Responsabilidade penal da pessoa jurídica

Resumo: A pessoa jurídica tem um papel importante na sociedade pós-industrial, tanto no campo econômico, social ou político. Com o processo de mundialização da economia, aumentaram os crimes praticados por meio e em favor da pessoa jurídica, especialmente contra o meio ambiente. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica para os crimes ambientais e contra a ordem econômica e financeira, ensejando uma revisão dos elementos tradicionais da dogmática penal. Entretanto, parte da doutrina reluta em aceitar a responsabilidade da pessoa jurídica, afirmando ser ela incompatível com os princípios que regem o Direito penal, em especial, com a responsabilidade pessoal subjetiva e a culpabilidade. Partem do pressuposto que somente a pessoa física é capaz de praticar uma conduta delituosa, e que a pessoa jurídica não tem capacidade de culpabilidade. Em razão dessas mudanças, urgem novas vozes exigindo um novo Direito penal que atenda as demandas da sociedade pós-industrial, contudo, sem eliminar as garantias fundamentais. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é perfeitamente possível no Direito penal que tem por função a prevenção geral da sociedade. Ademais, outros subsistemas jurídicos já aceitam perfeitamente a responsabilidade civil e administrativa da pessoa jurídica com base numa culpabilidade própria. Com a edição da Lei 9.605/98, parte da doutrina e jurisprudência brasileira passou a aceitar a existência de uma culpabilidade própria, no campo penal, para a pessoa jurídica. Para isso, exigem a comprovação de três elementos: 1) que a violação decorra de deliberação do representante legal ou contratual da pessoa jurídica; 2) que o autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; e 3) que a infração praticada se dê no interesse ou benefício da pessoa jurídica. Todavia, face ao princípio da dupla imputação, deve-se especificar claramente quais os elementos integram a responsabilidade social da pessoa jurídica, para que se possa diferenciar dos elementos da culpabilidade do autor material.


Palavras-chave: Responsabilidade penal. Pessoa jurídica. Controle social. Jurisprudência. Dupla imputação.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Abstract: The legal person has an important role in post-industrial society, both in the economic, social or political.  In the process of globalisation of the economy, rose the crimes committed by and on behalf of the legal person, especially against the environment. In this context, the Federal Constitution of 1988 established the criminal liability of legal person for crimes against environmental and economic order and financial, providing a review of elements of traditional dogmatic criminal. However, the doctrine reluctant to accept the criminal liability of the legal person, saying it is incompatible with the principles that govern the criminal law, in particular with the subjective personal responsibility and the guilt. Based on the assumption that only the individual is able to pursue a criminal conduct, and that the legal person has no capacity for guilt. Because of these changes, new voices are demanding a new criminal law that meets the demands of the post-industrial society, but not eliminate the basic guarantees. The criminal liability of legal person is perfectly possible in criminal law which is to prevent the general society. In addition, other subsystems already accept perfectly legal to civil or administrative liability of the legal person based on its own culpability. With the edition of Law 9.605/98, the doctrine and jurisprudence Brazilian came to accept the existence of an own culpability in the criminal field for the legal person. Thus, to require proof of three elements: 1) that the violation stems from resolution of contractual or legal representative of the legal person; 2) that the individual author of the violation is tied to the legal person;  and 3) that the offence is committed in the interest or benefit of the legal person. However, against the principle of double-imputation, should clearly specify what elements within the social responsibility of the legal person in order to differentiate the elements of guilt of the individual author.


Keywords: Penal responsibility. Legal entity. Control social. Jurisprudence. Double-imputation.


Sumário: Introdução. 1 natureza penal da sanção da pessoa jurídica. 1.1 Conceito e Missões do Direito Penal. 1.2 Bem Jurídico-penal e a Missão do Direito Penal. 1.3 Estrutura da Norma Jurídico-Penal. 1.3.1 Teorias da pena no Estado social e democrático de Direito. 1.3.2 Natureza jurídica da sanção “penal” da pessoa jurídica. 2 responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2.1 Natureza Jurídica da Pessoa Jurídica. 2.2 Capacidade de Ação da Pessoa Jurídica. 2.3 Capacidade de Culpabilidade da Pessoa Jurídica. 2.3.1 Culpabilidade como reprovação e fundamento da pena. 2.3.2 Culpabilidade da pessoa jurídica. 3 aspectos dogmáticos da responsabilidade penal do pessoa jurídica. 3.1 A Constituição Brasileira e a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. 3.2 Requisitos Dogmáticos da Lei 9.605/98 e da Jurisprudência do STJ. 3.2.1 A escolha político-criminal da responsabilização penal da pessoa jurídica. 3.2.2 Capacidade de ação e de culpabilidade da pessoa jurídica. 3.2.3 O sistema de dupla imputação. 3.2.4 Critérios explícitos da responsabilidade penal da pessoa jurídica. 3.2.5 Critérios implícitos da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Conclusão.


INTRODUÇÃO


A responsabilidade penal da pessoa jurídica é um tema bastante controvertido no campo do Direito penal. A sua aceitação revolve todos os conceitos tradicionais do delito elaborados com muito esmero pela dogmática penal. No entanto, a Constituição Federal de 1988 prevê a responsabilidade criminal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica e financeira e, neste caso, expressamente contra o meio ambiente.


O estágio atual da sociedade mundial tem como principal ator econômico e social a pessoa jurídica, com todo seu poder financeiro capaz de mover “montanhas” para satisfazer as necessidades humanas. Com isso, seu poder ofensivo a bens jurídicos fundamentais é enorme, o qual não pode escapar do controle social exercido pelo Direito penal.


O presente trabalho tem por objetivo investigar a natureza jurídica da sanção aplicada a pessoa jurídica, à luz da função e missão do Direito penal, e em relação às demais sanções previstas no campo administrativo e civil. Bem como, analisar, com base na doutrina da teoria constitucionalista do delito, a capacidade e culpabilidade penal da pessoa jurídica. Destacando as inovações introduzidas pela Lei 9.605/98, em especial, quanto a dupla imputação como solução para responsabilizar penalmente a pessoa jurídica e seus gestores por suas condutas e atividades lesivas ao ordenamento jurídico.


A intenção deste estudo é refletir o tema com o compromisso de verificar a compatibilidade da responsabilidade da pessoa jurídica com a missão do Direito penal dentro do Estado social e democrático de Direito, que se propõe assegurar as garantias fundamentais e promover o bem-estar de todos.


Para isso, estruturou-se o presente estudo de forma a abordar no primeiro capítulo a investigação sobre a principal missão a ser desempenhada pelo Direito penal, dentro do contexto social de controle formal das condutas desviadas numa determinada sociedade.


Ainda no primeiro capítulo busca-se determinar qual a natureza jurídica da sanção “penal” da pessoa jurídica em relação às demais sanções aplicadas pela sociedade, seja pelo controle social informal ou institucionalizado.


A partir do segundo capítulo, aborda-se a responsabilidade penal propriamente dita da pessoa jurídica, investigando, dentro do contexto atual da sociedade pós-industrial, a natureza jurídica desta, especialmente, sobre a capacidade de ação e de culpabilidade.


Além disso, no segundo capítulo, se se perquire a responsabilidade social da pessoa jurídica, analisando os elementos da culpabilidade individual e sua compatibilidade com a natureza da pessoa jurídica, bem como outros elementos que poderiam formar uma culpabilidade própria.


No terceiro e último capítulo, investiga-se os critérios criados pela Lei 9.605/98 para a responsabilidade da pessoa jurídica, os quais a doutrina classifica em explícitos e implícitos. Dentro desse contexto, analisa-se os principais argumentos que fundamentaram a decisão do REsp (Recurso Especial) 564.960 do Superior Tribunal de Justiça, que tornou-se o leading case na questão de responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito brasileiro.


Ainda no terceiro capítulo, analisa-se a responsabilidade do ente moral atribuída por ato praticado pela pessoa física vinculada aquela, por meio da dupla-imputação, ou melhor, pela responsabilidade por ricochete. Examinando, assim, a necessidade de responsabilizar também a pessoa física por delito cometido pela pessoa moral.


1 NATUREZA PENAL DA SANÇÃO DA PESSOA JURÍDICA


1.1 Conceito e Missões do Direito Penal


O Direito penal, como um instrumento do controle social formal[1], tem a finalidade de assegurar a estabilidade e a sobrevivência em sociedade. Para Luiz Flávio Gomes (2007, p. 25) “só um eficaz sistema de controle social garante a conformidade do indivíduo bem como sua submissão às normas de convivência (disciplina social)”.


Cada instituição do controle social possui um conjunto de regras que disciplina as condutas desviadas de seus membros, define os tipos de sanção social e seu método de aplicação.


“Sem controle social a existência não seria possível, já que é imaginável um processo de socialização sem normas de condutas, sem sanção para os casos de descumprimento das mesmas e sem cumprimento real das normas e sanção, ou seja, sem controle social” (Hassemer; Muñoz Conde, 1989, p. 115).


A finalidade do controle social, pois, é a garantia de sobrevivência dos membros do grupo, dentro de uma ordem social[2], por meio da aplicação de uma resposta social aos membros que praticam as condutas não permitidas, mediante um procedimento ou ritual de valoração.


Pela intensidade da sanção do Direito penal, este é obrigado a ser extremamente formal. Winfried Hassemer e Francesco Muñoz Conde (1989, p. 116-117) destacam a importância de um controle social formal, como sendo um sistema previsível, controlável e vinculado a princípios e critérios de conformidade/desconformidade. Neste contexto, um controle social formal apresenta as seguintes finalidades: a) orientar a todos os destinatários da norma (infrator, vítima e demais cidadãos) de uma carga emotiva, ou melhor, abster-se de um comportamento inaceitável, intolerável; b) selecionar, delimitar e estruturar possibilidades de conduta dos membros do grupo social, por exemplo, a possibilidade de retratação nos crimes contra a honra; c) distanciar os envolvidos em conflito (vítima e infrator); d) proteger uma parte do conflito (o mais débil); e) possibilitar soluções definitivas do conflito, por exemplo, quando se obriga a vítima aceitar a compensação dada pelo agressor e proibindo-a, por consequência, de revidar com outra agressão.


Luiz Flávio Gomes (2007, p. 26), ao citar Kaiser (1978, p. 83), assim conclui: “o direito penal simboliza o sistema normativo mais formalizado, com uma estrutura mais racional, e conta com o mais elevado grau de divisão de trabalho e especificidade funcional dentre todos os subsistemas normativos”.


Em suma, o Direito penal é a fração do controle social formal que utiliza as consequências mais graves da sociedade, como a pena e medida de segurança. Assim, ele deverá se interessar, por medida limitadora e garantista, somente das condutas que ofendam os bens jurídicos mais relevantes dessa sociedade.


Num Estado de Direito, a seleção de condutas e bens jurídicos utilizados pelo controle social formal deve ser realizada por lei e valorada por princípios[3], que, de acordo com o objetivo a ser alcançado (regular as relações da vida política, privada, comerciais, finanças, tributos, laborais), formará o ordenamento jurídico de uma comunidade.


Infere-se, assim, que o Direito penal tem um fim a exercer, isto é, uma finalidade, meta ou função[4]. Destaca-se como missão mais importante do Direito penal a defesa da sociedade por meio da proteção de bens jurídicos fundamentais como a vida, integridade física e mental, honra, liberdade, patrimônio, costumes, paz pública etc[5].


A fundamentação teórica da missão do Direito penal pode ser classificada em proteção exclusiva de bens jurídicos, proteção dos valores ético-sociais e confirmação da fidelidade ao direito. Com a expansão do Direito penal[6], outras missões são colocadas em destaque como a função promocional e a simbólica.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Partidário da corrente que a missão do Direito penal é a proteção exclusiva de bens jurídicos, Luiz Flávio Gomes (2007, p. 226) assim se posiciona:


“O Direito penal só protege os bens mais valiosos para a convivência humana; o faz, ademais, exclusivamente diante dos ataques mais intoleráveis de que possam ser objeto (natureza “fragmentária” da intervenção penal); e quando não existem outros meios mais eficazes, de natureza não penal, para salvaguardá-los (natureza “subsidiária” do Direito penal.”


De modo geral, num estado pluralista, a missão de proteção exclusiva de bens jurídicos desempenhada pelo Direito penal é que mais se aproxima com os princípios de intervenção mínima no campo penal.


Por sua vez, a missão de proteção dos valores ético-social[7] tem como ponto de valoração a conduta como meio de proteção dos bens jurídicos. Parte do pressuposto de que os valores como dignidade humana e vida não podem ser quantificados para sua proteção (Hassemer; Muñoz Conde, 1989, p. 102), e que não é possível uma proteção exclusiva dos bens jurídicos, pois,


“se assim fosse, sua intervenção seria sempre tardia: mais importante que a tutela de concretos bens jurídicos singulares é a missão de assegurar e garantir a vigência real (observância) dos valores do ato da consciência jurídica, que são o fundamento mais sólido que possa ter o Estado e a sociedade” (Gomes, 2007, p. 228)


Com efeito, os valores expressos na norma não têm conteúdo neutro, ou melhor, ela dirige-se sempre a uma determinada orientação política e econômica, logo, não é possível impor esses ‘valores’ por meio do Direito penal, uma vez que, numa sociedade plural[8], não é dever de o controle social formal penal orientar politicamente os seus membros, devendo essa tarefa ser exercida por outras formas e instâncias do controle social.


Na terceira fundamentação teórica da missão protecionista de bens jurídicos pelo Direito penal, tem-se a posição defendida por Güther Jakobs, que considera como missão do Direito penal a prevenção geral da sociedade pela “confirmação da fidelidade ao direito”, e que no fundo não diferencia da posição de Welzel, pois parte da ideia de que se precisa ter “fé nas normas”, e que estas devem ser confirmadas quando infringidas, configurando assim certa consciência jurídica, e que, ao mesmo tempo, junto com essa “fé nas normas”, aprende-se que a infração ao ordenamento normativo não é uma alternativa discutível, e, se o infligir, deverá arcar com as suas consequências (Hassemer; Muñoz Conde, 1989, p. 102-103).


Agora, nas consequências indesejadas do Direito penal, como na função promocional, aquele desempenha a missão de motor para dinamizar e promover as mudanças estruturais necessárias da sociedade. De acordo com Luiz Flávio Gomes (2007, p. 233)


“a função ‘promocional’, portanto, inspira sempre uma política penal intervencionista. Não limita, como seria desejável, a presença do Direito penal nas relações sociais, senão que a potencializa e exacerba, ao encomendar-lhe indevidamente o impulso, dinamização e vanguarda da mudança social.”


Na função simbólica[9], por seu turno, o Direito penal privilegia os efeitos psicológicos da norma (função latente) à função de tutela de bens jurídicos (função manifesta). “Não visa ao infrator potencial, para dissuadi-lo, senão ao cidadão que cumpre as leis, para tranqüilizá-lo, para acalmar a opinião pública” (Gomes, 2007, p. 343). Com essa atitude, a função simbólica cria grave risco de perda da eficácia da norma penal, pois o que se busca é dar satisfação a ira da população com a ilusão de ser o Direito penal o remédio para todos os males da sociedade.


As funções promocional e simbólica, também denominadas por Luiz Flávio Gomes (2007, p. 223) como funções ilegítimas do Direito penal, têm como pressuposto um Direito penal de emergência ou um Direito penal de prevenção geral positiva, cuja principal função é a confirmação da fidelidade ao direito. A característica marcante desse modelo de Direito penal é a missão de acalmar a ira da população em momento de alta demanda por mais pena (Gomes, 2007, p. 223) ou incutindo no agente que a infração normativa não é uma alternativa de conduta (Hassemer; Muñoz Conde, 1989, p. 103).


Não se pode olvidar que o Direito penal exerça todas essas funções, entretanto, deve-se destacar a sua principal missão ou função, isto é, aquela que seja compatível com o modelo de Estado social e democrático de Direito[10].


Somente é legítimo, por fim, um Direito penal que tem como principal missão instrumental a tutela de bens jurídicos contra as lesões ou ameaça de lesão consideradas intoleráveis pela comunidade. Pois não lhe é legítimo promover mudanças estruturais, acalmar a ira da opinião pública ou servir de instrumento de proteção dos valores ético-sociais vigentes na sociedade.


1.2 Bem Jurídico-penal e a Missão do Direito Penal


Definida a tutela de bens jurídicos fundamentais da comunidade como missão precípua do Direito penal, é importante destacar, portanto, os fins da teoria dos bens jurídicos como objeto de tutela penal.


Winfried Hassemer e Francesco Muñoz Conde (1989, p. 103-104) apontam quatro fins da teoria dos bens jurídicos na tutela penal: a) aproximação da missão do Direito penal com o critério de justiça da Política criminal na hora de definir as condutas merecedoras de sanção penal; b) vinculação do legislador penal ao substrato empírico[11] do bem jurídico; c) critério de compreensão e crítica da missão e do sistema penal; d) controle das decisões do legislador na criação de novos delitos e formas de proteção.


Embora não haja um conceito de bens jurídicos que delimite a atuação do Estado (Roxin, 1997, p. 54), a teoria dos bens jurídicos afasta do Direito penal condutas meramente morais, religiosas ou ideológicas, visto que, num Estado social e democrático de Direito, deve-se reconhecer as diversas manifestações culturais de seus cidadãos.


