Aspectos históricos e ilegais do uso da pena de morte

“A justiça divina e a justiça natural são, por sua
essência, imutáveis e constantes, porque a relação entre dois objetos iguais é
sempre a mesma; mas a Justiça humana, ou seja,  política, não sendo senão
a relação entre a ação e o Estado variável da sociedade, pode variar à medida
que se torne necessária ou útil à sociedade tal ação, e só será bem discernida
por quem analisar as relações complicadas e mutabilíssimas
das combinações civis.” Cesare Beccaria

As
penas nas diferentes sociedades sempre foram instituídas para possibilitar uma
melhor convivência social. Diferentemente não se pode afirmar com relação à
pena de morte, pois a mesma confunde-se com a própria história da humanidade.
Variando, assim, a sua execução e os tipos dos delitos de acordo com cada época
e lugar. Por isso,  primeiramente, é de bom alvitre esboçar, malgrado a perfunctoriedade, um perfil histórico sobre a pena capital.

No
Egito Antigo, a organização social era baseada na hierarquia, avultando-se a
figura do Faraó. Destarte, a pena de morte era aplicada as
pessoas que ofendessem à divindade  e à pessoa do
Faraó. Na Babilônia, em momento posterior, existiram duas fases de suma
importância:  a da vigência do Código de Hamurabi
em que estampou a punição àqueles que cometessem crimes intencionalmente, como
o adultério e o homicídio; a da Legislação de Manu,
pela qual punia-se o furto cometido à noite. Por seu
turno, os Hebreus atribuíam tal pena aos crimes contra os costumes e a
religião, a forma de execução mais comum  era o lapidamento.

Noutro
pórtico, na Grécia1 a pena de
morte atingia, além do culpado, seu cônjuge e filhos. Essa aplicação
destinava-se aos crimes contra o Estado e a religião. A execução realizava-se
através do afogamento, fogueira, apedrejamento, entre outras formas. No período
Romano, era aplicada aos crimes de ordem pública e privada; na fase de vigência
da Lei das XII Tábuas este assunto era tratado como coisa sacral
e de ordem legal; na fase Imperial, devido à influência Cristã, a pena de morte
foi decaindo e permitia-se a composição em seu lugar. Entre os Germanos, esse
tipo de punição vigorava entre os escravos; existia uma grande tendência à
composição com multas pecuniárias. No Direito Canônico, predominou a proibição
do seu uso devido à influência cristã, salvo alguns defensores2. Na idade
Média, a pena de morte foi utilizada, a princípio, devido ao aumento da
criminalidade nas proximidades das cidades, já que constantemente ocorriam
roubos de cargas.

Esta
forma de execução penal permaneceu em uso no século XVII. O corpo era o alvo
principal da repressão penal. Michael Foucault cita um exemplo de suplício do
corpo: “Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão
publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris levado e acompanhado
numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas
libras; em seguida na dita carroça, na praça de Grève, e sobre um patíbulo que ai será erguido, atenazado
nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a
faca com que cometeu o dito parricida, queimada com fogo de enxofre, e as
partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretidos conjuntamente, e a
seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e
corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas lançados ao vento.” Como pode-se
constatar, acontecia um verdadeiro espetáculo de selvageria, apreciado pela
população.

Ao
fim do século XVII, a festa de punição extinguiu-se gradativamente. A execução
pública passou a ser vista como uma fornalha, acendendo fervorosamente a
violência. A morte foi sendo reduzida a acontecimentos instantâneos. A punição
foi deixando de ser uma cena, e tudo que implicasse em espetáculo tinha 
um cunho  negativo. Surgiu, nesta época, a
guilhotina e a máquina de enforcamento, já que não se admitia aqueles processos
longos, em que a morte calcava-se por uma série de movimentos sucessivos. Foucaut descreve: “Enquanto era feita a leitura da sentença
de condenação, estava de pé no cadafalso sustentado pelos carrascos. Era
horrível aquele espetáculo:(…) E sob aquelas vestes,
misteriosas e lúgebres, a vida só continuava a
manifestar-se através dos gritos horrorosos, que se extinguiram logo, sob o
facão.”

