Resumo: Ante ao aumento colossal da importância temática da pena de morte, oriundo do momento de exacerbada criminalidade vivenciada no Brasil, entra em cena a sistematização analítica dos resquícios de pena de morte do ordenamento jurídico brasileiro como tradição teimosa, retrograda e repugnante. As sobras do homicídio legal tangem aos militares, os quais se porventura incidirem na conduta criminosa em tempo de guerra declarada, poderão sentir o peso da aplicação da pena de morte. Tudo isso rebatido pelo argumento: corporativismo militar. O ensaio ainda levará à retrospectiva histórica, transpassando por fim, na impossibilidade de supressão da pena capital do sistema constitucional, bandeira levantada com fulcro na própria legislação.
Palavras-chave: Pena de Morte. Crimes Militares. Direito Penal. Direito Penal Militar. Militar.
Abstract: Faced with the colossal increasing importance of the thematic of the death penalty, coming from the moment of exacerbated criminality experienced in Brazil, steps in the analysis of the remnants of the death penalty from Brazilian legal tradition as stubborn, retrograde and repugnant. The remains of homicide law relate to military, which perhaps impinge on criminal conduct in time of declared war, could feel the weight of the application of the death penalty. All that rebutted by way of argument: military corporatism. The article will still take the historical retrospective, ultimately trespassing, in the impossibility of removal of capital punishment of the constitutional system, argument raised with fulcrum in the legislation itself.
Key-words: Death Penalty. Military Crimes. Criminal Law. Military Criminal Law. Military.
Sumário: I. Intróito. II. Retrospectiva histórica da pena de morte no Brasil. III. A pena de morte aos crimes militares em tempo de guerra no ordenamento jurídico atual. IV. Pena de morte versus corporativismo militar. V. A impossibilidade de alteração da situação vigente. V. A guisa de conclusão.
I. Intróito
Hodiernamente o Brasil passa por uma maré ininterrupta de violência. Eventualmente essa oscila, alcançando o ápice da brutalidade, isto é, a população sente diariamente tudo isso, mas abismados com a situação, até então constante, duvidam vêemente na ocorrência episódios mais tenebrosos do que os vistos ordinariamente. Acaba, pois, que quando sucedem, aterrorizam, levando a indignação em massa da sociedade. Recentemente pode-se mencionar os casos Suzane von Richthofen, Isabella Nardoni, Eloá Cristina, enfatizando o Eliza Samudio, como exemplos abismadores.
A pena de morte é colocada em xeque como o elixir aos problemas criminais brasileiros. Quem levanta essa bandeira, age instintivamente, abdicando a razão. A inclusão da pena de morte em nossa legislação além de retrocesso, constituiria vergonha a todos.
Está comprovado: a introdução do homicídio legal nos ordenamentos não traz proveitos diminutivos da criminalidade por intermédio do seu temor. Os dados estatísticos da média mensal de homicídios na Alemanha, cotejando a situação anterior, com a posterior a Lei Fundamental de 1949, apresentados por Düsing, mas emprazados por Carlos Garcia Valdés. Apesar de antigos, são pertinentes:
“a) Renânia do Norte e Westfália, antes 4,08, depois 5,83; b) Baviera, antes 16,40, depois 9,41; c) Baixa Saxônia, antes 17,10, depois 8,16; d) Hesse, antes 4,12, depois 1,79; e) Wurtemberg-Baden, antes 5,83, depois 2,95; f) Renânia-Palati, antes 3,33, depois 3,00; g) Schlesswig-Holstein, antes 3,83, depois 2,12; h) Hamburgo, antes 2,37, depois 1,41; i) Baden, antes 1,13, depois 0,58; j) Wurtemberg, antes 1,88, depois 3,95; k) Bremen, antes 0,63, depois 0,29; e l) Berlim Ocidental, antes 2,25, depois 2,05”.[1]
Como percebe-se no caso Alemão a pena de morte foi inócua, sendo unicamente um achaque à sagrada vida humana.