Como visto, somente por meio da ideia de uma exclusiva tutela aos bens jurídicos é possível afastar do âmbito penal condutas que não afetam diretamente um bem penal, pois


“A ideia de bem jurídico conduz, assim, a uma Política criminal racional: o legislador penal deve escolher suas decisões com critérios justos e claros, utilizando-os, ao mesmo tempo, para fazer uma justificação e crítica de suas decisões. Tudo aquilo que não tenha ligação com a proteção dos bens jurídicos devem ser excluídos do âmbito do Direito penal” (Hassemer; Muñoz Conde, 1989, p. 105).


A racionalidade imposta ao legislador penal propõe-lhe a busca de uma construção sistemática dos delitos, isto é, que o Direito penal não tutele todos os ataques aos bens jurídicos, somente aqueles mais intoleráveis, de forma fragmentária e subsidiária[12],  que lesionem ou exponham a perigo concreto (ofensividade).


Deve-se destacar que a proteção dos bens jurídicos não é tarefa exclusiva do Direito penal, mas de todo ordenamento jurídico. Como leciona Claus Roxin (1997, p. 65)


“O Direito penal é o último recurso de proteção que se deve recorrer, em outras palavras, só se pode intervir penalmente quando falharem outros meios de solução social do problema – como as sanções civis, a intervenção policial ou outra intervenção jurídico-técnica, isto é, as sanções não-penais.”


Em síntese, a ofensividade, a fragmentariedade e a subsidiariedade da teoria dos bens jurídicos têm o condão de limitar o poder punitivo do Estado. Conforme preleciona, mais uma vez, Claus Roxin (1997, p. 54) “o conceito de bem jurídico deve ser extraído da Constituição com base na liberdade do indivíduo e como limite do poder punitivo do Estado”.


O conceito de bem jurídico-penal, assim, será um conceito dinâmico e vinculado as diretrizes político-criminais da Constituição. Com essa vinculação, a teoria dos bens jurídicos desempenha uma dupla função (Roxin, 1997, p. 54): primeira, uma concepção material do delito, que vincula a criação do delito pelo legislador com a proteção do bem jurídico; e segunda, uma concepção dogmática do delito, que delimita uma estruturação do sistema penal e interpretação do delito.


Partindo de uma Política criminal racional, em que seus fundamentos são derivados dos princípios constitucionais, o conceito de bem jurídico-penal, portanto, deve corresponder a um conjunto de pressupostos imprescindíveis da vida social[13]. Pressupostos estes resultados de uma valoração, mediante norma penal, de um bem existencial material ou imaterial vital a comunidade (Gomes, 2007, p. 383).


Em que pese à proteção penal dos bens jurídicos supraindividuais, com base na teoria personalista do bem jurídico[14], esses bens jurídicos só são legítimos enquanto sirvam para o desenvolvimento pessoal do indivíduo (Gomes, 2007, p 396).


Não se pode olvidar a importância do meio ambiente, por exemplo, para o bem-estar e desenvolvimento do ser humano, portanto, apto a receber a tutela do Direito penal.  A proteção penal do bem jurídico meio ambiente não se deve confundir com a proteção do seu objeto de ação: meio ambiente natural, artificial ou cultural, mas um interesse humano de sobrevivência e bem-estar que clama por proteção jurídica. Assim, a noção de bem jurídico para o Direito penal tem que estar intimamente ligado aos interesses humanos de bem-estar e de preservação da saúde, do desenvolvimento, da cultura e da vida.


1.3 Estrutura da Norma Jurídico-Penal


Sendo o Direito penal uma fração do controle social formal, isto é, um subsistema do ordenamento jurídico de uma comunidade, incumbe-se agora investigar qual é a estrutura da norma jurídico-penal frente ao sistema normativo.


Santiago Mir Puig (2003, p. 21) define a norma penal como “uma associação de determinada consequência jurídica (penas, medida de segurança e responsabilidade civil) a certos pressupostos de fato (delitos)”. Dessa forma, o pressuposto de fato e a sanção constituem dois elementos essências da estrutura da norma penal.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

A norma penal, nessa acepção, é uma mensagem prescritiva (Gomes, 2007, p. 614), isto é, um comando impositivo de fazer ou deixar de fazer, com dois preceitos distintos: um dirigido ao cidadão, que o proíbe de realizar determinado comportamento (norma primária) e outro aos órgãos judiciais, que os obriga a aplicarem determinada consequência jurídica (norma secundária) (Mir Puig, 2003, p. 21).


Luiz Flávio Gomes (2007, p. 618), comentando sobre esse duplo comando da norma jurídico-penal, acrescenta “cada comando normativo tem sua sanção, por isso, ambos são imperativos: na norma primária, a sanção é a prevista no tipo penal de que se trate; na norma secundária, a sanção (ao juiz omisso) é a sua responsabilização penal e administrativa”.


Com efeito, a norma penal completa é formada por dois comandos normativos (primário e secundário) e, cada um destes comandos, igualmente, é formado por dois preceitos: um primário (comando normativo de conduta) e um secundário (sanção).


O preceito é o instrumento que se utiliza o legislador para expressar a norma penal. Entretanto, cabe a ressalva apontada por Luiz Flávio Gomes (2007, p. 616) que nem todo enunciado legal ou preceito legal expressa uma norma penal completa, pois não se pode confundir preceito legal (enunciado da lei) com o preceito normativo (comando enunciado por uma proposição jurídica), em outras palavras: a lei não se confunde com a norma[15]. Assim, entende-se por preceito primário o pressuposto que expressa a conduta que se proíbe (crimes comissivos) ou se determina (crimes omissivos). A consequência, preceito secundário, é a sanção que a lei associa à norma penal (primária ou secundária) (Gomes, 2007, p. 617).


Noberto Bobbio (2001, p. 153), investigando a natureza das normas jurídicas, define sanção “como o expediente através do qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias”, pois, como ele mesmo fundamenta:


“grande parte da coesão de um grupo social é devida à uniformidade de comportamentos, provocada pela presença de normas com sanção externa, isto é, normas cuja execução é garantida pelas diversas respostas, mais ou menos enérgicas, que o grupo social dá em caso de violação” (BOBBIO, 2001, p. 157).


Efetivamente, a coesão social é garantida com a certeza da resposta social aos atos de desvio dos comandos normativos da comunidade. Todavia, essa resposta somente é eficaz com a sua institucionalização, ou melhor, com a garantia da aplicação da resposta social com proporcionalidade e imparcialidade.


É essa institucionalização (controle social formal) que Norberto Bobbio conclui ser o critério diferenciador das normas jurídicas dos demais comandos normativos[16], pois


“a presença de uma sanção externa e institucionalizada é uma das características daqueles grupos que constituem, segundo uma acepção que foi se tornando cada vez mais comum, os ordenamentos jurídicos. Podemos, portanto, considerar este tipo de sanção como um novo critério para identificar as normas jurídicas” (BOBBIO, 2001, p. 160).


Assim, só serão consideradas normas jurídicas os comandos normativos que têm sua consequência social institucionalizada pelo controle social formal, isto é, a formalização da resposta social. Em obediência ao princípio da legalidade, garantia do Estado social e democrático de Direito, tanto a conduta impositiva quanto a sanção devem ser formulada em lei.


Partindo-se da tese que todo ordenamento jurídico de uma comunidade é representado pelo controle social formal, cabe perquirir o critério diferenciador entre as normas jurídicas, isto é, a divisão entre normas civis, penais, processuais etc.


Na acepção de Santiago Mir Puig (2003, p. 21), o critério diferenciador da norma jurídico-penal das demais normas jurídicas é o mandamento penal da norma secundária, quer dizer, o dever do juiz de aplicar a pena (sanção social institucionalizada) a qual também tem uma consequência pelo seu descumprimento, a responsabilidade administrativa e penal do juiz.


Neste contexto, o caráter imperativo da norma penal está ligado com a função da pena, ou seja, com o apelo motivacional ao cidadão, por meio da ameaça da pena, para que incline sua decisão em favor do direito e contra o delito (Mir Puig, 2003, p. 45).


Enfim, a diferença da norma penal é o caráter imperativo do mandamento penal dirigido aos órgãos judiciais em estreita relação com a função da pena que desempenha no seio de uma sociedade, ou seja, dentro de um modelo de Estado.


1.3.1 Teorias da pena no Estado social e democrático de Direito


Pena e Estado têm conceitos interligados, pois de acordo com o objetivo do Estado social, Estado liberal ou Estado social e democrático de Direito, cada um deles possuem uma função para sanção penal. Conforme leciona Bitencourt (2006, p. 101-102)


“apesar de existirem outras formas de controle social – algumas mais sutis e difíceis de limitar que o próprio Direito Penal -, o Estado utiliza a pena para proteger de eventuais lesões determinados bens jurídicos, assim considerados, em uma organização socioeconômica específica”.


As teorias sobre a função da pena dividem-se de acordo com o fim proposto a ser alcançado com a aplicação da sanção penal.


Nas teorias absolutas ou retributivas, a pena fundamenta-se na realização da justiça. Conforme esclarece Bitencourt (2006, p. 105) “a pena tem como fim fazer justiça, nada mais”. Esta ideia funda-se no livre-arbítrio, e, como homens livres capazes de distinguir entre o justo e o injusto, incumbe ao Estado retribuir o mal realizado pelo delinquente. Estas teorias foram defendidas tanto por liberais quanto por idealistas, posto que sua fundamentação é de “ordem ética”, portanto, passíveis de ser aplicáveis por Estado liberal, social ou autoritário.


Nas teorias relativas ou preventivas, a pena não se baseia na ideia de justiça, mas na função de inibir a prática de novos delitos. Esta função, por sua vez, se divide em duas direções: prevenção geral e prevenção especial.


A prevenção geral baseia-se na coação psicológica que a pena exerce sobre os seus destinatários (papel motivador ou integrador da norma). Nos dizeres de Bitencourt (2006, p. 114) “para a teoria da prevenção geral, a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer delitos”.


Ao contrário da teoria anterior, a prevenção especial dirige-se exclusivamente ao delinquente para que não volte mais a delinquir. A fundamentação está na ideia de ressocialização e reeducação do delinquente, como sintetiza Bitencourt (2006, p. 117) “essa tese pode ser sintetizada em três palavras: intimidação, correção e inocuização”.


Como visto, a função da pena está intimamente ligada com um fim a ser atingido pelo modelo de Estado. Santiago Mir Puig (1994) faz uma análise de cada finalidade da pena com a função do modelo estatal proposto. No Estado liberal, de vocação iluminista, cujo fundamento está no respeito ao contrato social, a sanção penal tem por finalidade a proteção da sociedade por meio da prevenção de delitos. Por outro lado, este modelo estatal também acolhe a teoria absoluta da pena, sendo o contrato social oriundo da racionalidade humana, a pena, pois, tem por finalidade a realização da justiça contra aquele que descumpriu o contrato social. A diferença entre essas duas teorias está na concepção de homem[17] desenvolvida pelos sistemas filosóficos justificadores do Estado liberal.


No Estado social, cuja missão é a mudança nas relações sociais como forma de se aplicar a justiça da igualdade, não poderia ser outra a função da sanção penal, de prevenção da sociedade na luta contra a delinquência. Nas palavras de Santiago Mir Puig (1994, p. 36)


“Não se tratava somente de realizar uma justiça ideal exigida pela razão, mas também combater eficazmente, no âmbito dos fatos, uma criminalidade que aumentava ao longo do século XIX, em especial, como consequência das dificuldades enfrentadas por uma parte da população face à nova situação determinada pelo capitalismo, maquinismo industrial e aparição do proletariado”.


Com o pensamento positivista do século XIX, o uso das medidas de segurança era considerado uma via científica adequada na prevenção da sociedade contra o delito.


Definido o Estado social e democrático de Direito como modelo adotado pela Constituição Federal de 1988[18], cabe agora determinar qual a função da sanção penal deve realizar nesse modelo estatal.


O Estado social e democrático de Direito deve assegurar a proteção efetiva de todos os membros da sociedade (Estado social) dos comportamentos graves que afetam os bens jurídicos fundamentais da sociedade (Estado democrático). Dessa forma, o Direito penal deve evitar que a pena se converta em si mesma, mas sim limitar o ius puniendi para que o Direito penal não elimine as garantias próprias do Estado de Direito (Mir Puig, 1994, p. 37).


A sanção penal, nessa acepção, tem a função de prevenção geral da sociedade na exclusiva proteção de bens jurídicos fundamentais da comunidade contra os ataques mais intoleráveis e graves. Nas palavras de Santiago Mir Puig (1994, p. 37) “Um Direito penal dessa natureza deve, pois, orientar a função preventiva da pena conforme os princípios da exclusiva proteção dos bens jurídicos, da proporcionalidade e da culpabilidade”.


É de se destacar que a prevenção geral apresenta duas vertentes, uma positiva (papel integrador e motivador) e outra negativa (papel intimidatório). Não é papel de um estado pluralista impor aos seus cidadãos orientações ética, moral ou filosófica. Nesse sentido, Santiago Mir Puig (1994) adverte que não se deve colocar em evidência o caráter moralizante da sanção penal (prevenção geral positiva) por meio da intimidação coativa (prevenção geral negativa) aos cidadãos. Deve se limitar, ao máximo, apenas na utilização necessária da intervenção penal para a exclusiva proteção de bens jurídicos fundamentais.


Finalmente, a intervenção penal, como medida preventiva, deve ser exercida nos limites do princípio da legalidade, observando não só os aspectos formais (estrita legalidade), mas também os aspectos materiais das exigências das proposições jurídico-penais (Mir Puig, 1994, p. 42). A sanção penal, como meio intimidatório para a adesão do cidadão ao ordenamento jurídico, só deve ocorrer na extrema necessidade de proteção dos bens jurídicos, estabelecendo, assim, o caráter subsidiário e fragmentário do Direito penal.


1.3.2 Natureza jurídica da sanção “penal” da pessoa jurídica


A Lei 9.605/98, de 12.02.98, que regulamenta o artigo 225 da Constituição Federal, ao estabelecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica por prática de crimes ambientais, impõe diversas formas de pena à pessoa jurídica, como resposta social as atividades lesivas ou que expõe em perigo o meio ambiente, das quais se destacam:


O artigo 21 prevê os seguintes tipos de penas aplicáveis as pessoas jurídicas:


I) pena de multa;


II) restrição de direitos; e


III) prestação de serviços à comunidade.


Como pena restritiva de direito, o artigo 22 prevê:


I) suspensão parcial ou total de atividades;


II) interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; e


III) proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.


A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente (art. 22, §1º). A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com a violação de disposição legal ou regulamentar (art. 22, §2º). E a proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídio, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. (art. 22, §3º).


O artigo 23 descreve quais as sanções relativas à prestação de serviços à comunidade:


I) custeio de programas e de projetos ambientais;


II) execução de obras de recuperação de áreas degradadas;


III) manutenção de espaços públicos; e


IV) contribuição a entidades ambientais ou culturais públicas.


Finalmente, no art. 24 tem-se a previsão mais grave contra a pessoa jurídica a possibilidade ser decretada a sua liquidação forçada, quando for criada com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime. E seu patrimônio será considerado instrumento do crime.


Percy Garcia Cavero (2007), em estudo sobre a natureza jurídica da pena aplicável a pessoa jurídica, descreve as principais divergências sobe a questão. Nas medidas como sanção penal os doutrinadores discutem se a pena fundamenta-se na culpabilidade do autor, como na pessoa natural, ou, numa nova espécie de culpabilidade específica para a pessoa moral. Nas medidas não-penais, têm-se as sanções administrativas, que também sofrem do mesmo problema das medidas penais, em razão da (in)capacidade de ação e (in)culpabilidade, e, por não terem o efeito de uma condenação penal, as pessoas jurídicas levam essas penas como custo de suas atividades. Nas medidas de segurança, que se baseiam na periculosidade, questiona-se se a periculosidade é da pessoa jurídica ou de seus membros, e acrescenta:


“Com efeito, muitas das medidas preventivas das atuais legislações penais não indicam uma prevenção especial, mas pelo contrário, as medidas do novo sistema desenvolvido para as pessoas jurídicas são elaboradas pensando mais nas finalidades preventivo-gerais que especiais. (…) Por consequência, as medidas atuais aplicáveis as pessoas jurídicas não respondem as particularidades das tradicionais medidas de segurança, seja por uma nova forma de medidas de segurança com um conceito distinto de periculosidade ou, em todo caso, outra classe de consequências jurídicas do delito”. (Cavero, 2007).


Considerando que as medidas aplicáveis a pessoa jurídica é uma pena ou medida de segurança, incumbidas de realizar a função preventiva do Estado social e democrático de Direito, deve tratar-se, portanto, de uma culpabilidade e periculosidade próprias, adaptáveis a natureza da pessoa moral dentro dos limites da teoria do delito compatível com as finalidades do Estado adotado pela Constituição Federal.


Em síntese, a função precípua do Direito penal, no Estado social e democrático de Direito, é a exclusiva tutela de bens jurídicos fundamentais contra os ataques mais intoleráveis da sociedade. Para tal intento, o Estado lança mão da sanção penal como medida aflitiva de prevenção geral da sociedade, dentro dos limites constitucionais da legalidade, proporcionalidade e culpabilidade.


2 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA


2.1 Natureza Jurídica da Pessoa Jurídica


Com o aumento da criminalidade[19] contra o sistema financeiro, a estrutura econômica e o meio ambiente, discute-se, na doutrina nacional e internacional, a possibilidade de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica. Tema bastante controvertido, visto que impera no Direito penal o princípio da culpabilidade (Sirvinskas, 2007). Entretanto, esta tendência da responsabilidade penal da pessoa jurídica fortaleceu-se após a Primeira Guerra Mundial, principalmente, com a maior intervenção estatal[20] na economia e na regulação da produção e distribuições de bens e serviços (Shecaira, 2003. p. 46).