Justamente
nesta fase, iniciou-se  o questionamento da necessidade da pena. Grande
relevância histórica foi dado ao  trabalho de Beccaria – Dos delitos e das penas – no qual afirma-se
que se o homem não pode dispor de sua vida, muito menos pode consentir que
outrem dela disponha. Surgiu, assim, uma fase de movimentação intelectual
contra a pena de morte, menosprezando a sua necessidade e utilidade. Os
pensadores da época mostravam-se contrário a tal pena. A Igreja Católica teve
decisiva influência para o término desta punição haja vista que erigiu o
preceito do bem-comum e da reinserção social. Devemos
destacar, neste ponto, alguns aspectos avultados por essa nova corrente, a pena
tinha incumbência de ser: útil tanto para o criminoso, como para a sociedade;
digna, afastada da vingança e da crueldade; necessária que vise, antes de tudo,
a paz social. A partir daí findou um processo de legalização contrário à
instituição da pena capital, defendendo-se que ela poderia ser substituída por
outras espécies como a pecuniária e a composição. Podemos citar como exemplos a
Lei Bávara(nenhum crime é tão grave que a vida não
possa ser concedida) e também a lei Sálica ( a
possibilidade das sanções com penas pecuniárias).

Assim,
a Sociedade ao fim do século XVIII, início do século XIX, estava imbuída nos
novos pensamentos contrários à mencionada pena, influenciada, ainda, pelo
período áureo da humanização regido pela égide da igualdade, fraternidade e
liberdade como também pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a
Constituição Americana de 1776. Diante disso, a sociedade passou a admitir uma
nova teoria da lei e do crime, uma nova justificação moral ou política do
direito de punir e a abolição  de antigas ordenanças. Foi nessa época que
a Humanidade de todos os cantos do mundo clamava pela extinção da referida,
pois esta não se adaptava mais à realidade cultural e ideológica da época em
exame.

Depois 
de toda essa evolução cultural que a Humanidade passou, com a relevância cada
vez maior das garantias dos direitos do homem é um retrocesso a tentativa de reimplantação da
pena de morte. Aceitável, poderia assim dizer, nos países que adotam a forma
totalitária de governo, já que nestes emprega-se esta pena como forma de
garantir o regime. Se, no entanto vigora uma forma Democrata, ela se torna
inepta. Inadmissível e contraditório é um país garantir aos seus cidadãos
inúmeros e louváveis direitos, enquanto que o direito à vida lhe é privado.

Em
relação ao julgamento dos crimes, atualmente, ocorre uma tendência para o
afrouxamento da severidade penal, menos crueldade, menos sofrimento e mais
suavidade, respeito e humanidade, principalmente. Além dessas mudanças a sanção
hoje  atende ao princípio da personalidade, não sendo possível em nenhuma
hipótese ser transferida a terceiros. O Direito Penal, seguindo os princípios
do respeito à pessoa e às liberdades humanas, revela a consideração de um senso
mais humanitário aos criminosos. A sanção pretende readaptá-lo à sociedade. A
intenção é que a essa seja uma medida correcional e sua execução seja motivo de
orgulho  diante da consciência da civilização. Assim sendo, aceita-se que um dos preceitos da pena é a ressocialização do indivíduo.

Diante
de toda essa evolução decorrente do surgimento de novas características da
sociedade, chega a ser inócua a assertiva da reutilização da pena de morte.
Este relato demonstra  que a cada época a sociedade determina as leis que
devem ser impostas. Hoje, na iminência do Terceiro Milênio, com  a defesa
cada vez maior dos direitos e garantias do Homem, com o fato de a própria
história ter provado que esse tipo de punição até os dias atuais não atingiu
seus objetivos, torna-se inaceitável defender a Pena Capital.

Atualmente,
a maioria dos países aboliu a pena de morte. Os países que a adotam utilizam-na
como condenação para os crimes de natureza grave. Tem-se como exemplo a França
onde tal pena é reservada para alguns crimes como o roubo à mão armada;
incêndio voluntário, causando lesões graves ou mortes; infanticídio e
homicídio. Apesar de prevista tal pena, desde muito não se tem notícia  de
execução com esta natureza. A Espanha  a utiliza de forma ínfima para os
crimes militares, apesar de  ser prevista e legal. Nos Estados Unidos,
apenas alguns estados ainda a adotam.

