Novas considerações sobre o momento do interrogatório na Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos)

Sumário: 1. Introdução; 2. Do interrogatório; 3.
Conclusão.

1. Introdução

Conforme a precisa visão do Jurista
e Advogado Mineiro Renato de Oliveira
Furtado, a Lei 10.409/2002 é mesmo um “novo Frankstein jurídico”[1],
e como tal impressiona e assusta.

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Impressiona por ter sido objeto de
estudos pelo Poder Legislativo por mais de uma década e ter resultado em um
“nada jurídico” (ou injurídico); impressiona pelo conjunto de equívocos e erros
crassos que alberga (mandato
de citação, p. ex.; cf. art. 38, caput);
impressiona pelo conjunto de “regras perdidas”; pelo absurdo de certas
disposições; pelos retalhos abandonados no universo jurídico após os vetos
Presidenciais ao Projeto que ela deu origem.

Assusta por dar a exata noção da
capacidade jurídica (ou incapacidade), do conhecimento (ou desconhecimento) e
da preocupação técnica (ou despreocupação) de nossos Legisladores. Assusta pelo
descaso de quem não consulta e tampouco ouve quem deveria, na elaboração das
Leis.

Por fim, reflexamente ao susto
produzido pelo nosso mais novo Frankstein jurídico, pois é só mais um (porém um
dos piores), outra coisa que também assusta é a “falta de pulso” que impediu o indispensável e reclamado veto integral ao Projeto que a ele
(Frankstein) deu origem.

2. Do
interrogatório

Após as primeiras, genéricas e
superficiais reflexões lançadas sobre a Lei[2],
foi preciso estabelecer novos pensamentos sobre alguns de seus dispositivos,
sobre alguns de seus temas, e no particular sobre o interrogatório, que nos
inquietou ainda mais profundamente, considerando a forma como veio regulado no
Novo Diploma.

Com efeito, nos precisos termos do art.
38, caput, última parte, da Lei 10.409/2002, ao proferir o despacho em que ordenará a citação do acusado para responder à
acusação
, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, o
Juiz designará dia e hora para o interrogatório
, que se realizará dentro
dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso.

Pela
interpretação que se extrai do texto, o prazo de 30 (trinta) ou 05 (cinco) dias
(seguintes) será contado do despacho
e não da resposta escrita, já que a designação ocorrerá no despacho inicial, e
nesta ocasião o juiz ainda não saberá a data em que será apresentada a resposta
escrita, inclusive em razão das disposições contidas nos §§ 3º, 4º e 5º, do
art. 38.

Há um grave
problema, entretanto, que decorre da impossibilidade de realização do
interrogatório dentro do prazo de 05 (cinco) dias, em se tratando de acusado preso, pois não é possível
admitir seja ele interrogado antes da apresentação de sua resposta escrita,
para a qual dispõe do prazo de 10 (dez) dias, contado da juntada do mandado de
citação aos autos ou da primeira publicação do edital de citação (o que já vai
demandar outros tantos dias). E mais, como interrogá-lo no prazo de 05 (cinco)
dias se ainda é possível o acréscimo de mais 10 (dez) dias no prazo para a
resposta escrita, além dos dez iniciais, na hipótese do § 3º do art. 38 e, em
qualquer caso, dispondo o Ministério Público de 05 (cinco) dias para
manifestar-se sobre a resposta escrita (§ 4º) e o Juiz de outros 05 (cinco)
para decidir (§ 4º) sobre o recebimento
ou não da denúncia
, além de outros 10 (dez) na hipótese de se determinar a
realização de diligências antes do recebimento (§ 5º) ?

Mesmo em se
tratando de denunciado solto, não raras vezes seria impossível a realização do
interrogatório em 30 (trinta) dias, contados da data do despacho inicial, a se
considerar as hipóteses e os prazos regulados nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 38.

