Princípio da razoabilidade e laxismo penal

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Resumo: Soluções benevolentes e absolvições em desconformidade com o princípio da razoabilidade têm sido pautadas entre as discussões em diversas conferências pelo Brasil. O presente trabalho pretende esclarecer o fenômeno do laxismo penal e sua inutilidade (no tocante à sua aplicação) no processo penal garantista.

Palavras-chave: Direito Processual Penal – Princípio da razoabilidade – Laxismo penal – Princípios do contraditório e ampla defesa.

O ordenamento processual deve salvaguardar procedimentos que atentem contra os direitos fundamentais, pois todo interesse desproporcional ou não exigível ao indivíduo deve ser tido como inconstitucional.

Tais direitos não estão restritos somente aos do acusado, mas se estende, sobremaneira, ao Estado (primeiramente), às vítimas e, se for o caso, aos seus familiares. O princípio da razoabilidade procura abarcar a confrontação indivíduo-Estado; de um lado está o ius puniendi e de outro o indivíduo, titular de direitos e garantias fundamentais na preservação do ius libertatis.

Contudo, tal assertiva tem sido subvertida por operadores do direito. Julgados criminais em violação frontal aos direitos fundamentais do particular e em discrepância com o princípio da razoabilidade trazem à baila o problema do laxismo penal, onde são latentes a desproporcionalidade existente entre o fato cometido, as provas carreadas no processo e a decisão proferida pelo magistrado.

O posicionamento do Supremo Tribunal Federal e parte dominante da doutrina brasileira vem utilizando as expressões proporcionalidade e razoabilidade indistintamente, sendo que no Brasil, referido princípio foi acolhido pela Suprema Corte em 1951 (RE 18.331, relator Orozimbo Nonato). Existem diferenças entre os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. O primeiro advém do direito alemão, enquanto o segundo surgiu da interpretação abrangente do devido processo legal pela Corte norte-americana.

No Brasil, a ausência de contemplação explícita do princípio da proporcionalidade foi grandemente responsável pelo acanhamento da proteção dos direitos humanos e das liberdades públicas, haja vista o autoritarismo cíclico que tem abarcado a trajetória das instituições brasileiras.

A expressão “proporcionalidade” possui um sentido literal limitado, pois a representação mental que lhe corresponde é a de equilíbrio. Há nela a idéia implícita de relação harmônica entre duas grandezas. A proporcionalidade em sentido amplo, porém, envolve considerações sobre a adequação entre os meios, fins e a sua utilidade para a proteção de um determinado ato (BARROS, 1996, p. 71).

O princípio da razoabilidade, por sua vez, integra o direito constitucional brasileiro, devendo o teste de razoabilidade ser aplicado pelo intérprete da Constituição em qualquer caso submetido ao seu conhecimento. Nessa primeira linha, mais inspirada na doutrina alemã, vislumbra-se o princípio da razoabilidade como inerente ao Estado de Direito, integrando de modo implícito o sistema como um princípio constitucional não-escrito. De outra parte, os que optarem pela influencia norte-americana, pretenderão extraí-lo da cláusula do devido processo legal, sustentando que a razoabilidade se torna exigível por força do caráter substantivo que se deve dar à cláusula (BARROS, 1996, p. 72).

A distinção entre os princípios em destaque é maravilhosamente bem explicitada por Albrecht (apud BARROS, 1996, p. 69):

“A razoabilidade determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão, pois enquanto a proporcionalidade consiste numa estrutura formal de relação meio-fim, a razoabilidade traduz uma condição material para aplicação individual da justiça. Daí porque a doutrina alemã, em especial, atribui significado normativo autônomo ao dever de razoabilidade”.

Embora implicitamente considerada na Constituição Federal, Silva (2003, pp. 58-9) traz determinados requisitos para a cabal adoção do princípio da proporcionalidade em matéria processual penal, retirada dos subprincípios alemães, quais sejam: a) idoneidade: concernente à adequação para se alcançar os fins previstos na lei processual (qualitativa) e a adequação na duração e intensidade compatíveis com a finalidade buscada da medida restritiva de direito fundamentais (quantitativa). Ademais, há que se levar em consideração a adequação da determinação do âmbito subjetivo de sua aplicação, ou seja, a individualização dos passivos a serem atingidos; b) necessidade: que consiste no princípio da intervenção mínima, onde se determina que o magistrado ante o caso concreto analise todas as formas para se atingir um resultado justo (leia-se proporcional) com a medida a ser adotada, para que depois dessa análise conclua por aquela mais gravosa que irá implicar em restrição de direitos fundamentais. c) proporcionalidade em sentido estrito ou ponderabilidade: que impõe ao magistrado analisar se o interesse do Estado é proporcional à violação dos direitos fundamentais. Sendo assim, mesmo autorizada a medida restritiva (subprincípio da idoneidade) e necessária (subprincípio da necessidade), há de ser proporcional ao fim buscado pelo Estado.