No 
que tange ao Brasil iremos fazer um breve relato a abordagem do referido tema
nas Constituições. Considerando a Constituição de 1830, apesar da influência da
Revolução Francesa, da Constituição Americana e a previsão da abolição de penas
cruéis, entendeu-se, porém, que a pena de morte não estava proibida e que
poderia ser utilizada em casos excepcionais e com muita cautela. No entanto, o
povo mostrava-se cada vez mais contrário à aplicação da referida pena. Em 
razão da Constituição de 1891,
a pena de morte fora terminantemente proibida, salvo em
tempo de guerra. No que se refere à Constituição de 1934, esta continuou a
prever a proibição da pena de morte ressalvando, também, o estado de guerra. Em
relação à Constituição de 1937, sob influência do corporativismo italiano,
poderia ser executada a pena de morte em casos de crimes políticos, homicídio
cometido por motivo fútil ou de extrema perversidade, aumentando, assim, a sua
área de abrangência. No que diz respeito à Constituição de 1946, considerada
muito avançada nos mais variados assuntos, vedava pena de morte, além do
banimento, do confisco e as penas de caráter perpétuo, exceto nos tempos de
guerra. Em atenção à Constituição de 1967, predominaram as garantias
instituídas na Constituição anterior, no entanto, através dos Atos
Institucionais foram considerados vários crimes passíveis da execução da pena
de morte. Acolhendo aos ditos crimes políticos, a pena de morte teve, assim,
uma amplitude muito elevada, sendo, portanto, ensejada nos períodos de paz. A
Constituição de 1988 também vedou a serventia desta pena; logo adiante
analisaremos melhor esta Lei Magna.

Aqueles
que defendem a instituição da pena capital utilizam-se dos seguintes
argumentos:

1.
Possibilita a total extinção das prisões

2.
Permite a defesa dos direitos humanos

3.
Evita o contágio dos presos recuperáveis com outros mais perversos, facilitando
o trabalho de reeducação

4.
Oferece grande vantagem econômica em relação às prisões

5.
Apresenta maior poder de intimidação que as outras penas.

Inócua
é a assertiva de que a pena de morte permite a extinção das prisões, porque
mesmo aqueles que adotaram-na não deixaram de
construir novos presídios. Além disso, os que  se mostram críticos a esse
sistema prisional reconhecem  a sua importância para punir os não cometedores de crimes de natureza grave, que são a maioria . A instituição de tal pena  não abrange,
assim, todos os delitos. Se, no entanto, a aplicação da pena
de morte, como defendem alguns, permite a extinção das prisões, onde
ficariam aqueles que deveriam executar uma pena? Sabe-se, também, que a mais
utilizada manenira de execução penal dos dias atuais
é a  carcerária. Os detentos necessitam, pois, tanto de prisões se
segurança maxima como de prisões de natureza simples
como as Colônias agrícolas ou industriais. Torna-se, portanto, inaceitável o
argumento de que a pena de morte  possa extinguir sa
prisões; ela é insuprível quer como instrumento de defesa social, quer como
repressão.

Grotesca
e ofensiva torna-se a  afirmativa de que a pena de morte,
permite melhor defesa dos Direitos Humanos, haja vista estes terem como
cerne e como razão o reconhecimento à vida. É inacreditável que se possa 
assegurar a intimidade, a liberdade, o bem-estar e não enseje a  vida como
garantia primária de todos os demais. De que forma pode-se acatar estes
princípios se o primordial, a pedra angular de todo o Ordenamento Jurídico
social-democrata não seja acolhido. É no mínimo contraditório
que todas essas garantias sejam resguardadas enquanto a vida, que é o
fato gerador de todas as demais, seja colocada em plano secundário e passível
de ser suprimida.

A
reeducação do condenado nos estabelecimentos penais do Brasil não acontece
porque a lei a respeito da matéria é letra morta. Existe, sim, somente nos
Códigos e regulamentos, vez que, na prática a realidade é outra
. O sistema carcerário no Brasil, hoje, encontra-se falido com celas super lotadas, condições subumanas de higiene, sem o menor
respeito aos condenados que se encontram amontoados e confinados em cubículos.
Pelos Códigos, estão previstos além da reeducação, a
profissionalização do condenado. Ao passo que na prática, a única educação e
profissionalização que ocorre é a do crime, conhecidas por “universidade do
crime”. Além do mais, como se pode falar em reeducação se os detentos não
foram  nem sequer educados, visto que a maioria deles
não tiveram acesso à escola. Desde a infância não tiveram condições
dignas de sobrevivência garantidas a qualquer ser-humano.

É
inconcebível, para quem tem um mínimo de sensibilidade, a assertiva de que a
indicada pena apresenta vantagem econômica em relação as
demais. Para poder acatar tal afirmação é preciso não ter o mínimo respeito à
vida. Em nenhuma hipótese acredita-se que o valor de ordem pecuniária seja
superior à vida- mesmo que  seja a de um
criminoso. A vida é um bem-supremo que deve ser resguardado, e, nunca, um valor
material deverá sobrepor-lhe. A vida é um dom divino, impossível de ser
restituído, ao contrário dos bens decorridos da Humanidade, restituíveis a
qualquer tempo.

Incontestavelmente
se tem demonstrado que o índice de criminalidade não diminuiu nos países que
adotaram a pena capital como forma de punição. Cite-se como exemplo os Estados
Unidos, uma nação altamente organizada e civilizada, em que
grande parte de seus estados adotam-na como forma de execução. Numa reportagem,
publicada pela revista “Times” em que de 1960 a 1973 o número de homicídios era de 4,7
por cem mil habitantes,  dobrou para 9,4 nos dias de hoje. De acordo com o
relatório divulgado em 1993, pelo Senado daquele país subiu o número  de
assassinatos praticados naquele país  foram  23.000 vítimas em 1990 e
21.500 em 1989. Enquanto na Inglaterra, onde não se adota tal pena a taxa de
criminalidade é de 1,1 por cada cem mil habitantes3. Como se
pode perceber, é sándice
afirmar que a referida pena tem maior efeito intimidativo
do que as demais penas corporais. Além dessas justificativas
Albert Camus assegura que a execução da pena capital é o mais
premeditado dos assassinatos.

O tempo e a história tem se comprometido
em provar que os argumentos contrários à pena de morte são cada vez mais
convincentes. Além de que, se a Sociedade colocar  de lado a paixão e a
emoção que envolvem o tema,
libertando-se da influência da imprensa, analisando as Teorias que realmente
buscam uma solução constatar-se-á a insensatez de tal aplicação. Ademais ela
não é coesa para a realidade social em que vive a Humanidade.

Se
não houver respeito pela vida humana, se não houver o reconhecimento de que a
vida é sagrada e se coloca acima de qualquer outro bem da humanidade, então não
haverá mais respeito por qualquer valor e ninguém terá segurança4. A vida é
o maior  bem da humanidade e ninguém  deve ter o direito de
eliminá-la. A vida é um valor moral que o Estado é incapaz de criar e não deve
ter o direito de suprimir. Acrescente-se que ela não trará  soluções
definitivas.

É
um absurdo que o Estado tire a vida de uma pessoa porque ela não respeitou o
direito à vida. É absolutamente ilógico que o Estado, para punir uma pessoa que
matou outra, contrate alguém para matar e dê dinheiro e proteção ao assassino.
Agindo dessa maneira os Homens  involuem para os
princípios da Lei de Talião – “olho por olho, dente por dente”. Vê-se, assim,
que a pena de morte  é bastante  contraditória e regressiva.

Não
se deve esquecer que uma vez aplicada a pena d e morte
não haverá qualquer possibilidade de voltar atrás, mesmo que se saiba com
absoluta certeza que houve erro, que a condenação foi injusta. Famoso é o caso
dos irmãos Naves – trabalhadores rurais- acusados de
assassinato. Anos depois, quando um deles já tinha morrido na prisão, o
suposto assassinado apareceu. Vale lembrar que a última execução da pena de
morte no Brasil existiu um erro. O réu, Mota Coqueiro, tinha sido forçado a
confessar a autoria e por isso foi morto, assassinado com as bênçãos do Estado.
Quando chegou à tona a verdade, já era tarde demais.

Apesar
de haver sempre alguma perda irreparável para quem foi condenado injustamente e
depois teve reconhecida sua inocência, existe a possibilidade de alguma
reparação  se a vítima do erro estiver viva. Mas se for aplicada a 
pena de morte por um erro, essa injustiça será irreparável. Qualquer pessoa
poderá ser vítima desse erro, mas, acima de tudo, nenhuma pessoa justa
poderá  ser a favor da criação do grande risco de
matar por erro um inocente. O erro judiciário não possibilita reparação, pois a
vida não pode ser devolvida. Os juízes são humanos e todos sujeitos a erro de forma que não se torma
viável que a Humanidade corra um risco de tamanha responsabilidade.

O
eminente jurista brasileiro José Afonso da Silva resumiu de forma inequívoca a
razão fundamental  de se proteger  plenamente a vida humana: “ela
constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada
adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a
igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida
humana num desses direitos”. Entende-se, portanto, que a destruição intencional
da vida humana, ainda que seja a vida de um criminoso merecedor de punição, é
um passo muito grave no sentido de estimular o desrespeito pela vida de todos
os seres humanos.