João Marcello de Araújo Júnior (1999, p. 88), analisando as razões da responsabilidade penal da pessoa jurídica, sustenta


“do ponto de vista criminológico, para justificar a responsabilidade das pessoas jurídicas, basta dizer que estas assumiram, no mundo econômico, uma importância tão grande que uma decisão de aumento de preços, por exemplo, numa grande cadeia de supermercados ou em uma importante fábrica de veículos possui relevância social muitas vezes maior que a esmagadora maioria de nossas leis municipais”.[21]


Os primeiros países a adotarem a responsabilidade penal da pessoa jurídica foram os países do sistema Commow Law. Sérgio Salomão Shecaira atribui esse pioneirismo a Inglaterra, primeiro país industrializado da Europa, e aos Estados Unidos, o país mais desenvolvido industrialmente do Mundo. Contudo, é somente após a Segunda Guerra Mundial que na Europa ganha fôlego esta tendência, principalmente, depois dos indicativos do Conselho Europeu recomendando que os Estados-membros examinassem a adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica contra os delitos econômicos e ambientais. (cf. Shecaira, 2003. pp. 47-51; Tiedemann, 1999, p. 26).


A Constituição Federal de 1988, com base nos princípios presentes na Declaração de Estocolmo de 1972, que versam sobre uma preservação ampla e completa do meio ambiente, sem descuidar do elemento integrador do homem, incorpora, assim, no nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para os crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia popular e meio ambiente.


Inobstante a edição da Lei 9.605/98, pela qual o legislador infraconstitucional dá base jurídica à responsabilidade penal da pessoa jurídica contra os crimes do meio ambiente, não instrumentalizou o Estado brasileiro de procedimentos processuais aplicáveis à natureza jurídica da pessoa moral, pois o legislador somente faz enunciar essa responsabilidade penal, cominando-lhe penas, sem instituir complementarmente um sistema de instrumentos jurídicos para a consecução de tal desiderato (Cabette, 2007).


Com base na teoria clássica do delito, parte da doutrina nacional rechaça tal responsabilidade, pois apresenta inúmeros problemas tais como a) questões de política criminal; b) problema da incapacidade da ação; c) incapacidade de culpabilidade; d) o princípio da personalidade da pena; e) as espécies de sanções ou penas aplicáveis às pessoas jurídicas (cf. Gomes, 2007. p. 524-525; Bitencourt, 1999; Santos, J., 2007a).


Para os doutrinadores contrários a responsabilidade penal da pessoa jurídica, vige no ordenamento jurídico brasileiro o brocado societas delinquere non potest originário da teoria da ficção de Savigny. Segundo a qual a personalidade natural é uma criação da natureza e a personalidade jurídica somente existe por determinação da lei[22] (Rodrigues, 2006. p. 87). Luis Flávio Gomes (2007. p. 524), ao discorrer sobre a natureza jurídica da pessoa jurídica no direito penal brasileiro, afirma que “sempre preponderou no Direito penal brasileiro a teoria da incapacidade da pessoa jurídica para ser responsabilizada penalmente”.


Klaus Tiedemann (1999, p. 26) ressalta que em relação a este dogma societas delinquere non potest os atuais sistemas (famílias) da Common Law e o de codificação da Europa Continental assemelham cada vez mais em relação à responsabilização da pessoa jurídica (Inglaterra, França, Holanda, EUA). E acrescenta “este princípio, cuja fórmula foi desenvolvida na Revolução francesa, não supõe, portanto, necessariamente, um obstáculo para admitir a responsabilidade quase-penal das agrupações”.


Os defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica advogam que ela é uma realidade sociológica, portanto, tem vontade própria. Essa vontade já é reconhecida por outros ramos do direito. “Se a pessoa moral pode concluir um contrato (por exemplo, de compra e venda), ela é o sujeito das obrigações que se originam e ela é quem pode violá-los. Isto quer dizer a pessoa moral pode atuar de maneira ilícita” (Tiedemann, 2008).


Pela teoria institucionalista de Hauriou[23], existe na realidade social uma ideia que cria um vínculo social, unindo indivíduos que visam a um mesmo fim. Este vínculo forma uma realidade institucional constituída por uma estrutura hierárquica. “A instituição tem uma vida interior representada pela atividade de seus membros, que se reflete numa posição hierárquica estabelecida entre os órgãos diretores e os demais componentes, fazendo, assim, com que apareça uma estrutura orgânica” (Rodrigues, 2006, p. 89) [24].


Sobre esta teoria Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 239-40) conclui


“da mesma forma que o Direito atribui à pessoa natural direitos e obrigações, restringindo-os em certos casos, também existe essa atribuição para as pessoas jurídicas. (…) o conceito de pessoa jurídica é uma objetivação do ordenamento, mas uma objetivação que deve reconhecer tanto a personalidade da pessoa física, quanto da jurídica como criações do direito.”


Sem adotar explicitamente a teoria da realidade institucional, Sílvio Rodrigues (2006, p. 89) afirma que para o direito é mais relevante encarar o problema objetivamente que as pessoas jurídicas são instituições que existem efetivamente.


Há tempos que impera no Direito privado a teoria da realidade institucional da pessoa jurídica, imputando-lhe responsabilidade civil[25]. Por outro lado, no campo penal, ainda persiste, por boa parte da doutrina brasileira, a ideia da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, fundada na incapacidade de ação e de culpabilidade. Entretanto, não há razão para esta orientação político-criminal de irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, visto que o ordenamento jurídico deve ser interpretado e analisado como um todo, não comportando, destarte, concepções diversas para o mesmo instituto jurídico.


2.2 Capacidade de Ação da Pessoa Jurídica


O estágio atual da sociedade pós-industrial[26] é marcado principalmente pelo processo de globalização da informação e da integração econômica supranacional. Essa nova ordem sócio-econômica não traz só uma nova forma de criminalidade, mas a necessidade de um novo Direito penal. Discutir a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica é refletir sobre os aspectos dogmático, prático e político-criminal desse novo Direito penal.


A doutrina tradicional opõe-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica, dentre outros argumentos, pela completa incapacidade natural de ação da pessoa moral. Cezar Roberto Bitencourt (1999, p. 59) afirma que “o direito penal atual estabelece que o único sujeito com capacidade de ação é o indivíduo. Tanto para o conceito causal quanto para o conceito final de ação essencial é o ato de vontade”.


A ação ou conduta tem importante função política na teoria do delito. Nas palavras de Eugênio Raul Zaffaroni (2002, p. 399)


“substrato que é de fundamental racionalidade, pois qualquer pretensão do exercício do poder punitivo assenta-se sobre a ação de uma pessoa, cuja função será de bloquear todo intento desfreado do poder primário republicano de punição (nullum crimen sine conducta).


A ação, dessa forma, na teoria do delito, tem o papel de primeiro elemento de filtro[27] ou de garantia contra a intervenção estatal na vida dos cidadãos.


Partindo da ideia de um direito penal subsidiário, fragmentário e de exclusiva proteção de bens jurídicos relevantes, destaca-se a teoria da ação como um freio do ius puniendi. Contudo, as teorias da ação[28] desenvolvidas e aceitas pela maioria da doutrina penal têm como premissa intransponível a conduta humana, não comportando uma conduta da pessoa jurídica, face ausência de ação exterior própria.


Günter Heine (2007) leciona que, diferentemente das pessoas naturais, nas empresas há uma separação das tarefas operativas, centralização de informação e do poder de decisão. Para cada tarefa pode haver um órgão, vários órgãos ou, mesmo, outras empresas. Dessa forma, no atual estágio da divisão do trabalho, uma empresa consegue funcionar apenas coordenando essas tarefas que estão descentralizadas. Considerando essa descentralização estrutural das pessoas jurídicas, pela ótica do direito clássico, como adverte Günter Heine (2007), leva a uma “irresponsabilidade individual da empresa”.


É fácil perceber que as grandes corporações, multinacionais e outras pessoas jurídicas de nível transnacional são estruturadas e agrupadas de acordo com as novas oportunidades de mercado e divisão social do trabalho. Também é comum verificar a formação de consórcios de empresas para pôr em prática grandes empreendimentos de infra-estrutura, comercial ou industrial. Essa nova engenharia organizacional aliada à ausência de um controle social eficiente leva muitas empresas a cometerem ilícitos penais de grandes proporções, que afetam milhares de pessoas ou até mesmo nações. Como sublinha Tiedemann (2007)


“Os diferentes pontos de vista da Política criminal atual partem de uma realidade delitiva observada em quase todos os países, sobretudo nos países industrializados e também nos países em desenvolvimento. Há tempos a conhecida e crescente divisão do trabalho conduz, de um lado, uma relativização da responsabilidade individual e, do outro, que as entidades coletivas sejam responsabilizadas (também no campo civil e tributário), em lugar das pessoas individuais. Esta “coletivização” da vida econômica e social situa o Direito penal frente a novos problemas. Neste sentido, a sociologia ensina que as agrupações criam um ambiente, um clima que facilita e incita aos autores físicos (ou materiais) a cometerem delitos em benefício do grupo social. Daí a ideia de não sancionar somente os autores materiais (que podem mudar e ser substituídos), mas também e, sobretudo, a própria agrupação. De outra parte, novas formas de criminalidades como os delitos contra a ordem econômica (compreendidos àqueles contra o consumidor), os contra o meio ambiente e crimes organizados, colocam o sistema tradicional do Direito penal frente a dificuldades tão grandes que resulta indispensável uma nova maneira de estudar os problemas.”


O direito tem como ponto de apoio a variabilidade normativa, e não a naturalística, tornando-se, pois, numa ciência dinâmica e realística. A responsabilidade penal da pessoa jurídica clama por um novo Direito penal que ultrapasse a barreira da capacidade e culpabilidade estritamente individualista, com foco numa responsabilidade social. Assim, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não poderá ser entendida nos moldes da dogmática tradicional centrada na individual e subjetiva, mas deve ser entendida à luz de uma nova responsabilidade classificada como social (GALVÃO, 2003, p. 141)


A responsabilidade social deve dar ênfase às atividades realizadas pelas pessoas jurídicas que lesam ou põem em risco os bens jurídicos protegidos pelo Direito penal. Assim, é imperioso ao Direito penal reconhecer a capacidade desta em cometer ilícitos. Se a pessoa jurídica pode fechar um contrato (por exemplo, de compra e venda), ela é o sujeito titular das obrigações que dele se originar e, também, quem poderá violá-las. (TIEDEMANN, 2007).


O reconhecimento da capacidade de ação da pessoa jurídica já é uma realidade na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que vem decidindo acerca da separação de vontades entre a pessoa jurídica e as pessoas naturais que a compõe, pois “Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal” (BRASIL, 2005. REsp 564.960).


Esse entendimento, no entanto, deixa muitas dúvidas quanto ao conceito de ação para o Direito penal, pois como asseverou Eugênio Raul Zaffaroni a ação tem um papel importante como função política de garantia contra o ius puniendi (nullum crimen sine conducta). Assim, somente um conceito normativo de ação, que substitua o elemento naturalístico da conduta, pode equilibrar, no âmbito de garantia penal, os elementos da teoria do delito.


2.3 Capacidade de Culpabilidade da Pessoa Jurídica


Outro conceito da doutrina tradicional de oposição a responsabilidade penal da pessoa jurídica refere-se à culpabilidade. Nesses termos, a culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz ao autor de um fato por haver agido ilicitamente, apesar de poder agir conforme o direito (Santos, M., 1999, p. 116).


O termo culpabilidade, no entanto, comporta diversas acepções, das quais se destacam aquelas que limitam materialmente o poder do ius puniendi. Luiz Flávio Gomes (2007, p. 535) apresenta os seguintes significados de culpabilidade: a) culpa – contrário ao estado de inocência, isto é, a inocência do autor foi derrubada por provas no processo; b) elo de ligação da teoria do delito a teoria da pena – categoria dogmática que fundamenta a imposição da pena quando essa seja necessária e o agente tenha praticado fato típico, antijurídico e punível; c) responsabilidade subjetiva – é a imputação penal pelo resultado da ação realizada por dolo ou culpa; d) medida da pena – critério de fixação ou determinação da pena.


Historicamente a culpabilidade, como sinônimo de responsabilidade penal, foi concebida de acordo com o contexto temporal da caminhada humana, sendo elaborada dogmaticamente a partir do século XIX.


Na antiguidade, a responsabilidade penal era de ordem objetiva, ou seja, não se levava em conta os aspectos intencionais e voluntários do agente na prática de uma determinada ação, bastava o nexo causal entre a ação e o resultado. A responsabilidade penal, nesse período, apresentava duas características: uma objetiva, ausência de aferição de dolo ou culpa, e outra difusa, pois a sanção penal era aplicada por meio da vingança privada (Shecaira, 2003, p. 80). A responsabilidade objetiva, neste contexto, tinha o caráter eminentemente preventivo de proteção a todo grupo social.


Na Idade Média, com a influência do Direito natural, conforme as palavras de Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 417), surge a primeira aproximação à teoria da culpabilidade, partindo da ideia de imputação, que corresponderia à atribuição da responsabilidade da ação livre ao seu autor. Entretanto, a responsabilidade objetiva tinha forte presença, pois, no antigo direito germânico, a vingança recaía sobre o ofensor e seus agregados que era resolvida por meio de pacto privado, não havendo qualquer discussão sobre a voluntariedade da ação do ofensor. Naquela época também se responsabilizava penalmente as universidades (Ferrajoli, 2007, p. 448). Silvina Bacigalupo citada por Cezar Roberto Bitencourt (1999, p. 55-6) afirma que “na Idade Média a responsabilidade penal das corporações (pessoas jurídicas) surge como uma necessidade exclusivamente prática da vida estatal e eclesiástica”


Somente no século XIX surgem as concepções modernas de culpabilidade com base em teorias científicas, das quais destacam a teoria psicológica da culpabilidade[29], teoria normativa da culpabilidade[30] e concepção finalista da culpabilidade[31]. Todas essas teorias têm como elemento primordial a conduta voluntária e livre do homem. A culpabilidade sugere, portanto, uma especificidade bastante restrita, pois é um critério valorativo que faz depender sua apreciação unicamente do ser humano que é o objeto de exame (SHECAIRA, 2003, p. 91). Assim, essas concepções de culpabilidade são incompatíveis com a responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois, tecnicamente a pessoa jurídica precisa do ser humana para exteriorizar sua vontade.


2.3.1 Culpabilidade como reprovação e fundamento da pena


A atual teoria da culpabilidade baseia-se no juízo de reprovação sobre a exigibilidade de ação conforme o direito. Com a teoria finalista do delito, a culpabilidade restou puramente normativa, pois, os elementos psicológicos, o dolo e a culpa, foram deslocados da culpabilidade, tradicional localização, para a tipicidade. Entretanto, cabe registrar que parte da doutrina entende a culpabilidade não só como elemento do crime ou pressuposto da pena, mas como também medida da pena.[32]


Inicialmente, a ideia de exigibilidade de conduta diversa tem como fundamento a ideia de retribuição da pena, e posteriormente abandonada com a aceitação de uma sociedade pluralista[33]. A essência dessa concepção individualista da culpabilidade está na ideia do livre-arbítrio humano. Mas conforme os críticos dessa ideia


“a culpabilidade tem como premissa a existência do livre-arbítrio humano, premissa cuja correção não é comprovável nem de modo geral nem no caso concreto, porque nem o livre-arbítrio humano nem a possibilidade de atuar de outro modo numa situação concreta são demonstráveis de modo exato”. (Schünemann, 1991, p. 152)


A comprovação da possibilidade de atuar de outro modo só poderia ser constatada, na lição de Sérgio Salomão Shecaira (2003, p. 93), “se se colocasse o mesmo agente nas mesmas condições em que o fato se deu; tal experiência seria impossível, por já não seria o mesmo agente e nem a mesma situação”. Dessa forma, o livre-arbítrio não tem base empírica para fundamentar a culpabilidade e esta a pena.


Cabe, entretanto, a advertência feita por Bernd Schünemann (1991, p. 154-155)[34] de que o livre-arbítrio é o elemento essencial da cultura ocidental, cujo abandono só seria concebível no caso de liquidação da cultura e de sua globalidade. Em outras palavras, a visão de mundo da sociedade ocidental é baseada no livre-arbítrio, na concepção de liberdade e responsabilidade da ação humana. O abandono dessa ideia colocaria em risco toda cultura ocidental de base europeia, levando a sua eliminação.


O Direito penal da exclusiva proteção de bens jurídicos cuja pena é fundada na prevenção geral da sociedade, não prescinde do princípio da culpabilidade, pois, o abandono da culpabilidade levaria ao utilitarismo puro da pena que feriria o princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, os fins justificariam os meios (SCHÜNEMANN, 1999, p. 160).  Ressalta-se, no entanto, que a exclusão da culpabilidade pelo estado de necessidade exculpante, o erro de proibição e o excesso em legítima defesa, não se baseia na possibilidade de agir de modo diverso, mas por razões de Política criminal, já que a lei pode diminuir esse âmbito de liberdade com base na prevenção geral e na proteção de bens jurídico.


