Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

Resumo: O meio ambiente, devido a sua importância para as presentes e futuras gerações e aos graves e irreparáveis danos que sofre, tornou-se um tema de grande relevância, tendo sido elevado a bem jurídico constitucionalmente tutelado e considerado crime as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente cometidas por pessoas físicas ou jurídicas, que podem sujeitar-se a sanções penais e administrativas, além da responsabilidade por reparar os danos causados. Devido à relevância do bem tutelado, que é essencial a sadia qualidade de vida, bem como pela grande quantidade de crimes ambientais cometidas por pessoas jurídicas, o legislador constitucional estendeu a responsabilidade penal às pessoas jurídicas, como forma de coibir as condutas lesivas ao meio ambiente e punir os agentes delituosos. Entretanto, apesar da aceitação da maioria da doutrina, ainda remanescem alguns doutrinadores que não admitem a responsabilização penal da pessoa jurídica, aludindo a princípios como o societas delinquere non potest. Conquanto, a responsabilização penal da pessoa jurídica já é uma realidade no ordenamento jurídico pátrio, tendo se mostrado eficaz na prevenção e repressão dos crimes ambientais.

Palavras-chave: Meio Ambiente. Pessoa Jurídica. Responsabilidade penal.

Abstract: The environment, due to its importance for present and future generations and the serious and irreparable damage that suffers, has become a topic of great relevance, having been elevated to constitutionally protected legal good and criminalized the conduct and activities harmful to the environment committed by individuals or entities that may be subject to criminal and administrative sanctions in addition to the responsibility for repairing the damage. Due to the relevance of well tutored, which is essential to a healthy quality of life, as well as the large amount of environmental crimes committed by corporations, the constitutional legislator extended criminal liability to corporations as a way to curb the behavior harmful to the environment and punish the criminal agents. However, despite the acceptance of the doctrine of the majority, still remain some scholars who do not recognize the criminal liability of legal entities, alluding to principles such as non societas delinquere potest. While the criminal liability of legal entities is a reality the national laws, seems to be effective in the prevention and prosecution of environmental crimes.

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Keywords: Environment. Legal entity. Penal responsibility.

Sumário: Considerações iniciais. 1 Instrumentos de proteção ao meio ambiente na Constituição Federal. 2 Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 3 Eficácia da responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica. Considerações finais.

Considerações Iniciais

A preocupação com o meio ambiente vem se tornando cada vez mais acentuada à medida que se constata a gravidade dos danos ambientais causados pela ação indiscriminada do homem, bem como de outros entes dotados de personalidade jurídica. Ademais, a sociedade global vem passando por uma gradual conscientização acerca da necessidade de desenvolvimento econômico e não apenas de crescimento, buscando-se um desenvolvimento sustentável, alicerçado na proteção ao meio ambiente, o que propiciou a elevação do meio ambiente à categoria de bem jurídico constitucionalmente tutelado, a criação dos crimes ambientais, bem como extensão da responsabilidade penal às pessoas jurídicas.

Preliminarmente faz-se mister definir o conceito do meio ambiente. Tal palavra é proveniente do latim ambiens entis a qual significa rodear, envolver, trata-se do meio em que vivemos, abarca os elos naturais, bem como os que foram modificados e criados pelo homem, sendo conceituado pela lei nº 6.938/81 como o conjunto de condições, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Este direito difuso, considerado de terceira dimensão, é um patrimônio público, bem de uso comum do povo, que deve ser protegido para o uso coletivo, englobando além da natureza, outros dois aspectos, quais sejam: meio ambiente cultural composto pelo patrimônio histórico, arqueológico, paisagístico e turístico, ao qual se agrega especial valor e meio ambiente artificial resultante das transformações produzidas pelo homem no espaço físico em que vive.

Em virtude dessas transformações sociais, torna-se importante o estudo da eficácia dos instrumentos constitucionais de tutela ao meio ambiente, em especial a extensão da responsabilidade penal ambiental à pessoa jurídica, bem como de sua aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio, o qual será feito com o auxilio da legislação pátria, bem como de dados doutrinários.

1. Instrumentos de proteção ao meio ambiente na Constituição Federal

Nas últimas décadas, os danos ambientais vem sendo cometidos em grande escala e principalmente por empresas que não medem esforços para se desenvolverem economicamente, mesmo que em detrimento de um bioma saudável. Por isso, atenta a essa problemática, a Constituição Federal de 1988 adotou a tendência contemporânea de constitucionalização dos interesses difusos, em especial o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tornando-se a primeira Constituição Brasileira a tratar expressamente acerca deste tema, trazendo-o em Capítulo específico.

O tratamento constitucional dispensado ao meio ambiente traz o dever não apenas do Poder Público, mas também da sociedade de proteger e preservar o meio ambiente. Destarte, a incumbência da preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do País, proteção da fauna e da flora, proibição de práticas que causem dano ao ecossistema equilibrado ou que submetam os animais a castigos cruéis, provocando a extinção de espécies, cabe diretamente aos indivíduos, enquanto cidadãos, frente aos seus pares e ao próprio Estado.

Ao resguardar o meio ambiente e buscar preservar a natureza no tocante a todos os elementos essenciais a sadia qualidade de vida humana e manutenção do equilíbrio ecológico, a Constituição visa em um sentido amplo tutelar o direito fundamental da pessoa humana a uma vida saudável e digna.

