Direito Penal: responsabilidade objetiva e teoria da imputação objetiva do resultado

Sumário: 1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA, 1.1 Teoria finalista, 1.2 Sujeito ativo do crime e a capacidade penal: conceito e características, 1.3 Apreciação crítica: inadmissibilidade da responsabilidade penal objetiva, 1.4 Apreciação crítica: Inadmissibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica na teoria geral do crime, 2 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO, 2.1 Introdução, 2.2 Origem moderna, 2.3 Critérios da imputação objetiva, 2.4 Apreciação crítica: inadmissibilidade da teoria da imputação objetiva do resultado, 2.4 Apreciação crítica: inadmissibilidade da teoria da imputação objetiva do resultado.


Resumo: A responsabilidade penal do sujeito ativo do crime, ocasiona grande controvérsia quanto a responsabilidade subjetiva ou objetiva, máxime quando se trata de pessoa jurídica. À luz da teoria finalista da ação, acertadamente, não admite a responsabilização de ordem objetiva, tendo como criador o autor alemão Hans Welzel, em que o autor alemão Günther Jackobs tenta rechaçá-la.   


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1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA


1.1 Teoria finalista


Na Alemanha, assim como no Brasil, a teoria finalista da ação, acertadamente, também denominada de ação finalista, sendo o seu criador e precursor o autor alemão Hans Welzel[1], considera que todo comportamento do homem possui uma finalidade, em que a conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente causal. Não se concebe vontade de nada ou para nada e, sim, dirigida a uma finalidade, pois, a conduta realiza-se mediante a manifestação da vontade dirigida a um fim[2]. A vontade constitui elemento indispensável à ação típica de qualquer crime. No crime doloso, a finalidade da conduta é o ânimo de concretizar um ato ilícito, um crime, enquanto, no crime culposo, a finalidade da conduta não está dirigida ao resultado lesivo, mas, o agente é autor do fato típico em razão de não realizar em seu comportamento os cuidados necessários com o intuito de evitar o evento. Na Alemanha, como bem já asseverava o autor Hans Welzel[3], a causalidade é cega, enquanto, a finalidade é vidente. A ação não é apenas causal, mas, um acontecer finalista.


1.2 Sujeito ativo do crime e a capacidade penal: conceito e características


O sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta descrita na lei, isto é, o fato típico[4]. Assim como na Itália[5], na Alemanha[6] e na Espanha[7], no Brasil[8] apenas o homem, isoladamente ou associado a outros (co-autoria ou participação) pode ser sujeito ativo do crime. No entanto, na Antiguidade e na Idade Média ocorreram muitos processos contra animais[9], como, por exemplo, na França, por volta de 1456, um tribunal condenou à forca, junto com os filhotes, uma porca que havia ocasionado a morte de um menino, sendo que, a sentença, executada em praça pública, foi cumprida apenas em parte, pois, os leitõezinhos foram agraciados no último instante, em consideração as suas tenras idades[10]. Em muitas dessas ocasiões em que se admitia o animal como o sujeito ativo do crime, desde o século XIII até o século XVII, era em razão de entenderem que era preciso exorcizar o espírito maligno[11]. O conceito abrange não só aquele que pratica o núcleo da figura típica, como, por exemplo, “matar” ou “subtrair”, como, também, o co-autor ou partícipe, que colaboram de alguma forma na conduta típica.


A capacidade penal é o conjunto das condições exigidas para que um sujeito possa tornar-se titular de direitos ou obrigações no âmbito do Direito Penal[12]. Dessa forma, distingue-se a capacidade penal (que se verifica em momentos anteriores ou posteriores ao crime) e imputabilidade (contemporânea do delito). Um imputável, nos termos do artigo 26 do Código Penal, pode não possuir capacidade penal se passar a sofrer de doença mental após o delito. Assim, existe a incapacidade penal quando se faz referência aos mortos, aos entes inanimados e aos animais, que podem apenas ser objeto ou instrumento do crime.


1.3 Apreciação crítica: inadmissibilidade da responsabilidade penal objetiva


A responsabilidade penal objetiva significa que a lei determina que o agente responda pelo resultado ainda que agindo com ausência de dolo ou culpa, contrariando, assim, a doutrina do Direito Penal fundada na responsabilidade pessoal e na culpabilidade. Inclusive nas infrações penais lesivas ao meio ambiente constantes na Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, ao prever a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, dispõe no artigo 3º, caput, que estas apenas podem responder por tais ilícitos quando a infração for praticada por decisão de seu representante legal ou contratual, ou, de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade, exigindo-se, dessa forma, o dolo e a culpa dessa pessoas naturais. Ainda, dispõe o parágrafo único do artigo 3º que, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.


1.4 Apreciação crítica: Inadmissibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica na teoria geral do crime


Na Inglaterra, o common law, vigora tradicionalmente o princípio antagônico do societas delinquere potest, admitindo, dessa forma, a pessoa jurídica como sujeito ativo de crime. A idéia de responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma criação jurisprudencial que data do início do Século XIX, em que, nas primeiras decisões, os tribunais ingleses só a admitiam como exceção ao princípio da irresponsabilidade para delitos omissivos culposos (non feasance) e comissivos dolosos (misfeasance), sendo que, posteriormente, por intervenção legislativa, foi reconhecida a responsabilidade pena da pessoa jurídica no Interpretation Act de 1889, por meio de um dispositivo legal geral que passou a considerar o termo pessoa como abrangendo também o ente coletivo, cuja essa espécie de responsabilidade foi aplicada, inicialmente, às regulatory offences (public welfare offences), infrações punidas com sanções menos severas e de forma objetiva (independentemente de culpa) e, ainda, inclusive, a partir de 1940, consideravelmente ampliada, abrangeu crimes de qualquer natureza, como, por exemplo, o crime de estupro e o crime de homicídio[13].


Na França, da mesma forma, também admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, vigorando o princípio societas delinquere potest, acolhida pelo Código Penal francês em vigor desde 1º de março de 1994, resultante da proposta da Comissão de Revisão do Código Penal, criada em 1974 pelo Ministro da Justiça, sendo que, em momento anterior, o projeto Paul Matter de 1938 e os anteprojetos de Código Penal de 1978 e de 1983, denominado Badinter, já consagravam o princípio societas delinquere potest, e ademais, esse tipo de responsabilidade penal não era completamente estranho ao antigo Direito Penal francês, consoante uma Ordenação de Colbert de 1670, as comunidades de cidades, praças fortes, vilarejos, os grupos e companhias que praticassem rebelião, violência ou outro crime poderiam ser processados, que, porém, não prosseguiu tal responsabilidade no Código Penal francês de 1810, em que se firmou a regra do societas delinquere non potest[14]. No Brasil, o autor Damásio E. de Jesus[15], não admitia como sujeito ativo, a pessoa jurídica, com fulcro na teoria da ficção, mas, começou a admitir a pessoa jurídica como sujeito ativo de crime com fulcro na teoria da realidade, sob o argumento de que um organismo possui vontade, na 28 edição revisada de sua obra intitulada Direito Penal, Parte Geral, 1ª volume, em São Paulo, da Editora Saraiva, 2006[16].         


Data maxima venia, a pessoa jurídica, entretanto, entendemos, consoante inclusive como já asseverava na Itália, o autor Vincenzo Manzini[17], que não pode ser sujeito ativo de crime[18], quer se entenda ser ela ficção legal (Savigny, Ihering), realidade objetiva (Gierke, Zitelmann), realidade técnica (Planiol, Ripert), ou se adote a teoria institucionalista (Hauriou), em razão do princípio de que a societas delinquere non potest[19]. Entendemos que é impossível a uma ficção, a prática de fatos criminosos, e aos entes reais compostos de pessoas físicas, não se adapta o conceito penal de dolo ou culpa (puramente subjetivo). Falta a capacidade de ação e culpabilidade. Ademais, seria possível aplicar às pessoas jurídicas muitas das penas previstas na legislação penal (corporais, privativas de liberdade).


A pessoas jurídica não delinqüe através de seus membros, pois, são os membros que praticam os crimes através da pessoa jurídica. Assim, apenas os responsáveis concretos pelos atos ilícitos (gerentes ou diretores) são responsabilizados penalmente, inclusive pelas condutas criminosas praticadas contra a pessoa jurídica (artigo 177 do Código Penal). Aliás, a Reforma de 1984, exclui a possibilidade até de aplicação de medidas penais contra a pessoa jurídica, como a interdição de estabelecimento comercial ou industrial ou sede de sociedade ou associação (artigo 99 do Código Penal na redação da lei anterior), restando apenas medidas cíveis (dissolução da sociedade, por exemplo)[20].


Aliás, como bem expõe o autor Gianpaolo Poggio Smanio:


 “A realidade dos crime econômicos e ambientais em nossa sociedade, com a participação cada vez maior das empresas para sua efetivação, bem como o crescimento econômico e a globalização, acarretando uma verdadeira desnacionalização e principalmente, a despersonalização dos fenômenos relativos às pessoas jurídicas, trouxeram a discussão mundial sobre a necessidade de sua responsabilização penal.”[21].


Isso, tanto que, como bem ilustra o prestigioso autor Gianpaolo Poggio Smanio, já:


 “A Organização das Nações Unidas, em seu VI Congresso para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, reunido em Nova York em julho de 1979, no tocante ao tema do delito e do abuso de poder, recomendou aos Estados membros o estabelecimento do princípio da responsabilidade penal das sociedades. (…)”[22].    


A propósito, entendemos que aqueles que admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica com argumentos de responsabilidade objetiva da lei civil, pensam assim de forma equivocada, pois, é fácil de se notar que não é essa a intenção do legislador civil, em razão de que, a própria lei civil estabelece que os representantes da pessoa jurídica que a utilizarem (demonstrando a falta de capacidade de ação, sendo mero instrumento) para a prática de ilícitos, será desconsiderada para os fins de responsabilização. Dessa forma, demonstra claramente que a pessoa jurídica é utilizada (instrumento) para a prática de fins ilícitos e, não que a pessoa jurídica (como ser de capacidade de ação) utiliza seus representantes para esses fins ilícitos (artigo 50 do Código Civil).     


Assim, como se vislumbra, embora exista a impossibilidade de âmbito doutrinário, a necessidade crescente de definir a colaboração de diretores ou sócios na prática de ilícitos penais, que tem levado o Direito Penal moderno a caminhar pela responsabilização da pessoa jurídica como sujeito ativo do crime. Em razão dessa orientação, a nova Carta instituiu essa possibilidade, prevendo que a lei estabeleça a responsabilidade da pessoa jurídica, sem prejuízo daquela dos dirigentes, para sujeitá-la às punições compatíveis com sua natureza nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (artigo 173, § 5º, da Constituição Federal de 1988) e nas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente (artigo 225, § 3º, da Constituição Federal).


A Constituição Federal prevê, entre as penas compatíveis com a natureza da pessoa jurídica, a perda de bens, a multa e a suspensão ou interdição de direitos. Não se veda que a lei crie outras sanções penais além dessas, consoante o artigo 5, inciso XLVI, da Constituição Federal. Os dispositivos constitucionais supra citados, no entanto, não são auto-aplicáveis, em razão de que, em se tratando de infrações penais, há a necessidade de que a lei defina os crimes e estabeleça as sanções penais a que ficarão sujeitas as pessoas jurídicas.


Outrossim, é necessário que o legislador estabeleça as normas relativas à responsabilidade penal da pessoa jurídica, em razão de que, não se ajustam a ela os elementos subjetivos do crime, como, por exemplo, o dolo, a culpa e a imputabilidade. O autor Julio Fabbrini Mirabete[23] salienta que seria cabível a solução adotada no Código Penal francês de 1994, pela qual, a condenação da pessoa jurídica ocorre por responsabilidade penal presumida, em decorrência do reconhecimento da responsabilidade da pessoa natural que a dirige. É  oportuno ressaltar, entretanto, que no Direito Penal brasileiro não é admissível a responsabilidade penal presumida ou objetiva, mas, sim, a responsabilidade penal subjetiva. Por isso, como bem assevera o autor Julio Fabbrini Mirabete:


 “Melhor seria que se evitasse a aplicação de pena à pessoa jurídica, estabelecendo-se que a perda de bens, multa e suspensão ou interdição de direitos sejam impostas como medidas de segurança ou efeitos da condenação nos processos em que fossem consideradas culpadas as pessoas físicas por ela responsáveis. (…)”[24].


2 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO


2.1 Introdução


Na Alemanha, o autor Günther Jackobs[25] a mais de 30 anos sugere a teoria da imputação objetiva no sistema do Direito Penal, visando rechaçar por completo a influência da teoria finalista do também autor alemão Hans Welzel. Importa ressaltar que a missão primordial do Direito Penal reside na proteção de. A delimitação entre condutas típicas (em que se analisa a conduta comissiva ou omissiva que se adequa ao fato típico) e atípicas foi historicamente função da causalidade. Dentro de uma perspectiva puramente causal, ação é todo movimento corporal voluntário que causa determinado resultado. A existência de um resultado figura, pois, como requisito indispensável para a constatação da própria ação, sendo que, determinada ação, e como conseqüência lógica também relação de causalidade, tem-se a tipicidade, entendida aqui como mera descrição de processos causais.


No Brasil, adota a teoria da imputação objetiva do resultado o autor Damásio E. de Jesus, o qual a conceitua como: “(…) significa atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico. (…)”[26]. O autor Damásio E. de Jesus[27] continua e salienta que, imputação objetiva não significa proibição de responsabilidade penal objetiva, pois, se realiza com o nexo normativo entre a conduta e o resultado jurídico e, não com a presunção de dolo e culpa, e ainda citando como exemplo, a hipótese de intervenção cirúrgica no qual o paciente é submetido, em razão da tentativa contra este de um homicídio, que na doutrina tradicional é considerada exercício regular de direito (típica mas não antijurídica), na teoria da imputação objetiva esta intervenção cirúrgica é atípica, em razão do risco permitido em que se coloca na posição de garante, sendo que, se o médico, atua de forma correta, o resultado é objetivamente imputável ao autor do homicídio. 


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2.2 Origem moderna


A imputação objetiva se apresenta como um complemento corretivo e, em certas ocasiões, de superação, das diversas teorias causais, sendo que, seus antecedentes radicam, sobretudo, nos estudos desenvolvidos pelos autores Karl Larenz e Richard Honig[28]. Para o primeiro, a imputação objetiva descreve um juízo pelo qual determinado fato surge com obra de um sujeito, isto é, a imputação nada mais é do que a tentativa de delimitação entre os fatos próprios do agente e acontecimentos puramente acidentais. Dessa forma, quando se diz que alguém causou determinado fato, afirmasse que esse acontecimento é obra sua, de sua vontade e não de um acontecimento acidental. Assim, entendendo-se como causa um conjunto de condições, é impossível selecionar apenas uma delas e imputar-lhe o resultado como seu.


Assim, todas as propostas que visam a definir o juízo de imputação como um mero juízo causal estão destinadas ao fracasso, pois, é preciso destacar que só a vontade dirige um processo causal e pode transformar as conseqüências acidentais em um fato próprio do agente a ele imputável e, conseqüentemente, a imputação de um fato é a relação entre acontecimento e vontade. Pressuposto inafastável da imputação é a existência de um homem livre, em razão de que, apenas essa liberdade o torna verdadeiramente responsável por seus atos. O conceito de finalidade não deve ser interpretado de um ponto de vista subjetivo, mas, sim, objetivo, pois, não se imputa só o que era querido e conhecido pelo agente, mas também, o que era conhecido e, logo, passível de ser abarcado pela vontade, isto é, o fato é a realização da vontade, enquanto, a imputação, o juízo que relaciona o fato com a vontade.


A imputação é denominada de objetiva porque essa possibilidade de previsão não é aferida com base na capacidade e conhecimento do autor concreto, mas, sim, de acordo com um critério geral e objetivo, o do homem inteligente-prudente. O autor Richard Honig, por sua vez, parte também do princípio de que o decisivo para o ordenamento jurídico não é a constatação de uma mera relação de causalidade, mas, sim, de uma relação jurídica especial entre a ação e o resultado, dessa forma, não se tratando de aferir a causalidade, mas, de valorá-la[29]. A questão da causalidade já está decidida quando se constata que a ação foi uma condição necessária para a ocorrência do resultado. Mas a comprovação da relação de causalidade não é suficiente para que determinado resultado seja atribuído a alguém.


Assim, aferir o significado dessa relação de causalidade com fulcro em critérios fornecidos pelo ordenamento jurídico é precisamente a tarefa principal da imputação objetiva. O critério que permite imputar ao sujeito determinado fato e diferenciá-lo dos acontecimentos fortuitos e a finalidade objetiva. Dessa forma, são imputáveis aqueles resultados que podem ser finalmente vislumbrados. Até o momento se está diante de um juízo puramente objetivo sobre a relação teleológica que vincula comportamento e resultado. Examina-se não o conhecimento e a vontade atuais do autor, mas, sim suas capacidades potenciais e, por isso, se trata de uma imputação objetiva, em razão de que esta não indica qual a relação psíquica existente entre o sujeito e o resultado a ele imputado. Logo, apenas terão significado jurídico as relações causais regidas pela vontade humana, isto é, os processos causais cujo o curso será passível de previsão e de direção.


O autor, Claus Roxin, posteriormente, com lastro na doutrina elaborada pelo autor Richard Honig, desenvolveu diversos critérios de imputação objetiva, sustentando que, apenas é imputável aquele resultado que pode ser finalmente previsto e dirigido pela vontade[30], caracterizando-se, então, a tipicidade, equiparando a possibilidade de domínio através da vontade humana (finalidade objetiva) à criação de um risco juridicamente relevante de lesão típica de um bem jurídico, sendo que, esse aspecto é independente e anterior à aferição do dolo ou da culpa.


2.3 Critérios da imputação objetiva


A configuração como princípio geral de imputação objetiva a criação pela ação humana de um risco juridicamente desvalorado, consubstanciado num resultado típico, então, o autor Claus Roxin elaborou os seguintes critérios de imputação objetiva: a) diminuição do risco (exemplo: A assiste uma pedra dirigir-se ao corpo de B, não podendo evitar que esta o alcance, mas, pode sim desviá-la de tal modo que o golpe se torne menos perigoso. Nesse exemplo existe uma diminuição do risco para o bem jurídico protegido e, conseqüentemente, não se pode cogitar numa ação típica, já que o que reduz a probabilidade de uma lesão não pode ser visto como finalmente disposto a um menoscabo da integridade corporal); b) criação ou não de um risco juridicamente relevante (os todos os casos, nos quais a ação não tenha criado um risco juridicamente relevante de lesão para um bem jurídico a falta ou a presença do dolo torna-se secundária. A imputação objetiva do resultado não seria configurável ante a ausência de um perigo juridicamente relevante[31]); c) aumento do risco permitido (exemplo se propõe: A, industrial, infringindo o dever de cuidado, entrega a seus trabalhadores matéria prima não desinfetada para manejo, o que provoca a morte de quatro deles, sendo que, posteriormente, constata-se que tampouco a desinfecção aconselhada teria eliminado a possibilidade de as mortes virem a ocorrer. a imputação objetiva do resultado quando a conduta do agente, ao inobservar o dever de cuidado, dá lugar a um incremento do risco permitido. Ao desatender o cuidado devido, o empresário aumentou a esfera dos risco permitido, o que possibilita a imputação objetiva do resultado); d) âmbito de proteção da norma (exemplo: dois ciclistas conduzem suas bicicletas, uma atrás da outra, à noite e sem os obrigatórios faróis de iluminação, momento em que, um terceiro ciclista choca-se contra o primeiro deles e produz-se um acidente. O segundo ciclista não pode ser responsabilizado, visto que a norma de cuidado infringida não visa a que outras pessoas se beneficiem da iluminação e seu campo de proteção apenas se entende aos riscos de acidente que procedam da própria bicicleta. Em casos semelhantes pondera-se que o resultado não seria imputável porque a esfera de proteção da norma só abrange os danos diretos, critério este aplicável para afastar a imputação); e) compreensão do resultado no âmbito de proteção da norma (exemplo: A, policial, sabe que sua namorada B, possui a intenção de se suicidar, sendo que, assim, A deixa uma arma no banco de seu carro e B aproveita a oportunidade para disparar contra si e matar-se e, dessa forma, a norma que proíbe matar não alcança a produção do resultado morte em se tratando de possíveis suicidas maiores de idade, por isso, apesar da conduta de A ter gerado uma situação de perigo, o resultado morte produzido não se encontra compreendido pela esfera de proteção da norma, cujo critério também pode ser utilizado para a solução dos casos nos quais a própria vítima se coloca em situação de perigo); f) a realização do plano do autor (A realização do plano do autor, é o critério proposto para estender a imputação objetiva à esfera do dolo (tipo subjetivo). Logo, esse princípio surge não como antecedentes necessários à análise do tipo objetivo, mas, como um elemento necessário para a imputação de um delito consumado a título de dolo. Parte-se de uma hipótese de aberratio ictus: A quer matar B, mas, a bala é desviada e atinge C, seu filho, que também estava no local, que morre)[32].


A introdução dos critérios de imputação do resultado mencionados no âmbito do tipo, não permite, no entanto, reformular de modo global a categoria da tipicidade. Ainda permanece a distinção entre o injusto doloso e o culposo, o que impede que os critérios apresentem idêntica eficácia em ambos os domínios, sendo que, também surgem dificuldades e divergências no tocante à aplicação de semelhantes critérios na esfera dos delitos omissivos. A unificação dos critérios que fundamentam a responsabilidade e, portanto, a construção de uma teoria geral da imputação objetiva, encontra-se dificultada, segundo parte da doutrina, precisamente em razão do método adotado para sua determinação.


Assim, o autor Claus Roxin emprega um método indutivo, isto é, os critérios surgem a partir da problemática suscitada por determinados casos concretos. Há autores, no entanto, que perfilham uma opção metodológica distinta, com o escopo de construir um sistema de imputação com projeção idêntica para as diferentes formas de comportamento penalmente relevantes. Nessa trilha, o autor Günther Jackobs busca dotar de coerência sistemática a imputação objetiva do resultado, entendendo-a como uma teoria do tipo objetivo[33]. A pretendida unidade global da teoria da imputação objetiva possui base numa determinada idéia reitora, consistente que a concepção do injusto como expressão de sentido incompatível com a norma, e a partir dela projetam-se dois níveis de imputação objetiva: o nível do comportamento (imputação do comportamento); e o nível do resultado (circunscrito aos delitos de resultados)[34].


Assim, em primeiro lugar, qualifica-se o comportamento como típico (imputação objetiva do comportamento) e a partir daí, no âmbito dos delitos de resultado, constata-se que o resultado produzido se explica precisamente pelo comportamento objetivamente imputável (imputação objetiva do resultado). Dessa forma, do ponto de vista metodológico, toma-se como referência a necessidade de encontrar uma fundamentação teórica para a responsabilidade no marco do tipo para, depois, configurar de modo dedutivo a instituições dogmáticas que as determinam. A categoria da imputação do comportamento do autor Günther Jackobs é definida com base em critérios eminentemente objetivos, ou seja, a partir da idéia de que somente os comportamentos perigosos ex ante, podem ser penalmente desvalorados.


A imputação objetiva definida pelo autor Günther Jackobs se encontra em íntima conexão com o conceito funcional de culpabilidade por ele proposto. O injusto, necessário pressuposto para a realização do juízo de culpabilidade, desempenha uma função auxiliar no sistema global de imputação proposto, já que é a culpabilidade o âmbito de delimitação do penalmente relevante, isto é, reprovação social. A relevância jurídico-penal, para o autor Günther Jackobs, de um comportamento manifesta-se apenas a partir do tipo objetivo[35].


2.4 Apreciação crítica: inadmissibilidade da teoria da imputação objetiva do resultado


O princípio nodular, afirma-se, da doutrina da imputação objetiva, é a criação pela ação humana de um risco juridicamente desvalorado, isto é, a criação de um risco juridicamente desaprovado ou tipicamente relevante, que seria comum aos delitos dolosos e culposos. A constituição desse requisito é realizada mediante a aplicação e verificação de dois critérios que, no que toca ao delito doloso, não usufruem de aceitação unânime a saber: a periculosidade objetiva da ação (exige-se que o resultado seja objetivamente previsível para que possa ser imputado à ação) e a infração do dever objetivo de cuidado.


Aliás, a imputação objetiva do resultado figuraria como um antecedente à formulação típica, sendo que, a doutrina dominante, principalmente no âmbito dos delitos culposos, prefere considerar a problemática da imputação objetiva do resultado após a afirmação da presença de uma conduta típica. Outrossim, já no que concerne aos delitos dolosos, examina-se os critérios de imputação objetiva (por exemplo, diminuição do risco ou previsibilidade objetiva), antes de ser aferida a existência do dolo. No que tange aos delitos omissivos impróprios, a imputação objetiva do resultado substituiria a relação de causalidade. A doutrina dominante vislumbra na imputação objetiva um elemento normativo do tipo objetivo. No entanto, ainda que a imputação objetiva seja vista como um elemento objetivo do tipo, em todo caso deve ser concebida como um elemento diferente dos outros, expressamente mencionados pelo legislador, pois, a imputação objetiva, diversamente desses últimos, não possui uma consistência tangível e, poderia ser metaforicamente definida como uma espécie de fantasma que percorre os tipos[36].


Assim, concretamente, a teoria da imputação objetiva reúne toda uma série de critérios normativos excludentes da tipicidade, que numa grande medida e até agora estavam nela perambulando, da causalidade até a ação, sem encontrar um lugar sistemático correto e, através desses critérios, fundamentar porque a tipicidade é algo mais que uma justaposição de elementos ontológicos (ação e causalidade) e axiológicos (dolo e infração do dever de cuidado, resultado típico) e, porque tudo isso meramente somado não dá ainda como resultado uma conduta típica, se não concorre também, a imputação objetiva.


A correta definição de imputação objetiva, coincide, formalmente, com os que os finalistas denominam adequação social, quando se busca fundamentar a exclusão da tipicidade, ou inadequação social, quando se trata de fundamentar a tipicidade. A meta principal da teoria da imputação objetiva, consiste em separar o mero acaso, a causalidade, daquilo que é realmente obra do agente. Mas, não é possível conseguir tal propósito através do tipo objetivo, pois, este tipo objetivo apenas permite imputar ao sujeito os acontecimentos fortuitos, a mera causalidade, nada que possa ser qualificado como obra sua. Apenas pode se saber se algo, alguma coisa, é obra do agente no caso em que esse acontecimento se encontre abarcado pela sua vontade, isto é, deve haver uma conexão entre o fato imputado e a vontade individual do agente.


O Direito Penal, em sua volubilidade constante não pode tolerar ser arrebatado por paixões e credos variegados, através dos tempos[37]. A teoria da imputação objetiva desconhece que o tipo objetivo e o tipo subjetivo não podem operar de forma isolada ou desconexa. A doutrina finalista vislumbra corretamente o tipo objetivo e o subjetivo como uma unidade indissolúvel e, tão-somente por razões didático-metodológicas são eles analisados separadamente. O método finalista é superior ao perfilhado pela doutrina da imputação objetiva, em razão de que, em nenhum momento atribui ao sujeito a carga de um fato que sob nenhuma circunstância pode ser uma obra sua, e isto nem sequer de um modo provisório, pois, é possível se verificar antes se a obra é do agente.


Assim, entendemos que a imputação objetiva do resultado pode ensejar um risco à segurança jurídica e, ainda, conduz lentamente à desintegração da categoria dogmática da tipicidade, de cunho altamente garantista, não delimita os fatos culposos penalmente relevantes e provoca um perigoso aumento dos tipos de injusto dolosos, acabando, dessa forma, atribuindo ao agente perigos juridicamente desaprovados, através de um tipo objetivo absolutamente desvinculado do tipo subjetivo. Longe de obter a uniformização dos critérios de imputação e a necessária coerência lógico-sistemática, entendemos que a teoria da imputação objetiva do resultado, levada ao extremo, pode introduzir uma verdadeira confusão metodológica, de índole arbitrária, no sistema jurídico-penal[38].


 


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Notas:

[1] Direito Penal. trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Editora Romana, 2003. p.79.

[2] A teoria finalista é adotada por: MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Parte Geral: Arts. 1º a 120 do CP. v. 1. 22 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2005. pp.102-103; JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Parte Geral. v.1. 20 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 231-234; dentre outros.  

[3] Ob. cit. p.79.

[4] JESUS, Damásio E. de. Ob. cit. p.163.

[5] BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal: Parte Geral. trad. Paulo José da Costa Jr. e Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 1964. pp.128 e 130.

[6] LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal Alemão. t.1. 1 ed. trad. José Higino Duarte Pereira. Campinas: Russell Editores, 2003. p.213.

[7] MUÑOZ CONDE, Francisco; [et al]. Teoria Geral do Delito. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.64.

[8] GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. v.1. t.1. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Max Limonad, 1973. p.214; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte Especial. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. pp.162-163.

[9] BATTAGLINI, Giulio. Ob. cit. p.130.

[10] MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. cit. p.122.

[11] LISZT, Franz Von. Ob. cit. p.213.

[12] JESUS, Damásio E. de. Ob. cit. p.165. 

[13] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, arts. 1º a 120. v.1. 7 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.280.

[14] Ibid., pp.282-283.

[15] Ob. cit. p.166.

[16] p.168.

[17] Trattato di Diritto Penale Italiano. v.1. Torino: Unione Tipografico Editrice Torinese, 1950. pp.507-508.

[18] BATTAGLINI, Giulio. Ob. cit. p.132; MUÑOZ CONDE, Francisco; [et al]. Ob. cit. pp.64-65. Em sentido contrário, admitindo a possibilidade da pessoa jurídica como sujeito ativo de crime: NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. cit. p.164.

[19] LISZT, Franz Von. Ob. cit. p.213; MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. cit. p.122.

[20] MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. cit. p.123. 

[21] A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Caderno Jurídico da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo: Novas Formas de Criminalidade. [ESMP]. São Paulo: Escola Superior do Ministário Público do Estado de São Paulo e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Ano 1, n.º 3: 163-174, outubro de 2001. p.163.

[22] Ibid., p.172.

[23] Ob. cit. p.123.

[24] Ibid., p.124.

[25] Estudios de Derecho Penal. trad. Enrique Peñaranda Ramos, Carlos J. Suárez González e Manuel Cancio Meliá. Madrid: Editorial Civitas S.A., 1997. pp.7 e 209-221.

[26] Ob. cit. pp.279-280.

[27] Ibid., p.152-153 e 282.

[28] PRADO, Luiz Regis. Ob. cit. p.330. 

[29] PRADO, Luiz Regis. Ob. cit. p.331.

[30] Ibid., p.332.

[31] MAURACH, Reinhart. Derecho Penal: Parte General. v.2. trad. Jorge Bofill Genzsch. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo e Ricardo Depalma, 1995. p.167.

[32] PRADO, Luiz Regis. Ob. cit. pp.332-337.

[33] Ibid., p.338.

[34] PRADO, Luiz Regis. Ob. cit. p.338.

[35] Ibid., p.340.

[36] PRADO, Luiz Regis. Ob. cit. p.343.

[37] COSTA JUNIOR, Paulo José da. Nexo Causal. 3 ed. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2004. p.185.

[38] PRADO, Luiz Regis. Ob. cit. p.345.


Informações Sobre o Autor

Anderson Dias de Souza

Advogado em São Paulo.
Membro da Comissão de Apoio ao Advogado Professor da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, Capital.
Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Capital.
Bacharel em Direito pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul.


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