Entre os direitos fundamentais do acusado e outros existentes ao particular há que se considerar em cada caso concreto a ponderação de princípios. Ponderar princípios significa sopesar a fim de decidir qual dos princípios, num caso concreto, tem maior peso ou valor:

“O apelo à metódica de ponderação é, afinal, uma exigência de solução justa de conflitos entre princípios. Nesse sentido se pode afirmar que a ponderação ou o balancing ad hoc é a forma característica de aplicação do direito sempre que estejam em causa normas que revistam a natureza de princípios. A dimensão de ponderabilidade dos princípios justifica a ponderação como método de solução de conflito de princípios”. (CANOTILHO, 2002, p. 1225).

O magistrado (por representar a vontade estatal quando proferida a decisão criminal) se de forma arbitrária der vazão à desproporcionalidade aduzida acima deve ser responsabilizado administrativa e criminalmente.

Dip e Junior (2002, p. 16) conceituam laxismo penal como sendo a tendência em se propor soluções absolutórias mesmo quando essas mesmas evidências presentes no processo apontem em direção oposta, ou a aplicação de punições benevolentes, desproporcionada à gravidade e circunstancias do fato e à periculosidade do agente, sob o pretexto de que o agente seja vitima do esgarçamento do tecido social ou de relações familiares deterioradas, sujeitando-se à reprimenda simbólica ao desconsiderar o livre-arbítrio na etiologia do fenômeno trangressivo.

O fenômeno do laxismo penal bastante difundido no país afronta o princípio do contraditório, por esse abarcar a par conditio ou princípio da paridade armas, que consiste na igualdade efetiva entre os litigantes, ou seja, na perfeita simetria na relação processual. A ampla defesa também resta comprometida, pois a realização da participação descrita no princípio do contraditório necessita ser reportada para o alcance de um processo justo, sob pena de nulidade absoluta.

A persecução penal deve, igualmente, estar fundada em provas seguras e analisadas condizentemente consoante o princípio da judicialidade das provas. Tal sistema está consagrado na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal (item 7):

“Todas as provas são relativas, nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo, ou necessariamente maior prejuízo que a outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim restituído à sua própria consciência. Nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas”. (grifei).

Com a extirpação do laxismo penal pretende-se dar guarida ao processo penal garantista e não o retorno a um procedimento policialesco, em consonância com o ensinamento de Ferrajoli quando do décimo axioma formulado, a saber, nulla probatio sine defensione.

Esse axioma trata-se de implicações deônticas ou normativas (axiológicas), constituindo uma garantia jurídica para a afirmação da responsabilidade penal e aplicação da pena. Trata-se, sobremaneira, que a disputa no processo se desenvolva lealmente e com paridade de armas, primando pela perfeita igualdade entre as partes (FERRAJOLI, 1998, p. 521).

Logo, a razoabilidade formulada como princípio jurídico ou como diretriz de interpretação das leis é uma orientação que se contrapõe ao formalismo vazio, à mera observância dos aspectos exteriores da lei, formalismo esse que descaracteriza o sentido finalístico do direito. Ademais, o dever de ser pautar no princípio da razoabilidade está sem se ater ao meio escolhido, meios estes adequados, necessários e não excessivos. Sendo assim, a medida a ser adotada deve ser condizente para atingir o fim constitucionalmente instituído, que é o devido processo legal substantivo, contemplado no artigo 5°, inciso LIV da Constituição Federal.

 

Referências Bibliográficas
BRASIL. Código de Processo Penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 36 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996.
CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002.
DIP, Ricardo; JUNIOR, Volney Correa Leite de Moraes. Crime e castigo: reflexões politicamente incorretas. Campinas: Millennium, 2002.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: teoría del garantismo penal. Madrid: Trotta, 1998.
SILVA, Eduardo Araújo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Tathiana de Melo Lessa Amorim

 

Advogada. Especialista em Direito Internacional e Penal (Universidade Federal de Goiás).

 


 

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