Prisão em flagrante e os requisitos legais para sua conversão

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Resumo: Aborda de forma sistemática o novo procedimento da prisão em flagrante no Brasil após a Lei 12.403/2011 (Nova Lei de Prisões). Define e estabelece o conceito, legitimidade, espécies, momento e requisitos materiais e formais para a prisão em flagrante. Esboça o procedimento para conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, identificando os pressupostos, requisitos gerais e específicos para tanto.

Palavras chaves: Direito processual penal. Prisão em flagrante. Lei nº 12.403/2011. Procedimento. Conversão em prisão preventiva.

Abstract: Systematically addresses the new procedure of arrest in flagrante in Brazil after 12.403/2011 Law (New Law of Prisons). Defines and establishes the concept, legitimacy, species, time and material and formal requirements for the arrest in flagrante. Outlines the procedure for conversion of prison on remand in flagrante, identifying assumptions, general and specific requirements for both.

Keyworks: Criminal procedural law. Arrest in flagrante. Law No. 12.403/2011. Procedure. Conversion into custody.

Sumário: Introdução; 1 Conceito de Prisão em Flagrante; 2 Legitimidade na Prisão em Flagrante; 2.1 Legitimidades ativa; 2.2 Legitimidade passiva; 3 Espécies de Prisão em Flagrante; 4 Momento da Prisão em Flagrante; 5 Requisitos da Prisão em Flagrante e as inovações da Lei 12.403/2011; 6 Do novo procedimento para lavratura do auto de prisão em flagrante; 7 Manutenção da Prisão em Flagrante e as novas exigências da Lei 12.403/2011; 8 Dos novos fundamentos legais para conversão do flagrante em prisão preventiva; 8.1 Pressupostos; 8.2 Requisitos gerais; 8.3 Requisitos específicos; 9 Da formula genérica para conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva; Conclusão.

Introdução

Entrou em vigor no Brasil no dia 04/07/2011 a chamada “Nova Lei de Prisões” (Lei 12.403/2011). Trata-se do Projeto de Lei 4.208/2001, que depois de uma década em tramitação foi aprovado pelo Congresso Nacional.

Dentre outras coisas, o dispositivo em comento trouxe um novo procedimento operacional para a conhecida prisão em flagrante de delito. Tal procedimento vem causando sérias indagações entre os operadores do direito e parte da sociedade esclarecida, bem como entre vítimas de crimes e seus familiares.

Boa parte destes questionamentos, permissa venia, advém do excesso de “pressupostos e requisitos” para manutenção da prisão do conduzido em estado de flagrância, bem como pelo texto extenso e confuso.

Destarte, o enfretamento do tema é de fundamental importância para esclarecer passo a passo a nova sistemática, gerando, por conseguinte, segurança jurídica e paz social.

Afinal de contas, quando alguém encontrado em “estado de flagrância” ficará preso efetivamente no Brasil???

O singelo trabalho não tem o escopo de esgotar o assunto, mas apenas de lançar luzes para uma futura caminhada e pesquisa mais aprofundada.

Em respeito aos iniciantes, antes de enfrentarmos o procedimento à Luz da Nova Lei de Prisões (Lei 12.403/2011) é preciso esclarecer alguns tópicos envolvendo a prisão em flagrante.

1 Conceito de Prisão em Flagrante

É uma prisão que consiste na restrição da liberdade de alguém, independente de ordem judicial, possuindo natureza cautelar, desde que esse alguém esteja cometendo, tenha acabado de cometer ou seja perseguido (ou mesmo encontrado) em situação (ou na posse de elementos) que faça presumir o cometimento da infração penal (CPP, art.302). É uma forma de autodefesa da sociedade.

A expressão flagrante vem da expressão latim “flagare”, que significa queimar ou arder (TÁVORA, 2011, p.549). É o que crime que está acontecendo ou acabou de acontecer. É o crime evidente por si mesmo.

Por sua vez, a lavratura do APF (auto de prisão em flagrante) como veremos adiante é um ato administrativo complexo, pois inicialmente independe de manifestação jurídica(CAPEZ, 2011, p.309).

