Liberdade sexual

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Resumo: O presente trabalho visa analisar as modificações advindas da Lei nº 12.015/2009, baseado em pesquisas bibliográficas, com o intuito de analisar as alterações promovidas, sobretudo no que tange à mudança ocorrida com a troca da definição de “crimes contra os costumes” para “crimes contra a dignidade sexual”.

Palavras-chave: crimes; costumes; dignidade sexual.

Abstract: This study aims to analyze the changes resulting from Law No. 12,015 / 2009, based on literature searches, in order to analyze the promoted changes, especially with regard to the change that occurred with the changing of the definition of “illicit acts against custom “to " illicit acts against sexual dignity.”

Keywords: illicit acts; costums; sexual dignity.

Sumário: Introdução. 1.Liberdade Sexual. 1.1.Estupro e ato Libidinoso 1.2.Marido comete estupro? 1.3.Violação Sexual mediante fraude e assédio sexual. Conclusão. Referências.

Introdução: No presente artigo é feita uma análise dos crimes contra a liberdade sexual, apresentando-os por meio de um histórico que visa aprofundar as suas origens conceituais. Infere-se que, com o advento do novo estatuto legal, houve a alteração do artigo 213 do CP, que anteriormente colocava o estupro como o constrangimento da mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave e, com a alteração, passa a ser o constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Tais alterações ampliam o leque de sujeito ativo e passivo de estupro, permitindo que a conduta possa ser praticada por mulher e ter como vítima a figura masculina.

1.Liberdade Sexual

1.1 Estupro e Ato Libidinoso

A sexualidade humana está entrelaçada com a história da humanidade, “desde que o mundo é mundo, seres humanos e animais são adotados de corpos sexuados e as práticas sexuais obedecem a regras, exigências naturais e cerimônias humanas” (CHAUÍ, apud GRECO; RASSI, 2011, p.8). Assim, observa-se que a sexualidade está diretamente relacionada ao ser humano, à sua vida e aos seus hábitos. Mesmo sendo tratado ainda como um tabu1, a sociedade vem se colocando em um patamar menos conservador e moralista.

Nesse sentido, Fuhrer (2009, p.24) assenta o entendimento de Sigmund Freud sobre a teoria monotemática das pulsões, “segundo o qual a vida mental e psíquica humana é impulsionada por uma única mola, que seria a busca da satisfação ou do prazer de cunho sexual”. Nota-se, que a vida humana se relaciona ao comportamento sexual, que deriva desde o princípio dos seres humanos, muitas vezes ainda muito recente no seu inconsciente.

No Brasil, o aspecto da sexualidade foi tratado com mais rigor, no período colonial brasileiro, Greco e Rassi (2011, p.19) abordam sobre o princípio da conduta sexual do brasileiro, do Brasil Colônia: “A influência da moral cristã dos tempos coloniais atravessou os tempos e continua nos dias de hoje a disputar seu lugar, juntamente com outras religiões, nas representações da sexualidade. Da colonização restou na memória do brasileiro à tradição patriarcalista, em que imperam o preconceito em relação à mulher, aos diferentes comportamentos sexuais etc.”

A reforma praticada pelos legisladores com a Lei n. 12.015/2009 advém dos novos comportamentos e percepções sociais relacionadas à sexualidade que a sociedade contemporânea assume gradativamente. Nesse sentido, Greco e Rassi (2011, p.22) prescrevem que: “Pelos novos paradigmas, há um afastamento das moralidades religiosas herdadas, da época medieval, ganhando a sexualidade uma autonomia individual e subjetiva, que passa a ser um tema cada vez menos tratado por conceitos a priori, especialmente no que se refere ao espaço privado.”

Com o advento da Lei n. 12.015/2009, os crimes sexuais abrangeram um conceito mais amplo de acordo com a necessidade e o desenvolvimento dos valores no âmbito da sociedade. Assim, as modificações trazidas pela nova lei, segundo Greco e Rassi (2011, p.66): “Aproxima o Direito Penal dos padrões contemporâneos de moralidade política vigentes nas democracias liberais, cuja normatividade se baseia em dois pontos principais: a ampliação das esferas de autonomia e de liberdade individuais.”