Bernd Schünemann aponta que a responsabilidade penal é a síntese da culpabilidade e da prevenção, em suas palavras:


“A redução da prevenção geral admitida na chamada “prevenção de integração” que pretende “exercer uma fidelidade à norma” não pode, portanto, derivar-se de uma mera aplicação utilitarista da pena, senão significaria uma “domesticação” da pena funcional por meio do princípio autônomo da culpabilidade. Tal pena funcional sofre uma diminuição na sua efetividade pela incidência do princípio da culpabilidade, em especial no que diz respeito à necessidade processual da prova, que, do ponto de vista preventivo – e em termos sociológicos -, põe em evidência “o preço de se viver em um Estado de Direito”. Em suma, é absolutamente razoável construir o nível sistemático da “responsabilidade” como síntese da culpabilidade e prevenção, o que não é possível é reorientar ambos elementos a único princípio básico” (SCHÜNEMANN, 1991, p. 166).


Nessa acepção, a prevenção penal seria o fundamento da pena e a culpabilidade o limite de sua admissibilidade. A pena é a resposta social pela infração ao ordenamento e, inobstante, fundamentar-se na necessidade preventiva de defesa da sociedade, a pena é complementada pela culpabilidade que lhe dar legitimidade, afastando a responsabilidade por ato involuntário.


Bernd Schünemann (1991, p. 165) ainda concebe que pode haver sanção penal sem culpabilidade, já que a pena é uma reprovação do comportamento antinormativo. Não se confunde com a medida de segurança, pois o fundamento desta é a prevenção futura proveniente da periculosidade do autor.


Como medida da pena, Bernd Schünemann (1991, p. 172 e seguintes) entende ser a função preventiva o critério básico de graduação, isto é, essa graduação é realizada com base na magnitude da ameaça a paz social desencadeada pelo delito, no valor do bem jurídico envolvido e na intensidade da energia criminal aplicada pelo agente. A culpabilidade, nesse contexto, funcionaria como limite superior da aplicação da pena baseada nas circunstâncias que envolveria o agente do delito.


O Direito penal preventivo, portanto, tem a culpabilidade como complemento tanto na fundamentação quanto na medida da pena. No âmbito da responsabilidade individual a culpabilidade baseia-se no livre-arbítrio humano, já no âmbito da responsabilidade penal da pessoa jurídica é de outra ordem, ou seja, uma culpabilidade social ou coletiva cuja função complementar é limitar a medida da pena e afastar a responsabilidade objetiva.


2.3.2 Culpabilidade da pessoa jurídica


Como visto, a responsabilidade penal é uma síntese da função preventiva e do princípio da culpabilidade. A prevenção geral é uma necessidade de aplicação da pena como meio de defesa da sociedade, a qual recai sobre o resultado do delito. A culpabilidade, por sua vez, tem a função complementar que impede a aplicação da pena por fato alheio ou fortuito (causalidade), menoridade ou enfermidade mental (imputabilidade) ou ato involuntário, por força maior, por coação física ou por erro (intencionalidade). Exercendo assim uma função garantista[35] na teoria de Luigi Ferrajoli.


A culpabilidade da pessoa jurídica, no contexto do Direito penal preventivo, deve possuir as mesmas funções garantistas de proibir a aplicação da pena por responsabilidade objetiva, ou seja, deve permitir a exclusão da responsabilidade penal por fato alheio ou fortuito, estabelecer um nível de organização administrativa da pessoa jurídica incapaz de punibilidade, bem como impedir uma responsabilidade nos casos de impossibilidade de agir de outro modo.


Inobstante, a discussão da doutrina brasileira nos últimos anos sobre a responsabilidade social da pessoa jurídica, não foi ainda plenamente sistematizada pela dogmática penal os elementos empíricos dessa responsabilidade coletiva.


Sérgio Salomão Shecaira, monografista do assunto na doutrina brasileira, fala de uma culpabilidade coletiva própria para os entes coletivos, com categorias autônomas que permita individualizar a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Ele parte da dicotomia relacionada ao público e privado, “nessa perspectiva dicotômica, a responsabilidade individual pode ser definida de forma diversa da forma como é definida a responsabilidade coletiva” (SHECAIRA, 2003, p. 96).


Shecaira aponta três critérios de responsabilização penal da pessoa jurídica no direito brasileiro. Primeiro critério, a infração individual há de ser praticada no interesse da pessoa coletiva, isto é, o objetivo da infração é de ser útil a finalidade do ser coletivo. Ficando assim excluído todas as infrações praticadas no interesse exclusivo do agente. Segundo critério, o agente que cometeu a infração penal deve possuir estreita ligação com a pessoa jurídica, ou seja, age em nome do ente coletivo. O último critério, como função delimitadora da abrangência da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a prática da infração penal deve ter o auxílio do poderio da pessoa coletiva de forma decisiva na prática do delito (SHECAIRA, 2003, p. 115 e seguintes).


Embora esses critérios tenham o condão de delimitar a responsabilidade penal da pessoa jurídica não são capazes de traçar um marco diferencial da atuação das grandes corporações da atuação das micro e pequenas empresas que possuem baixo nível de organização e pouca divisão do trabalho.


Na doutrina internacional, Klaus Tiedemann (1999, p. 36 e seguintes) também defende uma culpabilidade própria da pessoa jurídica, aponta diversos modelos de culpabilidade da pessoa jurídica, dos quais destacam o princípio de falta (e de culpa) da organização como legitimação da responsabilidade da agrupação, permitindo assim a imputação da culpa individual dos dirigentes da empresa (Alemanha); a ideia de risco da atividade da empresa para legitimar sua responsabilidade penal ou para justificar a imputação dos delitos de seus representantes (Espanha); critério da vantagem econômica (lucro) das atividades delituosas efetuadas em nome das empresas (Suíça). Em todo caso, há uma tendência nos numerosos ordenamentos jurídicos de se adotar uma culpabilidade própria da empresa.


Na busca de conciliar a culpabilidade da pessoa jurídica com a da pessoa individual, Tiedemann aceita a culpabilidade como reprovação moral, visto ser a pessoa jurídica destinatária de normas jurídicas revestidas de caráter ético: “dever de se organizar corretamente”.


“Reconhecer o direito penal tal culpabilidade (social) da pessoa jurídica não faz senão expor as consequências de sua realidade social, de uma parte, e as obrigações correspondentes aos direitos da pessoa jurídica, de outra parte, com muito bem dizem os autores ingleses em denominá-la de reprovação coletiva (corporate blameworthiness). Introduzir por via legislativa tal conceito de culpabilidade coletiva ou de agrupação, ao lado da culpabilidade individual tradicional, não é impossível segundo um ponto de vista ideológico que preserva a responsabilidade na sociedade aos indivíduos” (TIEDEMANN, 1999, p. 40).


A culpabilidade coletiva, nessa concepção, é uma culpabilidade paralela a individual. Tiedemann busca dar uma autonomia a culpabilidade coletiva com elementos próprios, tal como concebida por Shecaira, mas em outro momento propõe uma conciliação dos elementos da culpabilidade tradicional, como a reprovação moral. Essa conciliação, no entanto, não contempla todas as exigências da culpabilidade tradicional como o critério de causalidade (fato alheio ou fortuito) que evita uma responsabilidade objetiva, haja vista delimitar-se pelo resultado da ação empresarial (risco das atividades empresariais, vantagem econômicas do crime ou imputação das atividades delituosas dos dirigentes).


Carlos Gómez-Jara Díez (2006), a partir da teoria funcionalista do direito como sistema autopoético, apresenta outra concepção de responsabilidade penal da pessoa jurídica baseada na capacidade de auto-organização empresarial, isto é, somente são merecedoras de responsabilidade penal as pessoas jurídicas que apresentam certa auto-organização, autodeterminação e autocondução.


Parte da ideia que o sistema organizativo é semelhante ao sistema humano, quer dizer, com um tempo começa a desenvolver uma complexidade interna que advém da capacidade auto-organizativa, de autodeterminação e de autocondução, que implica uma autonomia organizativa da empresa. Em razão da grande importância das pessoas jurídicas na atual sociedade pós-industrial, é necessário construir um conceito de culpabilidade própria para a pessoa jurídica, mas funcionalmente equivalente.


A equivalência da culpabilidade coletiva baseia-se em três dados: fidelidade ao Direito como condição para a vigência da norma; sinalagma básico do Direito penal entre as pessoas jurídicas e, por último, capacidade de questionar a vigência da norma.


Ao primeiro equivalente, parte-se da premissa de que a sociedade moderna depende, em grande medida, da cultura empresarial de fidelidade ao Direito, ou seja, o modelo descentralizado da organização social das empresas na autorregulação de suas atividades econômicas.


“à vista desta situação resulta necessário e adequado impor as ditas organizações empresariais à obrigação primordial que afeta a toda pessoa jurídico-penal: a obrigação de fidelidade ao Direito, o qual se concreta na institucionalização de uma cultura empresarial de fidelidade ao Direito” (DÍEZ, 2006, p. 56).


A cultura da fidelidade ao Direito, portanto, impõe-se pela necessidade de regulação das atividades empresarias, visto que o Estado não tem como evitar de forma plena a produção de riscos. Essa esfera de autonomia empresarial é que provoca a obrigação de fidelidade ao Direito. Assim, o descumprimento por tal fidelização é o quebramento da fidelidade ao Direito.


O segundo equivalente refere-se ao reconhecimento de um mínimo de igualdade as empresas. Essa igualdade ou sinalagma fundamental de Direito penal empresarial é a liberdade de auto-organização empresarial versus responsabilidade pelas consequências de suas atividades econômicas. Nas palavras de Carlos Gómez-Jara Díez (2006, p. 57-58)


“Toda empresa deve comportar-se (organizar-se) autorresponsavelmente de tal maneira que nenhum resultado danoso – isto é, que o risco permaneça dentro do âmbito empresarial. A empresa passa de um mero ato econômico baseado na lógica racional dos custos/benefícios a uma pessoa jurídico-penal orientada pelo esquema direitos/deveres, em outras palavras, constitui-se como um verdadeiro cidadão fiel ao Direito”.


A terceira equivalência, como consequência da segunda, trata do status de cidadão conferido à pessoa jurídica. A participação pública da pessoa jurídica tem como fundamento o reconhecimento constitucional da liberdade de expressão lhe conferido. De qualquer maneira, a pessoa jurídica não pode votar, mas reconhece o direito de participação na construção da democracia, ou seja, o direito de participar no processo de criação e definição das normas sociais (DÍEZ, 2006. p. 59). Assim, essa participação contribui para a confirmação das normas jurídicas.


Tal como a doutrina de Tiedemann, a proposta de Carlos Gómez-Jara Díez fundamenta-se na reprovação moral ou social dos entes coletivos pelo descumprimento das normas jurídicas – infidelidade ao Direito. Entretanto, falta a esta doutrina critérios de exclusão da responsabilidade penal por fato de outrem ou fortuito (causalidade), visto que se funda apenas na exigibilidade de atuar de outra maneira (fidelidade ao Direito). Diferente da doutrina de Tiedemann e de Shecaira, a proposta construtivista da culpabilidade estabelece critérios para uma imputabilidade penal pelo nível de organização das pessoas jurídicas.


3 ASPECTOS DOGMÁTICOS DA RESPONSABILIDADE PENAL DO PESSOA JURÍDICA


3.1 A Constituição Brasileira e a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica


A Constituição Federal de 1988, dando uma maior proteção aos direitos fundamentais de terceira geração ou dimensão[36], prevê a responsabilidade da pessoa jurídica nos seguintes dispositivos:


A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (CF, art. 173, §5º).


As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (CF, art. 225, 3º)” (VADE MECUM RT, 2008, p. 83 e 94).


O constituinte brasileiro, movido de um espírito inovador e compromissado com um modelo de desenvolvimento sustentável para o futuro do planeta, fixa como objetivo da política criminal a responsabilidade penal da pessoa jurídica quando praticar atividades lesivas à ordem econômica e financeira, contra a economia popular e ao meio ambiente -, bens imprescindíveis para o regular funcionamento do Estado social e democrático de Direito.


A doutrina oposta à responsabilidade penal ensaia um discurso de que a constituição não prevê expressamente tal responsabilidade, seja por que é incompatível com outros dispositivos da própria constituição, seja por hermenêutica na leitura dos referidos artigos.


Juarez Cirino dos Santos, em comentários ao §5º do artigo 173 da Constituição brasileira, afirma que nesse dispositivo o constituinte utiliza o termo “responsabilidade” sem adjetivos, pois atribuição geral de responsabilidade não implica em responsabilidade penal, além do mais o conceito de “punições” não é exclusivo do Direito penal. Em suas palavras:


“Curto e grosso: nenhum legislador aboliria o princípio da responsabilidade penal pessoal de modo tão camuflado ou hermético, como se a Carta Constitucional fosse uma carta enigmática decifrável por iluminados. Ao contrário, se o constituinte tivesse pretendido instituir exceções à regra da responsabilidade penal pessoal teria utilizado linguagem clara e inequívoca, como, por exemplo: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade penal individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade penal desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia popular e contra o meio ambiente.” Mas essa não é a linguagem da norma constitucional – e se a Constituição não fala em responsabilidade penal, então nem o intérprete pode ler responsabilidade penal, nem o legislador ordinário pode estabelecer responsabilidades penais da pessoa jurídica” (SANTOS, J., 2007b).


Em outra passagem, ao comentar o §3º do artigo 225 da Carta Magna, Juarez Cirino dos Santos considera equívoca a interpretação de que o constituinte brasileiro rompeu com o princípio da responsabilidade penal pessoal pela semântica das palavras condutas e atividades. Novamente transcrevendo suas palavras


“Penalistas rejeitam a ruptura do princípio da responsabilidade penal pessoal, fundados na diferença semântica das palavras condutas e atividades, empregadas no texto como bases das seguintes correlações: a) as condutas de pessoas físicas sujeitarão os infratores a sanções penais; b) as atividades de pessoas jurídicas sujeitarão os infratores a sanções administrativas. Afinal, a lei não contém palavras inúteis e o uso de sinônimos na lei, além de violar a técnica legislativa, seria uma inutilidade e um insulto à inteligência do constituinte” (SANTOS, J., 2007b).


Para o citado autor, a responsabilidade penal continua pessoal, em nenhum momento, nos dispositivos acima, seja porque não previu expressamente (CF, art. 173, §5º) seja pela interpretação semântica da estrutura frasal do §3º do artigo 225, a Constituição brasileira não firmou a responsabilidade penal da pessoa jurídica.


Sérgio Salomão Shecaira (2003) enfrenta o questionamento da previsão constitucional da responsabilidade penal da pessoa jurídica, apoiando-se na doutrina de José Afonso da Silva[37], Celso Ribeiro Bastos e Ives Granda Martins[38], Pinto Ferreira[39], Édis Milaré[40] e Paulo Affonso Leme Machado[41]. Para Shecaira a Constituição brasileira consagrou definitivamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica.


Quanto à crítica feita por Juarez Cirino dos Santos de que a expressão “condutas” e “atividades” se referem respectivamente a pessoas físicas e jurídicas, e que a responsabilidade, assim, é penal e administrativa nessa ordem. Sérgio Salomão Shecaira (2003, p. 135), respondendo a José Cretella Júnior e Luiz Regis Prado, de igual observação, afirma que interpretar uma expressão em direito não é apenas dizer abstratamente o que foi considerado, e sim revelar seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma justa apreciação doutrinária e legal. No código penal, por exemplo, em inúmeras ocasiões, o vocábulo ação tem o mesmo sentido de atividade. Assim, os vocábulos “conduta” e “atividades”, para uma interpretação mais próxima ao real, foram empregados como sinônimos.


Cezar Roberto Bitencourt (1999), que também se opõe a previsão constitucional da responsabilidade penal da pessoa jurídica, fundamenta seu entendimento na impossibilidade de ação da pessoa jurídica e no pensamento de René Ariel Dotti[42] de que se deve fazer uma interpretação teleológica dentro de um contexto sistêmico maior. Assim, em razão dos princípios garantistas (igualdade, humanização das penas, personalidade da pena, direito regresso etc.), a responsabilidade penal continua pessoal.


Sem desconsiderar a interpretação teleológica e sistêmica, Sérgio Salomão Shecaira (2003) considera também a importância do aspecto histórico da formação das leis e claro da constituição, pois o processo histórico-evolutivo e comparatístico são duas das principais ferramentas oferecidas ao hermeneuta para a interpretação de um texto legal. Ele é um elo de uma cadeia e possibilita conhecer melhor o espírito da lei. Com as mudanças ocorridas no mundo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o constituinte brasileiro não ficou isolado de tudo, mas em plena sintonia com os acontecimentos políticos e econômicos (União Europeia, Nafta, etc). No entanto, o constituinte não consagra a responsabilidade penal da pessoa jurídica como regra geral, e sim excepcional às áreas da ordem econômica e financeira e do meio ambiente.


“Vê-se, claramente, que as modificações constitucionais não aconteceram na regra geral (que continua a ser a responsabilidade pessoal), mas em tópicos excepcionais, em áreas mais sensíveis, em que o poderio das empresas tornou-se incontrolável com os instrumentos tradicionais de direito penal. (…) [o constituinte] alterou nossa tradição recente nos exatos pontos (direitos econômico e ecológico) em que as principais legislações estrangeiras também o fizeram, como no caso de Portugal e da Holanda. Não é, pois, um movimento isolado, afastado do que ocorre em nosso redor”. (SHECAIRA, 2003, p. 139).


Não é outro o entendimento de que a Constituição prevê, irrefutavelmente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes econômicos e ecológicos. O constituinte brasileiro não ficou inerte às inovações na tutela de bens jurídicos de desenvolvimento, meio ambiente e fraternidade, e a fez instituindo a responsabilidade penal da pessoa jurídica de forma excepcional, pois a Constituição Federal determinou a responsabilidade penal subjetiva e pessoal como regra geral e irrenunciável. Assim, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é excepcional aos bens jurídicos especificados na Constituição.