2 Legitimidade na Prisão em Flagrante

2.1 Legitimidades ativa

Qualquer pessoa do povo poderá realizar a prisão em flagrante, estando, nesse caso, no exercício regular de um direito, tratando a hipótese de um flagrante facultativo (CPP, art.301).

Já as autoridades policiais e seus agentes deverão realizar a prisão em flagrante, estando, nesse caso, no estrito cumprimento de um dever legal, sendo que aqui ocorre um flagrante obrigatório ou compulsório (CPP, art.301).

Lembrando que a Prisão em Flagrante no Brasil é um ato administrativo complexo, sujeito ao crivo do Poder Judiciário. Embora a condução coercitiva possa ser feita por qualquer pessoa (seja de forma facultativa ou obrigatória), somente a “autoridade competente” poderá lavrar o chamado APF (auto de prisão em flagrante), encerrando o conduzido/autuado no cárcere (GOMES e MARQUES, 2011, p.130).

Quanto à legitimidade ativa e a “autoridade competente”, existem algumas modalidades de flagrantes:

a) Flagrante policial: na maioria das vezes, a autoridade policial será o delegado de polícia. Mas existem outros tipos de autoridades (CPP, art.304);

b) Flagrante militar: no caso de infração militar, o auto de prisão em flagrante é lavrado pela autoridade policial militar encarregada (Tenente, Capitão, etc);

c) Flagrante parlamentar: O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento interno, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito (Súmula 397 do STF);

d) Flagrante judicial: Se o crime for cometido na presença do Juiz de direito ou contra este, no exercício de suas funções, será ele o competente para lavrar o auto (CPP, art.307, parte final);

Dentre outras.

2.2 Legitimidade passiva

Noutra senda, registre-se que qualquer cidadão pode ser autuado em estado de flagrante de delito. Salvo algumas exceções.

1ª Exceção: diz respeito às pessoas que não podem ser presas em estado de flagrante. São elas (TÁVORA, 2011, p.541):

1-Menor de 18 anos (menor é apreendido – art.106 do ECA);

2-Diplomatas estrangeiros (Decreto nº 61.078/67);

3-Presidente da República (art. 86. § 3º, CF/88);

4- Agente que socorre a vítima de trânsito (art. 301 da Lei n. 9.503/97), para evitar a fuga e estimular o socorro;

5- Aquele que se apresenta espontaneamente à autoridade após o cometimento do delito. Nada impede, entretanto, que lhe seja decretada a prisão preventiva, se necessário e adequado.

2ª Exceção: diz respeito às pessoas que não podem ser presas em estado de flagrante, salvo quanto aos Crimes Inafiançáveis. São elas (Ibidem, p.541):

1- Membros do Congresso Nacional (art.53, §2º do CF/88);

2- Deputados estaduais (art.27, §1º c/c art.53, §1º, da CF/88);

3- Magistrados (art.33, II, LC nº 35/79 – LOMAN);

4- Membros do MP (art.40, III, Lei nº 8.625/93 – LONMP);

5- Advogados no exercício da profissão (art.7º, Lei 8.906/94)

3 Espécies de Prisão em Flagrante

No Brasil, temos várias espécies de prisão em flagrante de delito. Algumas permitidas pela Legislação vigente, outras repudiadas pela Jurisprudência dos Tribunais pátrios. Em uma brevíssima análise, podemos destacar as seguintes (CAPEZ, 2011, p.310):

a) Flagrante próprio: é o flagrante propriamente dito, real ou verdadeiro. O agente é preso enquanto está cometendo a infração penal ou assim que acaba de cometê-la (art. 302, incs. I e II, do Código de Processo Penal).

b) Flagrante impróprio: é o flagrante irreal ou “quase-flagrante”. O agente é perseguido “logo após” cometer o ilícito, em situação que faça presumir ser ele o autor da infração (art. 302, inc. III, do Código Penal). A expressão “logo após” abarca todo o espaço de tempo para a polícia chegar ao local, colher as provas do delito e iniciar a perseguição. O conceito de perseguição por sua vez, encontra-se eriçado no art.290, §1º, do CPP.

