Teoria da Tipicidade Conglobante

Nome do Autor: Leonardo Jantsch Steffen, brasileiro, bacharel em direito, advogado. E-mail: [email protected]

Orientador: Diego Romero, trabalho realizado durante a formação acadêmica

 

Resumo: O presente trabalho trata do tema “Teoria da Tipicidade Conglobante”. Pretende-se, à luz da literatura recente e relevante a propósito da situação em tela, analisar, discutir e apresentar os principais aspectos teóricos que envolvem essa problemática. Para tanto, utiliza-se o metodologia de pesquisa bibliográfica que consiste, basicamente, na leitura, fichamento e comparação das teorias dos principais autores do Direito que tratam desse problema. Partindo-se do pressuposto de que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. Nesta senda, quando se analisa a subsunção da conduta do agente ao tipo, faz-se necessária a realização de um duplo juízo de tipicidade: inicialmente constata-se a tipicidade legal, e, posteriormente, a presença da tipicidade conglobante. Neste contesto, o proposto trabalho pretende analisar a aplicabilidade da teoria da tipicidade conglobante – concebida e difundida, principalmente, por Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli – explicar a tipicidade (elemento integrante do fato típico) para o direito penal, bem como considerando os principais aspectos atinentes à literatura em foco, “Teoria da Tipicidade Conglobante” é um tema que se apresenta como fundamental para todo e qualquer cidadão da modernidade.

Palavras-chave: direito penal; tipo penal; tipicidade conglobante.

Abstract: This deals with the subject “Theory of typicality Conglobante”. It is intended, in the light of recent and relevant literature regarding the situation on the screen, analyze, discuss and present the main theoretical aspects involved in this issue. Therefore, it uses the literature search methodology consists basically in reading and comparison of theories of the main authors of the law that address this problem. Starting from the assumption that the judgment of typicality is not a mere judgment legal typicality, but that requires another step, which is proof of typicality conglobante consistent in the investigation of the ban through the inquiry of the prohibitive range of the standard, not considered in isolation, but conglobada the normative order. In this vein, when analyzing the subsumption of the conduct of the agent type, it is necessary to carry out a double sense of typicality initially notes to cool typicality, and subsequently the presence of conglobante typicality. In this contest, the proposed study aims to examine the applicability of the theory of conglobante typicality – designed and disseminated mainly by Eugenio Raul Zaffaroni and José Henrique Pierangelli – explain the typicality (integral element of the typical fact) to the criminal law, and considering the main aspects related to the focus on literature, “Theory of typicality Conglobante” is a theme that appears as essential for every citizen of modernity.

Keywords: criminal law; criminal type; typicality conglobante.

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Norma penalisadora – Tipo Penal; 2.1 Conduta; 2.2 Resultado; 2.3 Nexo Causal; 3. Tipicidade Penal; 3.1 Evolução histórica da tipicidade penal; 3.2 Adequação típica imediata ou direta da tipicidade; 3.3 Adequação típica indireta ou mediara da tipicidade; 3.4 Tipicidade formal; 3.5 Tipicidade material; 4. Teoria da tipicidade conglobante; 5. Conclusão.

 

1 INTRODUÇÃO

É necessário que a aplicação do Direito Penal realize-se observando, sempre, o conjunto dos princípios constitucionais norteadores do direito e, da mesma forma, com a importância pertencente a ele em um Estado Democrático de Direito, qual seja, a garantia dos bens jurídicos importantes à convivência social pacífica.

Desta forma, o modo de garantir que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana não sejam desrespeitados é através da limitação das normas penais, aplicando-as apenas em casos onde ocorra efetiva lesão ou risco concreto de lesão aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, em zeloso respeito aos princípios gerais do direito.

Nesta senda, reprisa-se a relevância da conformação dos atos de passível punição no interior de um diploma legal que seja conhecido por todos, de modo a garantir que o Estado não irá ultrapassar o limite de seu poder utilizando para isso formas das quais a sociedade não teria condições de se defender, em face da desigualdade de força de um contra o outro.

Esta necessária e fundamental função garantista, de modo que orienta os indivíduos em relação aos comportamentos que podem ser considerados aceitáveis ou lícitos, também servirá como garantia destes mesmos indivíduos em desfavor do voluntarismo dos agentes que dirigem o Estado, fazendo limitar a sua função de punir no interior da legislação anteriormente estabelecida.

É evidente, em suma, que submeter determinada conduta ao tipo penal exposto na legislação não autoriza a aplicabilidade do Direito Penal. Este tem o dever de tão somente aplicar-se em decorrência de condutas realmente lesivas à sociedade.

Um dos modos de assegurar esta efetiva e necessária utilização dos mecanismos penais é verificar o que é o crime também na ótica da tipicidade, fazendo como sua condição de existir a efetiva lesão, ou risco concreto deste, aos bens jurídicos protegidos pela legislação penal.

Associado ao entendimento de tipo penal está conceituado a tipicidade penal, um dos requisitos do fato típico. No momento em que a conduta do indivíduo  atrela-se ao descrito como fato criminoso no tipo penal, surge a necessidade de análise da tipicidade legal.