Nesse contexto de conscientização progressiva da necessidade de tutela desse bem jurídico e das sucessivas lesões que o mesmo vem sofrendo, do poder de degradação das atividades empresariais e da ineficácia dos instrumentos civis e administrativos de proteção ao meio ambiente, surgiu a previsão no Art. 225, § 3º da Magna Carta da responsabilidade penal ambiental da pessoa jurídica, apesar da resistência da doutrina penalista, com o escopo de manter esse patrimônio público para as futuras gerações. Ademais, além dessa medida protetiva do meio ambiente soma-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o dano ambiental por seu caráter imaterial é imprescritível.

2. Responsabilidade penal da pessoa jurídica

A Magna Carta em seu Art. 225 prevê a tríplice responsabilidade da pessoa física ou jurídica pelo dano ambiental, estabelecendo sanções penais, administrativas e civis, podendo ser aplicadas cumulativamente.

O Direito Penal, considerado a ultima ratio, deve estar atento às mudanças de paradigmas advindas da modernidade, adequando sua estrutura a essa nova realidade, tornando-se imperioso que ele seja mais atuante em face da criminalidade empresarial contra o meio ambiente. Este Direito tem por função proteger os bens e valores fundamentais da sociedade, punir os atos que perturbam a ordem pública, sendo suas sanções consideradas mais gravosas, por imprimirem maior repulsa social. Logo, deve atuar quando se trata da lesão de bens que dizem respeito a toda coletividade, que estão diretamente ligados à complexa cadeia biológica garantidora da vida humana no planeta.

Inicialmente, a responsabilização penal da pessoa jurídica suscitou discussões doutrinárias, bem como divergências jurisprudenciais quanto à aplicabilidade desse preceito constitucional. Apenas com o advento da Lei 9.605/98, regulamentando tal tema, que foi possível a utilização desse instrumento de tutela ambiental.

Apesar da aceitação da maioria da doutrina sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica pelas condutas lesivas causadas ao meio ambiente, ainda remanescem alguns doutrinadores que não a aceitam, aludindo ao princípio societas delinquere non potest, segundo o qual, é inadmissível a punibilidade penal dos entes coletivos, lhes aplicando somente a punibilidade administrativa ou civil, e alguns de seus argumentos são: ausência de consciência, vontade e finalidade, bem como ausência de culpabilidade.

Nesta esteira, estão os ensinamentos de Savigny, para quem as pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração, são um privilégio lícito da autoridade soberana, não sendo, logo, capazes de delinquir por não possuir vontade nem ação. A realidade de sua existência se funda sobre as decisões de certo número de representantes que, em virtude de uma ficção, são consideradas como suas. Aludindo ainda, que tais delitos imputados à pessoa jurídica são praticados sempre por seus membros ou diretores, isto é, por pessoas naturais, sendo de somenos importância que o interesse da corporação tenha servido de motivo ou de fim para o delito.

Em contraponto está a Teoria da realidade ou organicista, que tem como precursor mais ilustre Otto Gierke, o qual considera que a pessoa jurídica tem uma personalidade real, dotada de vontade própria distinta de seus membros, nascendo da convergência da vontade deles, mediante deliberações e votos, com capacidade de agir e praticar ilícitos penais. Ela é uma realidade social, sujeito de direitos e deveres, em conseqüência é capaz de dupla responsabilidade: civil e penal, sendo o juízo de culpabilidade adequado as suas características, pois, para esses entes morais existe a exigibilidade de conduta diversa, ensejando a reprovabilidade da conduta. Essa responsabilidade é pessoal, assim, os sócios que não participaram do crime não serão penalizados, existindo apenas os efeitos decorrentes da condenação, como ocorre com os familiares de preso condenado. Logo, nada impede que a pessoa jurídica pratique atividades proibidas especialmente pela lei penal.

Destarte, conceber que a pessoa jurídica é apta a ter direitos e receber benefícios, e irresponsável penalmente, incapaz de responder pelos danos ambientais que produzir, seria inobservância ao princípio da equidade. Bem como violação aos preceitos constitucionais, que visam, sobretudo, a tutela do direito coletivo ao meio ambiente equilibrado, sendo a responsabilização penal daquela uma exigência apta a salvaguardar esses direitos diuturnamente violados. Nesta esteira, veja-se a seguinte ementa: “Penal. Processual Penal. Crime Ambiental. Art. 54, da Lei nº 9.605/98. Competência da Justiça Federal. Legitimidade passiva da pessoa jurídica. […]. Havendo indícios de que os réus, pessoas físicas, praticaram crime ambiental, a fim de trazer algum proveito à pessoa jurídica da qual são representantes legais ou contratuais, é cabível também a responsabilização penal da referida pessoa jurídica, nos termos art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 3º da Lei nº 9.605, de 1998. (TRF4 7200 SC 0013157-10.2009.404.7200, Relator: Luiz Carlos Canalli, Data de Julgamento: 01/03/2011, Sétima turma, Data de Publicação: D.E. 11/03/2011)” (Grifo nosso).

A responsabilidade penal é a obrigação de um autor de um fato típico, ilícito e culpável de responder por este fato perante a justiça criminal, sujeitando-se aos preceitos sancionadores previstos na legislação penal. Para caracterizá-la é necessária a existência de três elementos, quais sejam: conduta dolosa ou culposa, nexo de causalidade e resultado lesivo ao bem jurídico. Estando presentes tais elementos, impõe-se a sanção penal, exceto se inexistir ilicitude, por ter havido legitima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito; bem como pela ausência da culpabilidade, isto é, se o agente era ao tempo da ação inimputável, houve erro de proibição, coação moral irresistível ou obediência hierárquica.