c) Flagrante presumido: é o flagrante ficto ou assimilado. O agente do delito é encontrado, “logo depois”, com papéis, instrumentos, armas ou objetos que fazem presumir ser ele o autor do delito (art. 302, inc. IV, do Código de Processo Penal). Segundo o autor Guilherme de Souza Nucci (2011, p.608), “a jurisprudência do STJ tem admitido um prazo razoável de até 24 horas como logo depois (RT 830/577)”. De qualquer forma, cada caso deve ser analisando com ponderação.

d) Flagrante facultativo: é a faculdade que qualquer um do povo tem de efetuar ou não a prisão em flagrante, conforme os critérios de conveniência e oportunidade (art.301, 1ª parte, do CPP).

e) Flagrante compulsório: as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de efetuar a prisão em flagrante, não possuindo qualquer discricionariedade (art.301, 2ª parte, do CPP).

f) Flagrante preparado, provocado ou induzido: é o delito de ensaio, delito de experiência, delito putativo por obra do agente provocador. Ocorre quando alguém, de forma insidiosa, provoca o agente à prática de um crime e, ao mesmo tempo, toma providências para que ele não se consume. No flagrante preparado, o policial ou terceiro induz o agente a praticar o delito e o prende em flagrante. O STF considera atípica a conduta, e portanto ilícito o flagrante nestas condições, conforme orientação da SÚMULA N. 145 DO STF: “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

O professor Nestor Távora (2011, p.535) chama atenção “para o crime permanente que já vinham sendo praticado antes do delito secundário provocado ou induzido (Ex. Traficante preso por falso policial que se passa por usuário habitual de maconha). No exemplo dado, o traficante será punido não porque vendia, mas porque trazia antes consigo drogas para fins comerciais – art.28, da Lei 11.343/2006”. Nestes casos, segundo o autor, poderia haver a prisão em flagrante quanto ao crime permanente anterior.

g) Flagrante esperado (famosa TOCAIA): essa hipótese é válida. O policial ou terceiro espera a prática do delito para prender o agente em flagrante. Não há qualquer induzimento.

h) Flagrante forjado: é o flagrante maquinado, fabricado ou urdido. Policiais ou terceiros criam provas de um crime inexistente para prender em flagrante. Exemplo: Policial que ao revistar o carro coloca/implanta sorrateiramente droga no veículo para incriminar o motorista ou passageiro. Apesar da dificuldade prática de sua prova, essa modalidade de flagrante é ilícita (porque o crime é inexistente) e o policial responde por crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/65) se o fato não constituir crime mais grave.

i) Flagrante prorrogado ou retardado: O policial tem a discricionariedade para “deixar de efetuar” a prisão em flagrante no momento da prática delituosa, objetivando esperar o momento mais importante e adequado para a investigação criminal ou para a colheita de provas. Só é possível em duas situações:

a) Em se tratando de crimes praticados por organizações criminosas (art. 2.º, inc. II, da Lei n. 9.034/95). Neste casos, não é preciso ordem do Juiz ou mesmo oitiva prévia do MP. Caberá à autoridade policial administrar a conveniência e a oportunidade da postergação.

b) Em se tratando de crimes previstos na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Contudo, diferente do exemplo acima, é preciso ordem do Juiz e oitiva prévia do MP (art.53, inc.II, a, da Lei 11.343/2006).

4 Momento da Prisão em Flagrante

A prisão em flagrante pode ser feita tanto na fase do inquérito policial (ou mesmo antes deste) ou durante o processo judicial (Ex. Falso Testemunho-art. 342 do Código Penal). Não se exige mandado judicial. Logo, pode ser feita em qualquer momento, desde que um crime esteja ocorrendo em estado de flagrância (art.302 do CPP).

Portanto, não há restrições quanto ao momento: pode ser realizada em qualquer dia, horário ou local, inclusive dentro de residência, mesmo sem o consentimento do morador (art.5º, XI, CF/88).

Conforme leciona a doutrina, “Tal fato pode ocorrer inclusive nas situações onde a polícia adentra a residência em perseguição ao criminoso que acabou de praticar a infração penal (TOURINHO, 2011, p. 664)”.

5 Requisitos da Prisão em Flagrante e as inovações da Lei 12.403/2011.

Além do aspecto material (ter sido o conduzido encontrado em estado de flagrância) é importante observar o aspecto formal para lavratura do auto de prisão em flagrante, sob pena de relaxamento da prisão manifestamente ilegal (art.5º, LXV, CF/88).