Empraza-se as magníficas escritas de Evandro Lins e Silva, Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal e, um dos maiores advogados criminais do Brasil, que primeiramente tece críticas ácidas à pena capital, mas demonstra sua indignação de fato, comentando acerca da pena privativa de liberdade, sendo portanto tempestivo:
“Atualmente, os penalistas e criminólogos de todos os recantos da terra, em movimento coordenado pela Organização das Nações Unidas, já preconizam a redução ao máximo da própria prisão como método penal. Segregação só se deve utilizar ultima ratio, como verdadeira medida de segurança, para os perigosos. Mais de mil especialistas, no recente congresso da ONU, em Havana, em outubro do ano passado, da Nigéria à França, do Egito à Inglaterra, da China aos Estados Unidos, do Japão à Alemanha, todos concordam que a cadeia não regenera nem ressocializa ninguém; avilta, degrada, embrutece, estigmatiza, é uma alimentadora infatigável da criminalidade organizada. O que se estuda hoje é como nos desembaraçarmos da prisão, com a procura de substitutivos ou alternativas para manifestar a reprovação da sociedade contra o crime. Prisão é uma incubadora cara, eficaz e prolífica para a geração e crescimento de marginais, aperfeiçoados pelo convívio com outros marginais, já reincidentes[2]”.
Sem sombra de dúvidas, a pena privativa de liberdade já ganhou o título de grande problema do direito penal, assumindo o posto da pena de morte, caída no esquecimento, exatamente por não gerar discordâncias doutrinárias, visto que todos convergem no pensamento: a pena capital corresponde ao maior despautério do âmbito penal.
A história do direito penal demonstra o árduo iter percorrido, para que hoje, as coisas sejam ainda defeituosas, mas pelos menos as brutalidades estão amenizadas.
Não há motivo para ignorar a consagração da dignidade da pessoa humana por intermédio dos notórios documentos do Século XIX, a saber, Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945 e Declaração Universal do Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, ambas o Brasil é signatário e defensor.
Outro traço gritante da pena de morte é a irretratabilidade de eventual erro judicial, ou seja, a justiça dos Estados, fruto da obra humana, consiste em algo falho, mas não só por ser fruto da natureza humana. A falha pode ganhar vida também pela pereciosidade das provas, como por exemplo a mais frágil: testemunhal. Outrossim o então criminoso ao passar pelo crivo do Tribunal do Júri, recebe o julgamento de pessoas leigas ao mundo do direito, gerando então uma chance significativa de incidir a injustiça.
A facínora pena de morte, pode acabar ceifando vidas injustamente, isso não constitui especulação doutrinária, ou ficção jurídica, mas sim, algo concreto. Sílvio Dobrowolski cita o exemplo de Caryl Chessman, que morreu na câmara de gás em razão do equívoco cometido pela secretária do Juiz. Relata Daniel Sueiro a história:
“Mas, de repente, um surdo murmúrio percorreu toda a prisão com o recebimento pelo diretor de uma notícia que o deixou petrificado. Depois fiquei sabendo – aduz uma testemunha – que fora recebida, por telefone, mensagem do juiz federal Goodman, suspendendo a execução por trinta minutos, afim de que o advogado de Chessman tivesse tempo de apresentar um recurso (…) Nesse momento, porém, já a cabeça do condenado pendia inerte. Tinha os lábios abertos e os olhos fechados. A baba lhe escorria da boca (…) Ao que parece, um erro da secretária do juiz federal Goodman, de São Francisco, ao discar o número do aparelho telefônico da prisão de Saint Quentim, foi a causa de não ter chegado a tempo a ordem do magistrado para suspender a execução por meia hora. A secretária teve que discar uma segunda vez, e quando pôde transmitir a determinação para o retardamento, o ácido cianídrico estava então exercendo a sua ação letal”[3].
O grande penalista brasileiro Luiz Flávio Gomes, menciona o famoso caso dos irmãos Naves, que felizmente não foram condenados a pena de morte, mas a pena privativa de liberdade, pois se essa altura fosse possível tal aplicação letal… Coitados! Leciona Gomes:
“Há um outro caso também bastante famoso. Na comarca de Araguari-MG, dois irmãos (irmãos Naves) foram condenados injustamente por uma morte que não existiu. Quinze anos depois da condenação a vítima reapareceu. Nessa altura um deles já havia morrido dentro da prisão. Naquele episódio, ocorrido no ano de 1937, tal como esclarece Hélio Nishiyama, os irmãos Naves chegaram a ser absolvidos duas vezes pelo Tribunal do Júri, porém, após recurso da acusação, foram condenados a pena de 25 anos e 06 meses de reclusão pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (naquela época, o veredicto dos jurados não era soberano)[4]”.
Após todos os aspectos suscitados, surge ainda ideias descordantes às premissas levantadas, mas independentemente, que fique explicitado: à luz da maldade, a pena de morte é a criação mais bem sucedida.