3.2 Requisitos Dogmáticos da Lei 9.605/98 e da Jurisprudência do STJ


Como visto nos capítulos anteriores, mesmo com a edição da Lei 9.605/98, a doutrina ainda permanece dividida, levando-se a discussão até as mais altas cortes do país. Instigado a se pronunciar sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, em decisão no REsp 564.960, julgamento de 02.06.2005, reconhece a legalidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica e estabelece os parâmetros para essa responsabilização.


“RECURSO ESPECIAL Nº 564.960 – SC. EMENTA: CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. I. (…). II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. “De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado”. IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A coparticipação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado…”, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual-penal.”


A referida decisão é considerada o leading case para a responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, pois, a partir dela podem-se verificar os principais critérios para determinar a punibilidade desta, por meio da introdução da dupla-imputação, ou seja, pela responsabilidade por ricochete, e que o crime deve ser em benefício e no interesse exclusivo da pessoa jurídica.


3.2.1 A escolha político-criminal da responsabilização penal da pessoa jurídica


É inequívoca a escolha político-criminal do constituinte brasileiro em responsabilizar a pessoa jurídica em crimes contra a ordem econômica e financeira (CF, art. 173, §5º e contra o meio ambiente (CF, art. 225, §3º). A Lei 9.605/98, após dez anos da promulgação da Constituição brasileira, vem regulamentar essa responsabilização apenas contra os crimes do meio ambiente.


Essa escolha ocorreu exatamente pela ineficiência das instâncias civil e administrativa de coibir as pessoas jurídicas na pratica danosa ao meio ambiente. O ministro-relator Gilson Gipp assim fundamenta:


“A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais surge, assim, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção da prática de tais crimes, função essencial da política ambiental, que clama por preservação”. (BRASIL, 2007, REsp 564.960)


Assim, a escolha de se punir a pessoa jurídica parte de o fato que as outras instâncias do controle formal falham ou são insuficientes para frear ou intimidar a pessoa jurídica no descaso com o meio ambiente, necessitando uma maior intervenção estatal no controle das atividades e condutas dos cidadãos, sejam pessoas física ou jurídica. Essa intervenção tem como fundamento a função preventiva da sanção penal, que age como meio preventivo na regulação das condutas.


3.2.2 Capacidade de ação e de culpabilidade da pessoa jurídica


O Superior Tribunal de Justiça rompeu com a tradição do Direito penal brasileiro da societas delinquere non potest, e reconhece a autonomia de vontade da pessoa jurídica. Não é mais uma barreira para o Direito penal a vontade da pessoa moral. O fundamento basilar está no reconhecimento dessa vontade pelo ordenamento jurídico em outros subsistemas. Como elemento dessa vontade está a atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica. Assim, a imputação penal à esta é dada pela prática de atos no meio social através da atuação de seus administradores.


Vê-se claramente que existem duas vontades distintas, uma da pessoa jurídica, representada pela vontade de seu colegiado ou representante legal, e outra da pessoa física, que atua livremente no evento doloso.


A culpabilidade da pessoa jurídica, portanto, é limitada de uma responsabilidade social, distinta da culpabilidade tradicional, que exige da pessoa moral uma conduta conforme o direito. Todavia, essa limitação é compreendida pela conduta do seu administrador que age em seu nome e proveito. Assim, a culpabilidade desta só existe devida a intervenção necessária de uma pessoa física que deve atuar em nome e no interesse da pessoa jurídica.


À essa culpabilidade, também denominada de culpabilidade vicariante ou responsabilidade penal por ricochete[43], somente ocorre sob a ação de um terceiro, ou seja, busca-se o elemento subjetivo (dolo ou culpa) na pessoa física (dirigente ou representante) para responsabilizar a pessoa jurídica. Desse forma, A responsabilidade por ricochete é uma responsabilização indireta, de empréstimo, por procuração, atribuída à pessoa moral por prática da pessoa física que age no interesse e benefício daquela. Com a culpabilidade vicariante ou dupla imputação acaba sendo processada tanto a pessoa jurídica quanto a pessoa física pelo mesmo evento criminoso.


3.2.3 O sistema de dupla imputação


O artigo 3º da Lei 9.605/98 estabelece a responsabilidade administrativa, civil e penalmente da pessoa jurídica nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, no interesse ou benefício daquela, não excluindo, contudo, a responsabilidade das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. Vê-se, portanto, que a referida lei acolheu o sistema francês da dupla imputação.


A dupla imputação “é o nome dado ao mecanismo de imputação de responsabilidade penal da pessoa jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade pessoal das pessoas físicas que contribuíram para a consecução do ato” (SHECAIRA, 2003, p. 148). Pela dupla imputação são responsabilizados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física que atua em nome e em benefício da pessoa moral.


Por este sistema, a persecução penal ocorre contra as duas pessoas, a pessoa jurídica e a pessoa física que age em nome daquela, pois possuem vontades distintas. Ademais, a pessoa jurídica somente age por meio de seus representantes, é o chamado substratum humano.


Jean Pradel (2008) esclarece que o substratum humano é um elemento essencial para a responsabilidade penal da pessoa jurídica, e define-o da seguinte forma:


“este substratum é um órgão ou um representante da pessoa moral. Os órgãos são a Assembleia Geral, o Conselho de Administração, o Conselho de Vigilância, que se encontra investido com amplos poderes para atuar, em toda circunstâncias, em nome da sociedade. Enquanto os representantes são indivíduos determinados como o diretor geral ou gerente. Por contrário, o subalterno não comprometerá a pessoa moral a não ser que tenha obtido uma delegação do superior hierárquico e sempre que seja cumpridas as condições da delegação”.


A ação da pessoa jurídica, pois, está condicionada a ação de seu órgão colegiado ou representante, e que essa dupla imputação é a garantia de que nem a pessoa jurídica não ficará impune, pois é a principal beneficiada da infração penal, nem a pessoa física, que se esconde por detrás da pessoa jurídica para se livrar da responsabilidade penal de seus atos.


Fausto Martin de Sanctis (1999, p. 35) apud (SHECAIRA, 2003, p. 149) afirma


“Observa-se, finalmente, que a cumulação de responsabilidade significa a não exclusão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, pelos atos praticados por seus dirigentes, como forma de evitar apenas imputação destes últimos, quando se verifica, inclusive, o benefício do agrupamento”.


O ministro Gilson Gipp, ao fundamentar seu voto no REsp 564.960, recorre à dupla imputação para reconhecer a responsabilidade da pessoa jurídica, ao afirmar “é certo que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que agem com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa)”.


Assim, o elemento subjetivo (dolo) ou normativo (culpa) do delito é verificado no mundo natural, por meio da intenção do substratum humano que age em nome e benefício da pessoa jurídica.


Jean Pradel (2007) ao questionar-se entre a responsabilidade por ricochete e uma atuação própria do ente moral, inclusive de dolo e culpa, inclina-se pela primeira. Fundamenta sua posição no fato de a pessoa moral não ser de carne e osso e não ter nenhuma realidade física própria, por mais que se reconheça o princípio da realidade da pessoa jurídica. Em sentido estrito, a pessoa jurídica tem certamente um nome, um domicílio e um patrimônio, mas não tem elemento psicológico para querer ou cometer infração. Se ela não é mais que uma criação ou um prolongamento das pessoas físicas, sua responsabilidade, portanto, não pode ser distinta da vontade das pessoas físicas que a compõe. A pessoa jurídica se encarna na pessoa física, por meio dos seus órgão ou representantes, para cometer uma infração penal, ou seja, se serve da criminalidade da pessoa física, por consequência, é o dolo e a culpa desta última que deverá ser demonstrada para responsabilizar a pessoa jurídica.


Aceitar a teoria da dupla imputação, na hipótese de delitos da pessoa jurídica, nas palavras de Gianpaolo Poggio Smanio (2007), “permite que em relação às pessoas físicas não ocorra mudança, continuando o sistema penal tradicional com os conceitos e garantias individuais historicamente fixados”. Criando, assim, espaço para a formação de um novo sistema jurídico apenas para as pessoas jurídicas, de acordo com a sua natureza e exigência dos tempos atuais.


3.2.4 Critérios explícitos da responsabilidade penal da pessoa jurídica


Em consonância com o artigo 3º da Lei 9.605/98, a doutrina exige a comprovação de três critérios explícitos: 1) que a violação decorra de deliberação do representante legal ou contratual da pessoa moral; 2) que o autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; e 3) que a infração praticada se dê no interesse ou benefício da pessoa moral.


Essa classificação diz respeito aos elementos da conduta, isto é, vontade, ação e finalidade. Na pessoa física esses elementos estão reunidos em um só indivíduo, já na pessoa jurídica esses elementos estão bem definidos que podem concentrar em único órgão ou em órgãos distintos.


Heine (2008) ressalta essa divisão como principal elemento das disfunções sociais causadas pela pessoa moral. Em suas palavras:


“Um problema central resulta da dispersão das atividades operativas, da posse da informação e do poder de decisão. Nosso Direito penal tradicional pressupõe estes três aspectos reunidos numa mesma pessoa. Agora bem, a possibilidade que um particular seja autor desaparece, nas modernas formas de agrupamento, em razão da descentralização e a diferenciação funcional das atividades. Na era do “lean management” [“administração eficiente”] ou do “top quality management” [“administração de excelência”], pode-se considerar ou, inclusive, determinar penalmente a um autor potencial de acordo com suas funções estratégicas e operativas: uma grande empresa moderna adquire, finalmente, capacidade de funcionar mediante a coordenação de diversas tarefas mais ou menos autônomas. Em consequência, o fracionamento no seio da organização pode conduzir para uma “irresponsabilidade individual de caráter estrutural”. A isto se agregam os mecanismos práticos de encobrimento no interior da empresa. Existem muitas possibilidades de encobrir, induzir em erro e de gerar vazios de concorrência que podem fazer ineficaz qualquer indagação por causa da estrutura da empresa (“irresponsabilidade individual organizada”)” (HEINE, 2008).


A solução dada pela Lei dos Crimes Ambientais para se responsabilizar, portanto, um agrupamento, deve-se perquirir cada elemento da atividade exercida pela pessoa jurídica, em outras palavras, o poder de decisão equivaleria à deliberação do órgão representante acrescido da posse de informação, a execução das atividades operativas equivaleria à ação, e a finalidade, nesse esquema, ao benefício ou interesse almejado pela pessoa jurídica.


Ao primeiro critério exigido pela doutrina, o evento delituoso deve ter ligação direta com a deliberação do cérebro da pessoa jurídica, ou seja, do órgão colegiado ou representante legal, pois, somente um órgão competente para tomada de decisões, pode vincular à pessoa jurídica a um resultado antijurídico no Direito penal.


A essa deliberação deve-se também perquirir todos os vícios que o ordenamento atribui à vontade, como coação irresistível, estado de inconsciência, enfermidade mental, erro. Ora, a incidência do estado de inconsciência e a enfermidade mental são aplicáveis, em regra, somente no caso em que a deliberação seja tomada por um único indivíduo, pois, com exceção da coação irresistível e do erro, esses vícios são pouco prováveis acometerem a um colegiado de pessoas físicas. De qualquer forma, os atos de exclusão da vontade ou culpa da pessoa jurídica estão diretamente ligados aos mesmos dos membros de seu órgão representante.


Jean Pradel (2007) vai mais longe ao considerar que incide sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica todas as causas de exclusão que beneficiam a pessoa física, em suas palavras:


“Imaginemos que o órgão ou representante da pessoa jurídica não seja penalmente responsável porque concorre uma causa de justificação ou uma causa de inculpabilidade (coação irresistível, enfermidade mental, erro). O ato material que há cometido e que objetivamente é contrário ao direito, ao menos casos de inculpabilidade, pode servir de fundamento para a condenação da pessoa jurídica? (…) Encontramo-nos de novo com o problema geral de escolha entre dolo/culpa da pessoa jurídica e dolo/culpa da pessoa física do dirigente, agora em relação a um caso concreto. Na verdade, a questão pode se resolver por si só: se uma pessoa jurídica, em princípio, não é responsável se o dirigente é beneficiário de uma causa de justificação: se sofre de coação irresistível, enfermidade mental ou é vítima de um erro invencível. E se, por exemplo, a decisão tomada coletivamente por um diretório e todos seus membros sofreram coação irresistível, não poderá empreender nenhuma persecução penal” (PADREL, 2007).


Dessa forma, para que a deliberação da pessoa jurídica seja considerada uma vontade própria desta, deve ser considerada livre e autônoma para incidir a responsabilidade criminal. Destaca-se que essa deliberação só poderá ser efetuada diante à posse de informações sobre o âmbito e a extensão das atividades e riscos das atividades da pessoa moral.


Discute-se ainda se as pessoas físicas formadoras do órgão representante da pessoa jurídica também se vinculariam penalmente por tais deliberações, ou somente se responsabilizariam a pessoa moral? Pela leitura do parágrafo único do artigo 3º da Lei 9.605/98 não deixa dúvidas que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não exclui a ação das pessoas físicas como autora, coautoras ou partícipes.


Sobre essa questão, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo sobre a necessidade de identificação da pessoa física para o recebimento da denúncia contra a pessoa jurídica, pois esses crimes são de concurso necessário[44].


“De fato, não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa), uma vez que a atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. E não obstante o entendimento doutrinário e jurisprudencial firmados no sentido de que o princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública “podendo o Ministério Público, como dominus litis, aditar a denúncia, até a sentença final, para inclusão de novos réus, ou ainda oferecer nova denúncia, a qualquer tempo, …”(STF, HC 71.538/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 15/03/96), é certo que, relativamente aos delitos ambientais – para os quais o art. 3º da Lei 9.605/98 deixa clara a vinculação da responsabilidade da pessoa jurídica à atuação de seus administradores, quando agem em no interesse da sociedade – faz-se necessária a descrição da participação dos seus representantes legais ou contratuais ou de seu órgão colegiado na inicial acusatória. Nesse contexto, entendo que a denunciação da pessoa  jurídica só poderá ser efetivada depois de identificadas as pessoas físicas que, atuando em seu nome e proveito, tenham participado do evento delituoso. A identificação da atuação das pessoas físicas é importante como forma de se verificar se a decisão danosa ao meio-ambiente partiu do centro de decisão da sociedade ou de ação isolada de um simples empregado, para o qual a pessoa jurídica poderia responder por delito culposo (culpa in eligendo e culpa in vigilando ), recebendo penalidades menos severas daquelas impostas a título de dolo direito ou eventual, advindos da atuação do centro de decisão da empresa” (BRASIL, 2005, REsp 610.114, grifo no original)


Dessa maneira, o critério que exige a demonstração da violação tenha decorrido de deliberação do representante legal ou contratual do ente coletivo, também exige que identifique as pessoas físicas que dela tenham tomado parte, para fins de responderem penalmente por tais decisões.


O segundo critério refere-se aos autores materiais que a pessoa jurídica se utiliza para praticar a ação do delito, ou seja, são as pessoas físicas que agem em nome e em benefício daquela. A doutrina exige que haja uma ligação direta, ou seja, um vínculo direto com pessoa jurídica.


“A empresa – por si mesma – não comete atos delituosos. Ela o faz por meio de alguém, objetivamente uma pessoa natural. Sempre por meio do homem é que o ato delituoso é praticado. Se se considerar que só haverá a persecução penal contra a pessoa jurídica, se o ato for praticado em benefício da empresa por pessoa natural estreitamente ligada a pessoa jurídica, e com a ajuda do poderio desta última, não se deixará de verificar a existência de um concurso de pessoas”. (SHECAIRA, 2003, p. 176).


A prática de crime pela pessoa jurídica, em regra, só é possível pela divisão do trabalho, ou seja, a execução pressupõe vários colaboradores, cada qual com seu âmbito de atuação, para efetivar a realização danosa[45]. A primeira divisão é da deliberação da vontade coletiva, por meio do órgão deliberante competente. A segunda divisão é a realização concreta do evento danoso que pode ser praticado por um ou vários indivíduos, mas de forma coordenada pela pessoa moral.


Não pode atribuir à pessoa jurídica coautoria ou participação no evento danoso, ante a falta do vínculo subjetivo que liga o coautor ou participação a conduta do autor, mais sim pela coordenação do evento danoso, ou seja, pelo domínio do fato[46].


“Não se pode admitir, como o fazem alguns autores, a relação de acessoriedade atribuída à pessoa jurídica na consecução do delito. É que, por princípio, a responsabilidade da pessoa jurídica está vinculada a sua relevância social e econômica no processo decisório do delito, o que determina sua posição de autora necessária, e não um papel subalterno de coautoria ou participação. (…) É que a empresa sempre terá, voltamos a firmar, o comando material e funcional da prática delituosa. O “domínio do fato” é um verdadeiro requisito para admitir-se a punição da empresa e, portanto, o alcance do resultado está sempre no âmbito de seu controle” (SHECAIRA, 2003, p. 177).


A pessoa física que aderiu a conduta delituosa da pessoa jurídica é, portanto, coautora ou partícipe, pois o fato fora praticado em benefício e no interesse da pessoa jurídica, e esta tinha toda gerência pela execução e operação da prática delituosa.