Isto porque, a inversão ou mesmo ausência dos requisitos (material ou formal) pode ensejar a colocação do conduzido em liberdade, o que gera grande dissabor para as autoridades envolvidas e direito de reparação ao conduzido (ou encarcerado) ilegalmente.

Neste aspecto, a Lei 12.403/2012 trouxe várias inovações procedimentais, estabelecendo uma sistemática própria para lavratura do auto de prisão em flagrante (TÁVORA, 2011, p.544).

Vejamos como ficou a nova ordem, segundo os artigos 304 a 310 do Código de Processo Penal (Ibidem, p.547):

a) Captura e apreensão em “estado de flagrância”. Se for infração de menor potencial ofensivo (contravenção penal ou crime cuja pena máxima seja igual ou abaixo de dois anos) será lavrado um TCO (termo circunstanciado de ocorrência policial – art.69 da Lei 9.099/95 ) e não haverá prisão em flagrante ou mesmo inquérito policial;

b) Na seqüência, o conduzido é apresentado coercitivamente à autoridade competente;

c) Neste momento, tem direito de comunicar imediatamente sua prisão a pessoa livremente indicada (art.306 do CPP);

d) O condutor da prisão será ouvido (ex. policial militar condutor);

e) A vítima será ouvida (e colhida sua representação, se for o caso);

f) O Representante legal da vítima menor será ouvido (se for o caso);

g) Oitiva das testemunhas (no mínimo duas – art.304,§2º, do CPP, ainda que seja apenas de apresentação).

h) O capturado é interrogado (a presença do advogado nesse momento é facultativa);

i) Lavratura e assinatura dos termos, autos e laudos;

j) Análise de fiança pelo delegado conforme arts. 322 a 325 do CPP;

l) Sendo negado o arbitramento da fiança, será o autuado encarcerado e recolhimento ao estabelecimento prisional adequado (art.304, §1º, do CPP);

m) Expedição da Nota de Culpa em até 24 horas após a captura (art.306, §2º, do CPP). A Nota de Culpa deverá conter os direitos do conduzido, a assinatura da autoridade, o motivo da prisão, o nome do condutor e das testemunhas.

n) O auto de prisão em flagrante será encaminhado em até 24 horas ao Juiz e Promotor com competência e atribuição, respectivamente, para conhecer da infração penal (art.306, §1º, do CPP). Será entregue uma cópia também ao advogado declinado pelo autuado. Caso não tenha advogado, será enviada cópia integral para a Defensoria Pública. Não havendo defensor disponível, deverá ser nomeado um advogado dativo.

o) O Juiz por sua vez, ao tomar conhecimento da prisão em flagrante pode/deve tomar as seguintes medidas (Novo art.310, do CPP, com as alterações da Lei 12.403/2011):

-Relaxar a prisão em flagrante: quando manifestamente ilegal ou irregular o flagrante (art.5º, IXV, CF/88);

-Converter a prisão em flagrante em prisão preventiva: se presentes os requisitos desta (arts.310, II e 312 do CPP);

-Conceder liberdade provisória: cumulada ou não com algumas medidas cautelares (inclusive a fiança), se ausentes os requisitos da preventiva (art.321 do CPP e art.5º, LXVI, CF);

Para Nestor Távora (2011, p.544), salvo no caso do relaxamento de ofício da prisão manifestamente ilegal, caso queira colocar o autuado em liberdade provisória ou mesmo converter a prisão em flagrante em prisão preventiva deverá o Juiz ouvir antes o Ministério Público (art.282, §3º, do CPP).

Mesmo porque, o Juiz não pode mais decretar prisão preventiva de ofício na fase de investigação criminal (art.311 do CPP), pela mesma razão, não poderia convertê-la ex officio.

6 Do novo procedimento para lavratura do auto de prisão em flagrante.

Destarte, a guiza das inovações trazidas pela Lei 12.403/2011, tem-se um novo procedimento para lavratura da prisão em flagrante. Vejamos o fluxograma.

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7 Manutenção da Prisão em Flagrante e as novas exigências da Lei 12.403/2011.