O crime de estupro, que se modificou com a vigência da nova lei, anteriormente se direcionava a ação do homem contra a mulher, no que se refere ao ato de ter conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Anteriormente, buscava-se proteger a honra e a moral da mulher diante da sociedade e dos bons costumes, então cultivados, e não a sua dignidade sexual.

Assim, destaca-se que o crime do estupro atingia somente a conduta de prejudicar a moral da mulher, e não ao direito de escolha da mesma de agir pelos seus próprios interesses individuais. A sexualidade era um comportamento regido pelo conservadorismo e pelos valores religiosos de forma subjetiva, que ultrapassava os direitos das pessoas.

Colocam Greco e Rassi (2011, p.13) que, durante a formação do cristianismo, a atividade sexual era regida principalmente pelos dogmas religiosos, de modo que “Nessa época, o único comportamento aceitável pelos padres era a virgindade e o ascetismo. A castidade era considerada um estado superior que possibilitava o conhecimento da fé”.

Visto que, conforme Hungria (apud MARCÃO, GENTIL, 2011, p.44), o estupro era considerado um ato que atingia o caráter da mulher: “No direito romano, chamava-se strupum, em sentido lato, qualquer congresso carnal ilícito (compreendendo até mesmo o adultério e a pederastia) e, sentido estrito, o simples concúbito com mulher virgem ou não casada, mas honesta.”

Desta forma, o estupro também poderia ser descrito como “ter relação carnal com uma donzela, ou uma mulher menor de idade inexperiente, ou com uma virgem (estupro próprio)” (NUCCI, 2014, p.34, grifos do autor).

Antecede à alteração do CP brasileiro, a abordagem do estupro e outros crimes sexuais como crimes contra os costumes, estes analisados como regras da sociedade, provenientes da cultura trazida e praticada de forma constante e duradoura. Os costumes nasceram dos próprios criadores dessas atitudes costumeiras e tornaram-nas consequentemente práticas cotidianas e obrigatórias. Assim, sendo repudiado aquele que por algum motivo não seguisse as regras ditadas pelos costumes diante da sociedade.

Conforme Fuhrer (2009, p.42) analisa, “na linguagem jurídica, identifica-se costume com a regra não escrita que nasce pelo uso continuado e que é considerada por todos como legítima e obrigatória”. Com a Lei 12.015/2009, o bem jurídico a ser tutelado foi ampliado, o que antes visava os costumes, a honra e a moral, principalmente à figura feminina, passa a abarcar o gênero masculino e feminino. De acordo com D’Elia, com base em MORAES (2014, p.56), apreende-se que: “A colocação da dignidade sexual como bem jurídico tutelado nos crimes sexuais pressupõe o abandono de um molde voltado a aspectos morais para dar lugar à proteção do ser humano na, talvez, vertente mais importante em nosso ordenamento jurídico, que é a dignidade da pessoa humana.”

Os crimes sexuais praticados na sociedade atual não colocam mais a figura feminina como patamar, o que antes visava só à mulher como figura passiva de qualquer ato ligado à sexualidade, que a mesma fosse obrigada. Acerca do que foi relatado anteriormente, não somente no que concerne a sexualidade, mas os direitos e obrigações de mulheres e homens, estes se colocam equiparados no mesmo âmbito: “A discussão sobre a cultura do estupro já tem cerca de quarenta anos. Não há como ignorar que o mundo mudou bastante nesse período. As mulheres cada vez mais obtêm a igualdade de direitos e questões relacionadas à liberdade sexual são cada vez mais garantidas pelo Estado.” (SEMÍRAMIS, 2013)