O último critério exigido pela Lei dos Crimes Ambientais trata da finalidade do crime, isto é, do benefício adquirido pelo delito. É nesse critério que se deve analisar se a vontade da pessoa jurídica agiu com dolo ou culpa, quer dizer, se a deliberação do órgão representante agiu para beneficiar a pessoa jurídica, pois, caso não haja nenhum benefício desta, aquele agiu com desvio de função não cabendo qualquer responsabilidade penal à pessoa jurídica.


O benefício pode ser de ordem econômica ou qualquer outra no interesse da pessoa jurídica, e que esse benefício pode ser explícito ou implícito na decisão tomada pelo órgão colegiado ou representante legal da pessoa moral.


“Se ela foi tomada no desenvolvimento empresarial e para garantir o sucesso dele, não há interesse individual do gerente na decisão, mas da sociedade. Logo, a mesma surgiu para satisfazer o interesse da garantia do resultado da produção. Esse proveito para o sucesso da empresa pode ser intencional (dolo) ou fruto de negligência (culpa).” (LECEY, 2008).


Em palavras finais, os critérios explícitos exigidos pela Lei 9.605/98 refere-se à autoria e da finalidade da prática delituosa pela pessoa jurídica. Exige-se, em concurso necessário, a indicação, além da pessoa jurídica, as pessoas físicas que participaram do ato delituoso, seja no ato decisório seja na execução direta do delito. E, por fim, para caracterizar o dolo ou a culpa da vontade da pessoa jurídica, o delito tem que gerar benefício ou atender interesse desta, pois quaisquer desvios na deliberação ou execução excluem a responsabilidade da pessoa jurídica.


3.2.5 Critérios implícitos da responsabilidade penal da pessoa jurídica


Na paradigmática decisão do Superior Tribunal de Justiça, diga-se leading case da responsabilidade penal da pessoa jurídica, exige, além dos critérios explícitos já comentados, três critérios implícitos no dispositivo: 1) que seja pessoa jurídica de direito privado; 2) que o autor tenha agido no amparo da pessoa jurídica; e 3) que a atuação ocorra na esfera de atividades desta.


Ao primeiro critério trata-se da exclusão da pessoa jurídica de direito público, ou seja, exclusão da Administração pública direta e suas autarquias. Entretanto, não excluem de tal responsabilidade as paraestatais: sociedades de economia mista, empresas públicas e demais colaboradores do Estado. O principal argumento contra a imputação do Estado como agente ativo de delitos é a sujeição ao princípio da legalidade estrita que está sujeito a Administração Pública.


Walter Claudius Rothenburg (1999, p. 145-149) traz três argumentos contra a oposição de responsabilidade penal do Estado, que dizem: a) existe no Direito administrativo amplo espaço para a discricionariedade de atuação dos entes públicos que possibilita uma atuação ilegal por parte do Estado; b) o efeito estigmatizante das sanções criminais é perfeitamente cabível aos entes públicos, pois já ocorreu coisa parecida com a responsabilidade civil subjetiva contra a Administração Pública; c) é certo que nem toda pena prevista para as pessoas jurídicas caberia ao Estado, como por exemplo, a proibição de contratar com o poder público, mas há outras perfeitamente cabíveis. E, por fim, conclui o autor:


“o Estado é complexo, fruto e palco de compromissos sociais que não elidem os antagonismos e paradoxos; o ordenamento jurídico deve apreender essa dimensão de complexidade e admitir a responsabilidade criminal (possibilitar a censura jurídica) de um aspecto ou momento do Estado, ainda que a responsabilização criminal ocorra por intermédio de (outras) instâncias estatais” (ROTHENBURG, 1999, p. 148).


Mesmo sendo um paradoxo, o Estado em sancionar a si mesmo, no campo cível essa responsabilização já é real quando se trata de danos morais causados a terceiros. Além do mais a atividade estatal é bastante intensa no meio ambiente, e a Lei 9.605/98 não proíbe expressamente a responsabilidade penal dos entes públicos.


Quanto ao tipo de pessoa jurídica que pesa a Lei de Crimes Ambientais, é oportuna a hipótese levantada por Carlos Jara-Gomez Días de que só incidiria a responsabilidade penal sobre as pessoas jurídicas que apresentassem certo grau de capacidade auto-organizativa, autodeterminação e autocondução. Visto que, nesse país, as micro e pequenas empresas[47] têm alto índice de mortalidade devido à ausência de um simples planejamento financeiro. Segundo Ivanira Correia de Oliveira (2002, p. 16) os fatores mais comuns como causas de insucesso das pequenas empresas são “a falta de administração profissional qualificada e a falta de experiência anterior ou conhecimento do negócio”.


Assim, a delimitação da responsabilidade da pessoa jurídica não se deve resumir apenas à natureza do ente jurídico – público ou privado, precisa-se ir mais fundo no assunto, e criar critérios objetivos de capacidade com base na auto-organização, autoadministração e autocondução do ente jurídico, pois é inegável o desnível da complexidade e capacidade administrativa de uma multinacional para os milhares de lava-jatos espalhados neste país.


O segundo e terceiro critérios implícitos tratam da vinculação do ato delituoso às atividades da pessoa jurídica, ou seja, para que haja o evento delituoso o autor físico deve se utilizar do poderio econômico e social da pessoa jurídica, que sem esse auxílio o evento não ocorreria.


“Além disso, é a utilização da infra-estrutura fornecida pela empresa que propicia o cometimento do crime. Sem a reunião dos esforços de várias pessoas, agrupadas sob o manto da pessoa jurídica, o cometimento do crime não seria possível. É o poder, que se oculta por detrás da pessoa jurídica, e a concentração de forças econômicas do agrupamento que nos permite dizer que tais infrações tenham uma robustez e força orgânica impensáveis em uma pessoa física” (SHECAIRA, 2003, p. 116-117).


O evento danoso deve, portanto, ser uma consequência do poderio econômico e social da pessoa jurídica. É mais uma hipótese de limitação da responsabilidade penal da pessoa moral, que deve ser analisado em consonância a capacidade auto-organizativa, de autodeterminação e de autocondução da pessoa jurídica envolvida no evento criminoso.


Por fim, com essa tendência do Superior Tribunal de Justiça em processar e condenar a pessoa jurídica por uma culpabilidade própria, ou seja, uma responsabilidade social, já é um grande avanço para a modernização do Direito penal. Contudo, deve-se buscar estabelecer os critérios dessa responsabilidade com base nos princípios constitucionais e de um sistema garantista capaz de estabelecer limites ao ius puniendi, evitando-se abusos e punições desnecessárias.


CONCLUSÃO


A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma necessidade no atual estágio da sociedade. A importância e realidade da pessoa jurídica na condução das atividades econômica e social do ser humano ultrapassam a ideia de “criação do direito”, pois seu poderio social, político e econômico é o grande gerador de risco de lesão e ameaça a bens jurídicos fundamentais para a bom e regular funcionamento do Estado social e democrático de Direito.


Neste contexto, urge-se uma nova sistematização do Direito penal capaz de sancionar a pessoa jurídica, sem abandonar as garantias fundamentais do homem, conquistadas a duras penas, como os princípios da legalidade, da responsabilidade pessoal e da culpabilidade. Aliada a essas garantias, o novo Direito penal não pode se afastar da sua função subsidiária e fragmentária.


O constituinte brasileiro já delimitou as bases desse novo Direito penal ao promover expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica e financeira e contra o meio ambiente. Essa responsabilidade, como visto, é uma medida excepcional, devendo-se, como regra geral, acolher a responsabilidade individual.


O Direito penal que reclama a Carta Magna, nesse desiderato, tem como principal missão a exclusiva tutela dos bens jurídicos fundamentais da sociedade, sendo ilegítima qualquer ênfase a funções simbólica e promocional como forma de controle social, visto que o Estado social e democrático de Direito, de viés garantista, pluralista e inclusivo, não pode se utilizar de meio tão severo (pena ou medida de segurança) como instrumento de proteção dos valores ético-sociais vigentes na sociedade.


A função da pena, como resposta social às condutas danosas aos bens jurídicos fundamentais, dessa forma, compatível com esse modelo estatal, só pode ser da prevenção geral, isto é, só pode ocorrer na extrema necessidade de proteção dos bens jurídicos em total atendimento ao caráter subsidiário e fragmentário do Direito penal.


Estabelecidos assim os limites e bases do Direito penal, estar perfeitamente estruturado o caminho para o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica como forma de proteção da sociedade. Enfim, a intervenção mínima, ultima ratio, não pode impor uma imutabilidade dos fatos ao Direito penal, já que os fatos sociais é um eterno motor na dinamização da sociedade. Assim, com essas bases político-criminais do novo Direito penal, deverá agora a dogmática penal redefinir os elementos da Teoria do Delito de forma a estabilizar as relações sócias e garantir efetividade da resposta social às contas indesejáveis no seio da sociedade.


O legislador infraconstitucional, mesmo de forma insipiente e vacilante, regulamentou a previsão constitucional da responsabilidade penal da pessoa moral contra o meio ambiente. A jurisprudência vem afluindo aos elementos mínimos para se responsabilizar a pessoa jurídica. Neste sentido, a paradigmática decisão do Superior Tribunal de Justiça ingressou de vez o Direito penal brasileiro a essa nova dogmática penal, que tem como missão adequar-se às novas tendências de responsabilização social, não desprezando, todavia, as garantias individuais conquistadas à duras penas e sangue da humanidade.


Não obstante o reconhecimento da responsabilidade social da pessoa jurídica fundada em exclusivo benefício próprio auferido da prática do delito, é deveras injusto igualar toda e qualquer pessoa jurídica na prática de delitos contra o meio ambiente. Pois, a culpabilidade social a ela imputada deve ter por base, como afirma Sérgio Salomão Shecaira, o poderio econômico e social da empresa na realização do delito.


Outro fator importante a ser considerado na responsabilidade penal da pessoa jurídica, é o desnível gerencial das grandes empresas em relação às micro e pequenas empresas, que, na sua grande maioria, é formada por grupos familiares, e que a atuação desses entes jurídicos confundem-se com as condutas de seus donos. Dessa forma, elas são inimputáveis de responsabilidade penal, pois a condenação penal da pessoa jurídica, nesse caso, equivaleria ao bis in idem da condenação dos seus donos. Como medida de limite a essa responsabilidade, é totalmente válida a proposta de Carlos Jara-Gomez Días de imputabilidade da pessoa jurídica a partir do momento que esta atinge certa autocapacidade, autodeterminação e autocontrole, características apresentadas por entes jurídicos que têm estrutura e poderio econômico significativos na sociedade.


Por derradeiro, é o Direito penal um mal necessário para exercer o controle social de novas demandas dentro do Estado social e democrático de Direito, contanto que se cerque das garantias fundamentais do ser humano e de uma mínima prevenção social, como forma de não avançar os limites mínimos permitidos nem de se congelar no tempo e espaço, passando assim, a ser um instrumento severo de mais para condutas que não têm mais significado para a sociedade.


 


Referências

ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello. Societas delinquere potest – Revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina. In: GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Responsabilidade da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 72-94.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: parte geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

__________. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Responsabilidade da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 51-71.

BOBBIO, Noberto. Teoria da Norma. Bauru-SP: Edipro, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 564.960 / SC (Recurso Especial 2003/0107368-4), 5ª Turma, Brasília, DF, 2 de junho de 2005. Disponível em: <https:// ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301073684&dt_publicacao=13/06/2005>. Acesso em  15 fev. 2008.

__________. Superior Tribunal de Justiça. REsp 610.114 / RN (Recurso Especial 2003/0210087-0), 5ª Turma, Brasília, DF, 17 de novembro de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200302100870&dt_publicacao=19/12/2005>. Acesso em 15 fev. 2008.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e prisão preventiva. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em 09 de nov. 2007.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CAVERO, Percy García. Las medidas aplicables a las personas jurídicas en el proceso penal peruano. Disponível em: <http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/articulos/pdf/ 07feb07/percy_medaplic.pdf>. Acesso em 10 de out. 2007.

delmanto, celso et al. Código penal comentado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

Díez, Carlos Gómez-Jara. ¿Imputabilidade de las personas jurídicas? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo; v. 63. p. 47-75. 2006.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

GALVÃO, Fernando. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. 2ª Edição: São Paulo: Editora Del Rey, 2003.

GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Direito penal, v. 1: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2007.

GRECO, Rogério. Direito penal – lições. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

GUARAGNI, Fábio André. Necessidade sistemática de uma teoria da conduta pré-típica em direito penal. Material da 3ª aula da Disciplina Princípios constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Ciências Penais – UNISUL – IPAN – REDE LFG, em 21 jun. 2007.

HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francesco. Introducción a la Criminología y Derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1989.

HASSEMER, Winfried. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos. In: RAMIREZ. Juan Bustos (Director). Pena y Estado. Santiago de Chile: Editorial Jurídica Conosur, 1995. p. 23-36.

MIR PUIG, Santiago. El derecho en el Estado social y democratico de derecho. Barcelona: Editorial Ariel, 1994.

__________. Introduccion a las bases del Derecho penal. 2ª ed. Buenos Aires: Editora IBDEF, 2003. Colección Maestros del Derecho Penal, nº 5. Gonzalo D. Fernández (Director).

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito penal: volume 1. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

OLIVEIRA, Ivanira Correira de. Proposta de um modelo de diagnóstico do gerenciamento financeiro de curto prazo para micro e pequenas empresas industriais. 147f. 2002. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianopólis, 2002, Disponível em: <http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/6387.pdf>. Acesso em 30 dez. 2007.

POZO, José Hurtado. Responsabilidad penal de las personas jurídicas. Disponível em: <http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/96/pdf/HURTADO.pdf>. Acesso em 15 de fev. 2008.

PRADEL. Jean.  La responsibilidad penal de las personas jurídicas en el derecho francés: Algunas cuestiones. Disponível em  <http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/articulos/pdf/ octubre05/LA%20RESPONSABILIDAD%20PENAL.pdf>. Acesso em 10 de out. 2007.

__________. La responsabilidad penal de la persona moral. Disponível em: <http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/96/pdf/DELPRA.pdf>. Acesso em 15 fev. 2008.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito comercial, 1º volume. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, parte geral. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

RODRÍGUEZ, Laura Zuñiga. Criminalidad organizada, Union Europea y sanciones a empresas. Acessível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal>. Acessado em 10 de out. 2007.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Considerações de ordem prática a respeito da responsabilidade criminal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Responsabilidade da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 143-159.

ROXIN, Claus. Derecho penal. parte general: tombo I. 2ª ed. Madrid: Civitas, 1997.

SÁNCHEZ, James Reátegui. La presencia de personas jurídicas como característica del moderno derecho penal del riesgo y las propuestas de imputación de corte individual. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal>. Acesso em 10 de out. 2007.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Disponível em: <http://www.direito.com.br>.  Acesso em: 12 set. 2007a.

__________. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é, talvez, o tema de política criminal e de direito penal mais controvertido da atualidade. Disponível em: <http://www.tj.ro.gov.br/emeron/sapem/2001/ junho/0806/ARTIGOS/A08.htm>.  Material da 2ª aula da Disciplina Tutela Penal dos Bens Jurídicos Supra-Individuais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Ciências Penais – UNISUL – IPAN – REDE LFG, em 13 de nov. 2007b.

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Responsabilidade da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 104-130.

SCHÜNEMANN, Bernd. La función del principio de culpabilidad en el Derecho penal preventivo. In: SCHÜNEMANN, Bernd (compilador). El sistema moderno del Derecho penal: cuestiones fundamental. Madrid: Tecnos, 1991. p. 147-178.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2ª ed. São Paulo:Editora Método, 2003.

SILVA, Luciano Nascimento. A (moderna) Criminalidade Econômica. (o direito penal entre o econômico e o social, o indivíduo e o coletivo). Disponível em: <http://jusvi.com/dbfiles/pdf_file_texts_1689.pdf>. Material da 1ª aula da Disciplina Criminalidade Econômica e Organizada, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Ciências Penais – UNISUL/REDE LFG, em 16 de fev. 2008.

__________. O Direito Penal Econômico como Direito Penal da Empresa. O dualismo jurídico-criminal: “societas delinquere non potest” vs. “societas delinquere potest”. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 608, 8 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6415>. Acesso em: 09 de set. 2007.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La Expansión de Derecho Penal. 2ª ed. Madrid: Civitas. 2001.

SIRVINSKAS, Luis Paulo. Pessoa Jurídica e responsabilidade penal. Disponível em <http://cf3.uol.com.br:800/consultor/arti.cfm?numero=371>. Acesso em 12 set. 2007.

SMANIO, Gianpaolo Poggio. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5713>. Material da 1ª aula da Disciplina Tutela Penal dos Bens Jurídicos Supra-Individuais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Ciências Penais – UNISUL – IPAN – REDE LFG, em 06 nov. 2007.

TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el Derecho comparado. In: GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Responsabilidade da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 25-45.

__________. Resposabilidad penal de las personas jurídicas. Disponível em: <http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/anuario/96/pdf/KLAUS.pdf>. Acesso em 15 fev. 2008.

VADE MECUM RT. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte geral. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

Notas:

[1] O controle social é um conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem promover e garantir a submissão do indivíduo aos modelos e normas comunitárias. Basicamente, o controle social é composto por: a) sistema normativo (direito penal, civil, ética, religião, estatuto); b) Instituições (família, escola, partido político, sindicato, Estado); c) estratégias (repressão, prevenção, ressocialização); d) sanções sociais (positivas como ascensões, distinções, e negativas como reparação de danos, privação de liberdade, restrições de direitos); e) destinatários (estratos sociais, criminoso potencial, classe social). O Direito penal é apenas uma fração do controle social formal (Gomes, 2007. p. 24).

