finalidade, conforme ensina Nilo Batista, mencionado por Rogerio Greco (2008, p. 53),

a)Proibir a incriminação de uma atitude interna;

b)Proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor;

c)Proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais;

d)Proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetam qualquer bem jurídico.

 A primeira função do princípio da lesividade consiste na ideia de que ninguém poderá ser punido por aquilo que pensa ou mesmo por sentimentos.

Para uma melhor analise deste princípio faz-se necessário esclarecer os estágios que o agente criminoso passa até alcançar a consumação delitiva, ou seja o inter criminis.

O inter criminis nada mais é que os estágios do crime, isto é, as etapas que o agente criminoso venceu até produzir o resultado, finalístico ou jurídico, pela prática de uma conduta típica. Ele é formado por cinco estágios; são eles: a) cogitação; b) decisão; c) atos preparatórios; d) atos de execução; e) consumação; e; f) exaurimento.

A cogitação é o momento em que o agente criminoso pensa em cometer o crime, planeja sua pratica e avalia os recursos que serão necessários para sua execução, ela ocorre no plano intelectual, isto é na mente deste. Nessa etapa a ação do agente criminoso não produz nenhum resultado no plano naturalístico, tampouco no mundo jurídico.

A segunda fase do iter criminis é a decisão, que também é uma fase interna, ligada a mente do agente do criminoso. Este é o momento em que o criminoso decide cometer o delito, o momento em que escolhe externar os planos formulados durante a fase de cogitação.

A terceira fase, a fase dos atos preparatórios, é o momento em que o agente criminoso vai juntar os elementos, os materiais necessários para a consumação do crime. Neste momento o agente apenas busca os meios necessários para prática delituosa, dessa forma, ele ainda não iniciou a execução do crime.

Diferente das fases anteriores, na fase dos atos preparatórios, tem-se a possibilidade do agente sofrer algum tipo de punição. Dependendo dos recursos que o agente utilizará para pratica do crime poderá ele ser punido pelo direito penal, ressaltando-se que será apenado quando os recursos por ele angariados forem de procedência ilícita. Observa-se que nesta fase o agente poderá ser punido por, eventualmente, cometer um ilícito diverso daquele que planeja cometer. A exemplo disso podemos citar o caso em que um individuo que adquira ilegalmente uma arma de fogo enquanto planeja matar outrem; o agente criminoso poderá ser punido pelo porte ilegal de arma, contudo não poderá ser punido ainda pela pratica do crime de homicídio por que ainda não deu inicio a nenhum ato de execução deste.

A quarta fase do iter criminis é fase em que se dará inicio a prática delitiva em si, é a fase dos atos executórios, neste momento em que o agente criminoso executará os verbos do tipo penal. Os atos executórios poderão ser um só ou vários, isso vai depender se o crime é unissubsistente[12] ou plurissubsistente[13].

A quinta fase diz respeito à fase de consumação do delito, é o momento que o agente criminoso conclui a conduta (crime formal) ou gera resultados no mundo naturalístico (crime material).

A sexta e ultima fase é a fase do exaurimento. Esta será uma fase analisada pelos magistrados no momento da dosimetria da pena imposta ao agente, visto que nesta fase é que irá verificar a forma de que o delito fora praticado, se o agente criminoso incorreu, ao praticar o crime, em uma qualificadora ou em uma causa de aumento ou diminuição.

Uma vez esclarecida às fases pelas quais o agente passa para a prática delituosa voltamos a explicar as funções do principio da lesividade.

A primeira função do princípio da lesividade diz respeito à primeira fase do iter criminis, tendo em vista que, conforme os ensinamentos de Nilo Batista, uma pessoa não poderá ser punida por aquilo que pensa ou sente. Para que o agente seja punido ele tem que exteriorizar aquilo que planeja, ele tem que praticar uma conduta que seja típica, ilícita e culpável.

Referente à segunda função delimitadora do princípio da lesividade nota-se que esta determina que o estado só vai interferir quando o agente criminoso acarretar algum dano a terceiro, quando acarretar dano a si próprio o estado não interferirá. Em razão disso é que as tentativas de autoextermínio não são penalmente puníveis.

Quanto à terceira função do presente princípio, impede que o indivíduo seja punido por aquilo que é, e não pelo que fez. Proíbe assim que seja constituído um autêntico direito penal do autor, isto é um direito penal que ao invés de julgar o agente criminoso pelo que fez, preocupa-se em julgar pelo que é, por sua vida pregressa, ferindo, dessa forma, o princípio constitucional da situação de inocência. Sobre o assunto Greco colaciona os ensinamentos de Zaffaroni (2008, p.54),

“Seja qual for a perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal de autor (culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite, autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ‘ser’ de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana.”

E por fim, a quarta função do princípio da lesividade, e a de maior relevância ao presente trabalho, determina que apenas ocorrerá um crime quando houver, de alguma forma, uma violação a um bem jurídico penalmente tutelado, isto é, o crime ficará configurado apenas quando houver uma lesão ou ameaça de lesão de um bem jurídico. Afastando dessa forma a aplicação penal àquelas condutas que apesar de desviadas ou socialmente reprováveis, não afetaram qualquer bem jurídico de terceiro. Estabelecendo-se que não poderá punir, por exemplo, uma pessoa que busque seu sustento pela prostituição, ou por outros meios que a sociedade reprove.

Como bem explica Ferrajoli, citado por Antônio Eufrásio de Toledo (2007, p. 42), o princípio da lesividade “atua como uma afiada navalha descriminalizadora, idônea para excluir, por injustificados, muitos tipos penais consolidados, ou para restringir sua extensão por meio de mudanças estruturais profundas”.

Em suma, o princípio da lesividade impede que haja a interferência do direito penal quando um bem jurídico importante de um terceiro não esteja sendo, de fato, atacado ou esteja sofrendo a ameaça de um ataque iminente.

 2.2.2. Princípio da Adequação Social.

O princípio da adequação social é o responsável por restringir o âmbito de abrangência do Direito Penal, vez que este exclui da seara criminal a possibilidade de condutas socialmente adequadas, ou até mesmo toleradas pela sociedade, sejam tipificadas como crime.

Conforme ensinamentos de Luiz Regis Prado, ora citado na obra Rogério Greco (2008, p.57),

“A teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.”

Deste modo, referido princípio limita o poder do legislador, eis que este não mais poderá selecionar, indistintamente, qualquer conduta para torná-la proibida e punível. Assim, O legislador, antes de tipificar certa conduta, terá, para tanto, que realizar um estudo social, a fim de verificar o grau de reprovabilidade que a sociedade tem sobre aquela.

Nesse sentido são os ensinamentos de Hans Welzel (GRECO, 2008, p.57), ao realizar uma analise entre o tipo pena e a adequação social,

“Na função dos tipos de apresentar o ‘modelo’ e conduta proibida se põe de manifesto que as formas de conduta selecionadas por eles têm, por uma parte, um caráter social, quer dizer, são referentes à vida social; ainda, por outra parte são precisamente inadequadas a uma vida social ordenada. Nos tipos, encontra-se patente a natureza social e ao mesmo tempo histórica do Direito Penal: indicam as formas de conduta que se separam gravemente dos mandamentos históricos da vida social.”

Insta salientar, que aquelas condutas que se pretende afastar a tutela do direito penal por serem elas socialmente aceitas devem, também, respeitar o texto constitucional. Ora, uma conduta, dada como criminosa, que atente contra a Constituição Federal, mesmo que seja socialmente aceita ou tolerada, deve sim ser objeto da tutela penal. Vez que, caso contrário, geraria insegura jurídica, visto que esta seria uma forma alternativa de emendar o texto constitucional.

Ademais, nota-se, que para precisa compreensão do princípio da adequação social, se faz necessária que o interprete saiba o conceito de bem jurídico, visto que é através deste conceito é que se fará possível ao legislador avaliar, ou analisar, como determinada conduta possa ofender a sociedade, ou até mesmo a ordem pública, e mais se aludida ofensa é socialmente reprovável ou por ela tolerada como um mero aborrecimento.

Com isso, o principio da adequação social vem reforçar, ainda mais, a relevância que o bem jurídico possui dentro da seara penal, visto que sem este instituto, esta área do direito se torna inoperante. Isso porque, perderia esta sua função social, sua finalidade.

 2.2.3. Princípio da Fragmentariedade e da Insignificância.

O Princípio da fragmentariedade é o responsável de incumbir o direito penal o dever de proteger os bens jurídicos mais importantes contras as lesões mais graves. Isto é, o direito penal ocupar-se-á com as ofensas que de fato sejam graves aos bens jurídicos penais.

Este princípio, nada mais é, que o resultado da fusão de três outros princípios do Direito Penal, os já mencionados, princípios da lesividade e adequação social, e, o que ainda será explicado no segundo capítulo deste trabalho, o princípio da intervenção mínima do estado. Com base nesses três princípios verificou-se que após selecionados os bens jurídicos, e, “comprovada a lesividade e a inadequação das condutas que o ofendem, esses bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal”. (GRECO, 2008, p.61).

Mais uma vez, se faz de suma importância à definição de bem jurídico para compreensão e aplicação de um princípio pertencente ao Direito Penal, eis que, somente após a sua compreensão, é que será possível ao legislador classificar e selecionar os bens jurídicos ‘mais importantes’ para que, assim, este ramo do direito público os proteja contra as lesões mais graves.

Segunda a lição de Muñoz Conde, ora colacionada na obra de Rogério Greco (2008, p. 61),

[…] “ nem todas as ações que atacam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, nem tampouco todos os bens jurídicos são protegidos por ele. O Direito Penal, repito mais uma vez, se limita somente a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, daí seu caráter 'fragmentário', pois que de toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância.”

Observa-se que, de acordo com o conceito dado por Muñoz Conde ao princípio da fragmentariedade, há resquícios das diretrizes trazidas pelo princípio da adequação social e da lesividade, como se é esperado, eis que este deixa bem claro que o direito penal não irá punir uma pessoa que ofenda um bem jurídico penal ao praticar uma conduta socialmente aceita ou que tenha inexpressivo grau de lesividade.

Ainda segundo Muñoz Conde (GRECO, 2008, p.61),

“Este caráter fragmentário do direito penal aparece sob uma tríplice forma nas atuais legislações penais: em primeiro lugar, defendendo o bem jurídico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da comissão imprudente em alguns casos etc.; em segundo lugar, tipificando somente uma parte do que nos demais ramos do ordenamento jurídico se estima como antijurídico; e, por último, deixando, em princípio, sem castigo as ações meramente imorais, como a homossexualidade e a mentira.”

 Nesta mesma linha de raciocínio, corroborando com o princípio da fragmentariedade temos o princípio da insignificância desenvolvido por Claus Roxin, o qual consiste em que o direito penal não deve intervir em face de ofensas que possam ser reconhecidas como insignificante, em razão de algumas circunstâncias pertinentes ao caso concreto. Senão vejamos (GRECO, 2008, p.67),

 “Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.” (TOLEDO, 1984, p. 133)

 Conforme mencionado acima, para uma correta aplicação do princípio da insignificância se faz necessário que o caso concreto em analise do aplicador do direito preencha alguns requisitos indispensáveis para seu reconhecimento, são eles:

 a) a mínima ofensividade da conduta do agente;

b) a nenhuma periculosidade social da ação;

c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (por exemplo o furto de um objeto de baixíssimo valor). (2013)[14]

 Ao analisarmos o conceito de ‘crime’ (conduta típica, ilícita e culpável), observamos que o princípio da insignificância afasta a tipicidade da conduta delituosa que o agente criminoso veio a cometer. Eis que, apenas naquela situação, naquele caso específico a conduta será dada como uma conduta atípica.

Nota-se ainda que a ação, ou a omissão, do agente criminoso ainda se trata de uma conduta ilícita e culpável, o que afasta o dever do Estado em punir o agente é que, dadas as circunstâncias em que os fatos se deram, bem como preenchidos os requisitos acima mencionados, a conduta ora praticada pelo réu não se trata de uma conduta típica, dessa forma não é crime.

Assim, constata-se que ambos os princípios tem como finalidade limitar a atuação do Direito Penal, o primeiro em especificar quais bens jurídicos serão ou não serão objetos de tutela penal, e segundo em quais situações os violadores desses bens protegidos não sofreram pelo rigor da norma penal em sua plenitude.

2.3. Criticas ao conceito de bem jurídico elaborado por Gunther Jakobs.

 Acerca do tema (bem jurídico) faz-se importante demonstrar, neste momento, outro ponto de vista, diferente de todos aqueles já apresentados, defendido pelo doutrinador Gunther Jakobs e seus seguidores.

Jakobs entende, contrariamente a Claus Roxin, que o bem jurídico não é o meio legitimador da norma penal, o devido processo constitucional de criação de lei é que dá a lei penal sua legitimidade. Deste modo, o bem jurídico não possui a função de limitar o poder do Estado de legislar matéria de Direito Penal.

Tendo em vista que a legitimidade do direito penal nasce da aprovação de suas leis, respeitando o devido processo legislativo constitucional.

Não existe um conteúdo genuíno das normas penais; os conteúdos possíveis orientam-se segundo o contexto da regulação em questão. Ao contexto da regulação pertencem as realidades da vida social, bem como as normas, em especial as de caráter constitucional. (JAKOBS, 2009, p.61)

Além disso, o autor ousa afirmar que a proteção do bem jurídico-penal não é função do Direito Penal, eis que “a maior parte desses bens também é afetada por eventos naturais e por processos não evitáveis, sem que haja interferência do Direito Penal nesses casos”. Deste modo, “o direito penal não tem a função de garantir a estabilidade dos bens mencionados em todo e qualquer caso, mas apenas no caso de agressões de determinados tipo”. (JAKOBS, 2009, p.62). Com isso, “não é toda e qualquer modificação prejudicial de um bem enquanto fato positivamente valorado que interessa ao Direito Penal; pelo contrario, a modificação deve se dirigir contra a própria valoração positiva” (JAKOBS, 2009, p.63).

Destaca ainda que o bem jurídico, como fora dito, não é o responsável de trazer ao Direito Penal sua legitimidade, o que traz legitimidade a lei penal é a sua aprovação segundo os ditames constitucionais; “um bem converte-se em bem jurídico ao gozar de proteção jurídica”, e que “ o bem jurídico é, então, positivamente determinado, e o conceito engloba ‘tudo aquilo que, aos olhos da lei, enquanto condição da vida saudável da sociedade, é valioso para esta última’” (JAKOBS, 2009, p.68).

Segundo Jakobs (2009, p.69), “a proteção jurídica que eleva o interesse vital à categoria de bem jurídico”, e não vice versa.  Afirma que a “teoria do bem jurídico pode até conceber o bem em sua relação com o titular, mas não demonstrar a necessidade de assegurar o bem também sob o aspecto penal” e que “a teoria do bem jurídico não pode determinar quais unidade funcionais podem ser elevadas a categoria de bens jurídicos em virtude de sua relevância social, como tampouco pode fundamentar que a proteção das normas deve recair sempre sobre esses bens”, pois “somente o interesse público na preservação de um bem é que o transforma em bem jurídico, e o interesse público nem sempre concerne apenas à preservação de bens” (JAKOBS, 2009, p.75 et seq.)

Contudo, não são muitos os doutrinadores que compartilham do mesmo entendimento de Jakobs, na verdade, sua doutrina é muito criticada por aqueles que entendem o bem jurídico, além de forma legitimadora do Direito Penal, como meio de limitar o poder estatal. A exemplo disso temos Claus Roxin que, expressamente discorda do posicionamento Jakobs, afirma que “um sistema social […] não deve ser mantido por seu valor em si mesmo, mas atendendo aos homens que vivem na sociedade do momento” (Roxin, 2006, p. 33). Arguindo ainda que “norma não pode pretender somente a obediência dos cidadãos”, mas deve se “dirigir a uma ação ou omissão, isto é, ao estabelecimento de um estado determinado”, estado esse que, sob o modelo do Estado Democrático de Direito, “só pode consistir em um viver em comunidade de forma pacífica e livre, onde se respeitem os direitos humanos dos membros da sociedade”. (ROXIN, 2006, p.34)

Jakobs possui uma visão sistêmica do direito penal, diferente dos demais autores que possuem uma visão mais voltada para o principio da dignidade da pessoa humana, ele entende que no centro do direito penal esta a sociedade como um todo e não o individuo.

Dessa forma a sociedade, enquanto sistema de comunicação, funciona através de nexos de expectativas, sendo que as normas nada mais são que expectativas de comportamento estabilizados.

Esse entendimento remete a teria do contrato social de Thomas Hobbes, o qual consiste na criação da sociedade por meio da celebração de um contrato social que seja capaz de torna a vida em coletividade possível, deixando para trás os tempos de selvageria que marcavam o estado de natureza.

Tendo em vista que, Jakobs não compreende crime como uma agressão, ou ameaça de agressão, a um bem jurídico-penal. Mas sim, como violação da norma penal em si, como o descumprimento do contrato social. Quebra de expectativa, advinda do próprio sujeito, criada pelo contrato social.

O direito penal não tem a função de proteção do bem jurídico, mas sim de proteger o próprio cumprimento das normas, eis que crime nada mais é que o descumprimento da norma penal vigente. Jakobs trabalha exclusivamente com a norma e, além disso, como esta poderia reestabilizar a sociedade. (2014)[15]

3. Análise dos institutos da autonomia pública e da autonomia privada sobre a ótica constitucional do ordenamento jurídico brasileiro.

 Conforme já mencionado anteriormente, o presente trabalho se propõe a realizar uma analise dos crimes contra a dignidade sexual sob a ótica da tensão entre autonomia pública e privada.

Dessa forma, antes de adentrarmos no mérito, propriamente dito, desta pesquisa, faz-se necessário, ainda, explicar o que é autonomia pública e o que é autonomia privada e, sobretudo, a relação de uma com a outra e das duas com o Direito Penal.

Deste modo, o presente capítulo irá ocupar-se, estritamente, a esclarecer as particularidades presentes na relação entre autonomia pública e privada.

A palavra autonomia advém do grego, cujo significado está estritamente relacionado com independência, liberdade ou autossuficiência. Etimologicamente significa o “poder de dar a si própria lei”. É a capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçados pelo poder soberano[16]. Dessa forma, entende-se como autonomia pública a capacidade do Estado de se organizar, assim como de criar e de executar suas próprias leis. Quando inserido no contexto de Estado Democrático de Direito, tal autonomia deve condizer com os anseios da sociedade, devendo-se atender da melhor forma possível o interesse da coletividade.

Quanto a Autonomia Privada, esta nada mais é que a liberdade que o individuo possui para regular seus próprios interesses, sendo que ficará a cargo da própria pessoa solucionar seus próprios litígios. Na definição de Francisco Amaral (2003, p. 347-48), a autonomia privada “é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica”.

Presente instituto, apesar de ser mais popular na seara cível, remete as diretrizes dos princípios penais da Intervenção Mínima do Estado, bem como do Princípio da Fragmentariedade, eis que afasta do Direito Penal a tutela de casos mais “simples”, deixando-o assim na posição de último recurso na ciência do Direito.

Isso porque, aludido instituto, como já dito, garante que o individuo resolva seus conflitos por vias diversas da judicial, devendo, portanto, recorrer à tutela jurisdicional apenas nos casos em que não seja possível solucionar o litigio por conta própria.

E, além disso, quando não for possível solucionar o litigio sem romper com a inércia do poder judiciário, antes que seja acionado o Direito Penal ainda deve verificar se presente demanda judicial poderá ser sanada por outro ramo do direito.

O Direito Penal, como dito em outras oportunidades, apenas irá atuar naquelas situações em que se faz indispensável sua presença, uma vez que as demais áreas do direito não foram capazes de trazer a solução jurídica ao caso concreto.

Já no que tange a autonomia pública, segundo Habermas, esta está ligada ao modelo trazido pelo paradigma material ou Estado Social, neste modelo de compreensão do Direito como uma ciência social aplicada, entende-se que caberá ao Estado assegurar a liberdade individual do povo, para que assim a grande maioria pudesse acessar a bens e direitos que, sem sua interferência, possivelmente não seriam alcançadas.

Presente modelo, ao contrário ao que se buscava preservar pela autonomia privada (paradigma formal ou liberal burguês), tinha como característica marcante a heteronomia exacerbada do Estado. Visto que o Estado ao impor normas e delimitar o comportamento do povo, acabaria por violar a natureza mutável do individuo e do cidadão em nome de uma autonomia pública. (2014)[17]

Neste turno, a princípio, nota-se a prevalência do interesse público sobre o privado, da autonomia pública sobre a privada.

Para melhor entendermos a relação de coexistência entre autonomia pública e privada devemos levar em consideração umas das premissas basilares do direito moderno, qual seja “tudo que não é proibido, é permitido”. Tal proposição advém da implementação de direitos subjetivos, os quais concedem ao individuo a liberdade de realizar aquilo que prefira, desde que não esteja defeso em lei. (2014)[18]

Habermas, em seu estudo sobre autonomia pública e privada, antes mesmo de adentrar ao mérito da discussão, preocupou-se em demonstrar a relação entre a moral e o direito. Eis que, a seu ver, a questão da regulamentação jurídica esta relacionada tanto a questões de cunho moral, quanto de cunho pragmático e ético.

Destaca-se que para Habermas a moral não consiste apenas no agir com ética e conforme os bons costumes. A seu ver, o agir moral muito se assemelha a autonomia privada inerente a todo individuo que goza da plenitude de sua capacidade, uma vez que esta nada mais é que a vontade livre do agente. Ou seja, a pessoa irá agir de acordo com sua subjetividade, convicção, com base nas normas que ele mesmo estabeleceu para si como obrigatória e, em seguida a um juízo imparcial o qual já leva em conta o ponto de vista de todos. (2014)[19]

“O universo moral sem limites no espaço social e no tempo histórico estende-se por sobre todas as pessoas naturais em sua complexidade biográfica, e a própria moral se estende até a defesa da integridade das pessoas plenamente individuadas. Em face disso, uma comunidade jurídica respectivamente situada no tempo e no espaço protege a integridade de seus integrantes exatamente na medida em que esses últimos assumem o status artificialmente criado de portadores de direitos subjetivos. Por isso subsiste entre direito e moral uma relação que é mais de complementariedade do que de subordinação” (HABERMAS, 2002, p. 296-97)

Segundo Habermas, tem-se uma interpretação confusa dos direitos com padrões de dignidade diversos devido à imposição da ideia que há uma hierarquia nestes. Conforme ele explica, tais direitos seriam mais bem compreendidos se pudéssemos complementar as debilidades de uma moral exigente que não possibilita nada além de “resultados cognitivamente indefinidos e motivacionalmente pouco seguros” com o direito positivamente legitimo. Segundo ele mesmo se expressa (HABERMAS, 2002, p. 296-97), “a práxis legislativa justificadora depende de uma rede ramificada de discursos e negociações — e não apenas de discursos morais”. (2014)[20]

Com isso, conclui-se que, ao ver de Habermas, as regulamentações jurídicas possuem características excessivamente concretas, as quais o fator de consonância moral não seria capaz de legitimá-las.

Partindo da analise da relação entre moral e direito, Habermas afirmou que o direito deve, além de prezar pela ordem social, garantir a liberdade e a individualidade de cada pessoa. Vejamos:

“Assim como a moral, também o direito deve defender equitativamente a autonomia de todos os envolvidos e atingidos. Ora, o direito também deve comprovar sua legitimidade a partir desse mesmo aspecto de assessoramento da liberdade. Interessante, porém, é que a positividade obriga a uma decomposição peculiar da autonomia para a qual não há contrapartida do lado da moral. […] Resulta daí de maneira conceitualmente necessária uma partilha de papeis entre autores que firmam (e enunciam) o direito, bem como entre destinatário que estão submetidos ao direito vigente. A autonomia, que no campo da moral é monolítica, por assim dizer, surge no campo do direito apenas sob a dupla forma de autonomia pública e privada.” (HABERMAS, 2002, p.297-98)

Diante de tal reflexão, referido autor constatou a existência de duas formas de autonomias imprescindíveis para válida e eficaz aplicação do direito, quais sejam autonomia pública e a autonomia privada. Eis que, em seu turno concluiu que a autonomia no campo da moral emerge de uma base singular, enquanto que na esfera legal aparece na forma dual de autonomia pública e privada.

3.1. A relação de interdependência existente entre autonomia pública e privada.

 Considerando que autonomia é a capacidade que o agente possui em autodeterminar-se, isto é, de orientar-se conforme as normas que ele mesmo criou para si, através de um juízo imparcial próprio, Habermas entende que ambas as formas de autonomia (pública e privada) devem viver harmonicamente, assim como a moral e o direito, a ponto que uma forma de autonomia não prejudique a outra, o que, segundo ele, é plenamente possível.

Deste modo, Habermas, em sua teoria do discurso, nos mostra que direitos humanos e soberania popular possuem uma relação interna, a qual consiste no fato que o Estado não pode subsistir sem democracia participativa. E que afirmar que os direitos humanos são fatos morais que, posteriormente, foram apenas positivados seria um equivoco, visto que tal premissa divergiria do conceito de autonomia.

Assim, verifica-se que, para Habermas, a relação entre autonomia pública e privada traz ao Direito sua legitimidade como instrumento necessário para garantir a igualdade desta relação, visto que para que haja autodeterminação jurídica faz-se necessário que os destinatários do direito possam também se enxergar como seus autores.

“As liberdades de ação individuais do sujeito privado e a autonomia pública no cidadão ligado ao Estado possibilitam-se reciprocamente. É a serviço dessa convicção que se põe a ideia de que as pessoas do direito só podem ser autônomas na medida que lhes seja permitido, no exercício de seus direitos civis, compreender-se como autores dos direitos aos quais devem prestar obediência, e justamente deles.”(HABERMAS, 2004, p. 298)

Dessa forma, observa-se que a autonomia pública precisa da autonomia privada para se efetivar, a ponto que sem os direitos fundamentais ora assegurados pela autonomia privada não haveria um meio de institucionalizar juridicamente as condições necessárias para o uso da autonomia público. Assim, “autonomia privada e pública pressupõem-se mutuamente, sem que os direitos humanos possam reivindicar um primado sobre a soberania popular, nem essa sobre aquele”. (2014)[21]

“A autonomia politica dos cidadãos deve tomar corpo na auto-organização de uma comunidade que atribui a si mesma suas leis, por meio da vontade soberana do povo. A autonomia privada dos cidadãos, por outro lado, deve afigurar-se nos direitos fundamentais que garantem o domínio anônimo das leis. Quando é esse o caminho traçado, então uma das ideias só pode ser validada à custa de outra. E a equiprimordialidade de ambas, intuitivamente elucidativa, não segue adiante.” (HABERMAS, 2004, p. 299)[22]

Nota-se que, segundo Habermas, somente será possível que os cidadãos gozem de sua autonomia pública quando este forem independentes suficientes “em virtude em uma igual proteção da autonomia privada. (2014)[23]

Com isso é função do direito garantir que tanto a autonomia pública quanto a autonomia privada sejam asseguradas igualmente. Tendo em vista que a participação da população nos processo democrático de tomadas de decisões — os quais estão ligados estritamente a autonomia pública, eis que esta, por sua vez, esta ligada aos poderes políticos dos cidadãos — só irá ocorrer de forma livre e desimpedida, quando o individuo tiver sua autonomia privada garantida.

“Em lugar da controvérsia sobre ser melhor assegurar a autonomia das pessoas do direito por meio de liberdades subjetivas para haver concorrência entre indivíduos em particular, ou então mediante reivindicações de benefícios outorgados a clientes da burocracia de um Estado de bem-estar social, surge agora uma concepção jurídica procedimentalista, segundo a qual o processo democrático precisa assegurar ao mesmo tempo a autonomia privada e pública: os direitos subjetivos não podem ser formulados de modo adequado sem que os próprios envolvidos articulem e fundamentem os aspectos considerados relevantes para o tratamento igual ou desigual em casos típicos. Só se pode assegurar a autonomia privada de cidadão em igualdade de direitos quando isto se dá em conjunto com a intensificação de sua autonomia civil no âmbito do Estado.” (HABERMAS, 2002, p. 305)[24]

Sendo assim, na ausência da autonomia privada, o espaço público passa a ser um lugar de mera manipulação coletiva. Fato esse que ressalta a importância da coexistência harmônica entre autonomia pública e privada.

3.2. Princípio da Intervenção Mínima do Estado.

 O principio da intervenção mínima do estado muito se assemelha ao principio da fragmentariedade, visto que este, assim como aquele, é responsável por limitar o alcance da tutela jurisdicional do direito penal.

Presente princípio remete a concepção do Direito Penal como ultimo recurso do Direito, devendo-se este ser acionado apenas naquelas situações em que os demais ramos do direito não são suficientes para solucionar à demanda jurisdicional.

Ficando ao encargo do Direito Penal, portanto, preocupar-se apenas em proteger os bens mais importantes e indispensáveis a vida em sociedade.

Todavia, como dito anteriormente, o Direito Penal não irá fornecer indistintamente esta proteção aos bens mais importantes. Antes que o Direito Penal intervenha na proteção de um determinado bem jurídico, deve restar sobejamente comprovado que as demais ramificações não sejam capazes disso. Isto é, o Direito Penal apenas irá atuar proteger os bens que de fato necessitam de sua proteção.

Sobre o assunto Rogério Greco (2008, p.49), colacionou os seguintes ensinamentos de Muñoz Conde; vejamos.

“O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves ao bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito.”

Desta feita, podemos entender o principio da intervenção mínima do Estado como um sinônimo para ultima ratio, eis que, de um certo modo, tal principio limita o acesso ao Direito Penal, assim como, favorece o evento da descriminalização.

Sobre isso leciona Rogerio Greco (2008, p. 49),

“Se é com base neste principio (intervenção mínima do estado) que os bens são selecionados para permanecer sob a tutela do Direito Penal, porque considerados como os de maior importância, também será com fundamento nele  que o legislador, atento às mutações da sociedade, que com a sua evolução deixa de dar importância a bens  que, no passado, eram  da maior relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores.”

Para trazer mais validade Greco (2008, p.48) colaciona os ensinamentos de Cezar Bitencourt. Vejamos:

“O principio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelam-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do individuo e da própria sociedade.”

Realizada analise do principio da intervenção mínima, nota-se que o mesmo, além de estar correlacionados com autonomia pública/privada, ainda faz menção ao tema discutido no primeiro capitulo do presente trabalho.

Ora, o presente principio possui uma relação estreita com o principio da fragmenteariedade que, como já vimos, é principio responsável pelo caráter subsidiário do Direito Penal. Assim, como no principio da fragmentariedade, o principio da intervenção mínima do Estado visa preservar este caráter seleto do Direito Penal de não proteger todos os bens jurídicos, mas proteger tão somente os bens mais importantes.

Sobre o assunto, Greco (2008, 48) cita Claus Roxin, a fim de trazer mais clareza a esta marcante característica do Direito Penal. Vejamos:

“A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, senão que nessa missão cooperam todo o instrumental do ordenamento jurídico. O direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil, os regulamentos de policia, as sanções não penais etc. Por isso se denomina a pena como “ultima ratio da politica social” e se define sua missão como proteção subsidiaria de bens jurídicos.”

Vale ainda destacar os ensinamentos de André Copetti (GRECO, 2008, p. 49);

“Segundo o direito penal o mais violento instrumento normativo de regulação social, particularmente por atingir, pela aplicação das penas privativas de liberdade, o direito de ir e vir do cidadãos, deve ser ele minimamente utilizado. Numa perspectiva politico-jurídica, deve-se dar preferencia a todos os modos extrapenais de solução de conflitos. A repressão penal deve ser o ultimo instrumento utilizado, quando já não houver mais alternativas disponíveis.”

Tendo em vista o acima exposto, observa-se a relevância da analise do principio em tela para o alcance do objetivo proposto pelo presente trabalho.

Uma vez que buscamos avaliar se alguns tipos penais realmente merecem permanecer em nosso ordenamento jurídico, presente princípio, juntamente com os conceitos de autonomia pública e privada aqui já apresentados, nos da vazam para a análise proposta.

Visto que, tal princípio fomenta a descriminaliza de condutas, em tese, desinteressantes a tutela penal, para que, dessa forma, passem a ser protegidas por outras esferas do Direito ou, até mesmo, possam ser solvidas pelo próprio particular.

Posto isso, conclui-se que o Princípio da Intervenção Mínima do Estado visa nos proteger dos excessos que tanto o legislador quanto o poder judiciário possam cometer em face ao individuo. Estabelecendo para tanto que o Estado, por meio do Direito Penal, deverá atua apenas quando indispensável para garantia da ordem pública.

3.3. Princípio da Proporcionalidade.

O principio da proporcionalidade, assim como o principio da intervenção mínima do estado, possui como premissa a proteção do individuo contra intervenções estatais desnecessárias ou excessivas, as quais poderão causar aos cidadãos danos mais graves que o indispensável para a proteção dos interesses públicos. (2014)[25]

Na seara penal presente princípio tem uma importante função, que a proteger o criminoso de penas demasiadamente severas, desproporcionais, violadoras dos direitos fundamentais do delinquente. Este princípio impossibilita que o direito penal seja utilizado como mero instrumento de poder. O mesmo, assim como os demais ramos do direito, deve observar os valores cultivados tanto pela sociedade a que serve quanto ao indivíduo em si. A pena aplicada pela pratica de uma conduta criminosa deve ser condizente, isto é, proporcional à gravidade do fato, caso contrario estaria sendo violado o principio da dignidade humana, uma vez que seria aplicado ao agente criminoso uma pena mais severa que aconselhada pelo ordenamento jurídico.

Nesse sentido são os ensinamentos de Alberto Silva Franco (GRECO, 2008, p. 75);

“O principio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O principio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionais, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízos impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade).”

 Dessa forma, observa-se que o principio da proporcionalidade propõe ao operador direito a analisar o caso concreto com uma visão mais sóbria e imparcial. Para que, assim, o mesmo aplique ao agente criminoso sanções mais severas do que as necessárias.

Inicialmente, presente princípio não possui uma grande relevância com o objetivo do trabalho. Nós decidimos ilustrarmos sobre ele, neste momento, devido à proposta que ele faz ao Direito Penal, qual seja analisar o fato com racionalidade.

Tendo em vista que a finalidade da presente pesquisa é discutir a necessidade da proteção penal a uma gama de bens jurídicos-penais que, em razão do desenvolvimento da sociedade, passaram a ser tolerados. Levarmos em conta a ideia central do principio da proporcionalidade, faz-se indispensável. Eis que, ao nosso ver, seria um excesso expormos a julgamento pessoas que praticaram condutas toleráveis pela sociedade, pelo simples fato de estarem estas tipificadas pelo nosso Código Penal.

3.4. A Incidência da Autonomia Privada no Direito Penal.

 Neste ponto da pesquisa discutir-se-á a relação do instituto da autonomia privada com o Direito Penal.

O Direito Penal é um ramo do Direito Público, o qual, visando proteger os bens jurídicos vitais a sociedade, comina penas àqueles que deixam de observar o conteúdo impositivo de suas normas e venha, por essa razão, a praticar um delito (crimes e contravenções). Salientando-se que, as penas ora aplicadas por este ramo do Direito limitam o exercício da liberdade individual do agente criminoso com intuito de reeducá-lo, bem como de reinseri-lo na sociedade.

O Direito Penal, como ramo do Direito Público, busca por meios de suas normas corresponderem os anseios sociais, isto é, atender os interesses da coletividade.

Assim ao levar em consideração o conceito de autonomia privada — a qual consiste na capacidade da pessoa, livre de qualquer influencia advinda do Estado ou de eventual terceiro, criar para si a lei que se obrigará a cumprir, assim como deter a aptidão de solucionar seus litígios sem a intervenção estatal —, verifica-se que, a princípio, a mesma não possui muita influência sobre o Direito Penal.

Tendo em vista que as normas penais relatam, em sua maioria, matéria de ordem pública e que, portanto, as mesma são indisponíveis. Nota-se que o Estado possui uma obrigação de agir, mesmo que em desconformidade com interesse do sujeito particular envolvido no caso concreto. Em outras palavras, quer dizer que, regra geral, há no Direito Penal a prevalência do interesse público sob o privado.

A exemplo disso constata-se que o nosso Código Penal vigente possui em sua maioria crimes de “ação penal pública incondicionada”. Essa espécie de crimes ora tipificados por nosso ordenamento jurídico dispensa a manifestação de interesse da vítima de em ver seu algoz processado.

Nos referidos delitos o Estado, atendendo o interesse social em preservar a ordem e segurança pública, instaura de ofício o procedimento investigatório, assim como promove as diligencias necessárias para elucidação dos fatos e, prontamente, oferece a ação penal cabível em face do violador de suas normas.

Posto isso, verifica-se que no Direito Penal há, primordialmente, a prevalência da autonomia pública. Todavia, afirmar que o mesmo não sofre influência da autonomia privada seria demasiadamente um equívoco.

Assim como há em nosso Código Penal figuras típicas que deverão ser processadas mediante ação penal pública incondicionada, há aquelas também que deverão ser processadas mediante “ação penal pública condicionada à representação” e “ação penal privada”.

Em ambos os casos faz-se necessário a manifestação da vítima para que as investigações sejam promovidas.

Na ação penal pública condicionada a representação, o Estado ainda é o detentor da legitimidade para o oferecimento da ação penal, assim como ocorre na ação penal pública incondicionada. Contudo, nesta para que o Ministério Público[26] ofereça denuncia em face do suposto agente criminoso é indispensável uma manifestação expressa da vítima em ver tal pessoa processada e condenada pela pratica da conduta criminosa que lhe vitimou.

Na ausência de representação[27] o Ministério Público não poderá por sua conta oferecer a ação penal cabível. Isso porque, nesse caso quem é detentor da legitimidade para o oferecimento da demanda judicial é a própria vítima e não o Estado, este está apenas representando os interesses daquela.

Já no que pese a ação penal privada, o Estado aqui terá uma participação mínima, este por meio do Ministério Público apenas atuará como fiscal da correta aplicação da lei penal. A vítima, ou seu representante legal, é que promoverá a ação penal, caso for este o interesse dela.

Acerca da queixa-crime, vejamos:

“Exposição do fato criminoso, feita pela parte ofendida ou por seu representante legal, para iniciar processo contra o autor ou autores dos crimes. A queixa-crime pode ser apresentada por qualquer cidadão — é um procedimento penal de caráter privado, que corresponde à Denúncia na ação penal pública.” (2014)[28]

Observa-se que as ações que vinculam a manifestação do ofendido ao seu prosseguimento dizem respeito à violação de direitos relacionados à intimidade deste. A exemplo disso temos os crimes tipificado nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, os quais são promovidos mediante o oferecimento de queixa-crime pela vítima, neste delitos ocorrem um atento a honra da vítima, a sociedade não é lesada por essa pratica criminosa, mas tão somente a vítima. Deste mesmo modo temos os crimes, os quais serão discutidos no próximo capítulo, conta a dignidade sexual, tais como o estupro e violação sexual mediante fraude (artigos 213 e 214, respectivamente, do Código Penal), os quais são processados por meio da representação da vítima.

Diante disso nota-se que há, no Direito Penal, resquícios da tensão presente entre autonomia pública e privada e, sobretudo, da coexistência harmônica a qual ambas devem ter, conforme previa Habermas em sua Teoria do Discurso.

Uma vez que o Direito Penal leva em consideração a subjetividade da vítima para promover ações em que esta, de certa forma, teve exposta a sociedade questões de cunho particular, constata-se a presença da autonomia privada. A qual, agindo em comum acordo com a autonomia pública, traz ao processo penal a legitimidade que este precisa para o valido prosseguimento.

Cumpre destacar que haverá momentos em que uma das autonomias irá prevalecer sobre a outra, o que não quer dizer, diga-se de passagem, que uma seja mais importante do que a outra. Na verdade, quando isso ocorre quer dizer que fora realizado pelo legislador penal um juízo de ponderação quanto aos efeitos positivos e negativos de uma lei.

No crime de estupro, por exemplo, tem-se a discussão sobre qual espécie de autonomia deve prevalecer, eis que, diferente dos já mencionados crimes contra honra (calúnia, injuria e difamação), a pratica do presente delito acarreto dois tipos resultados no mundo naturalístico. O primeiro, diz respeito à vítima que teve sua dignidade sexual ofendida; e o segundo a sociedade que fica diante de um sentimento de insegurança social devido ao descumprimento de uma norma pré-estabelecida, a qual garante que a vida em coletividade permaneça harmônica.

Portanto para este delito o autor teve que realizar um juízo de ponderação sobre qual interesse deve prevalecer, eis que, como vimos, há dois interesses conflitantes. Um decorrente da autonomia público, o qual visa corresponder às expectativas do interesse público, consistente na vontade da sociedade em ver o delinquente que praticou o crime em tela julgado e condenado as penas que lhe couber para que, posteriormente, seja reinserido na sociedade.

O outro interesse é o da vítima do crime de estupro, a qual, discordando da sociedade, não queira processar o seu algoz, ou porque passara por uma situação traumática e não se sente confortável em tê-la revivida pelos auto do processo judicial, ou porque buscam, de certa forma, preservar sua intimidade.

Levando essa duas perspectivas em consideração, nos vemos em meio a um empasse sobre qual dos dois interesses deve prevalecer em detrimento do outro.

A princípio tendemos a dar preferência ao interesse coletivo, isso porque estamos inseridos em um Estado Democrático Direito, em qual a soberana advém da vontade do povo. Assim, ante o interesse social de ver o delinquente condenado, caberia ao Estado, no gozo de sua autonomia e por meio de seus órgãos de execução, expor o agente criminoso a julgamento. O que, consequentemente, também arrastaria a vítima, contra a sua vontade, ao julgamento daquele, fazendo-a reviver todas as suas feridas, causando-lhe, dessa forma, danos irreparáveis a sua psique.

Contudo, conforme previa Habermas, o legislador penal não adotou este caminho. Uma vez que o mesmo percebeu que se faz necessário a observância da autonomia privada da vida em determinar se deseja ter exposta sua vida intima por meio de uma ação judicial. De acordo com a concepção habermasiana, para existir a autonomia pública, deve-se preservar a autonomia privada.

Com isso, caso o legislador optasse por classificar o crime de estupro como sendo um crime de ação penal pública incondicionada, o mesmo não estaria promovendo um atentado contra a autonomia privada das eventuais vitimas deste crime, estaria atentando contra a própria autonomia pública que o Estado detém.

Visto que estaria subjugando de forma abusiva a vontade de parte da população em prol de um “bem maior”. Atitudes como esta remetem ao mal visto estado sitio, estabelecido em épocas de ditadura, nos quais o Estado aos poucos priva do particular a capacidade de se autodeterminar. Se o legislador tomasse aquele posicionamento o mesmo estaria descreditando o Estado perante a sociedade. Pois, os danos advindos daquela escolha seriam imensuráveis.

Diante disso, não restara ao legislador penal outra alternativa senão definir o crime de estupro como sendo um crime de ação penal condicionada à representação. Dessa forma, não a sobreposição de uma autonomia sobre a outra, tendo em vista que ficaria ainda a cargo do estado promover a ação de um crime que possui um alto grau de potencial ofensivo, bem como seria dado ao ofendido o poder de escolher, conforme sua subjetividade, se a ação deveria ou não ser promovida.

Ante o exposto, não resta duvida quanto à influência e o intermédio da autonomia privada no Direito Penal e que, acima de tudo, aquela é respeitada por este ramo do Direito Público, visto que ela garante a este à legitimidade necessária ao oferecimento de suas ações.

4. Dos crimes contra a dignidade sexual e a tensão entre autonomia pública e autonomia privada.

 Levando-se em conta o conteúdo até aqui apresentado será possível, neste capítulo, cumprirmos a proposta do presente trabalho, qual seja realizar uma analise, com base na tensão entre autonomia pública e privada, dos crimes contra a dignidade sexual, com intuito de se verificar a possibilidade do afastamento da tutela penal.

Todavia antes de podermos realizar referida analisa, se faz necessário ainda compreendermos ao certo quais são os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal no Título IV do Código Penal Brasileiro.

Como vimos no segundo capítulo da presente pesquisa, bens jurídicos são circunstâncias da vida cotidiana as quais, ante a primordialidade de sua preservação, são objetos de proteção do Direito. Sendo que, àqueles bens classificados como sendo os mais importantes, caberá ao Direito Penal protegê-los, mas apenas frente às lesões e ameaças de lesões mais graves, conforme estabelece os princípios da Fragmentariedade e da Intervenção Mínima do Estado.

Levando tais fatos em considerações, destaca-se que o Direito Penal nem sempre teve como um de seus ofícios proteger a dignidade sexual, visto que esta nem sempre fora taxada como um bem jurídico penal.

Antes do advento da Lei nº. 12.015, promulgada em 07 de agosto de 2009, quando referido título chamava-se “Dos Crimes Contra os Costumes”, as figuras típicas ali codificadas não se preocupavam em resguardar a liberdade sexual da pessoa humana. Na verdade, mencionado titulo protegia a moralidade e o pudor público, que há época da promulgação do Código Penal (ano de1940) tratavam-se dos bens jurídicos mais importantes ao convívio social.

Contudo, constata-se, através da analise da Lei nº. 12.015/2009, que o legislador penal decidiu afastar da tutela penal a proteção de bens jurídicos demasiadamente subjetivos, de cunho puramente moral. A ponto que a proteção penal passou a recair sobre bens menos subjetivos, o que, diga-se de passagem, trouxe uma maior segurança jurídica ao nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido são os ensinamentos de Claus Roxin (2014)[29], vejamos:

“A moral, ainda que amiúde se suponho o contrario, não é nenhum bem jurídico — no sentido em que temos precisado tal conceito, deduzindo-o do fim do direito penal. Se uma ação não afeta o âmbito de liberdade de ninguém, nem tão pouco pode escandalizar diretamente os sentimentos de algum espectador porque é mantida oculta na esfera privada, a sua punição deixa de ter um fim de proteção no sentido atrás exposto. Evitar condutas meramente imorais não constitui tarefa do Direito Penal” (Roxin, citado por RENATO MARCÃO, 2011).

Deste modo, com o aludido diploma legal os bens jurídicos, ora tutelados pelo título IV do nosso Código Penal, passaram a ser a liberdade sexual e a integridade física e psíquica da vítima. (2014)[30]

Sobre o assunto afirma Guilherme de Souza Nucci (2014)[31]; vejamos:

“Considerando-se o direito à intimidade, à vida privada e à honra, constitucionalmente assegurados, além do que a atividade sexual é, não somente um prazer material, mas uma necessidade fisiológica para muitos, possui pertinência a tutela penal da dignidade sexual. Em outros termos, busca-se proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver formas de violência. Do mesmo modo, volta-se particular atenção ao desenvolvimento sexual do menor de 18 anos e, com maior zelo ainda, do menor de 14 anos. A dignidade da pessoa humana envolve, por obvio, a dignidade sexual.” (NUCCI, 2009, p. 189)

Com o acima exposto, observar-se, porém, que o bem jurídico ora tutelado pelo Direito Penal não passou a ser a liberdade sexual propriamente dita, mas sim o resultado da fusão desta com o princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo criado, dessa forma, o bem jurídico “dignidade sexual”. Nota-se que o termo “dignidade”, utilizado na nomenclatura deste novo bem jurídico, advém, como já mencionado, da noção de dignidade da pessoa humana, o mais importante princípio norteador de nosso ordenamento jurídico.

Sobre assunto leciona Fernando Capez (2014)[32]:

[…] “a tutela da dignidade sexual, portanto, deflue do principio da dignidade humana, que se irradia sobre todo o sistema jurídico e possui inúmeros significados e incidências. Isto porque o valor à vida humana, como pedra angular do ordenamento jurídico, deve nortear a atuação do interprete e aplicador do direito, qualquer que seja o ramo da ciência onde se deva possibilitar a concretização desse ideal no processo judicia. Na realidade, o princípio da dignidade humana como valor moral e espiritual inerente à pessoa, não foi criado nem construído pela ciência, constituído “um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais”. (CAPEZ, 2011)”

Visando uma melhor compreensão do bem jurídico “dignidade sexual” se faz necessário, portanto, compreendermos em que consiste a dignidade da pessoa humana. Sobre o tema, vejamos:

“O princípio da dignidade da pessoa humana aporta o significado de que o ser humano é um valor em si mesmo, devendo ser preservado independentemente de características históricas, politicas, sociais, econômicas ou de qualquer outra espécie, havendo-se de impedir a instrumentalização do homem, de modo que jamais perca sua essência de humanidade. Em outras palavras, quando se assenta sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, busca-se evitar que o homem deixe de ser homem, de que lhe sejam retiradas, alteradas ou modificadas suas características inerentes, transformando-o em objeto.” (RIBEIRO, 2014)[33]

Com isso deixa-nos claro que as modificações realizadas pelo legislador penal traíram o fim a que se destinavam. Uma vez que buscava-se pela promulgação da Lei nº 12.015/2009 a retirada do bem jurídico moral da valia penal, nota-se que o bem jurídico dignidade sexual tem si características de cunho puramente moral. Senão vejamos:

[…] “a sexualidade é uma característica fundamental e inerente à pessoa humana e, como tal, deve ser protegida e tutelada pela esfera penal. Ocorre, entretanto, que a sexualidade jamais poderá ser tomada como um fim em si mesmo. Da mesma forma, será impossível tratar da sexualidade humana, destituindo-se de suas características histórico-sociais, sob pena de se professar a existência de uma sexualidade ideal, a qual, certamente, se permearia de conteúdo moral e não poderia atender às condições de uma sociedade pluralista calcada no modelo liberal de Estado. […] ao nosso entender, aceitar a designação “dignidade sexual” serve aos anseios de se fundamentar de maneira ampla qualquer comportamento contrário à moral sexual, sendo certo que a vacuidade do conceito permite que seja preenchido com o conteúdo material de maneira arbitrária, mesmo que seu fundamento encontra-se calculado em uma ordem moral.” (RIBEIRO, 2014)[34]

Corroborando com acima exposto, cumpre ressaltar que apesar das mudanças trazidas pela lei nº. 12.015/2009, verifica-se, também, que ainda subsiste no título IV do Código Penal um tipo penal que visa punir aquele que atente contra ao bem jurídico “moral e bons costumes” ao invés da “dignidade sexual”. O artigo 229 do Código Penal[35] visa proibir aquilo que a sociedade, moralmente, condena ao invés de proteger circunstâncias que sejam imprescindíveis para vida em sociedade.

Diante disso, conforme opina a doutrina majoritária, o ideal seria que o legislador, ao modificar o título IV do Código Penal, tivesse adotado a seguinte nomenclatura: Dos Crimes Contra a Liberdade de Autodeterminação Sexual. Pois, dessa forma, afastaria possíveis penalizações oriundas de afrontas a moral. (RIBEIRO, 2014)[36]

Em razão disso, assim como por outras que serão apresentadas a seguir, é que se faz de suma importância realizar a analise proposta no presente trabalho.

4.1. Dos crimes contra a dignidade sexual em que se verifica a tensão entre a autonomia pública e a autonomia privada.

 Levando-se em conta o todo acima exposto, passemos a analisar as figuras típicas do Título IV do Código Penal (Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual).

Lado outro insta salientar neste momento que nem todos os delitos tipificados no referido título do nosso Código Penal serão discutidos aqui. Isso porque, o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta de desintervenção penal, sendo assim, ao nosso ver, há tipos penais no título IV do Código Penal que tal desintervenção não será possível.

A exemplo disso, temos os delitos praticado contra vulneráveis, sejam este classificados assim devido a minoridade penal ou por ser enfermo de algum doença ou circunstância que o prive da plenitude de seu discernimento mental. A esses tipos de delitos, ora tipificados no Capítulo II (Dos Crimes Sexuais contra Vulneráveis) do Título IV do Código Penal, se faz impossível o afastamento da tutela penal.

Isso porque, tais crimes tendem a causar uma maior repercussão social, visto que entende-se como vulnerável aquela pessoa que não é capaz de se proteger, de cuidar de se própria. Dessa forma esta sob a tutela ou curatela de um terceiro.

Sendo portanto, dever de todos (família, sociedade e Estado) zelar sobre os interesses dessas pessoas. No que pese à criança e o adolescente menores de 18 anos, vemos tal proteção com maior clareza através do artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil[37], promulgada no ano 1988, o qual reforça que é, de fato, um dever de todos garantir uma vida digna aos mesmos.

Além disso, nota-se que a esse tipo de crimes não há conflito entre o interesse público e o interesse privado, isto é autonomia pública e privada, visto que ambos anseiam pela mesma coisa, qual seja a punição do agente criminoso.

Dessa mesma forma, no presente trabalho também não serão discutidos os crimes previstos no Capítulo I do Título IV do Código Penal, quais sejam estupro (artigo 213); violação sexual mediante fraude (artigo 215); e o assédio sexual (artigo 216-A).

Em tais delitos, diferentes dos tipificados no capítulo II, observa-se a tensão entre autonomia pública e privada. Contudo não nos cabe discutir sobre isso, pois o próprio legislador penal trouxe uma solução à referida tensão.

Antes de explicarmos como o legislador solucionou o problema destes delitos, cumpre demonstrar como surgiu a tensão entre a autonomia pública e privada presentes nestes crimes.

As condutas tipificadas pelo Capítulo I do Título do IV do Código Penal são condutas que possuem um altíssimo grau de ofensividade, bem como um altíssimo grau de reprovabilidade social. Além disso, são crimes que quando praticados violam e expõem a intimidade da vítima, acarretando a esta danos tanto de ordem física, quanto mental.

Dessa forma, em alguns casos ocorrem um conflito entre o interesse público e o privado no que diz respeito ao prosseguimento da ação penal. Eis que a situações em que a vítima de crimes sexuais, em divergência com a sociedade, opta em não processar seu agressor, para que, dessa forma, não tenha que reviver a situação traumática por qual passou.

Com isso entra em conflito o interesse da sociedade em ver o agente criminoso julgado e condenado com o interesse da vítima em não se submeter mais uma vez a um trauma, o qual, diga-se de passagem, poderá acarretar danos severos e, dependendo do caso, até irreversíveis a sua sanidade mental.

Diante deste atrito entre a autonomia pública e privada, o legislador resolveu preponderar as duas, de forma que uma não sobreponha a outra e, além disso, atenda tanto o interesse coletivo quanto o particular.

Conforme dispõe o artigo 225 do Código Penal[38], referidos delitos serão processados mediante ação penal pública condicionada a representação. Ou seja, ainda é dever do Estado, através do Ministério Público, promover a ação penal em face do individuo que veio a praticar qualquer um dos crimes em questão, todavia para que o mesmo faça isso é indispensável uma manifestação de interesse, expressa, da vítima, a qual concede ao Estado a legitimidade que este necessita para processar o agente criminoso.

Dessa forma, nota-se que ambos os interesses são atendidos, visto que, é dado a vítima o poder de escolher se o Estado irá ou não processar seu algoz, da mesma forma é garantido a sociedade que tal ação, mesmo que condicionada, ainda seja promovida pelo Estado, o que é um alivio para mesma, visto o altíssimo grau de ofensividade que tais condutas requerem para sua pratica.

Assim, os crimes os quais serão apresentados uma proposta referente ao afastamento da tutela penal são aqueles trazidos nos Capítulos V e VI do Título IV do Código Penal.

4.2. Uma proposta crítica de (des) intervenção do Direito Penal.

 Conforme demonstrado acima não são todos os crimes tipificados no Título IV que serão objeto de discussão no trabalho em tela; serão analisados aqui tão somente aqueles tipificados pelo Capítulo V e VI do referido título.

Como vimos anteriormente, o Direito Penal possui como função essencial a proteção do bem jurídico penal, sendo este aquelas circunstâncias de primordial importância à vida social, as quais são de interesse de todos sua preservação.

Nota-se que os bens jurídicos não possuem caráter perpetuo, uma vez que os mesmo são condições que a sociedade classifica como indispensáveis em uma determinada época. Sendo assim, observa-se que tais bens irão mudar de tempos em tempos, eis que a própria sociedade é algo que esta em constante transformação.

Com base nisso, cumpre destacar que nem todos os bens jurídicos que foram definidos como bens merecedores da tutela penal, a época da promulgação do Código Penal, são os mesmo. Muitos foram retirados do nosso ordenamento jurídico e outros novos foram acrescentados.

Temos como exemplo disso as alterações trazidas pela já mencionada lei 12.015/2009, a qual foi responsável de afastar do Direito Penal a proteção do bem jurídico moral e, ao mesmo, pôs sob a guarda desse ramo do Direito Público a proteção do bem jurídico dignidade sexual, acarretando, dessa forma, a revogação de figuras típicas antigas e criação de outras novas.

Além disso, insta salientar que por força dos princípios da Intervenção Mínima do Estado e da Fragmentariedade, a proteção penal não irá ocorrer de forma desenfreada, sendo que a mesma irá ocorrer apenas quando for indispensável à intervenção penal, e apenas com intuito de salvaguardar os bens jurídicos mais importantes das lesões e ameaças de lesões mais graves.

Desta feita, cumpre ressaltar também que, com base na concepção habermasiana, a atuação do Direito Penal irá gozar da autonomia pública do Estado de forma moderada, para que assim não ocorram excessos em face do particular; protegendo, dessa forma, a autonomia privada deste. A qual, cumpre destacar, se faz indispensável para o uso da autonomia pública pelo Estado.

Dessa forma, observamos que algumas das figuras típicas que serão aqui discutidas não mais são merecedoras da proteção penal, pois, como será demonstrado a seguir, a pratica das mesmas passaram a ser toleradas pela sociedade hodierna, bem como não podem mais serem classificadas como bens jurídicos penais relevantes a tutela penal.

 4.2.1. Análise pormenorizada dos crimes do artigo 227 ao artigo 234 do Código Penal.

Os crimes tipificados pelo artigo 227 e seguintes serão objeto de nosso estudo, pois os mesmos possuem um baixo grau de ofensividade, assim como de reprovabilidade social. Além disso, a prática de algumas das condutas ora tipificas por estes artigos passaram a ser toleradas pela sociedade e não mais causam transtorno a ordem e a segurança pública.

Antes de realizarmos a análise aqui proposta, devemos levar em consideração que cabe a cada pessoa dispor de seu corpo da forma que quiser, desde que não cause dano a terceiros.

Toda pessoa goza de liberdade sexual, a qual possibilita a mesma de relacionar-se afetivamente da forma que quiser e, se assim desejar, buscar lucrar por meio da disposição sexual. Sendo permitido por nosso ordenamento jurídico, até mesmo, a prática da prostituição.

O que não é permitido, ou melhor, o que não deveria ser permitido em nosso ordenamento jurídico é a exploração sexual de outrem contra sua vontade, seja pelo emprego de violência e/ou grave ameaça, seja mediante fraude.

Dessa forma, se um terceiro ajuda um determinado individuo que no exercício de suas faculdades opta, de forma livre sem sofrer qualquer tipo de coação, por praticar um ato sexual com outrem, seja visando lucro ou não, ele não pode ser penalizado. Eis que, a nosso ver, não houve violação da dignidade sexual deste mesmo indivíduo (suposta vítima).

Ora se o mesmo apenas ajudou a vítima a realizar aquilo que desejava, sem forçá-la a praticar o ato sexual contra sua vontade, entende-se que este não veio a incorrer em nenhum crime. Assim, penalizá-lo por causa disso consistiria em um excesso legislativo, bem como uma afronta a autonomia privada dele e da vítima, visto que o Estado estaria intervindo em um caso no qual não há necessidade deste intervir, o que por consequência acarreta, injustificavelmente, a limitação da autonomia tanto da vítima quanto do réu de determinar o que melhor para si.

Com base nisso os delitos dos artigos 227 (mediação para servir a lasciva de outrem); 228 (Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual); 230 (rufianismo); e 231-A (tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual), todos do Código Penal, devem ser revogados no que diz respeito à vontade livre da vítima.

Isto é, deverá ocorrer intervenção penal apenas quando de fato houver violação da liberdade sexual da vítima, quando tais crimes forem praticados mediante fraude ou com emprego de força e/ou grave ameaça, assim como quando estes forem praticados contra vulneráveis.

Por exemplo, o delito do artigo 230 do Código Penal, qual seja rufianismo[39], nota-se que, pela maioria dos casos, ocorre a celebração de um acordo tácito entre o rufião e a prostituta, no qual é previsto direitos e deveres recíprocos, sendo que ambos são beneficiados pela relação estabelecida entre eles.

Observa-se que neste caso não é cabível ao Direito penalizar tal relação, uma vez que a prostituição é algo permitido em nosso ordenamento jurídico, conclui-se que o objeto do acordo firmado entre as partes, in casu, é lícito.

Sendo incoerente, portanto, tipificar tal relação, eis que a dignidade sexual da pessoa sob os cuidados do rufião é por este respeitado.

Assim, simples pratica do rufianismo, bem como dos demais delitos supramencionados, não devem ser penalizadas quando não há indícios que a vítima esteja sofrendo qualquer tipo de coação, ou fora induzida a erro.

Lado outro, a condutas tipificada pelo artigo 231 (trafico internacional de pessoa para fim de exploração sexual), entendemos que a mesma deve ser mantida em nosso Código Penal.

No crime de tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual[40] ocorre à violação tanto da dignidade sexual da vítima, quanto dos limites fronteiriços de um país. Normalmente, as vítimas destes delitos são enganadas e levadas contra sua vontade a outros países para serem diariamente exploradas sexualmente, sendo submetidos a condições indignas de vidas.

Referido delito, possui um alto grau de ofensividade a vítima, bem como de reprovabilidade social (tanto nacional quanto estrangeira).

Com isso, não é descriminalização da conduta tipificada pelo artigo 231, pois, mesmo com consentimento livre da vítima, o réu ainda estaria incorrendo na pratica delituosa, visto que estaria ingressando no país de forma clandestina. Assim, o interesse público em manter seu país inviolado deve prevalecer sobre o interesse da vítima que, em cumplicidade com o réu, busca entrar em no novo país para fins de prostituição.

Já no que pese os delitos dos artigos 229 (casa de prostituição); 233 (ato obsceno); e 234 (escrito ou objeto obsceno), todos do Código Penal, observa-se a possibilidade do afastamento da intervenção penal nos mesmos.

A princípio, acerca dos crimes de casa de prostituição[41] e de escrito ou objeto obsceno[42] depreende-se da leitura de seus enunciados que tais delitos não visam proteger a dignidade sexual das eventuais vítimas dos mesmos. Diferente dos demais tipos penais do Título IV do Código Penal, este ainda buscam preservar o bem jurídico moral.

A sociedade passou a aceitar a prática dos mencionados delitos. Vejamos que sobre o crime de escrito e objeto obsceno, possuímos, hodiernamente, um mercado todo voltado ao fornecimento de produtos eróticos, são revistas, filmes acessórios, os quais estão expostos em lojas e na internet a disposição de toda a sociedade. A indústria pornográfica possui um grande público e arrecadam milhões por ano, e apesar do preconceito que rodeia este tipo de profissão, a mesma já foi reconhecida e tolerada pela grande maioria da população.

Os produtos dela provenientes não mais acarretam aquele desconforto social que produzia na época da promulgação do Código Penal. Posto isso, descriminalizar o presente delito torna-se medida imperiosa, visto que o mesmo não causa dano a uma pessoa especificamente, mas a sociedade como um todo, e esta, como vimos, não mais se sente lesionada pela pratica de referido delito.

Referente ao crime de casa de prostituição, observamos o mesmo problema. A sociedade passou tolerar a existência de estabelecimentos voltados a prática da prostituição. Além disso, a pratica da prostituição, como já mencionado, não é algo defeso em lei. Diante disso não é coerente que o Estado proíba a associação das pessoas que querem explorar de sua própria sexualidade em um determinado estabelecimento.

Tal aplicação, desde que não gere danos a terceiros, não diz respeito ao interesse público, ele predominantemente fruto da autonomia privada de seus envolvidos. Assim, nota-se que criminalização do Estado nessa situação ultrapassa os limites de sua autonomia pública e passam a violar a autonomia privada das pessoas que mantem casa de prostituição.

Por fim temos o delito do artigo 233, qual seja ato obsceno[43]. No caso do presente delito observamos que o mesmo trata-se de uma lei penal em branco, visto que não tem em nosso ordenamento jurídico uma definição para o que é ato obsceno, e o que leva o agente criminoso incorrer na conduta do referido delito.

Nota-se que o crime do artigo 233, assim como os delitos dos artigos 229 e 234, todos do Código Penal, possui como ofendido de sua conduta a sociedade. O que a nosso ver é um equivoco, uma vez que presente delito não possui uma conduta especifica descrita legalmente, contata-se a necessidade que alguém se sinta constrangido pela ação do agente criminoso para que, assim, reste configurado presente delito.

Ora a simples pratica da conduta em si não é considerada crime, pois não atentou a liberdade de ninguém. Apenas quando esta lesionar um terceiro é que podemos afirmar que o crime do artigo 233 do Código Penal foi de fato consumado.

Levando isso em conta, bem como o fato que a pratica do presente delito não atenta contra a dignidade sexual de suas eventuais vítimas, verificamos que tal conduta deve ser descriminalizada, pois a é possível sanar o dano sofrido pela vida por outras searas da ciência do direito. Se a prática do crime de ato obsceno constrangeu a vítima de tal forma que ocasionou nesta dano moral, é dada a vítima a oportunidade de ingressar na justiça cível, em face do agente criminoso, para receber uma compensação ao dano sofrido. Com isso, há satisfatória proteção do bem jurídico e, de certa forma, punição do delinquente. Dessa forma, conclui-se que neste caso também se faz dispensável a intervenção penal.

5. Conclusão.

O presente trabalho teve por objetivo realizar uma analise sobre os crimes contra a dignidade sexual a luz da tensão entre autonomia pública e privada.

Para tanto, foram necessários apresentar institutos pertinentes ao Direito Penal, tal como bem jurídico. O qual, vimos tratar-se do foco de proteção de toda a ciência do Direito. E mais, que por força do princípio da fragmentariedade cabe ao Direito Penal apenas a proteção dos bens jurídicos mais importantes, proteção a qual ele irá realizar tão somente as lesões e/ou ameaças de lesões mais graves.

Além disso, vimos também que bens jurídicos são circunstancias cotidianas, que devido a sua imprescindibilidade para a vida em sociedade tornaram-se foco de proteção jurídica.

E mais, vimos ainda que o conceito de bem jurídico serve como alicerce para vários princípios penais — tais como adequação social, lesividade, fragmentariedade e insignificância —, os quais são fundamentais a correta aplicação da norma penal.

Visando uma melhor discussão do tema-problema, vimos em seguida a discussão doutrinaria existente sobre a relação entre a autonomia pública e autonomia privada. Uma vez que o presente trabalho busca propor a descriminalização de algumas das figuras típicas trazidas pelo nosso Código Penal, é imprescindível a que tenhamos conhecimento quanto à relação de interdependência entre autonomia pública e privada.

Nesse sentido, constatamos com base nos ensinamentos de Habermas que uma forma de autonomia não deve prevalecer em razão do detrimento da outra, que ambas devem coexistir harmonicamente, pois uma depende da outra para existir. Tendo em vista que estamos inseridos em um Estado Democrático de Direito, não é possível subsistir Estado de Direito autônomo sem democracia participativa, sendo este segunda fruto da autonomia privada dos cidadãos.

Com base no acima exposto, concluímos que nem todas as condutas trazidas pelo Título IV do Código Penal poderão ser objeto de descriminalização. Aquelas que possuem alto grau de ofensividade e reprovabilidade social, bem como aquelas que são praticadas contra vulneráveis — trazidas pelos capítulo I e II do Título supramencionado — não devem deixar de ser tuteladas pelo direito penal.

Lado outro, aquelas em que não ocorre a violação da liberdade da vítima, visto que não foram praticadas mediante violência, grave ameaça ou fraude e ainda com o consentimento da ofendida é plenamente possível o afastamento da intervenção penal. Do mesmo modo, aquelas que passaram a ser toleradas pela sociedade, devem ser afastada a tutela penal porque as mesmas podem ser solucionadas por outros ramos do Direito, tal como o Direito Civil.

Referências
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Notas:
[1] O direito penal é considerado como a ultima ratio (última razão) do Direito. Tendo em vista que, para que o mesmo seja acionado para solucionar uma demanda jurisdicional, nenhuma outra esfera do Direito não pôde ser capaz de soluciona-la. O mesmo é posto na qualidade de ultima razão do Direito principalmente em decorrência gravidade das sanções aplicadas por este ramo do direito, qual seja privação da liberdade de locomoção (o bem jurídico mais importante, abaixo da vida).

[2] O ius puniendi é um brocado latino utilizado para expressar o direito/poder do Estado de punir aquele individuo que descumpra/viole uma norma jurídica.

[3] As teorias contratualistas foram teorias desenvolvidas com intuito de explicar o surgimento da sociedade e, por consequência, a transição do homem do estado de selvageria para a uma sociedade organizada. Estas teorias foram desenvolvidas por três grandes filósofos, Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

[4] O Jusnaturalismo “é um conjunto de princípios e normas considerados primordiais e baseados na natureza humana, considerados anteriores à teoria jurídica”. Disponível em http://www.priberam.pt/dlpo/jusnaturalismo. Acessado em 02 dez 2013.

[5] O Racionalismo Cartesiano “é uma doutrina que atribui à Razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a Versdade. Opõe-se ao empirismo, colocando a Razão independente da experiência sensível, ou seja, rejeita toda intervenção de sentimentos, somente a Razão”. Disponível em http://www.infoescola.com/filosofia/racionalismo-cartesiano/. Acesso em 02 dez 2013.

[6] O Empirismo inglês foi uma doutrina filosófica, desenvolvida por John Locke, que defendia a ideia de que somente através da realização de experimentos é que seria possível formular ideias e conhecimentos. Disponível em http://www.suapesquisa.com/o_que_e/empirismo.htm. Acesso em 02 dez 2013.

[7] Sobre a definição do Princípio da Fragmentariedade vide folha 31.

[8] Quando se fala que o bem jurídico não precisa ter realidade material quer dizer o mesmo não precisa ter forma corpórea, que seja um objeto tangível. O bem jurídico pode ser um bem imaterial, como, por exemplo, a honra.

[9] Ratio Legis é a “finalidade da lei; escopo visado pela norma jurídica. Constitui pormenor de investigação indispensável para conhecer-se o alcance da lei […]”. Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/topicos/298172/ratio-legis. Acesso em 02 dez 2013.

[10] Acerca do Princípio da Proporcionalidade vide folha 44.

[11] Disponível em: http://revista.fead.br/index.php/dir/article/download/277/215. Acesso em 10 nov 2013.

[12] Um crime será unissubisistente quando este for constituído de apenas um ato, por exemplo, a injuria verbal, a qual com a realização de apenas uma conduta ocorre a consumação do crime, não sendo possível neste, portanto, a tentativa

[13] Crime plurissubsistente, diferente do crime unissubsistente, será aquele que para ser consumado necessita da prática de dois ou mais atos, a exemplo desse temos a figura do art. 157 do Código Penal (roubo), o qual para sua consumação necessita da prática de pelo menos dois atos, o de grave ameaça ou violência mais a subtração.

[14] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491. Acesso em 02 dez 2013.

[15] Disponível em : http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1680. Acesso em 10 dez 2013.

[16] Antes que o Estado seja autônomo, faz-se necessário que este seja soberano. Isto é, que tenha poderes de autodeterminação plena, não condicionada a nenhum outro poder, externo ou interno.

[17] Disponível em: http://www.uff.br/direito/index.php?option=com_content&view=article&id=24%3 Aagencias-reguladoras-entre-a-autonomia-publica-e-a-autonomia-privada1&catid=3&Itemid=14. Acesso em 15 abr 2014.

[18] Disponível em http://www.geocities.ws/politicausp/teoriapol/Direi_liberdades_demo/Johas.pdf. Acesso em 06 abr 2014.

[19] Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198658/000881204.pdf?
sequence=1. Acesso em 15 abr 2014

[20] Disponível em: http://www.geocities.ws/politicausp/teoriapol/Direi_liberdades_demo/Johas.pdf. Acesso em 15 abr 2014.

[21] Disponível em: http://www.geocities.ws/politicausp/teoriapol/Direi_liberdades_demo/Johas.pdf. Acesso em 15 abr 2014.

[22]Disponívelem:https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&=1&cad=rja& uact=8&ved=0CC0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fseer.uenp.edu.br%2Findex.php%2Fargumenta%2Farticle%2Fdownload%2F170%2F170&ei=phRdU-HGAtStsQSX4IGwAw&usg=AFQjCNHsISipRmmGlW GuEetmnds71A7pd g&sig2=k- mMlSryNZoiMvdsFhd8LQ. Acesso em 15 abr 2014.

[23]Disponívelem:https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja& uact=8&ved=0CC0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fseer.uenp.edu.br%2Findex.php%2Fargumenta%2Farticle%2Fdownload%2F170%2F170&ei=phRdU-HGAtStsQSX4IGwAw&usg=AFQjCNHsISipRmmGlW GuEetmnds71A7pd g&sig2=k- mMlSryNZoiMvdsFhd8LQ. Acesso em 15 abr 2014.

[24] Disponível em: http://www.geocities.ws/politicausp/teoriapol/Direi_liberdades_demo/Johas.pdf. Acesso em 15 abr 2014.

[25] Disponível em: https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=6990. Acesso em 31 mar 2014.

[26] O Ministério Público é o órgão competente para oferecimento da ação penal pública e da ação penal publica condicionada, conforme prevê o artigo 129 e demais incisos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

[27] “Representação é a manifestação da vontade, por parte do ofendido ou de quem lhe represente, nos delito cuja a lei condiciona sua existência para que o jus persequendi in judicio possa ser exercido pelo Estado-Administração através do Ministério Público.” Disponível em http://www.rosivaldotoscano.com/2010/03/importancia-da-representacao-criminal_20.html. Acesso em 22 abr 2014.

[28] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=203. Acesso em 22 abr 2014.

[29] Disponível em: http://patricmanhaes.blogspot.com.br/2011/11/mudanca-do-bem-juridico-costumes-para.html. Acesso em 23 abr 2014.

[30] Disponível em: http://patricmanhaes.blogspot.com.br/2011/11/mudanca-do-bem-juridico-costumes-para.html. Acesso em 23 abr 2014.

[31] Disponível em: http://patricmanhaes.blogspot.com.br/2011/11/mudanca-do-bem-juridico-costumes-para.html. Acesso em 23 abr 2014.

[32] Disponivel em : http://patricmanhaes.blogspot.com.br/2011/11/mudanca-do-bem-juridico-costumes-para.html. Acesso em 23 abr 2014.

[33] Disponível em: http://www.cpbs.com.br/site/Admin/upload/publicacao/pdf/Dignidade_Sexual___ Boletim.pdf. Acesso em 24 abr 2014.

[34] Disponível em: http://www.cpbs.com.br/site/Admin/upload/publicacao/pdf/Dignidade_Sexual___ Boletim.pdf. Acesso em 24 abr 2014

[35] Art. 229.  Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

[36] Disponível em: http://www.cpbs.com.br/site/Admin/upload/publicacao/pdf/Dignidade_Sexual___ Boletim.pdf. Acesso em 24 abr 2014.

[37] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[…] § 4º – A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

[38] Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único.  Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

[39] Art. 230 – Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1o  Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
 Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2o  Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.

[40] Art. 231.  Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1o  Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2o  A pena é aumentada da metade se:
I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3o  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

[41] Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

[42] Art. 234 – Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único – Incorre na mesma pena quem:
I – vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;
II – realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter;
III – realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.

[43] Art. 233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.


Informações Sobre o Autor

Bruno Pereira Passos

Bacharel em Direito


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