Observa-se que, com a nova Lei, o objeto jurídico a ser analisado agora é a dignidade da pessoa humana, relacionada com a sua sexualidade, que anteriormente não era visado: “A dignidade da pessoa humana constitui princípio regente do ordenamento jurídico, inclusive do Direito Penal. Sob o prisma subjetivo, implica no sentimento de respeitabilidade e autoestima do ser humano, constituindo a presença marcante na formação de sua personalidade.” (NUCCI, 2014, p.31)

Nucci demonstra que a dignidade do ser humano implica muito na formação da personalidade e tem consequência direta na conduta humana, que deve ser livre e autônoma, ou seja, derivar da vontade não viciada. Para Kant (apud DALSOTTO; CAMATI, 2013, p.136): “Todo ser humano tem um direito legítimo ao respeito de seus semelhantes e está, por sua vez, obrigado a respeitar todos os demais. A humanidade ela mesma é uma dignidade, pois um ser humano não pode ser usado meramente como um meio por qualquer ser humano (quer por outro quer, inclusive, por si mesmo), mas deve sempre ser usado ao mesmo tempo como um fim. É precisamente nisso que a sua dignidade (personalidade) consiste, pelo que ele se eleva acima de todos os outros seres do mundo que não são seres humanos e, no entanto, podem ser usados e, assim, sobre todas as coisas. Mas exatamente porque ele não pode ceder a si mesmo por preço algum (o que entraria em conflito com seu dever de autoestima), tão pouco pode agir em oposição à igualmente necessária autoestima dos outros, como seres humanos, isto é, ele se encontra na obrigação de reconhecer, de um modo prático, a dignidade da humanidade em todo outro ser humano.”

Portanto, observa-se que na visão kantiana, a dignidade da pessoa humana advém do respeito que um indivíduo deve ter para com os outros, pois todos os seres humanos possuem uma dignidade advinda do fato de serem racionais e singulares.

Quanto aos crimes contra a dignidade sexual, os legisladores conjugaram a dignidade à sexualidade, descartando o que anteriormente se destinava aos crimes contra os costumes. Para que a sociedade agregue o respeito para com o ser humano, independente da escolha sexual, visando proteger a liberdade e autonomia do ser humano em sua plenitude. Na visão de Nucci (2014, p.31) a nova denominação dada: “A dignidade sexual liga-se à sexualidade humana, ou seja, o conjunto dos fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um. Associa-se a respeitabilidade e autoestima à intimidade e à vida privada, permitindo-se deduzir que o ser humano pode realizar-se, sexualmente, satisfazendo a lascívia e a sensualidade como bem lhe aprouver, sem que haja qualquer interferência estatal ou da sociedade.”

Nesse sentido Huerta (apud FUHRER, 2009, p.118) traduz o conceito de liberdade sexual: “É a liberdade de amar é a faculdade inerente ao ser humano e nobilíssimo atributo de sua personalidade, que se exterioriza no plano pessoal, que ao indivíduo incumbe manter relações amorosas com quem bem lhe parecer, de interrompê-las livremente, de não ter quem não for de seu agrado ou de se abster temporária ou permanentemente de toda relação carnal.”

Assentindo com Marcão e Gentil (2011, p.44), que colocam que a dignidade sexual é “aquela em que o respeito alheio é devido ao sujeito no que se refere à capacidade deste de se autodeterminar relativamente à atividade sexual”. Nota-se que a Lei 12.015/2009 almeja, assim, proteger a dignidade sexual de cada ser humano, o que antes se encontrava limitado pela ideia de costumes6 e sua aceitação social.

No que concerne ao capítulo I, da nova lei “Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual”, o estupro, previsto no artigo 213 do CP, destacou-se por suas modificações. Com efeito, antes da vigência da lei, o crime de estupro só estava tipificado com relação à mulher. A sociedade não via a possibilidade de o homem ser estuprado, tanto por uma mulher quanto por outro homem. Contudo, a partir da ideia de dignidade da pessoa humana, não tem mais sentido uma norma que possa manter a ideia discriminatória, mantida pela sociedade, de que a violência sexual do estupro está vinculada à ideia de sexo feminino. Sob esta ótica, Oliveira (2009) coloca: “Nossa sociedade e as pessoas se “modernizaram” de tal forma, que hoje as mulheres estão sim, mas “avançadas” ao ponto de desejar ardentemente um homem e forçá-lo a manter consigo conjunção carnal ou outro ato diverso da conjunção carnal, claro que não podemos esquecer que ante a força física do homem ser notadamente superior a mulher, esta poderá sim forçar o homem mediante grave ameaça.”

O objeto do crime de estupro é o corpo da vítima, um ser humano. Deste modo, não se sustenta a ideia de que apenas a mulher poderia ser vítima de estupro. Com a inserção feita pela nova lei, o delito de atentado violento ao pudor foi revogado. Tal delito constituía-se em constranger alguém a pratica de ato libidinoso. Pela nova norma, esta conduta passa a ser tipificada como crime de estupro. Em síntese, de acordo com a nova normatização, o crime de estupro não se restringe à conjunção carnal entre um homem e uma mulher.

Constranger alguém significa tolher a liberdade, implicando na obtenção forçada de conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A definição de conjunção carnal pode ser feita de maneira ampla ou restrita. Sob o primeiro prisma, cuida-se de qualquer união sensual, envolvendo o encontro de partes do corpo humano. Assim sendo, caracterizaria a conjunção carnal tanto a cópula entre pênis vagina quanto outras formas de coito (anal, oral etc.) e toque (beijo lascivo etc.). […] muito embora se saiba que a conjunção carnal não passa de uma espécie de ato libidinoso (NUCCI, 2014, p.38).

Nesse sentido, Greco (2011) afirma que: “Merece registro, ainda, o fato de que a conjunção carnal também é considerada um ato libidinoso, isto é, aquele em que o agente aflora a sua libido, razão pela qual a parte final constante do caput do art. 213 do Código Penal se utiliza da expressão outro ato libidinoso.”

A nova norma já repercutiu nos Tribunais, o que denota a jurisprudência acerca do tema: “Com as inovações trazidas pela Lei 12.015/2009, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são, agora, do mesmo gênero – crimes contra a dignidade sexual – e também da mesma espécie – estupro -, razão pela qual, desde que praticados contra a mesma vítima e no mesmo contexto, devem ser reconhecidos como crime único. Na espécie, evidencia-se a prática em sequência do estupro e de ato libidinoso diverso, motivo por que devido o restabelecimento da decisão proferida pelo Juízo da Execução Penal.” (SÃO PAULO, Superior Tribunal de Justiça, AgRg no HC 239255, Relator: Ministro Jorge Mussi,2014).

Diante das alterações trazidas com a Lei n. 12.015/2009, é de suma importância observar uma discussão existente quanto à eminência ou não do ato libidinoso praticado. Se, no caso, a prática da conjunção carnal, do sexo oral ou anal tiver a mesma gravidade, a pena mínima é de seis anos de reclusão, no que concernem às demais condutas (beijos lascivos, toque nas regiões pudendas, etc.) quando comparadas com a gravidade dessas condutas.

No entanto, Hungria (apud NUCCI, 2014, p.55) coloca com relação a prática do beijo lascivo como ato libidinoso que “é controvertida se o beijo constitui o crime em questão, quando dado mediante violência o grave ameaça. Trata-se, bem entendido, do beijo na face, na boca ou no colo […]. Há que se distinguir entre beijo e beijo”.

Marcão e Gentil (2011, p.93), concebem como ato libidinoso: “Todo ato direcionado, em tese, a alguma forma de satisfação, ou de excitação, da libido humana, algo teórica e normalmente capaz de dar ao homem ou à mulher um prazer de natureza sexual. Não é necessário que o ato praticado conduza ou possa conduzir ao orgasmo nem a qualquer outra sensação de clímax de prazer, bastando que tenha aparência externa de ato voltado para esse fim, ou que o agente busque, com a sua prática, alguma satisfação de certo modo ligada ao prazer sexual. Mesmo que essa ligação ocorra apenas mentalmente, se houve associação do ato praticado com a ideia ou a possibilidade de excitação sexual, tratar-se-á de ato libidinoso.”