[2]  O homem está compelido a conviver em sociedade (até por necessidade de sobrevivência). E a convivência se torna possível graças a uma série de regras e pautas de conduta que integram a chamada ‘ordem social’. (…) O controle social é imprescindível em todo processo de integração (socialização), mesmo porque é ele que viabiliza a sobrevivência do grupo. Mas a ‘ordem social’ não é autossuficiente, não resolve todos os conflitos. A experiência demonstra que necessita ser completado e reforçado pela ordem jurídica [controle social formal] (Gomes, 2007, p. 224).

[3]  Hassemer e Muñoz Conde (1989, p. 120) apontam como princípios do controle social formal penal, os princípios da proporcionalidade; da culpabilidade; da legalidade; da publicidade; da ampla defesa e do contraditório; do in dubio pro reo; de não se autoincriminar; da proibição de provas ilícitas; da dignidade humana da pena. E acrescenta: “Um controle social dirigido a pura efetividade não reconheceria nenhum destes princípios, pois do ponto de vista pragmático são certamente mais um obstáculo que uma vantagem”.

[4]  Luiz Flávio Gomes (2007, p. 222) destaca as diferenças entre missão e função do Direito penal, para este autor: “As missões do direito penal, isto é, suas finalidades, suas metas, são as consequências queridas ou buscadas oficialmente pelo sistema (proteção de bens jurídicos, diminuição da violência estatal, diminuição da violência individual etc). Funções são as consequencias (efetivas) não desejadas (oficialmente, ostensivamente), mas reais do sistema”. (Cf. HASSEMER; MUÑOZ CONDE, 1989, p. 99).

[5]  Nesse sentido Júlio Fabbrini Mirabete (2001, p. 23); Luiz Flávio Gomez (2007, p. 223); Claus Roxin (1997, p. 52); Santiago Mir Puig (1994, p. 167).

[6]  Expressão utilizada para explicar o fenômeno de criação de novos tipos penais e de bens jurídicos, ampliação das condutas lesivas, flexibilização de direitos e garantias, (Silva Sánchez, 2001. p. 20).

[7]   Corrente defendida por Hans Welzel, o qual dá um paço a mais que os defensores da corrente anterior, pois, sem negar o princípio de proteção dos bens jurídicos, coloca a missão do Direito penal numa relação social mais ampla: de proteger os valores de atitude interna de caráter ético-social existentes na sociedade inclusos na proteção dos bens jurídicos (Hassemer; Muñoz Conde, 1989, p. 100-102). No Brasil esta corrente é defendida, por exemplo, por Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 8-12) e Fernando Capez (2005, p. 1).

[8]  Em uma sociedade pluralista e democrática não pode ser incumbência do Direito penal incidir na esfera interna do indivíduo, modificando seus padrões de valores (aliás, é bem provável que o Estado, mesmo que quisesse, jamais conseguiria esse desideratum). (…) Nada mais perigoso, por outro lado, que confundir as fronteiras do Direito com a Moral, pretendendo que o primeiro se transforme em instrumento de atitudes de adesão e de fidelidade” (Gomes, 2007, p. 230).

[9]  “Função simbólica” no sentido crítico é, por conseguinte, um Direito penal em que as funções latentes predominam sobre as funções manifestas: do qual pode se esperar que realize por meio da norma e sua aplicação outros objetivos que o descrito na norma. Entende-se por “função manifesta” claramente as condições objetivas de realização da norma, as que a própria norma atinge na sua formulação: uma regulação no campo abstrato de casos particulares que caiem no âmbito da aplicação da norma, isto é, a proteção de bem jurídico previsto na norma. As “funções latentes”, diferentemente, são múltiplas, sobrepõem-se parcialmente umas a outras, e são descritas amplamente na doutrina: desde a satisfação de uma “necessidade de atuar” a um apaziguamento da população, inclusive a demonstração de um Estado forte. A previsibilidade da aplicação da norma mede-se pela quantidade e qualidade das condições objetivas, ou seja, as que estão a disposição da realização objetiva instrumental da norma. Uma predominância das funções latentes fundamenta o que aqui denomino engano ou aparência: os fins descritos na regulação da norma são, comparativamente, distintos a os que se esperam de fato; não se pode afiançar a norma tal e como esta se apresenta. Finalmente nesta concreção de “função simbólica” não se trata somente de processo de aplicação das normas, mas frequentemente desde já da formulação e publicação da norma (Hassemer, 1995, p. 30).

[10]  Para Santiago Mir Puig (1994, p. 33) o Estado social e democrático de Direito é a união do Estado liberal com o Estado social, numa síntese de superação de seus pressupostos básicos do qual resultou a democracia. Do Estado liberal adotou-se a ideia do Estado de Direito regido por leis aprovadas pelos representantes do povo, que para seu exercício deve assegurar certas garantias formais. Do Estado social, por sua vez, adotou-se o Estado Intervencionista como motor ativo da vida social, que para seu cumprimento deve modificar as relações sociais. E o referido autor conclui: “pela fórmula ‘Estado social e democrático de Direito’ pertence-se submeter a atuação do Estado social – a que não se pode renunciar – aos limites formais do Estado de Direito, pela sua orientação material em direção à democracia real. Efetivamente, por essa via, o que se pretende é acolher uma modalidade do Estado social – isto é, que tome partido efetivo na vida social – à serviço de todos os cidadãos”.

[11]  O substrato empírico do bem jurídico é, em outras palavras, uma relação social positivamente aceita que se vincula a uma coisa (material ou imaterial); tem como objeto um bem ou interesse existencial (pessoal), mas essa coisa (a vida, a honra etc.), para se transformar em um bem jurídico, precisa ser objeto de um interesse do ser humano e ainda depende de um significação social, é dizer, de uma valoração (positiva do legislador) (Gomes, 2007, p. 383).

[12]   O direito penal deve proteger, mediante o controle formalizado, os interesses humanos fundamentais que não podem ser defendidos de outra maneira (Hassemer; Munõz Conde, 1989, p. 122).

[13]  Não fechando um conceito absoluto de bem jurídico, o conceito acima defendido por Claus Roxin, é o que mais se aproxima um conceito dinâmico e limitador do poder estatal. Luis Flávio Gomes apresenta outros conceitos ‘decisões do legislador’, ex lege lata (positivistas); ‘interesses do homem’ (Von Liszt); ‘valores ético-social’ (neokantianos); ‘conteúdo material expresso na constituição’ (Sax); valores plasmados na Constituição (Roxin); ‘danosidade social’ – desfuncionalidade (Amelung); ‘realidade social’ (Mir Puig) e ‘conteúdo material’ das normas cuja infração requer imposição de uma pena (Silva Sánchez). (Gomes, 2007, p. 226).

[14]  Winfried Hassemer e Francesco Muñoz Conde (1989) afirmam que “somente uma teoria personalista do bem jurídico pode invocar, com legitimidade, uma concepção liberal de Estado, isto é, que legitime a ação estatal do ponto de vista da pessoa” (p. 109). Acrescentam ainda que “quem concebe os bens jurídicos supraindividuais do ponto vista da teoria personalista considerará-os como bens derivados ou indiretos. Assim, por exemplo, dirá que os delitos contra o meio ambiente são delitos de perigo (para a vida e a saúde das pessoas) e não delitos de lesão (de um bem jurídico como o ’meio ambiente’). Só uma teoria personalidade do bem jurídico se vê obrigada a exigir que os danos ao meio ambiente representam uma exposição de perigo grave aos interesses individuais protegidos juridicamente; e somente uma teoria personalista do bem jurídico personalista pode explicar que as agressões ao meio ambiente, unicamente, podem ser castigados à medida que expõe em perigo bens jurídicos pessoais”. (p. 110). E finalizam “a concepção personalista do bem jurídico luta por uma política do Direito penal vinculada a princípios que justifique e contenha suas decisões na função de proteger interesses humanos dignos de valoração penal (p. 112)”.

[15]   Luis Flávio Gomes (2007, p. 616) apresenta como exemplo de enunciado legal que não é norma penal completa, a parte geral do Código Penal, pois, em regra, suas disposições legais não transmitem mensagens prescritivas, ou seja, norma primária dirigida a todos os cidadãos, apenas instrumento para aplicação da Parte Especial do Código penal.

[16]  Todo sistema normativo em uma sociedade real encontra resistência e reações. Mas nem todos respondem à violação do mesmo modo. O que determina qual o sistema pertence uma norma é o tipo de resposta social, ou seja, o tipo de sanção. Assim, considera-se uma norma moral quando a sanção é de ordem interna, isto é, sentimento de culpa, arrependimento, remorso etc. Por outro lado, considera-se uma norma social quando a sanção é de ordem externa, por exemplo, reprovação, castigo, isolamento etc (Bobbio, 201, p. 154 e seguintes).

[17]  Para uma concepção de homem empírico, a função da pena era a prevenção da sociedade. Já para uma concepção ideal, baseada principalmente no idealismo alemão de Kant e Hegel, a função da pena era retributiva, realização da justiça (Cf. MIR PUIG, 1994, p. 35-36).

[18]  Paulo Bonavides (2005) ao questionar qual o modelo de Estado adotado pela Constituição de 1988, afirma que “A constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social” (p. 317). “Em se tratando de Estado social, concordamos, por inteiro, com Tomandl e Franz Horner quando dizem que um dos graves problemas do Direito Constitucional decorre de que ele realiza os fins do Estado social de hoje com as técnicas do Estado de Direito de ontem” (p. 372). E prossegue o autor “o Estado social brasileiro é portanto de terceira geração, em face desses aperfeiçoamentos: um Estado que não concede apenas direitos sociais básicos, mas os garante” (p. 373)

[19]  José Hurtado Pozo (2008) chama a atenção para o desenvolvimento das principais formas de criminalidade moderna (lavagem de dinheiro, crime organizado, infrações econômicas, tráfico de drogas, crime de informática) com uma importante participação das empresas (financeiras, comerciais, industriais e políticas), por sua especial organização administrativa, peso social e político, particularmente, na ação como instrumento ou forma de delinquência. Laura Zuñiga Rodríguez (2007) acrescenta, com bastante propriedade: “sem dúvida, a nova criminalidade organizada, empresarial, transnacional, que utiliza instrumentos sofisticados como os modernos meios de comunicação e redes comerciais internacionais. O sistema de produção de livre-comércio que se vem impondo no mundo desde a queda do muro de Berlim, nos tem levado à globalização das relações econômicas, e com ela a criminalidade relacionada com os lucros ilícitos que se move comodamente pelos territórios nacionais, aproveitando-se das redes do comércio internacional. O tráfico de armas, tráfico de menores, tráfico de mulheres, tráfico de drogas, tráfico de órgãos humanos, tráfico de mão de obra, a lavagem de dinheiro, são todas formas de criminalidade que tem por característica comum utilizar (ou melhor, extrair) os serviços do comércio internacional para lograr lucros ilícitos, aos quais se somam a corrupção, à medida que tem que corromper as relações legais e tem que utilizar as relações ilegais. Existe, pois, uma correspondência entre aumento dos lucros (ilícitos) com a corrupção das relações econômicas lícitas e utilização das ilícitas. Este mesmo fenômeno que se observa nas relações econômicas internacionais, também é evidente no interior das relações econômicas dos próprios Estados e, concretamente, a empresa, principal agente econômico da sociedade moderna”.

[20]  O intervencionismo estatal, nas palavras de Luciano Nascimento Silva (2008) passou a ser uma realidade na economia do Estado moderno. E aponta como causas do intervencionismo estatal na ordem econômica do século XX, diante da constatada falência do sistema econômico liberal, acontecimentos como: a Primeira Grande Guerra (1914-18); a crise econômica de 1929 com a queda da Bolsa de Valores de New York, e a Segunda Grande Guerra (1939-1945). Isso não quer significar se está diante de um Direito de Guerra. Diversos fatores contribuíram para tal intervencionismo, como as transformações ideológicas, as modificações ocorridas nas relações econômicas etc.

[21]  James Reátegui Sánchez (2007), comentando sobre os riscos da sociedade atual, leciona: “O principal agente de perigo para os bens jurídicos – não somente para os coletivos, mas também para os fundamentais como a vida, a saúde – sem dúvida é a empresa. A empresa é uma organização geradora de perigos que se desenvolvem em três momentos: a) No próprio processo de produção, isto é, no caso de acidentes trabalhistas. O trabalhador ao entrar em contato com a máquina e realizar atividades perigosas no desenvolvimento de suas atividades, põe em risco sua vida e sua saúde. b) Na atividade industrial de produção de bens. A produção massiva de bens alimentícios em grande escala e sua comercialização por grandes redes, dificultam a determinação dos processos causais que intervém desde que o produto é elaborado inicialmente até chegar ao consumidor. Daí a complexidade de se determinar a responsabilidade por produtos defeituosos; c) Nos resíduos industriais. Os resíduos da atividade industrial podem ser geradoras de riscos essenciais dos delitos. A emissão de fumaça, emissão de gases tóxicos, produtos radioativos etc. Muitos deles podem produzir delitos contra o meio ambiente, patrimônio artístico, etc”.

[22]  Maria Helena Diniz (2005, p. 518) apresenta a seguinte crítica à teoria da ficção de Savigny: “Se se o Estado é uma pessoa jurídica, e se concluir que ele é ficção legal ou doutrinária, o direito que ele emana também o será”.

[23]  Hauriou definiu a instituição como uma organização social, estável em relação à ordem geral das coisas, cuja permanência é assegurada por um equilíbrio de força ou por uma separação de poderes, e que constitui, por si mesma, um estado de direito (Requião, 2005, p. 381).

[24]    Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2006, p. 518-19) leciona “a pessoa jurídica é uma ideia diretriz que se incorpora a uma organização para poder perpetuar-se e agir, ou melhor, uma ideia com força bastante para ligar entre si seus membros e manifestar-se externamente e, destarte, realizar um fim comum. Ou, em outros termos, é uma instituição”.

[25]  No direito civil brasileiro, a responsabilidade civil da pessoa jurídica já era prevista no código civil de 1916, no Código Civil de 2002 (Lei 10.502/02), a responsabilidade contratual está prevista no art. 389, e na esfera extracontratual nos artigos 932 e 933. Em relação à pessoa jurídica de direito público interno, a responsabilidade civil está prevista no art. 37, §6º da  Constituição Federal (as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa), e reproduzida, quase literalmente, no artigo 43 do Código Civil de 2002.

[26]  A globalização econômica e a integração supranacional são dois fenômenos típicos da sociedade pós-industrial. As exigências de uma reação jurídico-penal a delinquência própria desses fenômenos, como crimes econômicos, contra o meio ambiente e crime organizado, estão levando a uma demolição do edifício conceitual da teoria do delito, assim como das garantias formais e materiais do Direito penal. Esse novo Direito penal da globalização e da integração supranacional será unificado, menos garantista e mais flexível das regras de imputação. Estas hipóteses baseiam-se em questões práticas. Primeira, a globalização e a integração supranacional exigem um Direito penal eficaz contra a criminalidade e respostas concretas contra a criminalidade supranacional. Modelo esse incompatível com um sistema penal de garantias. Segunda, a criminalidade da globalização é diferente dos delitos tradicionais, trata-se de “crimes de colarinho branco”, que tem uma regulação insuficiente e de base criminológica diversas dos crimes tradicionais. Terceira, a exigência de dar resposta a globalização e sua criminalidade, em geral, em termos punitivistas, está gerando uma sensação de insegurança tanto nos indivíduos como nos Estados. Por fim, parece que a globalização prescinde do Direito penal anglo-saxônico, aproximando-se mais o direito da comunidade europeia do direito germânico. Com esta unificação do Direito, é muito provável que o Direito penal global resulte em um conjunto mais repressor que os sistemas que contribuíram para sua formação. (Silva Sanchez, 2001, p. 81-86).

[27]  “Avulta, por razões práticas, o conceito de conduta humana como forma de afastar do âmbito de incidência do direito penal tudo o que não for forma de manifestá-la. O conceito de conduta realiza, portanto, a função de ‘um primeiro filtro’, no dizer de VALLEJO, dentro da teoria analítica do crime, ao ‘…estabelecer o mínimo de elementos que determinam a relevância de um comportamento humano para o direito penal’, porém não esgotando esta análise, tarefa que será cometida a extratos posteriores (ou novas ‘filtragens’, na linguagem figurada de VALLEJO, para que reste ao final somente a conduta humana taxada como crime, e a consequente punibilidade – esta também condicionada positiva e negativamente, frise-se). De fato, esta função se realiza antes da análise da tipicidade do comportamento, dentro daquele autêntico ‘método de trabalho’ consistente na apreciação escalonada dos elementos do crime, compreendido como ‘conduta humana típica, antijurídica e culpável’, segundo o ‘conceito analítico de crime’ predominante no Brasil. (…) Em síntese, a existência de uma concepção de conduta humana em direito penal e sua colocação como primeiro extrato analítico no conceito escalonado de crime facilita e simplifica a análise do caso penal, uniformiza o tratamento da conduta, permite distinguir grupos de casos (como ‘ação’ e ‘omissão’), serve como guia para criação de novas normas (incriminadoras ou não) e para exegese dos dispositivos positivados em lei (GURAGNI, 2007).