Além da questão
dos prazos inconciliáveis, pela lógica do artigo 38, caput, parte final, em se tratando de acusado preso o
interrogatório sempre ocorreria
antes mesmo da resposta escrita, e o que é pior e mais absurdo, antes do
recebimento da denúncia.

Não bastasse, o
art. 40 da mesma Lei estabelece que ao
receber a denúncia, o Juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e
julgamento, sendo certo que nesta, a teor do disposto no art. 41,
proceder-se-á à oitiva das testemunhas após o interrogatório
.
Vale dizer: o interrogatório deverá ocorrer na audiência de instrução e
julgamento.

Pela redação do
art. 38 conclui-se que haveria uma data anterior à audiência de instrução e
julgamento para a realização do interrogatório, todavia, para conciliar-se tais
dispositivos e aproveitá-los integralmente seria preciso concluir que a data
designada para o interrogatório, por ocasião do despacho a que se refere o art.
38, deveria ser “aproveitada” para a instrução e julgamento, conforme se
determinar em segundo despacho, a ser proferido por ocasião do recebimento da
inicial acusatória (art. 40), já que a audiência é una e a inquirição das
testemunhas será realizada após o
interrogatório
, na mesma audiência (art. 41).

Ocorre,
entretanto, que pela redação do art. 38[3]
o interrogatório do preso ocorreria sempre antes da resposta escrita e do
recebimento da denúncia….

O caos é total.

3. Conclusão

Como também já
salientamos em outra ocasião[4],
“melhor seria se o legislador estivesse atento e não tivesse incluído na parte
final do art. 38, caput, a designação de data para o interrogatório já
no primeiro instante, até porque revela-se, a nosso ver, descabida a designação
de tal data se o Juiz ainda poderá rejeitar a inicial acusatória (art. 43)”, e
aqui a questão é mais complexa que a prevista no procedimento sumaríssimo da
Lei 9.099/95, conforme seu art. 81, onde o juiz designa audiência de instrução
e julgamento (art. 78), com interrogatório após a colheita de toda a prova,
podendo, antes, ainda rejeitar a denúncia, após a resposta da defesa à acusação,
a verificar-se imediatamente após a abertura da audiência.

No particular,
entendo que a parte final do art. 38, caput,
não reúne condições de aplicabilidade.

Assim, no
procedimento (instrução criminal) da Lei 10.409/2002, oferecida a
denúncia, o juiz, em 24 horas, deverá ordenar a citação do denunciado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10
(dez) dias… Nesta ocasião não
deverá designar data para interrogatório, pois deverá aguardar o momento do
art. 40[5], quando então,
recebendo a denúncia designará data para a audiência em que se procederá ao
interrogatório, instrução e julgamento, o que me parece mais adequado,
considerando, inclusive, o disposto no art. 41[6] do mesmo Diploma
Legal.


Notas:

[1]
FURTADO, Renato de Oliveira. Nova Lei de Tóxicos – anotações ao artigo 38 e
parágrafos.
Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br,
22.02.2002.

[2] MARCÃO,
Renato Flávio. Anotações pontuais sobre a Lei 10.409/2002 (Nova Lei
Antitóxicos) – Procedimento e Instrução criminal.
Disponível na internet:
http://www.ibccrim.org.br, 04.02.2002.

[3] “Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e
quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por
escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandato aos
autos ou da primeira publicação do edital de citação, e designará dia e hora
para o interrogatório, que se realizará dentro dos 30 (trinta) dias seguintes,
se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso”.

[4] MARCÃO,
Renato Flávio. Idem.

[5]
“Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução
e julgamento, e ordenará a intimação do acusado, do Ministério Público e, se
for o caso, do assistente”.

[6] “Na audiência de instrução e julgamento, após
o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a
palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor
do acusado, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais
10 (dez), a critério do juiz, que, em seguida, proferirá a sentença”.

 


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Informações Sobre o Autor

 

Renato Flávio Marcão

 

Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).

 


 

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