O grande problema então é que o Juiz somente pode manter o autuado preso em flagrante se os “fundamentos” da prisão preventiva estiverem presentes. Isto porque, a manutenção da prisão em flagrante só é possível diante da sua conversão – de forma fundamentada – em prisão preventiva autônoma (TOURINHO, 2011, p.654).

Lembrando que a prisão preventiva somente será decretada ainda, se não for possível a sua substituição por uma medida alternativa mais branda (artigos 282, §6º e 319, ambos do CPP). Em outras palavras, ausentes os fundamentos da prisão preventiva, fica obrigado o Juiz a conceder a Liberdade provisória ao conduzido preso em flagrante, mesmo naqueles casos onde a materialidade e autoria são incontestes (PACELLI, 2011, p.422). Trata-se de um poder/dever do magistrado, notadamente, porque o conduzido possui (como regra) direito público subjetivo à liberdade provisória (Ibidem, p.423).

Nesse sentido, é a redação do novo art.310 do CPP: “Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão”.

Pode-se dizer que a conversão referida já vinha sendo aplicada na prática, ainda que a lei não fosse explícita. Contudo, a Lei 12.403/2011 criou uma série de “fundamentos” para decretação da prisão preventiva, o que em última análise, dificulta a manutenção da prisão em flagrante (bem como sua conversão) e enseja a colocação do preso em liberdade.

É isso que a sociedade de uma forma geral não entende. Alguns inclusive se perguntam: Como pode alguém ser preso em flagrante e ainda estar solto??? A verdade é que a prisão em flagrante tornou-se efêmera e por assim dizer limitada ao prazo de 24 horas do art.306 do CPP.

Alguns doutrinadores como Eugênio Pacelli de Oliveira (2011, p.422) já chamam a mesma de “prisão pré-cautelar”, vez que esvaziada em si mesmo quanto aos “fundamentos” para sua manutenção.

8 Dos novos fundamentos legais para conversão do flagrante em prisão preventiva.

Vejamos por outro lado, quais são os atuais “fundamentos” trazidos pela Lei 12.403/2011, “que verificados diante do caso concreto, podem ensejar de forma excepcional a manutenção da prisão em flagrante, através da sua conversão em prisão preventiva propriamente dita (CAPEZ, 2011, p.324)”.

Lembrando que a prisão preventiva na verdade é uma medida cautelar como qualquer outra (RANGEL, 2011, p.250), assim sendo, para sua decretação válida será necessário periculum libertatis (artigos 282 e 312 do CPP) e fumus commissi delict (artigo 312, parte final, c/c artigos 310 e 313, ambos do CPP).

Por seu turno, analisando todos os “fundamentos” postos pela Lei 12.403/2011, podemos dizer que a prisão preventiva tornou-se uma “medida cautelar provisória tridimensional”, condicionada às dimensões de existência, validade e eficácia.

Os fundamentos e suas dimensões seriam os pressupostos (campo da existência), os requisitos gerais (campo da validade) e os requisitos específicos (campo da eficácia).  Vejamos a figura.

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8.1 Pressupostos

Os pressupostos seriam aqueles inerentes à proporcionalidade da medida. Ou seja, deve a prisão cautelar (bem como a conversão do flagrante) ser necessária, adequada e últil para o deslinde do processo. Tais pressupostos devem constar inclusive da fundamentação posta, seja para negar ou conceder a medida.

Nesse sentido, temos o art.282, I e II, do CPP, in verbis: “As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – Necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – Adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. § 6o  (Utilidade) A prisão preventiva será determinada quando não for cabível substituição por outra medida cautelar (art.319) (grifo nosso)”.

8.2 Requisitos gerais

Os requisitos gerais são aqueles do art.312, do CPP, in verbis: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal (periculum in mora), quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (justa causa(JC) = fumus boni jures) (grifo nosso)”.

8.3 Requisitos específicos

Finalmente, os requisitos específicos são aqueles do art.313 do CPP, in verbis: “Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; IV – (revogado). Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida”.

9 Da formula genérica para conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.

Como dito alhures, o problema são os excessos de pressupostos e requisitos para conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva propriamente dita.