Constitui algo cruel e repugnante, que concede ao Estado o poder de deliberar acerca do bem-jurídico mais precioso: a vida, como uma espécie de Divindade.
Quaisquer resquícios deste mecanismo fétido leva irrefutavelmente à retroação. No Brasil ainda há previsão para aplicação da pena de morte, aos militares em tempo de guerra declarada, logo à eles,ab-rogadores de suas vidas, devotam-nas ao exercício permanente do patriotismo.
II. Retrospectiva Histórica da Pena de Morte no Brasil[5]
No Código Criminal do Império, de 16 de dezembro de 1830, promulgado sob o reinado do Imperador Dom Pedro I, a pena de morte era executada por intermédio da forca, prevista a alguns crimes, como por exemplo: a insurreição de escravos[6]; o homicídio especialmente agravado[7]; e roubo qualificado pelo resultado morte (o que hodiernamente entende-se por latrocínio)[8].
Sucedeu, pois, que em 10 de julho de 1835, uma lei trouxe a previsão de aplicação da pena de morte ao escravo que matasse seu senhor, ou os ascendentes, descentes e as mulheres, que fossem da mesma estirpe deste e morassem em sua companhia, além dos feitores que servissem-no.
Mister faz-se ressaltar todo o ritual (de fato) para execução da pena de morte, pois o réu deveria caracterizar-se com um vestido ordinário, iria estar preso, sendo conduzido pelas ruas mais públicas, ou seja, onde pudesse haver a mais plena notoriedade da sua morte, em direção à forca, acompanhado do Juiz Criminal da então comarca, o Escrivão deste e a força policial necessária para a facilitar a realização do feito[9]. Era engendrada toda uma encenação teatral, sendo que uma massa de pessoas acompanhavam o sacrifício, como se fosse a grande plateia. Uma legítima cena de filme.
A partir de 1855 a pena de morte foi expurgada do ordenamento criminal brasileiro, quando o fazendeiro Manuel Mota Coqueiro, no município de Macaé (Rio de Janeiro), no dia 5 de agosto de 1855, teve sua vida ceifada por um erro judiciário gritante, eis a injustiça em xeque.
Mais tarde em 1871, com a Lei 2.033, que trazia em seu artigo 29, mais especificadamente no parágrafo 1°, ressuscitou o artigo 332 do Código de Processo Criminal, de 03 de dezembro de 1841, que exigia a unanimidade de votos do Júri para imposição da pena de morte.
Toda a história republicana demonstra uma colossal ojeriza à pena de morte, tanto é verdade que com a proclamação da República em 1889, o Decreto 774, de 20 de setembro de 1890, veio eliminando a pena capital da legislação penal ordinária[10]. O Código Penal republicano sancionado pelo Decreto 847, de 11 de outubro de 1890, não elenca a pena de morte, seguindo, portanto o mesmo raciocínio[11].
A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 fomentou a abolição da pena capital, na seção da Declaração de Direitos, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de hostilidades[12].
A Magna Carta de 16 de julho de 1934, em sinergia ao Decreto 23.102, de 19 de agosto de 1933 e o chamamento determinado pelo Decreto 22.621, de 05 de abril de 1933, reafirmaram o entendimento de rejeição da pena de morte, salvo o que está previsto em legislação militar “em tempo de guerra com país estrangeiro”[13].
Com o Estado Novo, marcado pelo autoritarismo oriundo de Getúlio Vargas, fundado em 10 de novembro de 1937, sucedeu após alguns anos a Lei Constitucional 1, de 16 de meio de 1938 e o Decreto-Lei 431, de 18 de maio de 1938, ampliando a gama de crimes sujeitos a pena de morte, como por exemplo, envolver insurreição armada contra os poderes do Estado, a prática de atos visando promover a guerra civil, agressão à vida, a incolumidade ou a liberdade do Presidente da República, além dos atos de devastação, saque, incêndio, depredação, com o objetivo precípuo de propiciar o terror, com a finalidade de atentar contra a harmonia do Estado e de suas instituições.
Assentada no fim do Estado Novo, e na consequente derrota do nazi-fascismo no decurso da 2ª Guerra Mundial, nasce a Constituição de 18 de setembro de 1946, trazendo diversas mudanças, mas o que de fato interessa é o tema pena de morte, neste a previsão corresponde a mesma da Constituição de 1934, isto é, repudio à pena de morte, ressalvado o que é insculpido na legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro[14].