[28]  Rogério Greco (2007), em síntese, assim descreve as principais teorias da ação: Segundo a concepção causalista, a ação deve ser analisada em dois momentos diferentes: a) sistema clássico, ou causal-naturalista (Liszt e Beling) – ação como movimento humano voluntário, produtor de uma modificação no mundo exterior – “ação é, pois, o fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à vontade do homem. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto, não há crime. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado”. Critica: embora explique a ação em sentido estrito, não consegue solucionar o problema da omissão. b) sistema neoclássico (paz aguado) – ainda dentro do causalismo, ação é comportamento humano voluntário, manifestado no mundo exterior. A ação deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada de um certo sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como a omissão (ação negativa). Segundo uma concepção finalista (Welzel), a ação passa a ser entendida como o exercício de uma atividade final. Ação é um comportamento humano voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer. O homem, quando age, age dirigido a uma finalidade qualquer, que pode ser ilícita (movida por dolo) ou lícita (mas praticada com imperícia, imprudência ou negligência, resultando em culpa). De acordo com uma concepção social da ação (Wessels), ação é toda atividade humana social e juridicamente relevante, segundo padrões axiológicos de uma determinada época, dominada ou dominável pela vontade.

[29]  Sistematizada por Von Liszt com base na teoria causal do delito, a culpabilidade é entendida como uma ligação de natureza interior, anímica, psíquica entre o autor e o fato (SHECAIRA 2003, p. 83). O dolo e a culpa não só eram as duas únicas espécies de culpabilidade, como também a sua totalidade (BITENCOURT 2006, p. 417). São seus elementos: a) imputabilidade e b) dolo e culpa. A principal crítica a essa teoria era a identificação da culpa como elemento psicológico, assim não equacionava adequadamente as questões de culpa consciente e de estado de necessidade exculpante.

[30] Desenvolvida por Reinhart Frank e aprofundada por Edmund Mezger, no conceito de culpabilidade é introduzido o elemento valorativo, ou seja, um juízo normativo de reprovabilidade da conduta do agente. A culpabilidade é um juízo de reprovação ao autor do fato pelo cometimento de um ilícito em face do conhecimento existente quanto à antijuridicidade da conduta praticada (SHECAIRA 2003, p. 84). São elementos da culpabilidade: a) imputabilidade; b) dolo e culpa (elementos da culpabilidade); c) exigibilidade de conduta diversa. A principal crítica consiste na concepção híbrida do dolo, ou seja, uma parte psicológica (vontade e consciência) e outra normativa (consciência da ilicitude), que criou um problema a respeito da punibilidade de criminosos habitual ou por tendência, devido ao meio social em que vivem e não têm consciência da ilicitude. Mezger tentando resolver esse impasse cria um adendo a teoria normativa “a culpabilidade pela conduta de vida”. Assim, a culpabilidade não está focado no fato e sim no autor. O que importa realmente para a censura é a personalidade do agente, ou seu caráter, ou a sua conduta social. Mas essa concepção não trouxe bons resultados para humanidade, pois leva a um arbítrio estatal indesejável, como aconteceu com a Alemanha nazista  (BITENCOURT 2006, p. 423-24).

[31]  Sistematizada por Hans Welzel, a culpabilidade, no finalismo, pode ser resumida como a reprovação pessoal que se faz contra o autor pela realização de um fato contrário ao Direito, embora houvesse podido atuar de modo diferente de como o fez. (BITENCOURT, 2006, p. 429). A culpabilidade, que tem como pressuposto a imputabilidade, passa a ser um puro juízo de reprovação ao autor quando este tenha consciência potencial da ilicitude do fato que comete, e possa agir de outro modo, sendo lhe exigível esta conduta (SHECAIRA, 2003, p. 86). Na concepção finalista de culpabilidade são seus elementos: a) imputabilidade; b) exigibilidade de conduta diversa; c) possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato. Com a retirada do dolo da culpabilidade, separou-se também o conhecimento da proibição que integrava o dolus malus (dolo normativo). Dessa forma, a ausência de conhecimento da proibição não afasta o dolo natural, mas exclui a culpabilidade – caso de erro de proibição invencível (BITENCOURT, 2006, p. 434).

[32]  Rogério Greco (2007), assim descreve a função da culpabilidade no Direito penal: Culpabilidade é o juízo de censura, é o juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita do agente. É a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apoia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, “agir de outro modo”. O princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais: a) culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico do crime – exerce papel fundamental na caracterização da infração penal. A culpabilidade é o terceiro elemento integrante do conceito analítico de crime, sendo estudada após a análise do fato típico e a ilicitude, ou seja, após concluir-se que o agente praticou um injusto penal. Após essa constatação, inicia-se um novo estudo, que agora terá seu foco dirigido à possibilidade ou não de censura sobre o fato praticado. b) culpabilidade como princípio medidor da pena – uma vez existente a infração penal (fato típico, antijurídico e culpável) o agente será, em tese, condenado. O juiz, para encontrar a medida justa da pena para a infração penal praticada, terá sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador. A primeira das circunstâncias judiciais a serem analisadas pelo juiz para a fixação da pena-base (primeira fase dentro do critério trifásico de fixação da pena) é justamente a culpabilidade (art. 59, do CP). c) culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, o da responsabilidade penal sem culpa – o princípio da culpabilidade impõe subjetividade na responsabilidade penal. Não se admite no Direito penal a atribuição de responsabilidade derivada simplesmente de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. Se não houver dolo ou culpa, não haverá conduta. Sem conduta não há fato típico. Sem fato típico não haverá crime.

[33]  A ideia de retribuição da culpabilidade mediante uma pena conduze a noção de um fim em si mesmo com a finalidade de restabelecer a justiça, essa ideia não é somente um problema em si mesma, mas acaba num problema metafísico, que não é a incumbência do Estado em uma democracia pluralista e neutra no plano ideológico, e que dá margem as funções admissíveis do Estado (SCHÜNEMANN, 1991, p. 151)

[34]  Quem advoga pelo completo abandono da ideia do livre-arbítrio no Direito penal comporta-se, portanto, ao fundo, de forma tão ingênua e desvalida. Ingenuamente porque não nota que o livre-arbítrio se acha assentado nas estruturas elementares de nossa comunicação social e, por isto, tem uma presença real na sociedade. (…) Isto se ilustra muito bem mediante a astúcia de um juiz que, antes a objeção do acusado de que não podia ser condenado devida à inexistência do livre-arbítrio, ele replicou com pesar que também ele – o juiz – carecia de livre-arbítrio e não podia fazer outra coisa a não ser condená-lo. (SCHÜNEMANN, 1991, p. 156-57).

[35]  Luigi Ferrajoli propõe um sistema de garantias para o Direito penal em contraposição ao direito penal autoritário (antigarantista). Para assegurar um Direito penal e processual garantistas Ferrajoli (2006, p. 91) apresenta os seguintes axiomas: A1: Nulla poena sine crimine (princípio da retribuitividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito); A2: Nullum crimen sine lege (princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito); A3: Nulla Lex (poenalis) sine necessitate (princípio da necessidade ou da economia do direito penal); A4: Nulla necessitas sin injuia (princípio da lesividade ou da ofensividade do evento); A5: Nulla injuria sine actione (princípio da materialidade ou da exterioridade da ação); A6: Nulla acto sine culpa (princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal); A7: Nulla culpa sine judicio (princípio da jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito); A8: Nullum judicium sine accusatione (princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação); A9: Nulla accusatio sine probatione (princípio do ônus da prova ou da verificação); A10: Nulla probatio sine defensione (princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade).

[36] Os direitos fundamentais são classificados em geração de acordo com sua positivação, assim os direitos fundamentais de primeira geração ligados ao princípio da liberdade, positivados no século XVIII e XIX, referem-se aos direitos políticos e civis, de status negativus; os de segunda geração, que dominaram o século XX, destacam os direitos sociais, culturais e econômicos, e dizem respeito ao princípio da igualdade; de terceira geração, ligados ao princípio da fraternidade, compreende os direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. Falam-se ainda de direitos de quarta e de quinta geração ou dimensão. Paulo Bonavides (2006, p. 571-572), em crítica ao termo geração, leciona “Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo ‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, os direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo”.

[37]  José Afonso da Silva afirma taxativamente: “Cabe invocar, aqui, a tal propósito, o disposto no artigo 173,§5º, que prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas, independente da responsabilidade de seus diligentes, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente (SHECAIRA, 2003, p. 132).

[38]  Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins asseguram que “a atual Constituição rompeu com um dos princípios que vigorava plenamente no nosso sistema jurídico, o de que a pessoa jurídica, a sociedade, enfim, não é passível de responsabilização penal” (SHECAIRA, 2003, p. 132).

[39]  Pinte Ferreira, em longos e alentados comentários à responsabilidade penal em matéria ambiental, com destaque para o problema no âmbito do direito comparado e dos congressos internacionais, afirma que “a grande novidade da Constituição é a introdução da responsabilidade penal por danos causados ao meio ambiente, tanto para as pessoas físicas como para as jurídicas, o que não ocorria no texto constitucional anterior, que só previa as primeiras. Tal responsabilidade tornou-se viável na esfera de crimes ecológicos no texto constitucional vigente” (SHECAIRA, 2003, p. 133).

[40] Édis Milaré igualmente afirma que a Constituição deu importante passo ao superar o caráter pessoal da responsabilidade penal, de forma a alcançar também a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime ecológico (art. 225, §3º). Este alargar de responsabilidade, em seu entender, também atinge a pessoa jurídica, quando esta venha a praticar atos contra a ordem econômica e financeira e contra economia popular (SHECAIRA, 2003, p. 134).

[41] Paulo Affonso Leme Machado, ao analisar o dispositivo em foco, afirma taxativamente que o legislador constituinte adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental e adverte que o que importa é que a pena que venha a ser cominada à empresa seja realmente dissuasiva com relação à atividade agressora ao meio ambiente e que a pessoa física, cuja responsabilidade em concurso se apurar, não seja isenta da pena adequada, em sua esfera pessoal (SHECAIRA, 2003, p. 134).

[42]  Cezar Roberto Bitencourt (1999, p. 68), citando René Arial Dotti, afirma que “no sistema jurídico positivo brasileiro, a responsabilidade penal é atribuída, exclusivamente, às pessoas físicas. Os crimes ou delitos e as contravenções não podem ser praticados pelas pessoas jurídicas, posto que a imputabilidade jurídico-penal é uma qualidade inerente aos seres humanos”. Luciano Nascimento Silva (2005), em uma apertada síntese das ideias de René Arial Dotti, discorre “Para ARIEL DOTTI a responsabilidade penal das pessoas coletivas sem prejuízo das esferas civil e administrativa, consiste na abolição de princípios constitucionais como, por exemplo, igualdade, humanização das sanções, personalidade da pena, direito de regresso, além da ofensa às leis ordinárias. Para o autor, tal pretensão não se encontra em harmonia com a letra e o espírito da nossa Constituição. O dispositivo constitucional (art. 225, §3º), tratando sobre o meio ambiente em caráter penal e administrativo, é de total reprovação. Para ARIEL DOTTI a Constituição estabelece uma vedação de levar a pessoa jurídica ao banco dos réus, que consiste na regra constitucional do art. 173, §5º, da CF/88, em virtude do prejuízo do princípio de isonomia, que ficaria prejudicado pelo fato de que os partícipes seriam beneficiados. Fala numa ofensa ao princípio de humanização das sanções, que seria desrespeitado com tal possibilidade, já o princípio da personalidade da pena é fruto (único) da ação humana, ficando de fora as figuras dos partícipes. O direito regresso estaria prejudicado na figura da esfera pública: art. 37, §6º, da CF/88; o art. 13, do CP (causalidade), e o art. 270, do CPP (corréu)”

[43]  Para Luiz Flávio Gomes (2007, p. 526) a Lei nº 9.605/98 consagrou a “chamada teoria da responsabilidade penal por ricochete (de empréstimo, subsequente ou por procuração), ou seja, a responsabilidade ‘penal’ da pessoa jurídica depende da prática de um fato punível por alguma pessoa física, que atua em seu nome e em seu benefício. É uma responsabilidade por ricochete, porque prioritariamente deve ser incriminada a pessoa física. Por reflexo a pessoa jurídica acaba também sendo processada, desde que preenchidos os requisitos legais (atuação em nome da pessoa jurídica, benefício da pessoa jurídica, etc.).

[44] Eladio Lecey, comentando sobre o concurso de agentes nos crimes ambientais, leciona: “O concurso de agentes no crime, sabidamente, pode ser necessário ou eventual. Quando a descrição do tipo de um delito contiver, dentre seus elementos, a pluralidade de agentes, como no caso do crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal), estar-se-á frente ao concurso necessário de agentes, já que integrante do tipo. Concurso eventual haverá nos demais crimes que, embora podendo ser executados por uma pessoa, eventualmente, poderão ser realizados por mais de um agente, seja como coautor ou partícipe. Os tipos penais descritos na Lei 9.605/98 são, obviamente, delitos de autoria singular, admitindo eventual concurso de agentes, como a grande maioria dos crimes. No tocante à pessoa jurídica, todavia, como explicita o artigo 3° da mencionada lei, está prevista a corresponsabilização entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas, autoras, coautoras e partícipes. No “caput” do dispositivo legal, previsto como requisito da responsabilidade criminal da pessoa coletiva que a infração “seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado”. Sempre, pois, haverá uma ou mais pessoas naturais deliberando pela pessoa jurídica e, pois, concurso de agentes entre a última e a(s) pessoa(s) física(s). Aquele ou aqueles que deliberarem no interesse e benefício da pessoa jurídica, serão seus coautores, segundo a teoria do domínio do fato, ou meros mandantes segundo a teoria formal ou da tipicidade que restringe a autoria (e a coautoria) à execução da figura típica” (grifo no original).

[45] Além da autoria, no código penal, há a previsão de duas espécies de concursos: coautoria e participação. São coautores os que executam o comportamento que a lei define como crime. Embora a conduta deles não precise ser idêntica, ambos cooperam no cometimento do crime. O partícipe é que, mesmo não praticando a conduta que a lei define como crime, contribui, de qualquer modo, para a sua realização. Existem duas formas de participação: a participação moral (ou instigação), em que a pessoa contribui moralmente para o crime, agindo sobre a vontade do autor, quer provocando-o para que nele surja a vontade de cometer o crime, quer estimulando a ideia criminosa já existente. Participação material (ou cumplicidade) ocorre quando a pessoa contribui materialmente para o crime, por meio de um comportamento positivo ou negativo (DELMANTO et al, 2007, p. 113).

[46]  Teoria do domínio do fato: partindo da teoria restritiva, adota um critério objetivo-subjetivo, segundo o qual autor é aquele que detém o controle do fato, dominando toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Não importa se o agente pratica ou não o verbo descrito no tipo legal, pois o que a lei exige é o controle de todos os atos, desde o início da execução até a produção do resultado. Por essa razão, o mandante, embora não realize o núcleo da ação típica, deve ser considerado autor, uma vez que detém o controle final do fato até a sua consumação, determinando a prática delitiva (CAPEZ, 2005, p. 335). A teoria do domínio do fato tem as seguintes consequências: 1ª) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamenta sempre a autoria; 2ª) é autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª) é autor o coautor que realiza uma parte necessária do plano global (“domínio funcional do fato”), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução delitiva comum. (BITENCOURT, 2006, p. 519).

[47] A maioria das empresas de pequeno porte é formada por empresas familiares. A propriedade e a administração geralmente cabe a uma família ou pessoa que fica responsável pela condução dos negócios. (…) Segundo IIDA (1986, p.193), na empresa que tem vários membros da família trabalhando, geralmente o proprietário não tem salário definido e usa o dinheiro da empresa para fins domésticos, isto é, geralmente as compras e as despesas efetuadas para fins produtivos na empresa e fins domésticos não são separadas. Para KRIECK e TONTINI, (1999, p.13), a existência de problemas administrativos e os conflitos familiares são agravados por outros fatores, como mão de obra não qualificada, desorganização da produção e elevada dependência da empresa a um número restrito de clientes e de fornecedores, comprometendo o desempenho, uma vez que a associação desses problemas deixa a pequena empresa vulnerável e menos competitiva. No Brasil, de acordo ZANUZZI (1999, p.64), há muitas oportunidades para as pequenas empresas porque essas empresas possuem vantagens estruturais e funcionais para se adaptarem melhor a nova conjuntura econômica, porém existem muitos problemas que segundo o autor vão desde a falta de profissionalização na gestão até a falta de demonstrativos contábeis confiáveis que possam ser auditados. As mudanças conjunturais e econômicas exigem das micro e pequenas empresas, criatividade, flexibilidade, tecnologia e profissionalização para se adaptar ao novo contexto da globalização, onde muitas empresas estrangeiras concorrem com empresas nacionais. Um aspecto a ser considerado no cenário globalizado diz respeito à produtividade limitada dos pequenos negócios, devido ao tamanho da empresa, por isso a contribuição econômica que a pequena empresa pode oferecer vai variar com o setor de atividade que ela atua. (…). Em resumo, as micro e pequenas empresas são em geral organizações caracterizadas como empresas familiares, com administração não profissional, mas que possuem vantagens estruturais e funcionais que permitem melhor adaptação no meio globalizado. Apesar das vantagens atribuídas é ilusório pensar que podem ser generalizadas de maneira uniforme, principalmente devido ao grande número de fracassos de pequenos negócios apresentado pelas pesquisas (OLIVEIRA, 2002, p. 12-14).


Informações Sobre o Autor

Antonio Fabio Fonseca de Oliveira

Analista de Finanças e Controle da CGU-PR (Controladoria-Geral da União) Especialista em Ciências Penais pela UNISUL/LFG


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico