A possibilidade de caracterização do arrependimento posterior na hipótese de ressarcimento parcial do dano

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Resumo: O presente estudo pretende rechaçar a tradicional jurisprudência a respeito da necessidade de ressarcimento integral do dano para a caracterização do instituto do arrependimento posterior, uma vez que se trata de entendimento contrário aos propósitos da lei, conforme explicita recente precedente do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Ressarcimento parcial. Caracterização. Arrependimento Posterior.

Sumário: Introdução. 1. A natureza do arrependimento. Ressarcimento voluntário x ressarcimento espontâneo. 2. O entendimento tradicional sobre o arrependimento posterior e a necessidade de ressarcimento integral do dano. 3. O ressarcimento parcial do dano como medida suficiente à caracterização do arrependimento posterior. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O arrependimento posterior é instrumento de política criminal que encontra previsão no art. 16 do Código Penal. Trata-se de dispositivo que permite a redução da pena do agente de um a dois terços, na hipótese em que, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, seja reparado o dano ou restituída a coisa.

Difere do arrependimento eficaz, na medida em que, neste, a conduta do agente obsta a própria consumação do crime. No arrependimento posterior o crime já está consumado, de modo que o agente se resume a atenuar suas consequências por meio do ressarcimento do dano. Vejamos, a partir do quadro sinótico a seguir, um comparativo entre o arrependimento eficaz e o arrependimento posterior:

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Como dito, o arrependimento posterior é típico instrumento de política criminal, que visa a fomentar a reparação do dano. À luz de tal premissa, o presente estudo pretende rechaçar a tradicional jurisprudência a respeito da necessidade de ressarcimento integral do dano, uma vez que se trata de entendimento contrário aos propósitos da lei, conforme precedente.

1. A NATUREZA DO ARREPENDIMENTO. RESSARCIMENTO VOLUNTÁRIO X RESSARCIMENTO ESPONTÂNEO

Tema muito debatido em relação ao arrependimento posterior diz respeito à motivação que conduz o agente ao ressarcimento do dano. Há quem entenda que somente a espontaneidade do agente seria capaz de justificar a benesse. Nesse sentido, caso, por exemplo, a restituição ocorresse após o início das investigações, ante o receio do acusado quanto às consequências que sobre si possam incidir, não estaria caracterizado o arrependimento posterior.

Tal entendimento, todavia, não prevalece.

Com efeito, para que reste caracterizado o arrependimento posterior, a doutrina majoritária defende que basta que a restituição se dê de forma voluntária, ou seja, não tenha decorrido da apreensão ou do encontro fortuito do objeto do crime. A jurisprudência das cortes federais ostenta diversos arestos que adotam o referido posicionamento. Vejamos, pois, as ementas dos respectivos acórdãos:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE ESTELIONATO CONTRA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. ART. 171, PARÁG. 3O., DO CPB. AUTORIA E MATERIALIDADE SOBEJAMENTE COMPROVADAS. ARREPENDIMENTO POSTERIOR E SÚMULA 554 DO STF QUE NÃO SE APLICAM A HIPÓTESE DOS AUTOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. O conjunto probatório carreado aos autos é suficiente para comprovar satisfatoriamente a autoria da acusada. O Laudo de Exame Documentoscópico de fls. 160/165 atesta que foi a apelante quem preencheu os dados do documento de fls. 85. 2. Depoimentos que confirmam a conduta da acusada SILVANIA DOS SANTOS LIMA, que, mediante o preenchimento do documento de fls. 16v e 25, obteve GPS com quitação falsa, e Certidão Negativa de Débitos respectiva, entregue, haja vista a sua contratação como despachante, a seu irmão LUCIVALDO DOS SANTOS LIMA, que comprou imóvel pertencente à SHIRLENE SOUSA DA SILVA. 3. Não há que se falar em arrependimento posterior (art. 16, do CPB), causa geral de diminuição de pena, já que a regularização do débito, com a consequente reparação do dano, foi efetivada pelo irmão da acusada, LUCIVALDO DOS SANTOS LIMA, e não por ato voluntário da mesma, ou com qualquer evidencia de que o irmão estaria reparando o dano em nome da acusada. 4. Tal instituto requer ato voluntário do agente, ainda que não espontâneo, até o recebimento da denúncia ou queixa, e o que se tem é que a acusada de maneira alguma participou da restituição aos Cofres Públicos, com voluntariedade em reparar o dano, ainda que por intermédio do irmão. 5. Não há como prosperar o argumento da defesa de estar descaracterizado o estelionato pela aplicação do enunciado da Súmula 554 do STF, que afirma que: o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal. Da leitura do teor da súmula podemos deduzir que o pagamento do cheque sem fundos antes do recebimento da denúncia obsta ao prosseguimento da ação penal. 6. Ocorre que, o disposto na súmula só tem aplicação para o crime de estelionato na modalidade de emissão de cheques sem fundos, não incidindo nos demais subtipos de estelionato e caput do art. 171, do CPB. Essa foi justamente a solução apresentada pelo STF, procurando integrar o disposto na súmula com o estipulado no art. 16, do CPB. Portanto, a súmula 554 somente é aplicável aos casos de emissão de cheques sem fundo, o que não corresponde à hipótese ora em exame. 7. Apelação Criminal da ré a que se nega provimento. (ACR 200581000098819, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::15/03/2012 – Página::359.)

‘PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. ART. 239 DA LEI Nº 8.069/90. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. REDUÇÃO DA PENA. PRESCRIÇÃO. 1. Hipótese de confissão da prática do fato descrito no art. 239 da Lei nº 8.069/90, na modalidade de "promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais". O crime em análise é de mera conduta, perfectibilizando-se com a só ação do agente, independentemente da superveniência do resultado. 2. Para a redução da pena, o arrependimento posterior não precisa ser espontâneo, bastando ser voluntário, com a reparação ou restituição de forma completa e antes do recebimento da denúncia, hipótese que se configura no caso. 3. Embora a lei faça referência à "ato voluntário" do agente, a reparação/ restituição prevista no art. 16 do Código Penal é circunstância objetiva, devendo comunicar-se aos demais réus. 4. Pena fixada em quantum que prescreve em quatro anos, nos termos do inc. V do art. 109 do CP, configurando, na espécie, a extinção da punibilidade pela prescrição. 5. Apelação provida.” (ACR 200170020008606, MARCELO MALUCELLI, TRF4 – OITAVA TURMA, DJ 16/08/2006 PÁGINA: 681.).

Embora a discussão em torno da simples voluntariedade do ressarcimento não seja o cerne do presente estudo, os precedentes acima mencionados – no sentido de que não há necessidade de que o ressarcimento seja espontâneo, bastando que seja voluntário – denotam que o propósito, em última instância, do instituto do arrependimento posterior reside, essencialmente, em fomentar a redução do prejuízo sofrido pela vítima, qualquer que seja o animus do agente criminoso.

O que motiva o acusado ao ressarcimento é, portanto, uma elemento secundário. Isso porque o objetivo principal é ver mitigados os resultados nocivos do crime em relação a vítima. É a partir dessa premissa que se desenvolve o presente artigo, uma vez que ela também se aplica à discussão em torno da (des)necessidade de ressarcimento da integralidade do dano.

2. O ENTENDIMENTO TRADICIONAL SOBRE O ARREPENDIMENTO POSTERIOR E A NECESSIDADE DE RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO.

Há certo consenso na doutrina e na jurisprudência no sentido de que, para a incidência da causa de diminuição prevista no art. 16 do CP, é imprescindível que o ressarcimento do dano se dê de maneira integral. O ressarcimento meramente parcial do dano não seria o suficiente para a incidência da causa de diminuição respectiva. O Superior Tribunal de Justiça, a propósito, possui remansosa jurisprudência nesse sentido:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. INVERSÃO. NULIDADE RELATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 11.719/08. NOVA CITAÇÃO. DESCABIMENTO. INTERROGATÓRIO POR CARTA PRECATÓRIA. INDEFERIMENTO. CONCENTRAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO. 1. A nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal dada pela Lei 11.690/2008 eliminou o sistema presidencialista permitindo a inquirição das testemunhas diretamente pelas partes, mas não extinguiu a possibilidade de que o Juiz também formule perguntas, não havendo nulidade qualquer se é oportunizado à defesa perguntar diretamente às testemunhas, mormente porque eventual inobservância à ordem de inquirição caracteriza vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno, com a demonstração da ocorrência do dano sofrido pela parte, pena de preclusão. 2. Incabível a renovação do ato processual se o réu foi regular e previamente citado para a audiência marcada antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/08 que, por se tratar de norma de natureza procedimental, submete-se ao princípio tempus regit actum, devendo a lei ser aplicada a partir da sua entrada em vigor, com aproveitamento dos atos pretéritos. 3. É inviável o recurso especial na parte em que não impugna os fundamentos do acórdão recorrido. Incidência do enunciado nº 283/STF. 4. Não há nulidade decorrente do indeferimento, na audiência de instrução e julgamento, do pedido de realização do interrogatório por carta precatória se a defesa não justificou a ausência do réu, que haveria, de qualquer modo, de comparecer à audiência que era destinada não somente ao interrogatório dos réus mas também à oitiva das testemunhas, não havendo razão legal para cindir o ato procedimental uno, em obséquio à regra da concentração dos atos processuais trazida pela Lei nº 11.719/08. 5. A causa de diminuição de pena relativa ao artigo 16 do Código Penal (arrependimento posterior) somente tem aplicação se houver a integral reparação do dano ou a restituição da coisa antes do recebimento da denúncia, variando o índice de redução da pena em função da maior ou menor celeridade no ressarcimento do prejuízo à vítima. 6. Recurso especial improvido.” (RESP 201200194804, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA:04/08/2014 ..DTPB:.)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO PRETORIANO. FALTA DE JUNTADA AOS AUTOS DE CARTA PRECATÓRIA NÃO TEM O CONDÃO DE OBSTAR O TÉRMINO DA AÇÃO PENAL. ART. 222, §§ 1.º E 2.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE ARGUIÇÃO OPORTUNO TEMPORE. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA MINORANTE DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR. ART. 16 DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O recurso especial não merece ser conhecido pela alínea c do permissivo constitucional, uma vez que a divergência não foi demonstrada na forma preconizada nos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1.º e 2.º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. 2. A ausência de juntada aos autos de carta precatória expedida para inquirição de testemunha não tem o condão de obstar o encerramento da ação penal, a teor do disposto no art. 222, §§ 1º e 2º, do Código Penal. Precedente do STJ. 3. Ademais, a Corte Regional consignou a prescindibilidade do depoimento da testemunha e a falta de arguição oportuna da nulidade. Com efeito, a Defesa silenciou acerca de eventual invalidade em suas alegações finais. 4. A concessão do benefício do arrependimento posterior exige a comprovação da integral reparação do dano ou a restituição da coisa até o recebimento da denúncia, devendo o ato ser voluntário. Conforme se verifica do contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias, os mencionados requisitos não foram preenchidos. 5. No mais, o Agravante não traz argumentos robustos o bastante a fim de repelir os fundamentos da decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios termos. 6. Agravo regimental desprovido. ..EMEN:” (AGRESP 201103014612, LAURITA VAZ, STJ – QUINTA TURMA, DJE DATA:19/12/2013 ..DTPB:.

À luz da premissa de que o ressarcimento necessita ser integral, a dosimetria da diminuição de pena (entre um e dois terços) deveria, nos termos dos precedentes citados, ser fixada à luz das cirunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, tal como, a propósito, já se dá em relação às demais minorantes e majorantes que não estabeleçam frações fixas de redução ou aumento de pena.

Feito o registro de que esse é o entendimento majoritário da jurisprudência, o presente estudo vem defender a sua revisão à luz de recente e ponderado precendente do Supremo Tribunal Federal, o qual, a nossa ver, melhor espelha os anseios da lei, bem assim, observa os princípios basilares do Direito Penal.

3. O RESSARCIMENTO PARCIAL DO DANO COMO MEDIDA SUFICIENTE À CARACTERIZAÇÃO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR.

O entendimento tradicionalmente encampado pela jurisprudência em torno da necessidade de integralidade do ressarcimento do dano para que incida o art. 16 do CP não mais merece prosperar. Em primeiro lugar, porque se trata de tese que institui exigência absolutamente à míngua de previsão legal e, o que é pior, é em desfavor do réu. Nesse sentido, a leitura do art. 16 do CP denota que, em momento algum, a lei faz a referida exigência, de modo que não poderia o julgador instituí-la à sua revelia.

Outrossim, a referida interpretação ignora, como dito no tópico 02 supra, que o propósito essencial do dispositivo reside em fomentar a maior mitigação possível do dano sofrido pela vítma da conduta delituosa. Assim, seja o ressarcimento integral ou parcial, não há dúvidas de que o sofrimento inflingido ao sujeito passivo do crime é, em maior ou menor grau, reduzido. Não há razões para que o legislador, portanto, ignore a reparação não integral do dano.

Por fim, a exigência de ressarcimento integral pode, por vezes, criar tratamento anti-isonômico fundamentado nas próprias condições econômicas do agente dito criminoso. Isso porque, para os réus abastados, ressarcir na íntegra ou parcialmente o dano pode ser até indiferente, enquanto que para os agentes de reduzida capacidade econômica, a referida medida pode, até mesmo, revelar-se inviável, embora a restituição parcial lhe fosse possível.

De qualquer sorte, o Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 98.658/PR, acenou no sentido da revisão de tal entendimento, conforme as ponderações tecidas ao longo do presente trabalho. Vejamos, nesse sentido, as ponderações tecidas pelo Ministro Marco Aurélio no referido precedente:

“O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Porque, tendo em conta pronunciamentos de outros tribunais, já a encontramos abordada e equacionada.

O que ocorre na espécie? Uma causa de diminuição da pena obrigatória, ao dispor o artigo 16 do Código Penal que:

“Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa “-é o caso -, “reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”

A previsão é algo que atende a boa política criminal. Dir-se-á que o preceito versa a necessidade de reparação total, mas não há esse requisito na norma. Alude-se à reparação do dano ou restituição da coisa, sem especificar-se a extensão. Mais do que isso: é preciso encontrar a serventia de ter-se balizamento na redução, consideradas as percentagens de um – friso – e dois terços – teto.

Quando se aplica a percentagem menor ou a maior? Quando se tem o procedimento reparador como imediato ao ato agressor? Creio que não, porque, no próprio preceito, consta referência a certo tempo para que se verifique se houve ou não o arrependimento dito posterior – em verdadeiro pleonasmo.

Há a ocasião ou a data limite para chegar-se à diminuição. Viabilizada está a eficácia do arrependimento desde que ocorra até a data do recebimento da denúncia, sob pena de interpretar-se o preceito de forma restritiva. Em síntese, não cabe potencializar a data exata do denominado arrependimento. É suficiente que ele ocorra, como está no preceito – “até o recebimento da denúncia ou da queixa”.

Há um elemento que poderia parecer complicador – a existência de várias vítimas. Mas creio que a sentença condenatória foi prolatada a partir da continuidade delitiva, e esta encerra ficção jurídica: os crimes são tidos como único. O próprio artigo 71 do Código Penal, no parágrafo, sinaliza que é possível a continuidade quando existirem – tanto que foi revelado no processo-crime em que envolvido o paciente – vítimas diversas.

Presidente, a razão de ser do balizamento quanto à diminuição da pena está justamente na extensão da reparação do dano. No particular, subscrevo precedentes da 5ª Câmara do Tribunal de Alaçada Criminal de São Paulo – que Vossa Excelência honrou durante certo período – e também do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo. Na obra “Código Penal Cometado”, Delmato transcreve dois precedentes nesse sentido, do que estou assentado como premissa do voto que concluirei dentro em pouco, ou seja, a observância do arrependimento posterior não exige que o dano seja integralmente reparado, principalmente se a vítima se satisfez com a reparação parcial – isso no caso de vítima única -, devendo a pena ser fixada de forma proporcional ao volume do ressarcimento, reservando-se a diminuição máxima de dois terços às hipóteses de reparação integral – Apelação nº 1.326, com acórdão publicado no IBCCR.

Eis o segundo precedente:

A graduação da diminuição deve ser aferida segundo o momento procedimental e a proporção do montante ressarcido; por isso existirem limites mínimo e máximo. Se o ressarcimento foi total e ocorreu no mesmo dia do fato, a redução deve ser a máxima de dois terços. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 1ª Câmara, Apelação n.480.823-3/9-00, julgado em 27 de junho de 2005, Bol. IBCCr 165/1014).

 

Em síntese, Presidente, assento que, no caso, há de se observar, considerando o fator tempo, o arrependimento implementado até o recebimento da denúncia. Isso ocorreu na espécie. O problema da gradação da diminuição da pena decorre justamente da extensão do ressarcimento.

Presidente, vou pedir vênia à relatora para subscrever, na espécie, o parecer da Procuradoria Geral da República, no sentido de afastar-se o óbice, que seria a reparação parcial do dano, para que o Juízo verifique se o paciente preenche os requisitos necessários ao benefício do arrependimento. Vou além para assentar que, de início, o paciente preenche os requisitos legais, devendo o Juízo fixar a percentagem da diminuição.

Se prevalecer essa óptica, o que ponderado da tribuna pelo Professor René Arial Dotti há de ser, evidentemente, consequência do julgamento da Turma, ou seja, a suspensão do cumprimento da pena, porque não se terá como definitiva a pena de dois anos e oito meses. Essa pena deverá sofrer as consequências da causa de diminuição prevista no artigo 16 do Código Penal.

É o voto na espécie.”

Perceba-se, a propósito, que o próprio parecer do Procurador Geral da República foi exarado no sentido da possibilidade de incidência da causa de diminuição do art. 16 CP, em caso de ressarcimento parcial do dano. Passemos, agora, às razões do Min. Ricardo Lewandowski no mesmo precedente:

“O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) – Eu vou pedir vênia à eminente Relatora para acompanhar a divergência.

Primeiramente, concordo com o Doutor René Dotti, naquilo que veiculou da tribuna, no sentido de que o artigo 16 do Código Penal consubstancia um instrumento de política criminal, ou seja, de um lado, há o inegável benefício ao réu; mas, de outro, procura-se também beneficiar a vítima.

Em outras palavras, há interesse da sociedade que a vítima de um crime seja, de alguma forma, ressarcida, que o dano que ela sofreu tenha alguma reparação. Se essa reparação for integral, melhor. Se for parcial, é algo a ser considerado, é algo desejado pela sociedade.

Eu fiz uma rápida pesquisa na doutrina, enquanto eminente Relatora proferia o seu voto e também enquanto o Doutor René Dotti fazia a sua sustentação oral da tribuna, e vi, de fato, que há divergências: Cezar Roberto Bittencourt, Guilherme de Souza Nutti, mas encontrei, aqui, uma achega do Professor Luiz Regis Prado, que é um eminente penalista, como nós todos sabemos, Professor Titular da Universidade Estadual de Maringá, Mestrado e Doutorado na PUC-SP, Pós-doutorado na Universidade de Zaragoga. Portanto, um doutrinador dos mais eminentes. E, comentando esse artigo 16, esse professor, especialista e penalista, no seu “Comentários ao Código Penal – Doutrina – Jurisprudência Selecionada – Conexões Lógicas Com os Vários Ramos do Direito” diz o seguinte:

“A redução da pena assinalada pelo artigo 16 do CP tem como margem o mínimo de um terço e o máximo de dois terços. Na fixação do quantum da redução o juiz pode se nortear por critérios relativos ao ressarcimento. A redução da pena pode ser menor se o juiz entende que subsiste o dano não patrimonial, considerável, ou que a vítima tenha sido compelida a ceitar um ressarcimento parcial, ou pela presteza de sua efetivação. Advirta-se, no entanto, que toda e qualquer redução aquém do máximo de diminuição cominada requer devida motivação”.

Peço vênia para acompanhar o raciocínio desenvolvido pelo eminente Ministro Marco Aurélio no sentido de dizer que essa gradação prevista do artigo 16 diz não apenas com a presteza da reparação, mas também tem relação com o quantum do efetivo ressarcimento.

No mesmo sentido é o aresto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a seguir reproduzido:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. DUPLICATA SIMULADA. ARTIGO 172 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. DOSIMETRIA. PENA BASE. CULPABILIDADE. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. PAGAMENTO PARCIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. PENA DE MULTA. VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA. ART. 60, CAPUT, DO CP. A emissão de duplicatas referentes a transações mercantis inexistentes caracteriza o delito tipificado no artigo 172, caput, do Código Penal. Se a culpabilidade, traduzida na reprovabilidade social da conduta, é normal à espécie, não se justifica a exacerbação da pena-base sob essa circunstância. A diminuição da pena pelo arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal) deve ser sopesada considerando a extensão da reparação do dano, antes do recebimento da denúncia. O patamar de exacerbação decorrente da continuidade delitiva deve levar em conta o número de oportunidades em que a conduta delituosa foi reiterada pelo agente. A fixação da pena de multa deve considerar a situação econômica do réu. (artigo 60, caput, do Código Penal).” (ACR 200772040029993, MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, TRF4 – SÉTIMA TURMA, 14/01/2011)

Com tais considerações, os precedentes citados denotam uma evidente revisão do entendimento tradicionalmente abraçado pela jurisprudência. Segundo seus termos, não só a restituição parcial do dano deve ensejar a incidência da causa de diminuição prevista no art. 16 do CP, como também é a maior ou menor proporção da reparação frente ao dano total que servirá como baliza para a dosimetria da fração de redução de pena.

CONCLUSÃO

Sempre houve consenso na doutrina e na jurisprudência no sentido de que, para a incidência da causa de diminuição prevista no art. 16 do CP, é imprescindível que o ressarcimento do dano se dê de maneira integral. O ressarcimento meramente parcial do dano não seria o suficiente para a incidência da causa de diminuição respectiva.

O entendimento tradicionalmente encampado pela jurisprudência em torno da necessidade de integralidade do ressarcimento do dano para que incida o art. 16 do CP, no entanto, está gradualmente perdendo força, na medida em que ignora os propósitos da lei para o instituto, conforme explicitado em recente precedente do STF.

Mencionado julgado ressalta que o propósito essencial do dispositivo reside em fomentar a maior mitigação possível do dano sofrido pela vítma da conduta delituosa, de modo que, seja o ressarcimento integral ou parcial, não há dúvidas de que o sofrimento inflingido ao sujeito passivo do crime é, em maior ou menor grau, reduzido, além do que a exigência de ressarcimento integral pode, por vezes, criar tratamento anti-isonômico fundamentado nas próprias condições econômicas do agente dito criminoso.


Informações Sobre o Autor

Larissa de Barros Pontes

Procuradora Federal de 2 Categoria. Lotada na Procuradoria Regional Federal da 1 Região. Bacharel em Direito e Especialista em Direito Público


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