Em 1964 inicia o Regime Militar, momento áureo da pena de morte no Brasil, período marcado pelo “caça às bruxas”. Em 24 de janeiro de 1967 surge uma nova Carta Política que não trouxe mudanças no âmbito do homicídio legal. As transmutações oriundas dispositivos homenageadores da pena de morte, sucederam prefacialmente com o Ato Institucional 14, fruto da concentração de poderes nas mãos do Presidente da República (Ato Institucional 05), passou a cominar a pena capital na hipótese de “guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar”. Como se percebe, os limites da pena de morte foram abrangidos neste momento.
No ano de 1969 adveio o Decreto-Lei 898, criando os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. A parte majoritária de tais crimes possuíam como sanção a pena capital.
No mesmo ano, em 17 de outubro, a Emenda Constitucional 01 fomentou a redação concebida pelo AI 14.
A anistia só veio em 28 de agosto de 1979, mas em nada mudou as vidas ceifadas (obviamente), somente libertando os que deterioravam no cárcere. Antes da Lei de Anistia, especificamente em 13 de outubro de 1978, durante o Governo Geisel, a Emenda Constitucional 11, restaurou a tradição brasileira de admitir a pena de morte somente para crimes militares em tempo de guerra. Essa disposição perdura até os dias hodiernos.
Passa-se à análise do cenário atual.
III. A Pena de Morte aos Crimes Militares em Tempo de Guerra no Ordenamento Jurídico Atual
Após a morte de Tancredo Neves, o seu vice José Sarney torna-se Presidente da República em seu lugar. O Governo de José Sarney, apesar das alegações em contrário (por causa da crise econômica), trouxe inúmeras medidas benéficas, visando a redemocratização do país, como: assegurou a liberdade de expressão; pôs fim à censura; legalizou todos os partidos políticos; e como precípua marca a engendração da Constituição de 1988, vigorante até a atualidade. A Carta Política de 88, em cotejo às demais, é a que detêm a maior literalidade, pois seu patrimônio consiste em 245 artigos nas disposições permanentes e gerais, mais 70 artigos nas disposições transitórias, esses somados formam: 315 artigos, superadores de todas as pretensões das Constituições anteriores.
A Constituição de 1988 foi alcunha de Carta Cidadã, pela grande inovação no âmbito dos direitos e garantias individuais, devidamente fixados no artigo 5° da mesma declaração.
As disposições relativas a pena de morte na Constituição, demonstram a tradição brasileira de manter a pena de morte unicamente aos crimes militares em caso de guerra declara, como se percebe no trecho abaixo:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX[15]”.
Especificamente aos militares, o Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969, ordinariamente conhecido por Código Penal Militar (CPM)[16], aplicado desde a época do Império, traz mais informações sobre a pena capital. Em seu artigo 55, insculpe acerca das principais penas aplicadas à classe militar, que são: “a) morte; b) reclusão; c) detenção; d) prisão; e) impedimento; f) suspensão do exercício do pôsto, graduação, cargo ou função; g) reforma”[17]. De cara o primeiro instituto a ser homenageado é a pena de morte, corroborando a previsão Constitucional.
Os artigos subsequentes, a saber, artigo 56 e 57, revelam mais traços característicos da aplicação da pena de morte no Brasil, quais sejam: a) a “pena de morte é executada por fuzilamento”; b) a “sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação”; e c) se “a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interêsse[18] da ordem e da disciplina militares”[19].
Adiante, o artigo 72 elenca as circunstâncias atenuantes pertinente a determinação do quantum para aplicação das penas, sendo o Parágrafo Único congruente a pena de morte:
“Art. 72. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I – ser o agente menor de vinte e um ou maior de setenta anos; II – ser meritório seu comportamento anterior; III – ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d) confessado espontâneamente, perante a autoridade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem; e) sofrido tratamento com rigor não permitido em lei. Parágrafo único. Nos crimes em que a pena máxima cominada é de morte, ao juiz é facultado atender, ou não, às circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo”.