Ter
uma posição contrária a pena de morte não quer dizer
que se defenda o crime e a sua impunidade, mas quer que  se cumpra a lei
com justiça, e que a pena vise antes de mais nada a reeducação e recuperação do
cidadão. Sabe-se que não é a gravidade da pena que lhe dá um caráter intimidativo e sim a certeza da punidade
– aliás, talvez seja esta a descrença do povo brasileiro quanto ao
desenvolvimento social do nosso país. De que adianta penas de elevada gravidade
se elas não atingem toda a população. Nenhum ramo do Direito, principalmente o
penal,  pode valer-se de dois pesos e de duas medidas; antes
de tudo, ela deverá atingir a todas as parcelas da população  mostrando-se
única para todas as camadas da sociedade, como assim está previsto em nosso Ordenamento
Jurídico (Ah, que bom seria se tudo  o que fosse
previsto fizesse parte da nossa realidade e não fosse  parte de uma
longínqua ficção intelectual, só existentes nos livros e nos códigos, na
verdade  o que se vê, é a constante desobediência do Estado ao nosso
Ordenamento Jurídico). Cite-se como exemplo os
requisitos que são necessários para um preso manter-se na prisão e comparar ao
que ocorre na realidade). O Estado antes de pensar na implantação 
de uma pena como esta deveria analisar se todos os que infrigem
a lei estão sendo punidos. Ou se esta premissa está sendo voltada apenas para a
população marginalizada da sociedade, atingindo apenas os negros, pobres e
congêneres. Basta ver aqueles que cometem os ditos “crimes do colarinho branco”
continuam impunes, alheios a esta realidade.

Fazendo
uma analogia desse fato, seria como se o Estado querendo eliminar  os
“maus frutos” – no caso os criminosos- de uma árvore
cortasse-os. Assim, estaria buscando a solução apenas para um caso
especificamente enquanto que os demais continuariam a proliferarem. Não haveira nenhuma precaução para que eles voltassem a
florescer. Desta forma, o Estado deve “pulverizar” a sociedade contra esses
“frutos”, Visto que o Homem é resultado da sociedade em que vive e  que a
maioria dos assassinos que encontram-se  no
cárcere não tiveram acesso à escola, aos preceitos mínimos que devem fazer
parte da vida de qualquer cidadão e que são assegurados pela Constituição como
o lazer, esporte, trabalho, saúde, alimentação, habitação.

As
pesquisas mostram que a criminalidade é maior nos locais de alto  índice
de desemprego, alto grau de analfabetismo, nas cidades em que uma grande
parcela da população, não tem o mínimo de dignidade para viverem como cidadãos.
Vê-se, então, que o problema é social. Salvo, aqueles casos em que o assassino
apresenta distúrbios de ordem psicológica ou neurológica. É muito  mais
cômodo para os governantes eliminarem os criminosos do que o crime, já que para
este é necessário uma ampla reestrutura da organização
social, o que acarretaria a  privação de algumas regalias dos governantes,
em atendimento ao bem-comum. Para  encontrar soluções eficazes deveria
haver uma mudança brusca na estrutura  social e na distribuição de
riquezas e fazer cumprir um dos preceitos da pena que é o  da ressocialização do indivíduo. Utopia? Sim. Mas a aplicação
prática da teoria parte da utopia, sem a qual não seria possível a evolução.
Se  o que se deseja de fato é a eliminação dos crimes e não dos criminosos
cabe a todos tomarem as medidas necessárias e possíveis, de acordo com a sua
realidade, para a construção de uma sociedade mais justa e humana.

O
problema relativo à aplicação das penas é de grande monte. Existe uma grande diferença entre o amparado pela Lei e o aplicado na realidade. De
acordo com a nossa legislação penal, são requisitos básicos da unidade
carcerária: salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração,
insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; área mínima
de seis metros construída em local afastado do centro urbano cuja
distância  não restrinja a visitação, e a área das mulheres  poderá
ser dotada de seção para gestantes,  parturientes e de creche com a finalidade
de assistir o menor desamparado, cuja responsável esteja presa5. Visto
estes requisitos façamos uma analogia com as casas de detenção existentes no
Brasil. Um estudo feito pela Pastoral Carcerária da Igreja Católica de São
Paulo constatou que  o preso tem uma média de 33cm2  de
área, isso sem falar nas deficiências intrínsecas  como os atentados
sexuais, a falta de ensino e de profissionalização e a carência de funcionários
especializados.