Antes de adentrar no tema, necessita-se compreender o conceito da pessoa jurídica, considerada sujeito ativo desses delitos, que é um ente criado pela lei com a finalidade de facilitar a atuação humana em certos tipos de relações sociais, econômicas e jurídicas, dotada de personalidade própria, capaz de ser sujeito de direitos e obrigações. Deste modo, distingue-se claramente das pessoas físicas, pois tem existência, nome, patrimônio e atribuições que lhes são próprias.

No que tange à conduta do sujeito ativo, para que seja penalmente relevante, deve ser voluntária e consciente e, em regra, condicionada à existência do dolo. Apenas, sendo punível a conduta culposa, quando a prática do delito se der por inobservância de um dever de cuidado objetivo, que torne o resultado ao menos previsível, agindo o autor com negligência, imprudência ou imperícia.

A vontade expressada pela pessoa jurídica é dada pela reunião de vontades de seus dirigentes que formam uma vontade diversa, fruto de um consenso entre eles, formando uma vontade distinta, a da pessoa jurídica, em prol dos interesses e em beneficio da mesma. Quando há a conjugação de vontades, nem sempre a vontade resultante representa a vontade individual de cada dirigente, por na maior parte das vezes aquela vontade surgir de um consenso entre os representantes, onde cada um abdica um pouco de seus valores em prol do objetivo comum da empresa que é o lucro.

Quanto à ilicitude, sendo esta considerada pela doutrina hodierna como a conduta que fere o interesse social protegido pela norma, isto é, a conduta constitui lesão a um interesse juridicamente tutelado. Assim, constata-se a presença da mesma em tais crimes quando há lesão e perigo ao meio ambiente protegido. Já a culpabilidade é tratada pelos doutrinadores como o juízo de reprovação da conduta típica e ilícita, podendo ser dividida em três elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. A corrente que adota a responsabilização do ente moral baseia sua teoria no elemento exigibilidade de conduta diversa, onde afirma que para caracterização do crime, seria exigível uma conduta diversa daquela praticada pela empresa, passando, assim, a visualizar tal responsabilidade.

Outrossim, a lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98) previu em seu Art. 3º que para que essa responsabilidade seja atribuída a pessoa jurídica é necessário o preenchimento de dois pressupostos, quais sejam: o delito ambiental deve ter sido cometido pelo seu representante legal ou contratual, ou por seu órgão colegiado; bem como por interesse ou em beneficio da pessoa jurídica. Desse modo, se o dirigente do ente coletivo tomar uma decisão, ainda que a utilize para fins ilícitos, mas, que em nada interesse ou beneficie[1] a empresa não há que se falar em responsabilização penal da pessoa jurídica.

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Diferente da responsabilidade civil ou administrativa, que é sempre objetiva, no âmbito penal a responsabilidade é subjetiva, devendo aferir-se a existência de dolo ou culpa de causar dano ao meio ambiente. Ademais, trata-se de um sistema de dupla imputação, pois a pessoa jurídica e a pessoa física são simultaneamente incriminadas, por sua conduta dolosa ou culposa.

Todavia em julgado inédito recente do STF, decidiu-se que é sim possível a incriminação apenas da pessoa jurídica e absolvição da pessoa física. Veja-se no julgamento do AGR no RE 628582/RS, em que houve a absolvição do gerente administrativo financeiro da empresa por ficar comprovado que ele não foi partícipe ou coautor do delito; onde o Ministro relator, Dias Toffoli consignou em seu voto que: “(…) Ainda que assim não fosse, no que concerne à norma do § 3º do art. 225 da Carta da República, não vislumbro, na espécie, qualquer violação ao dispositivo em comento, pois a responsabilização penal da pessoa jurídica independe da responsabilização da pessoa natural. (…) Conforme anotado por Roberto Delmanto et al, ao colacionarem posicionamento de outros doutrinadores “segundo o parágrafo único do art. 3º da Lei 9.605/98, ‘a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a das pessoas naturais’, podendo assim a denúncia ser dirigida ‘apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria ou participação das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito’ (Leis Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 384)” (Grifo nosso).

No tocante às penas aplicadas às pessoas jurídicas quando cometem crimes ambientais contra a fauna, flora, contra a administração ambiental, poluição, dentre outros, prevê o Art. 21 da Lei 9.605/98 que poderão ser aplicados três tipos de pena, de forma isolada, alternativa ou cumulativa, quais sejam: multa, restritivas de direitos e de prestação de serviços à comunidade, variando de acordo com o caso concreto.

Conforme art. 18 da Lei supramencionada, a pena de multa será calculada à luz dos critérios do Código Penal, sendo proporcional ao valor da vantagem econômica auferida e à capacidade econômica do infrator, podendo ser majorada até três vezes, caso não se mostre eficaz, mesmo que aplicada em seu valor máximo.

No tocante à pena de restrição de direitos, observa-se que a Lei de Crimes Ambientais traz as seguintes espécies:

a) Suspensão parcial ou total das atividades, quando estas não obedecerem às disposições legais ou regulamentares, referentes à proteção ao meio ambiente;

b) Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, quando algum destes estiver funcionando em desacordo com a autorização concedida, não possuir a devida autorização, ou agir com violação de disposição legal ou regulamentar;

c) Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, que não poder exceder limite máximo de dez anos.

Nos termos do Art. 23 da referida Lei, há quatro possibilidades de prestação de serviços à comunidade, que poderão ser apresentadas por requerimento do Ministério Público ou mesmo da própria entidade ré, ao juiz, consistindo em: custeio de programas e de projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Além dessas penas pode-se incluir a liquidação forçada que, conforme o art. 24 da Lei de crimes ambientais, se a pessoa jurídica for constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fito de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na lei de crimes ambientais terá decretada sua liquidação forçada. In casu, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e será perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Ademais, existe a possibilidade de desconsideração de personalidade jurídica caso sua personalidade torne-se obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A sanção aplicada ao ente coletivo deve ter caráter retributivo, pois quando este perpetra o ilícito ecológico deve responder por este; bem como, cumprir sua função preventiva, pois à medida que os demais entes coletivos tomam ciência da possibilidade de aplicação de sanção de caráter criminal que afetem sua saúde financeira e imagem, ela cumpre seu efeito de prevenção geral. Para a aplicação das penas supramencionadas há ainda que se observar o princípio da proporcionalidade e pessoalidade da pena, levando-se em consideração a lesão ou o perigo causado aos bens jurídicos assegurados penalmente, para que a punição do ato delitivo não atinja terceiros que sobrevivem da atividade econômica empresarial, como seus funcionários, e a pena ultrapasse a pessoa do condenado.

3. Eficácia da responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica

Atualmente, vem a lume em nossos Tribunais pátrios diversos casos que tratam da temática versada pelo presente artigo, que vem sendo decididos com o rigor da tutela merecida pelo meio ambiente. Veja-se o seguinte entendimento jurisprudencial: “Penal. Crime Ambiental. Causar poluição mediante lançamento de resíduos líquidos em desacordo com as exigências legais (Lei 9.605/98. Art. 54, § 2º, V). Autoria de pessoa física configurada ante o dever de impedir a continuidade da prática delitiva. Materialidade comprovada através de laudo pericial. Possibilidade de imputar responsabilidade penal à pessoa jurídica por força da teoria da realidade. Dolo eventual configurado. Sanção pecuniária fixada em valor adequado. Condenação mantida. 9.605- O agente que lança no leito do rio resíduo líquido, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis e regulamentos, criando risco de dano à saúde humana comete o crime de causar poluição, previsto no art. 54, § 2º, V da Lei 9.605/98.54§ 2ºV9.605- O preposto de pessoa jurídica que ocupa cargo com responsabilidade técnica sobre produtos químicos responde penalmente pelo crime de poluição ante a inobservância do dever de impedir a continuidade da prática delitiva.- Laudo pericial que expõe o risco de dano ao meio ambiente e à saúde humana constitui elemento hábil de materialidade do crime de causar poluição previsto no art. 54, § 2º, V da Lei 9.605/98.54§ 2ºV9.605- A adoção em nosso ordenamento jurídico da teoria da realidade, elaborada por Otto Gierke, permite a imputação de responsabilidade penal à pessoa jurídica.- Inviável a desclassificação da conduta para poluição culposa quando os réus não adotaram qualquer providência para impedir que o sistema manual de acionamento das máquinas que armazenam substâncias tóxicas, localizadas próximo ao leito do rio, impeçam o despejo acidental de substâncias nas águas.- A pena pecuniária foi fixada em valor adequado à vista do porte da sociedade empresária agressora ao meio ambiente e do bem jurídico tutelado pelo tipo penal, uma vez que a conduta ocasionou risco de dano à saúde humana.– Parecer da PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso.- Recurso conhecido e improvido. (710744 SC 2009.071074-4, Relator: Carlos Alberto Civinski, Data de Julgamento: 21/07/2011, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação Criminal n. , de Rio do Sul)” (Grifos nossos).

A responsabilidade penal da pessoa jurídica pelo cometimento de infrações ambientais é um instrumento de política criminal capaz de concretizar o principio ambiental da prevenção, segundo o qual é necessário que medidas sejam tomadas visando afastar ou minimizar os danos causados ao meio ambiente, de forma a garantir a perenidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas, bem como da natureza existente no planeta, como forma de antecipar-se ao processo de degradação ambiental com riscos e impactos já conhecidos pela ciência.

Esses delitos vem causando danos incalculáveis dentro de sua potencialidade destrutiva. E apesar de correntes contrárias afirmarem que é difícil investigar e individualizar as condutas nos crimes de autoria coletiva, principalmente na esfera processual, tornando difícil a caracterização da culpa e a conseqüente aplicação da pena; que o princípio da personalização da pena seria violado porque se referiria à conduta humana de cada pessoa; além da ofensa a princípios relativos à teoria do crime, em especial na caracterização da culpabilidade, imputabilidade e tipicidade. Mas, graças a esse instrumento de proteção previsto constitucionalmente tem-se coibido muitas das condutas lesivas ao meio ambiente.

Exige tal matéria a adoção de medidas de controle pelo poder público para evitar que haja abusos de autoridade e corrupção, com um processo investigativo desenvolvido no sentido de apurar objetivamente indícios de participação dos órgãos decisórios das empresas na conduta criminosa, já que a colheita da prova testemunhal poderá ser obstaculizada e viciada pela ingerência de conflitos trabalhistas e pessoais, bem como exigir das empresas que existam procedimentos gerenciais e preventivos mais rigorosos.

Apesar de sua aplicação à tutela ambiental já estar indiscutivelmente firmada em nosso ordenamento jurídico legal, a discussão doutrinária a respeito de sua utilidade prossegue. Com a propagação da ideia de sociedade ecologicamente correta, pessoas buscando agir de maneira sustentável, com o primado da proteção ao meio ambiente, essas medidas sancionadoras das pessoas jurídicas tornaram-se necessárias. Sendo eficazes, à medida que a sociedade, como consumidora dos produtos e serviços disponibilizados por essas pessoas jurídicas, e, com a disseminação dessas idéias protetivas do meio ambiente, leva em conta à imagem das empresas, no tocante à prática de condutas lesivas ao meio ambiente, como fator que por muitas vezes se torna decisivo em sua escolha. Atualmente, os consumidores em geral procuram produtos que não agridam o meio ambiente, que sejam extraídos de forma consciente. Em decorrência disto, as empresas ecologicamente corretas vendem mais e possuem uma imagem aprovada pela opinião pública.

Por isso, muitas empresas tem buscado uma imagem responsável, propagando idéias de sustentabilidade e ecobusiness como estratégia dos negócios, que deve associar-se a uma série de preocupações com padrões éticos e comportamentais como, por exemplo, a redução de lançamento de resíduos ou a utilização de fontes alternativas de energia que atua positivamente na diminuição de gastos das empresas.

Dentro desse novo contexto, a incriminação da pessoa jurídica assume especial relevo e utilidade, pois, por exemplo, se um banco internacional exigir a certificação da empresa tomadora do empréstimo e constatar que a mesma foi condenada por crime ambiental, provavelmente ela não concederá o empréstimo, pois uma condenação criminal amparada pelo devido processo legal e respeitada a ampla defesa, possui uma maior repulsa social do que uma multa administrativa ou uma condenação civil de reparação de danos, tornando as relações da pessoa jurídica muito mais difíceis. Por isso, muitas vezes são as empresas que voluntariamente procuram o Poder Público para que haja a formalização de termos de ajustamento de conduta.

Considerações finais

Conforme previsto no artigo 11 do Protocolo Adicional à Convenção Americana dos Direitos Humanos, de 17 de novembro de 1988, todos tem direito ao meio ambiente saudável e de se beneficiarem dos equipamentos coletivos essenciais. Para tanto, torna-se necessário garantir que seja possível a manutenção deste ambiente sadio.

Nesta esteira, apesar dos instrumentos previstos em âmbito administrativo e civil, quando se verificou o número elevado de empresas envolvidas na degradação ambiental, tornou-se necessária a tutela do Direito Penal como via hábil e eficaz para conter a prática das condutas consideradas lesivas ao meio ambiente pelas pessoas jurídicas.

Constata-se que aqueles que mais poluem e degradam o meio ambiente, geralmente, são as indústrias que lançam resíduos no solo, nas águas, no ar atmosférico, o que causa danos irreparáveis ao lençol freático, ao ar, à fauna, à flora, ao meio ambiente como um todo, e coloca em risco a vida e a saúde humana.

Por isso, o legislador preocupou-se em sancionar penalmente as pessoas jurídicas, dado o caráter repressivo das penas, bem como pelo seu caráter pedagógico com o intuito de reeducar a pessoa jurídica, para que não venha mais a violar o meio ambiente, já que o dano ambiental é de difícil e longa recuperação.

O mundo dos negócios está respondendo de maneira revolucionária, apesar de encarado tradicionalmente como inimigo dos negócios, o meio ambiente tem se revelado um parceiro importante para o sucesso mercantil, por isso, diversas empresas atuantes em diferentes ramos estão aderindo à onda ecológica. As empresas vem percebendo que é possível a contenção de despesas associada à consciência ambiental, havendo o máximo reaproveitamento de matérias que seriam descartadas no meio ambiente, o que auxilia na diminuição de desperdícios, consequentemente, contribuindo com a natureza. Tais fatores demonstram que a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica tem se mostrado um eficaz instrumento na proteção desse interesse coletivo.

 

Referências
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Nota:
[1]  “(…). Nos termos da Lei, são necessários os dois requisitos para que possa haver responsabilidade “penal” da pessoa jurídica (de direito público ou privado): decisão de representante legal, contratual ou órgão colegiado e interesse ou benefício da pessoa jurídica. Não haverá, portanto, possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica, se o crime for praticado por pessoa ou órgão diverso daqueles indicados no art. 3.º, ou mesmo se o delito for praticado por decisão de uma dessas pessoas ou por órgão colegiado, mas não beneficiar ou atender aos interesses da empresa. (GOMES, Luiz Flávio e MACIEL, Silvio. Crimes Ambientais – Comentários à Lei 9.605/98. São Paulo: Editora RT, 2011, pp. 50-51)

Informações Sobre o Autor

Cleyce Marby Dias Claudino

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba Campus III

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Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

Resumo: Este trabalho trata a respeito da responsabilização das pessoas Jurídicas nos crimes ambientais, procurando tecer considerações e distinções a respeito das duas teorias que abordam o tema, tanto a que aceita como a que rejeita. E ainda, descrever as inovações dispostas na Lei 9.605/98, e fazer um paralelo entre os elementos analíticos do crime (Parte geral do direito Penal) com a responsabilização da pessoa jurídica.


Sumário: 1 – Introdução; 2- Fator Social da Normatização; 3 – Da Responsabilidade Penal na Constituição Federal de 1988; 4 – Responsabilização da Pessoa Jurídica face ao caráter analítico do crime; 5 – Teorias que adotam a responsabilização; 6 – Teorias contrárias a responsabilização; 7 – Lei 9.605/98; 8 – Conclusão; 9 – Referências.


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PALAVRAS – CHAVES: responsabilização; penal; empresas; ambiente.


1 – INTRODUÇÃO


O objetivo do presente trabalho é investigar a real possibilidade de aplicação da Lei 9.605/98, como forma de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas, enfocando assim a necessidade de tal punição face aos novos crimes cometidos contra os direitos coletivos e supra individuais.


E para tanto abordaremos a questão social da referida responsabilização, ou seja, os danos causados por tais atos ao meio social e ao meio ambiente.


Abordaremos também a teoria que adota (Teoria da Realidade), bem como a teoria que discorda (Teoria da Ficção) da punição dos entes coletivos, sempre relacionando os mesmo com o caráter analítico do crime.


2- FATOR SOCIAL DA NORMATIZAÇÃO


Com a evolução do Sistema Penal os aplicadores e legisladores do direito buscaram formas de tutelar e normatizar determinadas garantias até então subjugadas.


Este interesse em proteger penalmente os direitos coletivos, surgiu da propagação de atos ilícitos praticados por pessoas que até então, não possuía capacidade para figurar no pólo passivo de uma ação penal. Pessoa essa, que não tinha pensamento, não tinha poder de decisão, não praticava atos jurídicos e não assinava.


Devido a tais prerrogativas houve uma certa facilitação para a prática de crimes cometidos por determinadas pessoas jurídicas. Assim sendo, o objetivo de tais pessoas era única e exclusivamente o lucro e as vantagens econômicas, pois seus sócios e administradores utilizavam-se do poderio da empresa e de seu nome para praticar crimes, passando assim a ferir consumidores e lesar habitantes.


A partir daí, o Direito Penal procurou meios de tutela para coibir a prática de tais crimes, pois os mesmos eram cometidos por grandes empresários, passando a ser denominado “crimes de colarinho branco”.


Antes da propagação de tais crimes os sistema penal buscava a proteção exclusivamente das pessoas e dos bens jurídicos individuais. Em face disso a parte especial do Código Penal nunca tutelou bens coletivos ou supra-individuais, sendo até então delitos estranhos ao direito. Fato é que, muitos doutrinadores desconhecem o caráter responsabilizador de tais pessoas no âmbito criminal.


Portanto o mal causado por tais práticas delituosas é bem maior que as condutas tradicionais praticadas, visto que ferem direitos coletivos.


Tais direitos são a base que sustenta a teoria da responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois a mesma não é baseada na culpa e no subjetivismo, e sim na responsabilidade social e no juízo de reprovação que é feito sob a conduta. Isto é, a culpabilidade é analisada sob o ponto de vista social, considerando a discrepância entre os objetivos das empresas (lucro) e o bem jurídico lesado (coletividade).


3 – DA RESPONSABILIDADE PENAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


A Constituição Federal regula a responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais em seu art. 225, § 3º, que assim dispõe:


“Art. 225 – Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações.  


§3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados.”


Com a regulação na Constituição Federal não há dúvidas quanto a real responsabilização penal da pessoa jurídica.


Apesar da Carta Magna dispor sobre tal responsabilização, a mesma passou por um período sem aplicabilidade, pois somente adquiriria tal característica com a instituição de uma lei infraconstitucional. 


A partir de 12 de fevereiro de 1998 houve a publicação e aplicação da Lei de Proteção Ambiental, onde passou a regular a Constituição Federal e a efetivar a punibilidade da pessoa jurídica, sendo que esta efetivação não foi totalmente plena, pois esta lei é omissa e incompleta em alguns pontos, dificultando assim a real e prática punição dos crimes ambientais e fazendo com que alguns julgadores tendem a não aplicá-la em face de sua não disposição sobre regras processuais penais.


Apesar de tais empecilhos, a busca pela proteção dos direitos de terceira geração, denominados constitucionalmente de Direitos Coletivos, não cessa, pois o intuito da Constituição Federal é garantir um meio ambiente equilibrado e sadio. E para concretizar tais objetivos utilizar-se-á  até das sanções penais dispostas na Lei nº 9.605/98, pois é necessário conscientizar a sociedade dos problemas que cercam o meio ambiente.


Agindo assim, o sistema penal colocaria em efetividade a prevenção geral que caracteriza a finalidade da pena.


4 – RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURIDICA FACE AO CARÁTER ANALÍTICO DO CRIME


A maioria dos doutrinadores tem conceituado e analisado o crime a partir de três requisitos essenciais: Ação típica, Ilícita e Culpável. Realiza-se a análise de todos os elementos e características que integram a infração penal, tendo como norte tais requisitos. E com base nesses elementos, verificaremos a real possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica.


A ação típica é dividida no sistema penal da seguinte forma: conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade. Sendo que a conduta é formada pela: consciência, vontade e finalidade.


Quanto aos crimes praticados por pessoas jurídicas, o requisito vontade (que integra a conduta) deverá ser analisado com mais cautela, pois a corrente que prega a responsabilização afirma que tal elemento é caracterizado pela vontade dos sócios e administradores que compõe a empresa. Já a corrente contrária dispõe que essa vontade é viciada, pois tais pessoas jurídicas não apresentam vontade própria, sendo esta pertencente somente aos seres humanos. Assim sendo, percebe-se que a lei que regula os crimes ambientais ( Lei 9.605/98) adotou a primeira corrente.


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Nesta lei o sistema penal procurou inovar os institutos do direito, expressando a vontade da pessoa coletiva através dos seus órgãos , sócios e administradores. Cabendo a tal vontade ser totalmente de acordo com a finalidade a que se dispõe a empresa, ou seja, aquele objetivo predisposto em seu contrato social.


 Quanto a ilicitude, sendo esta considerada pela doutrina atual como seguimento do ilícito estabelecido no fato típico, ou seja, a ação típica sendo a função indiciária da ilicitude, constatamos a presença da mesma me tais crimes quando há lesão e perigo ao meio ambiente protegido.


Dos elementos que compõe o crime descritos acima, o mais complexo e que gera divergências é a culpabilidade das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Essa culpabilidade é tratada pelos doutrinadores como o juízo de reprovação da conduta típica e ilícita. Ela é dividida em três elementos: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.


Portanto, sendo a responsabilização penal analisada subjetivamente e pessoalmente, constata-se que há duas correntes que tanto rejeita como adota o elemento culpabilidade, como forma de caracterizar ou não a responsabilização penal da pessoa jurídica.


A corrente que adota a responsabilização baseia sua teoria no elemento exigibilidade de conduta diversa, onde afirma que para caracterização do crime era exigível uma conduta diversa daquela praticada pela empresa, passando assim a visualizar tal responsabilidade.


Já a corrente contrária, descaracteriza a culpabilidade da pessoa jurídica alegando que somente o homem é capaz de entender (imputabilidade), conhecer a ilicitude do fato (potencial consciência da ilicitude), e escolher entre as condutas mais adequadas para a realização do fato (exigibilidade de conduta diversa).


Assim sendo, ao se analisar os critérios que adotam e rejeitam a caracterização da responsabilidade das pessoas jurídicas, percebe-se que a Lei 9.605/98 acolhe todos elementos da infração penal nos crimes ambientais (fato típico, ilícito e culpável).


5 – TEORIAS QUE ADOTAM A RESPONSABILIZAÇÃO


A teoria adotada pelo sistema penal brasileiro é a teoria da realidade, que considera a pessoa jurídica um ser real e independente dos indivíduos que a compõe, possuindo vontade própria, culpabilidade e possibilidade de cumprimento da pena.


Ela surgiu no modelo penal Francês, dando margem para que outros países começassem a adotá-la, inclusive o Brasil que aderiu com muitas reservas. Fato esse que ocasionou a omissão de muitos pontos que poderiam ser abordados pela Lei 9.605/98.


A Constituição adotou tal sistema procurando punir os novos crimes modernos que surgiam, e ainda defendeu a sociedade do poderio econômico das grandes empresas que devastam o meio ambiente.


Antes da real aplicabilidade da responsabilização da pessoa jurídica sustentava-se que a mesma nunca poderia praticar crimes, pois faltava-lhe algumas características que pertenciam somente aos seres humanos, tais como vontade e entendimento do ilícito. Com a evolução e aperfeiçoamento da teoria da realidade, essa vontade passou a ser caracterizada pela vontade da maioria de seus membros, ou seja, pela deliberação e votação dos mesmos, passando assim a ter capacidade de ação e de realização da conduta típica.


Um outro problema que dificultava a caracterização da teoria da realidade no sistema penal relacionava-se a pena.


Muitos doutrinadores entendem que não há menor possibilidade de aplicação às pessoas jurídicas da pena privativa de liberdade por total impossibilidade no seu cumprimento.


Com a teoria adotada pela Constituição essa impossibilidade já não persiste, pois não há aplicação de penas privativas de liberdade, mas penas alternativas que se adequam a natureza da pessoa jurídica.


Portanto, mesmo consciente de matérias que descordam da responsabilização dos entes coletivos, a sociedade e o meio jurídico tendem a efetivá-la ante a sua real necessidade. E com base em tal linha doutrinária, consistente no dever da responsabilização, e ainda por imposição constitucional e lei federal houve a regulamentação jurisprudencial por meio do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que assim decidiu:


“EMENTA. CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURIDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLITICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURIDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURIDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO- RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURIDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. (RECURSO ESPECIAL nº 564.960 – SC 2003/0107368-4 – RELATOR. MINISTRO GILSON DIPP).”


6 – TEORIAS CONTRARIAS A RESPONSABILIZAÇÃO


Antes do surgimento da teoria da realidade reinava absoluto o principio societas delinquere non potest (as sociedades não podem delinquir), sendo totalmente contrário a responsabilização criminal dos entes coletivos.


Esse princípio deu ênfase a criação da Teoria da Ficção, criada por Savigny que tratava a pessoa jurídica como um ente fictício, de pura abstração perante o direito penal, ou seja, não sendo  um ser real que possa ser legitimado a figurar no pólo passivo da ação penal.


Fernando Capez conceitua a pessoa jurídica frente ao direito penal, e de acordo com a Teoria da Ficção, da seguinte forma:


“Para essa corrente, a pessoa jurídica tem existência fictícia, irreal ou de pura abstração, carecendo de vontade própria. Falta-lhe consciência, vontade e finalidade, requisitos imprescindíveis para a configuração do fato típico, bem como imputabilidade e possibilidade de conhecimento do injusto, necessários para a culpabilidade, de maneira que não há como admitir que seja capaz de delinqüir e de responder por seus atos.” (CAPEZ, 2005, p. 146).


Essa teoria é defendida por alguns doutrinadores sob dois ângulos, o primeiro é: O Político – criminal, que dispõe sobre o não atingimento dos fins penais, ou seja, o não cumprimento do caráter da pena, que é o Preventivo Geral e Específico. Pois se é função do direito penal fazer com que atuem de acordo com a lei, segue-se que só a pessoa humana dotada de capacidade de discernimento e autodeterminação pode ser sujeito ativo do crime, visto que só os seres humanos podem ouvir e entender as normas.


Ainda no contexto político criminal aborda a não eficácia da ação penal frente a outras medidas administrativas já previstas, pois se estas não atingem os fins preventivos desejados, apesar da menor formalidade e maior presteza, o mesmo ocorrerá com ação penal que é sabidamente demorada, burocrática e cercada de rigorosas garantias penais e processuais.


Rogério Grego assim dispõe:


“Nossa posição, baseada nos argumentos já expendidos, é no sentido de não se tolerar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, haja vista a sua total impossibilidade de se adaptar à teoria do crime, bem como a desnecessidade de intervenção do direito penal, pois que os outros ramos do direito, a exemplo do direito administrativo, são ágeis (…).” (GRECO, 2007, p.179).


Tal corrente também aborda a irresponsabilidade de acordo com o princípio da subsidiariedade do direito penal, ou seja, o direito penal é aplicado por último, onde primeiro se tenta no âmbito cível, administrativo, e caso não surtindo efeito aplica-se o direito penal.


Já o segundo ângulo é o Jurídico Penal, que dispõe da seguinte forma: A pessoa jurídica é desprovida de consciência, vontade e finalidade, que são os requisitos essenciais para a realização da conduta. Assim sendo, não poderá haver a prática da mesma, pois para a sua consecução é necessário a vontade finalista como forma de concretização do dolo. Portanto, quem tem consciência, vontade e finalidade para a prática do ato ilícito são os funcionários e diretores da empresa, e não a empresa em si.


De acordo com essa corrente a pessoa jurídica também é desprovida de culpabilidade, pois não há o juízo de censurabilidade.


Um outro fator que nega a responsabilização da pessoa jurídica é a impossibilidade de aplicação da pena, pois a mesma possui caráter personalíssimo, ou seja, somente a pessoa física pode cumpri – la.


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  Portanto, doutrinariamente há muitos autores que comungam com tal teoria (Ficção), mas admitem a adoção contrária pela Constituição. São eles: Paulo de Bessa Antunes e Celso Delmanto.


Jurisprudencialmente a situação é igualmente acirrada, sendo que a tendência no STJ é pela incriminação penal da pessoa jurídica.


Já no STF não foi apreciada a questão, mas incidentalmente houve um pronunciamento rejeitando expressamente a responsabilidade da pessoa jurídica, nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. (HC 83301/RS em 16.03.04, min. Cezar Peluzo. 1ª Turma).


7 – LEI 9.605/98


Essa lei infraconstitucional veio para regular o art. 225 §3º da Constituição Federal.


De acordo com seu art. 3º, ocorrerá a conduta quando a sociedade jurídica deliberar com seus membros, ou houver a decisão de seu representante legal ou contratual. Portanto tal conduta é condicionada a decisão do colegiado ou do seu representante para que seja formalizada a ação penalmente ilícita.


Além da ação é necessário que haja o fim específico de beneficiar a pessoa jurídica, ou seja, não basta a ação ilícita é necessário o interesse e o lucro do ente privado, e ainda que tal intuito e finalidade especifica seja dentro da atividade da empresa.


Assim dispõe o art. 3º da Lei 9.605/98:


“Art.3º – As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”


Em seus arts. 18, 20 e 21 há delimitação das penas a serem aplicadas, tais como multa, penas restritivas de direito e prestação de serviços a comunidade. Sendo que as restritivas de direito são: Suspensão parcial ou total de atividades; Interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade; Proibição de contratar com o poder público.


E a prestação ou serviços a comunidade consistirá em: Custeio de programas e de projetos ambientais; Contribuições a entidades ambientais etc.


Tais penas são alternativas e totalmente de acordo com a natureza da empresa privada, podendo ser cumpridas sem qualquer restrição.


8 – CONCLUSÃO


Diante de tais considerações podemos perceber que a Constituição Federal foi feliz ao delimitar e estabelecer a responsabilização da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Em razão disso, houve uma maior fiscalização por parte dos órgão reguladores e ainda aplicabilidade quanto a pena restritiva de direito (multa).


A necessidade de tal punição é proveniente da enorme devastação ao meio ambiente, provocado pelas grandes empresas, ou mesmo por seus sócios e gerentes que utilizam seu nome para provocar ilícitos. E o surgimento da lei 9.605/98 veio para responsabilizar tanto a empresa como os sócios, ou seja, existindo a punição é paralela, e ainda efetivar e regular o disposto na Carta Magna.


Portanto, apesar de teses contrárias a tal responsabilização não há dúvidas de sua significância para sociedade e principalmente para a manutenção de uma meio ambiente saudável e equilibrado.


 


Referências

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 9ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2007.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: ed. Saraiva, 2005.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

COPOLA, Gina. Responsabilidade Civil e Penal das Pessoas Jurídicas. Revista jurídica Consulex, Ano IX, nº 200, p.45 – 48, maio 2005. 


Informações Sobre o Autor

Kedma Carvalho Varão Nery


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