O concurso de crimes recebe respaldo legal no artigo 79, pois quando o agente, mediante um só ou mais de um ato comissivo ou omissivo, pratica dois ou mais crimes, análogos ou não, as penas privativas de liberdade devem ser unificadas. Se as penas são de espécies similares, a pena única consiste na soma de todas; se, de espécies distintas, a pena única é a mais grave, mas com aumento correspondente à metade do tempo da(s) menos grave(s), ressalvado o disposição do artigo 58[20]. No entanto o que desperta relevância concernente a pena de morte é o subsequente artigo 81, o qual indica: “pena unificada não pode ultrapassar de trinta anos, se é de reclusão, ou de quinze anos, se é de detenção”. No parágrafo 2° insculpe acerca da graduação no caso de pena de morte, sendo assim, quando “cominada a pena de morte como grau máximo e a de reclusão como grau mínimo, aquela corresponde, para o efeito de graduação, à de reclusão por trinta anos”. O cálculo para aplicação da pena à tentativa, em relação aos crimes punidos com a pena de morte, corresponderá à de reclusão por trinta anos, salvo disposição especial em contrário[21].
A prescrição da ação penal (punitiva) está prevista no artigo 125, sendo que a prescrição antes de transitar em julgado a sentença (medida pela pena máxima) para a pena de morte ocorre em trinta anos. Deixa-se de lado outras formas de prescrição impertinentes ao presente ensaio.
Assim como o Código Penal dos civis, o Código Penal Militar, inicialmente insculpe as cláusulas genérias, para a posteriori, demonstrar os crimes (parte específica) incididores à parte dita geral, para então aplicação da pena. Repise-se que o Decreto-Lei 2.848 (CP), possui 120 artigos em sua parte geral, de maneira revés ao Código Penal Militar, que em seu artigo 125 ainda dispõe acerca da prescrição, por exemplo.
IV. Pena de Morte versus Corporativismo Militar
Ao completar a maioridade o cidadão brasileiro obrigatoriamente deve alistar-se à carreira militar, caracterizada pela dedicação continua e inteiramente devotada às finalidades precípuas da atividade militar[22]. É facultado o ingresso mediante incorporação, matrícula ou nomeação nas Forças Armadas[23]. Grande parte das pessoas abstêm-se por motivações diversas de ingressar nesta carreira belíssima. Muitos chegam a ser reprovados, mas isso não quer dizer a impossibilidade eterna, de ingressar à vida militar. Os bem aventurados que conseguem ser admitidos, desenvolvendo a partir daí um cargo militar[24], podem até temer com todas as suas forças uma eventual guerra, mas ao contrário de sentimentos ruins, existe sempre um lado aprazível, que no caso em questão é a possibilidade de ampliar os laços de amizade.
A afetividade entre os componentes do serviço militar é fundamental, uma vez que é por intermédio dela que poderá haver uma unidade de pensamentos, formando consequentemente um time paquidérmico e destemido, possuidor de fé na missão das Forças Armadas[25]. A parceria deve ser forte, cada um é responsável por sua vida e dos seus companheiros, afinal de contas fazem parte da mesma sinergia. O amor[26] a tudo isso é a essência do valor militar.
Cumprir e fazer cumprir os preceitos básicos militares é uma função não só para si, mas para a aplicação em grupo[27].
Aquele que possui hierarquia superior, têm o dever de “zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum”[28].
Ante todo exposto, percebe-se claramente que o sentimento corporativo, fomentado a cada dia, inclusive levantado pela própria legislação militar, passa a reinar no mais intrínseco de cada componente da grande família militar. Diante disso, insta demonstrar um raciocínio com fulcro em todo este corporativismo contra a aplicação da pena de morte.
Desde a promulgação da Carta Constitucional de 1988, o Brasil não se envolve em guerra. Logo os militares que vêm compondo as forças armadas, nem imaginam como seja a realidade de uma batalha, muito menos um fuzilamento, de si e de um companheiro. Alega-se até o desconhecimento do mecanismo (pena de morte) por parte de alguns. Ressalte-se que a última execução por pena de morte no Brasil se deu em 1855, isto é, quase 200 anos de desuso.
A mentalidade conjuntural dos dias hodiernos, definitivamente não é a mesma de um país recém redemocratizado e vencedor de uma guerra, esses aspectos de certa forma faziam parte da realidade das pessoas de tal época, sobretudo das pessoas afrente do Governo.
A noção de dignidade da pessoa humana concebida nos dias atuais, não é a mesma de 24 anos atrás, pois a massificação dos meios de comunicação, e, sobretudo das oportunidades de educação do homem, aumentaram drasticamente, então à ótica atual qualquer resquício de pena de morte é absurdo e objeto de reprovação. Vale suscitar: o respeito à dignidade da pessoa humana é um dever ético de qualquer militar[29], logo só se pode respeitar aquilo que se conhece.
Conclui-se daí que, a aplicação da pena de morte aos militares, constitui gigantesco retrocesso, visto que esbarra nas ideias humanitárias vigentes e em um rijo traço: o corporativismo militar. Face ao corporativismo a aplicação da pena de morte, gerará inegavelmente revolta, culminando quiçá em um colapso, haja vista no enfraquecimento do país em todos os âmbitos por causa de uma guerra (isso é devidamente cognoscível). Além do que as Forças Armadas são o poder de um país, logo se há o fim do apoio, o Estado atual possivelmente entrará em ruínas, por vontade dos militares, psicologicamente alterados[30], gerando por consequência uma inversão de paradigmas, isto é, uma tomada do poder.
V. A Impossibilidade de Alteração da Situação Vigente
O brasileiro encontra-se perplexo em relação a criminalidade, mas acaba por levantar em um ato explosivo, exclamando: “os criminosos devem morrer”. Logo senta, acalma-se, e começa a indagar profundamente a resposta acerca da impassibilidade do Poder Legislativo, no que tange em enxergar os fatos, para tomar a providência, qual seja, reintrodução da pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro.
As propostas para mudanças do teor da lex mater iniciam mediante Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de um terço, pelo menos, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do Presidente da República; ou de mais da metade das Assembléias Legislativas dos entes da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pelo quantum majoritário relativo de seus membros[31].
De fato, à ótica de muitos a pena de morte corresponde ao melhor desenlace. No entanto, apesar da existência do instituto das emendas constitucionais, esse entendimento esbarra nos óbices constitucionais.
Reitera-se que a Constituição de 1988 foi meigamente alcunha de Carta Cidadã, por ocasião do principesco rol de direitos e garantias fundamentais insculpidos no Título II, mais especificadamente no artigo 5° do mesmo documento. Alguns famosos são: o direito à vida, as liberdades, o acesso à justiça, o princípio da reserva legal, etc. Calha enfatizar, o fixado no artigo 5° , inciso XLVII, alínea a (previsão relativa a pena capital supracitada).
Como bem é sabido, outro instituto constitucional são as cláusulas pétreas, que dão luz à manutenção de todo o ordenamento jurídico brasileiro, expurgando qualquer ameaça à harmonia instaurada. O cerne inalterável da Constituição encontra-se no artigo 60, parágrafo 4º, especificando quatro situações, a saber:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”.
As cláusulas pétreas, como o próprio nome induz, são previsões legais instituídas pelo constituinte originário para serem imutáveis, isto é, não há oportunidade de mitigação por interesses diversos, precipuamente o do detentor do poder de emenda.
Em consonância às lições de Mendes, Coelho e Branco acerca das cláusula pétreas, transcreve-se:
“Lembre-se que elas se fundamentam na superioridade do poder constituinte originário sobre o de reforma. Por isso, aquele pode limitar o conteúdo das deliberações deste. Não faz sentido, porém, que o poder constituinte de reforma limite-se a si próprio. Como ele é o mesmo agora ou no futuro, nada impedirá que o que hoje proibiu, amanhã permita. Enfim, não é cabível que o poder de reforma crie cláusulas pétreas. Apenas o poder constituinte originário pode fazê-lo[32]”.
A respeito das quatro cláusulas imutáveis da Constituição Federal, merece o devido destaque a previsão do inciso IV, pois é nesse que encontra-se embutido a não utilização da pena de morte como sanção aos civis e militares (em temporada de paz). Logo a pena de morte não poderá ser suprimida mediante, muito menos embutida mediante emenda constitucional do ordenamento brasileiro, pelo fato de que a previsão do artigo 5° , inciso XLVII, alínea a, não poderá ter seu teor modificado pelo poder constituinte derivado.
Neste sentido, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco, devidamente inspirados nas escritas de Nelson de Souza Sampaio, para quem:
“A própria natureza do poder constituinte de reforma impõe-lhe restrições de conteúdo. É usual, nesse aspecto, a referência aos exemplos concebidos por Nelson de Souza Sampaio, que arrola como intangíveis à ação do revisor constitucional: a) as normas concernentes ao titular do poder constituinte, porque este se acha em posição transcendente à Constituição, além de a soberania popular ser inalienável; b) as normas referentes ao titular do poder reformador, porque não pode ele mesmo fazer a delegação dos poderes que recebeu, sem cláusula expressa que o autorize; e c) as normas que disciplinam o próprio procedimento de emenda, já que o poder delegado não pode alterar as condições da delegação que recebeu[33]”.
Vale explicitar a bandeira defendida por alguns da possibilidade de modificação das cláusulas pétreas através de plebiscito, haja vista na estrutura do ordenamento brasileiro, totalmente pró-democracia, tanto é verdade que o povo é soberano, exercendo suas prerrogativas pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei[34]. Rebate-se tal alegação com: a) o plebiscito não é a panaceia constitucional; b) a constituição só poderá ser emendada de acordo com o que está previsto no artigo 60 (o plebiscito não está previsto); c) as cláusulas pétreas não admitem dupla revisão; d) o plebiscito não é um instituto idealizado para emendar a Carta Magna, direta ou indiretamente, muito menos pode servir como meio para vedar ou sancionar emendas deliberadas pelas casas do Congresso Nacional; e e) tal afirmativa não passa de argumento apelativo assentada no fundamento: democracia popular.
Apesar da impossibilidade de supressão da pena de morte da Constituição mediante emenda, há a alternativa de supressão por completo da pena de morte do Código Penal Militar, pois é um Decreto-Lei, que pode ser melhor interpretado mediante Lei Complementar, ou então revogado por meio de lei posterior de mesma hierarquia que trate sobre a não aplicação da pena de morte. O único efeito negativo que isso tudo geraria, seria a falta de oportunidade, conveniência e interesse coletivo da alínea a, do inciso XLVII do artigo 5°[35], pois não há possibilidade de modificação do texto literal (no caso revogação).
Há, por fim, destacar que qualquer debate acerca da pena capital é inútil, por isso resultando em perda de tempo, visto que não revela modificação alguma. Qualquer pressão ao Poder Legislativo, constitui da mesma forma estupidez. Imagine-se, a Câmara dos Deputados deliberando acerca de um projeto para alteração do teor constitucional das cláusulas pétreas, logo não haveria grandes esforços para derrubar tal atitude, haja vista na berrante inconstitucionalidade material. No que tange à indignação do brasileiro que ao avistar as barbáries, injustiças e impunidades, levanta-se, involuntariamente, tendo em vista a eclosão de truculência em seu âmago, não será solucionada com a aplicação da pena de morte, inclusive aos militares que concedem suas vidas ao exercício contínuo do patriotismo e podem ser facilmente ressocializados, mas sim, pela limpeza e reforma (impossível) do sucateamento das Polícias (lato sensu), da falência do sistema carcerário nacional, e quiçá do próprio Poder Judiciário.
V. A Guisa de Conclusão
O dispositivo legal de não aplicação da pena de morte aos civis e militares (em tempo de paz), possui valor humanitário, e, sobretudo democrático imensurável, haja vista na dificultação das injustiças (essas aos defensores da pena de morte, não passam de casos remotos). Além de tudo isso, a fixação deste instituto detêm relevância histórica, visto que a Constituição de 1988, é fruto da redemocratização do país, em contraposição aos contrassensos testemunhados no auge da Ditadura Militar brasileira, onde haviam condenações à morte a efeito de queima de arquivo, e, acima de tudo com o apartamento do devido processo legal (mais conhecido por “due process of law”).
Em contrapartida a tradição brasileira de manutenção da pena de morte reverbera até os dias atuais, como um resquício de desumanidade e retroação. O caminho a ser almejado é o de extinção plena da pena de capital no Brasil. Conforme relatório das Nações Unidas (1975)[36], 135 países são referidos como abolicionistas desta previsão legal facínora, quais sejam, Áustria, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, República Federal da Alemanha, Equador, Finlândia, Islândia, Panamá, Suécia, Uruguai e Venezuela.
O sítio Pena de Morte, demonstra uma lista atualizada, sendo por isso mais abrangente, a saber, África do Sul, Albania, Alemanha, Andorra, Angola, Argentina, Arménia, Austrália, Áustria, Azerbeijão, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Burundi, Butão, Cabo Verde, Camboja, Canadá, Chipre, Colômbia, Costa do Marfim, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, Djibouti, Equador, Eslovénia, Espanha, Estónia, Filipinas, Finlândia, França, Gabão, Geórgia, Grécia, Guiné-Bissau, Haiti, Holanda, Honduras, Hungria, Ilhas Cook, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Irlanda, Islândia, Itália, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macedónia, Malta, Maurícias, México, Micronésia, Moçambique, Moldávia, Mónaco, Montenegro, Namíbia, Nepal, Nicarágua, Niue, Noruega, Nova Zelândia, Palau, Panamá, Paraguai, Polónia, Portugal, Quirguistão, Quiribati, Reino Unido, República Checa, República Dominicana, República Eslovaca, Roménia, Ruanda, Samoa, São Marino, São Tomé e Príncipe, Seicheles, Senegal, Sérvia (incluindo Kosovo), Suécia, Suiça, Timor-Leste, Togo, Turquemenistão, Turquia, Tuvalu, Ucrânia, Uruguai, Uzbequistão, Vanuatu,Vaticano e Venezuela[37].