Por derradeiro, como consuetudinário lógico, alguns podem se perguntar: Será preciso a presença de todos os “fundamentos” para conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva???

Certamente que não, conforme já havia se posicionado a jurisprudência pátria (GOMES e MARQUES, 2011, p.135). Neste aspecto, sugerimos que os pressupostos, requisitos gerais e específicos sejam aplicados de forma lógica e razoável, atendendo à teleologia existente por detrás das normas mencionadas.

Precisamos imaginar o que o Legislador desejava no momento da criação da norma e o fim precípuo a que se destina (BONFIM, 2011, p.56). Desta forma, podemos imaginar uma formula genérica que deverá ser aplicada caso a caso. Vejamos a figura.

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Explicando: a prisão preventiva poderá ser decretada quando todos os pressupostos estiverem presentes + ao menos 1 (um) dos requisitos gerais (salvo a Justa Causa que é obrigatória) + ao menos 1(um) dos requisitos específicos.

Sendo atendida a fórmula acima, a prisão em flagrante poderá ser convertida com louvor em prisão preventiva. Do contrário (GOMES e MARQUES, 2011, p.130), não resta outra saída senão relaxar a prisão em flagrante manifestamente ilegal ou mesmo colocar o paciente em liberdade provisória.

Lembrando que a liberdade provisória poderá ser cumulada com várias outras medidas cautelares alternativas (art.319 do CPP), dentre elas a própria fiança (art.319, VIII, do CPP). Mas este seria um tópico para um estudo em separado, tamanha a riqueza de detalhes.

Conclusão

A liberdade é a regra; mesmo após a condenação passada em julgado, a prisão eventualmente aplicada não será perpétua, isto é, será sempre provisória. Portanto, o que é provisório é sempre a prisão, assim como todas as demais medidas cautelares, que sempre implicarão restrições a direitos subjetivos.

m consequência, toda e qualquer prisão deverá ser devidamente fundamentada pelo Juiz ou Tribunal, pautando-se sempre pela aplicação dos princípios da necessidade, adequação e utilidade, a fim de que, excepcionalmente e provisoriamente, sejam razoáveis e proporcionais para o caso concreto (BONFIM, 2011, p.30).

Nesta esteira, apesar do novo procedimento para manutenção da prisão em flagrante ser duramente questionado, haja vista o excesso de fundamentos para conversão da prisão em flagrante em preventiva, tem-se que o mesmo ainda é muito bem-vindo.

Isto porque, objetiva resguardar os cidadãos dos eventuais exageros ou mesmo dos despachos genéricos que encerram o conduzido ao cárcere de forma não fundamentada, mesmo possuindo plenas condições de provar a sua inocência em liberdade assistida.

De qualquer forma, é da boa aplicação e fiscalização do novo diploma que dependerá sua eficácia, assim como os aplausos da sociedade organizada e dos operadores jurídicos. Mais do que nunca, é válida a máxima de que a aplicação da Lei é mais importante que sua elaboração.

 

Referências
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Disponível em <http://www.planalto.gov.br> Acesso em: 25 de fevereiro de 2011.
_______. Lei nº 12.403 de 4 de maio de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br> Acesso em: 25 de fevereiro de 2011.
_______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.145. Diário de Justiça da União, Brasília, 13 de dezembro 1963. Seção 1, p. 82.
_______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.397. Diário de Justiça da União, Brasília, 15 de maio 1964. Seção 1, p. 1255.
BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do Processo Penal: Comentários à Lei n.12.403/2011. Saraiva, São Paulo: 2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
GOMES, Luiz Flávio Gomes; MARQUES, Ivan Luiz Marques. Prisão e Medidas Cautelares – Comentários à Lei 12.403/2011. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª ed. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual penal. 6ª ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 14ª. São Paulo: Saraiva, 2011.

Informações Sobre o Autor

Gylliard Matos Fantecelle

Mestre em Direito Eclesiástico pelo ITG. Especialista em Ciências Criminais pelo LFG/UNAMA. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FADIVALE. Professor titular em Direito Penal e Processual Penal nas Faculdades de Direito da DOCTUM e FENORD. Membro do IBCCRIM. Advogado em Teófilo Otoni-MG


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