Além
de todos esses argumentos elencados, no que diz
respeito ao Brasil, é preciso considerar que de acordo com a atual Constituição
brasileira, a simples apresentação de um Projeto de Emenda Constitucional para
introduzir a pena de morte já é tida como inconstitucional na sua apresentação.
De acordo com o  Título II – “Direitos e  Garantias Fundamentais”- e no  Capítulo I – “Dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos” – encontra-se o artigo 5º inciso XLVII, “caput” que
garante a inviolabilidade do direito à vida e na alínea “a” é abordado de forma
expressiva a proibição da utilização da pena de morte, ressalvando-se no estado
de  guerra. Nas demais alíneas do referido texto proíbem-se outros
tipos  de penas como as de caráter perpétuo – sendo por isso que no
Direito Penal não se permite a execução de acumulação
de  penas superiores a 30 anos -; de trabalhos forçados; de banimento; e
as cruéis.O artigo 60, que trata das Emendas Constitucionais, enumera no § 4º
as únicas hipóteses em que não poderão ser admitidas proposta de emendas. Entre
elas enquadra-se os Direitos e Garantias
Individuais do Homem
. São as consideradas “causas petras”
do nosso Ordenamento Jurídico.

É
assegurada, dessa maneira, a impossibilidade de qualquer modificação em matérias
desta natureza. Então, não é tão simples como se pensa: um simples plebiscito
ou uma proposta de emenda são consideradas “a priori”
inconstitucionais. Não podendo nem sequer serem
apreciadas pelo Congresso Nacional muito menos colocado na pauta de votação,
isso enquanto tiver vigência a atual Constituição.

Assim,
de acordo com a Constituição, o direito à vida é um direito individual
expressamente proclamado e garantido. O direito à vida está claramente
assegurado por disposição constitucional expressa de ampla visibilidade,
inexistindo a possibilidade de qualquer lacuna. O próprio  constituinte
já  limitou  o direito à vida quando  admitiu a pena de morte no
caso de “guerra declarada”(art.5º, XVII, “a”) e o
Código Penal Militar prevê nos crimes de traição (art.355); de favorecer o
inimigo (art. 356), de tentativa contra a soberania nacional (art. 357).

 

Referências
bibliográficas:

1.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 26º
ed. Rio de Janeiro:  Forense, 1995.

2.
DALLARI,  Dalmo de Abreu. Pena de morte: um assassinato inútil. São
Paulo: Comissão de Justiça e paz, 1975.

3.
FELIPE, Donaldo J. Dicionário Jurídico de Bolso. 9º ed. São Paulo:
CONAN, 1995.

4.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 14º ed. Petropólis: 
Vozes,1996.

5.
HERKENHOFF, João Baptista. Para onde vai o direito? Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1996.

1.IHERING,
Rudolf Von.  A luta pelo Direito.
15º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

2.JESUS, Damásio E de
Código Penal Anotado
. 5º ed. São Paulo: Saraiva,
1995.

3.JESUS, Damásio E de. Direito
Penal – Parte Geral
. 20º ed.  São Paulo: Saraiva,
1997.

4.MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral.
ed. São Paulo: Atlas, 1996.

5.PIMENTEL, Manoel Pedro. O
crime e a pena na atualidade.
São Paulo: Revista dos Tribunais,

1983.

6.SILVA, José Afonso da. Curso
de Direito Constitucional Positivo
. 10º ed. São Paulo: Malheiros.

7.SZINICK, Valdir. Direito
Penal na nova Constituição
.  São Paulo: Ícone, 1996
.

 

Notas:

1. Na
Grécia o pensador Platão escrevera defendendo a pena de morte: “O crime é uma
doença e o criminoso um doente. A vida é um estado vantajoso para os incuráveis
e se presta a um duplo serviço à humanidade, pela limpeza e pelo exemplo.”

2. Sào Tómas de Aquino justificava a defesa da pena
de morte: “Se é necessário para a saúde corporaldo
ser humano, amputação de algum membro, se está podre e pode infeccionar os
demais, essa amputação é louvável e salutar.”

3. COLE, Charles D. Direitos humanos e a pena de morte na cultura jurídica
norte-americana.

4. DALLARI.
Dalmo de Abreu.

5. MIIRABETE, Julio Fabbrini.
Manual de Direito Penal. Parte Geral São Paulo: 9º ed. 1996. Ed. Atlas.


Informações Sobre o Autor

Carline Regina de Negreiros Cabral

Acadêmica do 9º período do Curso de Direito-UFRN


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