Nucci (2014, p.40) coloca que os atos libidinosos estão sendo vistos, infelizmente, como situações cotidianas que as vítimas tendem a passar e aduz que: “Muitas vezes, em transportes coletivos lotados, alguns homens se valem da situação para forçar mulheres, pelo contato do corpo, a permitir o roçamento libidinoso; conforme o grau de constrangimento, impossibilitando a reação da vítima, pode caracterizar-se o estupro, embora o ideal fosse a existência de uma figura intermediária entre crime e a importunação ofensiva ao pudor.”

Entretanto, Nucci (2014, p.21) ressalta acerca da relevância do princípio da intervenção mínima, em que a aplicação à lei penal deve ser proposta e harmonizada de acordo com o delito praticado “com seus corolários (subsidiariedade, fragmentariedade e ofensividade), buscando a justa aplicação da repressão penal, voltada a delitos realmente indispensáveis à manutenção da paz social”.

Observa-se que as modificações trazidas pela nova lei penal ainda não atingiram com clareza os conflitos sociais em relação aos dilemas e soluções quanto aos crimes contra a dignidade sexual. Em suma, anterior à vigência da lei, o ato libidinoso não se classificava como estupro, quando um homem ou uma mulher sofressem a conduta tipificada de tal ato, que feria a intimidade sexual do ser humano tanto quanto na conjunção carnal. Neste caso, o autor do crime sexual seria punido de uma forma menos qualificada e de severidade menor à prática tipificada como estupro, ou seja, ter conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça.

Com a vinda da lei, o estupro, abrange em todo, a praticar contra alguém, por meio de violência ou grave ameaça, conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.

Semíramis (2013) afirma no que se refere à cultura do estupro no Brasil, diante da sociedade e suas modificações: “No Brasil, os termos sexistas da legislação criminal foram abolidos em 2005. Em 2009, uma nova lei retirou o crime de estupro da seção de crime contra os costumes, para enquadrá-lo nos crimes contra a liberdade sexual, reconhecendo o direito da vítima de direcionar sua sexualidade de acordo com sua vontade – e não segundo a prescrição social. O crime de estupro também foi alterado de forma a reconhecer que se trata de uma relação de poder, inclusive considerando que tanto mulheres quanto homens podem ser vítimas de estupro.”

Sob este viés, pode-se afirmar que, com o advento da nova lei, colocou o homem e a mulher em papéis igualitários enquanto sujeito passivo e ativo da conduta tipificada como crime de estupro. Consequentemente, nota-se que é possível que haja a tipificação de crime tendo uma mulher como autora e outra mulher como vítima, ou tendo um homem como autor e outro homem como vítima, por exemplo.

O homem agora assume o lugar de sujeito passivo e ativo bem como a mulher. Nessa esfera atual, Marcão e Gentil (2011, p. 46) colocam que o “objeto do crime é o próprio corpo da vítima, o qual, a seu contragosto, é empregado para satisfazer a libido de outrem, mediante violência física ou moral”.

Observa Greco (2011): “Ao que parece, o legislador se rendeu ao fato de que a mídia, bem como a população em geral, usualmente denominava de “estupro” o que, na vigência da legislação anterior, seria concebido por atentado violento ao pudor, a exemplo do fato de um homem ser violentado sexualmente. Agora, não importa se o sujeito passivo é do sexo feminino, ou mesmo do sexo masculino que, se houver o constrangimento com a finalidade prevista no tipo penal do art. 213 do diploma repressivo, estaremos diante do crime de estupro. Em alguns países da Europa, a exemplo do que ocorre com a Espanha, essa infração penal recebe o nome de violação sexual.”

Mesmo com o desenvolvimento da sociedade e a inserção de novos valores culturais e normativos, ainda são evidentes os atos de repressão sexual, “prova disso é que os estudos sobre a sexualidade em nosso país sempre apresenta como características principais a crítica (do machismo, do racismo, das discriminações sexuais)”. (GRECO; RASSI, 2011, p.19).

Contudo, o homem passou também a ser apontado como vítima quando for forçado a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso tanto quanto a mulher, pois “o objeto material é a pessoa, que sofre o constrangimento sexual de qualquer espécie. O objeto jurídico tutelado é a dignidade sexual, no contexto da liberdade sexual”. (NUCCI, 2014, p.45).

No gênero masculino, os homens, “são aliados das mulheres na luta contra a cultura do estupro porque também fazem parte e sofrem com a estrutura social que os engessa em papéis de gênero”. (SEMÍRAMIS, 2013). Com a nova inserção normativa, o que se almeja, conforme Nucci (2014, p.20) é: “Proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver formas de violência.”

A alteração promovida pela Lei 12.105 de 2009, buscou, alterando o gênero, proteger o ser humano, independente do seu respectivo sexo, promovendo a respeitabilidade e igualdade entre os seres humanos.

1.2 Marido comete estupro?

Diante das novas alterações trazidas com a nova Lei, observa-se um apontamento quanto à prática forçada do ato sexual do marido contra a mulher. Nesse sentido Marcão e Gentil (2011, p.54) colocam que: “A tese encampada por certa corrente, segundo a qual o marido não comete estupro contra a mulher, pois tem esta o dever de copular com ele, não faz sentido. A propósito, a vingar esse entendimento. Também seria o caso de, na vigência do revogado art. 214, pretender-se que à mulher também fosse dado licitamente constranger o marido à prática de libidinagem que a satisfizesse, precisamente por ser sua mulher e ter direito ao prazer sexual, independentemente da vontade dele.”

A visão antiquada de que a mulher, por estar casada, deva copular com o marido independentemente de sua vontade é infundada, cabendo nesse mesmo sentido a mulher poder forçar o seu marido à prática sexual contra a sua vontade. Nucci (2014, p.47) dispõe que anteriormente: “O marido não podia cometer estupro, já que a mulher estava obrigada, pelo vínculo legal, a consentir (débito conjugal). Hoje essa doutrina foi severamente questionada e está superada felizmente, pois a mulher tem tanto direito com o homem a que se respeite a sua dignidade como ser humano […] Não é difícil detectar o descompasso da tal postulado com a atualidade, sob vários aspectos, motivo pelo qual o marido ou companheiro pode figurar como sujeito ativo no crime de estupro contra sua mulher ou companheira.”

Nesse sentido, uma jurisprudência do STJ coloca uma ação onde o próprio marido cometeu o crime de estupro contra a sua mulher: “A nova prova, consubstanciada em escritura pública declaratória, em que a ofendida, já maior e casada, afirma ser seu atual marido o autor dos crimes de estupro contra ela perpetrados, não se oferece como bastante, por si só, à desconstituição de condenação transitada em julgado.” (PARANÁ, Superior Tribunal de Justiça, HABEAS CORPUS 31376, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, 2006).

Analisa-se, que o objeto da tutela jurisdicional é a dignidade sexual do ser humano, independente da sua relação patrimonial ou não, mesmo que dentro do casamento seja de direito de ambos a satisfação sexual de um para com o outro. Diante disso, essa prática tem que ser exercida de forma recíproca, não se tratando de obrigação, ou seja, sendo de forma constrangida acarretará em estupro.

1.3 Violação Sexual Mediante Fraude e Assédio Sexual

Com o advento da Lei 12.015/2009, o anterior delito de posse sexual mediante fraude, previsto no artigo 215 do CP e o atentado ao pudor mediante fraude, previsto no artigo 216 do CP, foram reunidos em um só tipo penal, a saber, a violação sexual mediante fraude, presente no artigo 215, do CP, com nova vigência da lei. A junção desses dois delitos configurou um conceito mais amplo, em consonância com o preceito de Hungria (apud, MARCÃO; GENTIL, 2011, p.146):

O emprego de meios iludentes apresenta menor gravidade que o emprego dos meios violentos. A violência é um resíduo de primitivismo, é o chocante arbítrio da força; enquanto a fraude é um jogo de inteligência e astúcia, infenso à grosseria despótica ou ao derrame de sangue.