Como se viu, a sua introdução no ordenamento brasileiro é impossível, pois o que está previsto no artigo 5º, inciso XLVII, alínea a é imutável. Quem levantada a bandeira do assassinato legal, primeiramente ab-roga sua razão, e segundo age com boçalidade.
Em compensação há a possibilidade de supressão do ordenamento, gerando como efeito negativo unicamente uma literalidade inútil, como devidamente demonstrado.
A pena de morte no Brasil, apesar de permanecer no ordenamento não é usada a quase 200 anos, sendo que parte dos militares, e, sobretudo a própria população desconhecem tal instituto, o qual permanece até hoje por intermédio de uma tradição teimosa e defasada. Seu obsoletamento é visível, tanto é verdade que a aplicação é realizada através de fuzilamento, nem os países que aplicam a pena de morte fazem-na assim. Albert Camus demonstra os detalhes de um fuzilamento:
“Nunca viu fuzilar um homem? Não, com certeza; isto se vê, em geral, mediante convite, com público escolhido antecipadamente. O resultado é que só se fica com a noção haurida em estampas e livros. Uma venda, um poste e, ao longe, alguns soldados. No entanto, não é assim! Sabe que o pelotão de fuzilamento se coloca, ao contrário, a um metro e cinquenta do condenado? Sabe que se o condenado desse dois passos à frente, bateria nos fuzis com seu peito? Sabe que, a tão curta distância, os soldados concentram seus tiros na altura do coração e que, com suas balas de grosso calibre, fazem um buraco, aí no qual se poderia colocar o punho? Não, você não o sabe, estes são detalhes que não se comentam. O sono dos homens é mais sagrado que a vida para os pestíferos. Não se deve impedir as pessoas de bem de dormir. Seria preciso mau gosto para tanto, e o gosto consiste em não insistir, todo mundo o sabe. Mas, eu não dormi bem desde então. O mau gosto me ficou na boca e não cessei de insistir, isto é, de pensar a respeito[38]”.
Mister faz-se evidenciar: a pena de morte não diminui a criminalidade, porque se todos os detentos de uma penitenciária fossem mandados à morte, dias depois a mesma estaria lotada novamente. A aplicação da pena de morte impede o objetivo precípuo do direito penal contemporâneo: reeducar para posteriormente reinserir o condenado ao miolo social. Outrossim ignora a gama de dependentes demonstrados no parágrafo 2° do artigo 50 do Estatuto dos Militares.
Após o intróito até aqui delineado, a pena de morte além de seus aspectos característicos como: a) meio brutal de justiça; b) contrassenso sem precedentes; c) ato concededor ao Estado do poder de decidir acerca da vida humana como Deus; e d) instituto penal defasado, esbarra no atravanco dos corporativistas militares (aqueles detentores do sentimento forte de amizade entre membros de uma mesma corporação), os quais não acharão agradável ver seus companheiros assassinados por um Estado frio e calculista, externando um discurso de justiça, e ainda, nas noções ideológicas humanitárias relativas à contemporaneidade, as quais vêem na pena de morte algo asco e reprovável, tendo em vista a consagração do homem como ser natural e digno.
Fica à cargo de Norberto Bobbio a ultima ratio:
“O Estado não pode colocar-se no mesmo plano do indivíduo singular. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional: Também ele tem o direito de se defender. Mas é muito mais forte do que o indivíduo singular e, por isso, não tem necessidade de tirar a vida desse indivíduo para se defender. O Estado tem o privilégio e o benefício do monopólio da força[39]”.
Informações Sobre os Autores
Paula Camille Serêjo Cid Oliveira
Acadêmico de Direito na Universidade da Amazônia (UNAMA)
Pietro Alarcão Bortolli Raposo
Acadêmico de Direito na Universidade da Amazônia (UNAMA)