Assim, o delito de violência sexual mediante fraude se configura quando o agente pratica a conjunção ou ato libidinoso contra alguém, satisfazendo a sua lascívia, só que por um meio enganoso ou que dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Para Nucci (2014, p. 97, grifo do autor) “Cuida-se de autêntico estelionato sexual, pois a satisfação da lascívia do agente desenrola-se em torno do engano provocado na vítima”.

Nesse aspecto, vários delitos sexuais se configuram por meio de fraude: “Não há que se falar em constrangimento ilegal quando demonstrada a imprescindibilidade da segregação preventiva para a garantia da ordem pública, em razão da gravidade concreta dos delitos em que condenado o réu – violação sexual mediante fraude praticada na condição de médico ginecologista/obstetra contra duas pacientes, durante consulta – e da notícia da existência de inúmeras outras vítimas, a demonstrar a periculosidade social do agente e o risco concreto de reiteração criminosa.” (SÃO PAULO, Superior Tribunal de Justiça, HABEAS CORPUS 0332379-3, Relator: MINISTRO JORGE MUSSI, 2013).

Ainda sob esta ótica, outra jurisprudência de suma importância configura a violência sexual mediante fraude: “O recorrente, na qualidade de profissional da saúde, abusando de tal condição, infligiu às suas pacientes a acre experiência da violação sexual mediante fraude. Após a condenação, com emprego da arma de fogo que portava em razão de sua profissão de médico perito da Polícia Científica, o recorrente, descumprindo anterior medida cautelar pessoal decretada, aproximou-se das testemunhas, causando-lhes temor.” (TOCANTINS, Superior Tribunal de Justiça, RHC 39858, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 2014).

A prática desse delito é concretizada por meio ardil, se configura pela fragilidade psicológica da pessoa, corporificando seu objetivo. Segundo Nucci (2014, p.100-101) esse delito “no mínimo gera efeito psicológico para a pessoa ofendida, o que é suficiente para constituir resultado naturalístico evidente. O crime é comissivo (os verbos constantes dos tipos indicam ações) e instantâneo”.

No mesmo sentido de Nucci, Marcão e Gentil entendem que a fraude praticada, para obter a libido “é o meio pelo qual o agente contorna o dissenso de ofendido, induzindo ou mantido em erro, daí a frequência com que se denomina este crime de estelionato sexual”. (2011, p.149, grifo dos autores). Observa-se que sendo esse delito um meio fraudulento e enganoso para obter o prazer sexual, o mesmo não equivale ao estupro, pois não obtém formas violentas para que o ato se configure da maneira que o agente do crime deseja.

Nota-se que para o delito ser caracterizado, a vítima pratica o ato sexual, obviamente de forma enganosa, de modo que não há que se falar em consentimento, mesmo subjetivo, pois no entendimento de D´Elia (2014, p.79) para que haja o consentimento para a prática de algum ato sexual ou não “deverão ser apreciadas as hipóteses em que existe, e é válido, o acordo de vontades entre o autor e ofendido a excluir tipicidade do fato incriminado”.

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ demonstra que, mesmo as vítimas tendo praticado o ato sexual satisfazendo a lascívia do agente, não há que se falar em consentimento, pois: “Evidenciado que o réu teria se utilizado de estratagemas, ardil, engodo para que as vítimas se entregassem a conjunção carnal, não se vislumbra a existência de consentimento das vítimas para as práticas sexuais ocorridas, em tese, com o paciente. "Pai-de-santo" que, dizendo estar incorporado, chamava as vítimas, suas seguidoras religiosas, para realizar "trabalhos" – oportunidade em que as forçava, em tese, a manterem relações sexuais com ele.” (BAHIA, Superior Tribunal de Justiça, HC 21129, Relator: Ministro GILSON DIPP, 2002).

Desta forma, mesmo as vítimas tendo sido “seguidoras” do agente, não houve o consentimento, pois as mesmas acreditavam que a prática daquele ato era superveniente de algo maior relacionado à sua religiosidade, quando, no entanto, o agente por meio deste só tinha o objetivo de satisfazer a sua lascívia.

Para Hungria (apud, MARCÃO; GENTIL, 2011, p.149) a violência sexual mediante fraude ocorre “deliberadamente provocada pelo agente como ter ocorrido antes, por provocação de terceiro ou tratar-se de erro espontâneo da própria vítima”.

Na visão de Nucci (2014, p.98), o crime de violência sexual mediante fraude com as alterações trazidas no artigo 215 do CP pela Lei n. 12.015/2009, ainda está em descompasso e defasado com o que condiz a realidade dos crimes dessa esfera, tendo ainda que de serem resolvidos na esfera cível, por uma indenização por danos morais.

Por outro lado, no que concerne ao assédio sexual, este se configura nas relações de trabalho, em que para a caracterização do mesmo, é necessária uma relação hierárquica, chefe/empregado. Deste modo, o agente pelo cargo superior que exerce diante do outro, se perfaz do mesmo para conseguir alguma vantagem ou favorecimento sexual.

Nesse sentido, para o direito penal brasileiro, o objeto do crime é o corpo do assediado e a sua liberdade sexual. Entretanto, no que se refere à vítima, o assédio sexual pode se dar, segundo Sznick (apud, MARCÃO; GENTIL, 2011, p. 172), argumentando que: “Não se pode negar que mesmo a mulher a mulher bonita[…], às vezes exagera um pouco : esse exagero se vê, como diz a poesia, na falta de roupa: um pouco em cima e outro pouco em baixo […].Ora, esse comportamento, muitas vezes apelativo, deixa o homem fora de si, […] ele não resiste […] em um ambiente fechado […] as coisas podem acontecer, daí o assédio sexual.”

Entretanto, o delito de assédio sexual pode configurar-se tanto no ato da conjunção carnal praticado contra a vontade da vítima, quanto em palavras obscenas. Em ambos os casos, valendo-se o agente de sua posição hierárquica. Há uma lacuna entre esse delito, ou seja, “É inadmissível que um tipo penal apresente tantas e variadas formas de configuração, implicando na mesma faixa de imposição de penas” (NUCCI, 2014, p.104).

Já para Marcão e Gentil (2011, p.166), mesmo que esse delito já tenha se espalhado por outras infrações penais preexistentes, o mesmo divulga ações que merecem atenção por serem situações dramáticas, encontráveis nas relações de trabalho, onde é emprestado um apoio jurídico à vítima, pela posição subalterna.

Sob esta ótica, observa-se o avanço na Lei n. 12.015/09, com importantes alterações em torno dos crimes sexuais, como, por exemplo, o estupro. Mudanças que foram promovidas para que a norma pudesse manter-se de acordo com as demandas e avanços da sociedade.

Conclusão

Com este artigo buscou-se analisar o delito de estupro, antes e depois da reforma normativa. Foi possível colocar os pontos positivos, a partir da mudança da tipificação do delito de estupro, permitindo que o agente passivo se constituísse não somente da figura feminina, como era o formato anterior, mas ambos os sexos. A alteração possibilitou a igualdade entre homens e mulheres, enquanto sujeitos passivos e ativos do delito de estupro.

Anteriormente, o legislador buscou de acordo com a sociedade evidenciar a mulher, como o único gênero passível de alguma violência sexual, deixando em esquecimento a figura masculina que era só visada como o agente ativo da relação. A alteração trazida pela lei 12.015/2009 buscou proteger a dignidade sexual do ser humano, independente de ser do sexo masculino ou feminino, descartando a o anterior “crimes contra os costumes” para o novo título dos crimes contra a dignidade sexual.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Bruna Lucas Caumo

Bacharel em Direito na Faculdade Anhanguera de Rio Grande RS


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