A tipicidade, frise-se, primeira parte essencial do crime, pode ser dividida em conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade. Dos três primeiros não nos ocuparemos neste trabalho, onde o objetivo é trazer a luz a ideia da tipicidade conglobante.

Assim, no momento em que se verifica a subsunção do modo de agir do agente ao tipo, faz-se relevante realizar um duplo juízo de tipicidade: primeiramente se constata a tipicidade legal, e, após, constata-se o comparecimento da tipicidade conglobante.

Dentro da ideia de tipicidade conglobante, a tipicidade penal seria a conjugação da tipicidade formal e da tipicidade conglobante, que, por sua vez, seria constituída de tipicidade material e antinormatividade.

A teoria da tipicidade conglobante, basicamente, entende que o Estado não pode considerar como típica uma conduta que é fomentada ou tolerada pelo Estado. Em outras palavras, o que é permitido, fomentado ou determinado por uma norma não pode estar proibido por outra.

O presente trabalho baseia-se em estudo bibliográfico, com a utilização de diversas obras relativas ao tema abordado, legislações específicas, bem como artigos científicos.

O método de abordagem para aplicação do tema será o hermenêutico, consistente na leitura, interpretação e contextualização do mesmo, com base nos entendimentos de variados autores acerca da matéria, desenvolvendo-se o presente trabalho de forma coerente e em consonância com o material utilizado e legislação então vigente.

Nesse sentido, no primeiro capítulo, apresentar-se-á a importância da norma penalisadora na sociedade em geral e o tipo penal no direito penal brasileiro, apresentando o entendimento doutrinário sobre o assunto e o entendimento de tribunais superiores ao analisa casos reais.

No segundo capítulo, por sua vez, apresentar-se-á a tipicidade penal, revelando ser um dos elementos do tipo penal e fazendo uma forma de introdução para melhor explicar o terceiro capítulo. Da mesma forma, apresentando-se doutrina e entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores.

Por fim, no terceiro capítulo, apresentar-se-á o assunto centra do presenta trabalho, a teoria da tipicidade conglobante, referendando, em principal, o entendimento dos seus principais difusores, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli, apresentando também a visão de outros doutrinadores, além do entendimento dos tribunais superiores e do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, pretende-se demonstrar que o juízo de tipicidade deve ser concretizado de acordo com o sistema normativo considerado em sua globalidade. Se uma norma permite, fomenta ou determina uma conduta não pode estar proibido por outra. Desta forma, o presente trabalho visa analisar a tipificação penal atual e compará-la à tipicidade conglobante, apresentando pontos importantes de ambas.

 

2 NORMA PENALISADORA – TIPO PENAL

É de extrema necessidade para a sociedade a existência de normas jurídicas que rejam regras importantes para que haja uma pacífica convivência entre os sujeitos que a ela integram.

Entre as variadas formas de controle social que buscam alcançar este fim, há aquelas que submetem aos sujeitos a proibição de praticar certas condutas, relacionado as quais há previsto a aplicação de sanções penais, cujo complexo destas normas denomina-se Direito Penal.

Nesta senda, descreve o jurista Rogério Greco que:

O Direito Penal é parte da ordem jurídica que contém o trabalho de separar os comportamentos humanos gravosos e perigosos à sociedade, capaz de incluir risco de conteúdos essenciais para se conviver em comunidade, e descrevê-los em forma de infrações penais, cominando-lhes, consequentemente, as suas penas, além de dizer a totalidade de regras que complementem, sejam gerais e necessárias para que ocorra sua justa e correta aplicação.[1]

O jus puniendi, entretanto, não pode ser executado pelo seu titular, o Estado, de forma arbitrária. Em decorrência da forma grave de aplicação das sanções impostas pela sua interposição – o que atinge um dos bens individuais mais importante, a liberdade – e das causas drásticas que a sua imposição pode trazer para o sujeito e para a sociedade rotulando-os como “criminosos”.

Rogério Sanches Cunha refere que:

De acordo com o princípio da exteriorização ou materialização do fato, ao Direito Penal só interessam fatos humanos, pouco importando os acontecimentos da natureza dos quais não participa o homem. Entretanto, não são todos os fatos humanos que ficam na mira do Direito Penal, mas somente aqueles indesejados pelo meio social, não reprovados de forma eficaz pelos demais ramos do Direito e que provoquem relevante e intolerável lesão ao bem jurídico tutelado. Havendo um fato humano, indesejado, consistente numa conduta causadora de um resultado, ajustando-se a um tipo penal, deixa de ser um simples fato e passa a ser um fato tipicamente penal (fato típico)[2].

É necessário que a aplicação do Direito Penal realize-se observando, sempre, o conjunto dos princípios constitucionais norteadores do direito e, da mesma forma, com a importância pertencente a ele em um Estado Democrático de Direito, qual seja, a garantia dos bens jurídicos importantes à convivência social pacífica.

Apenas desta forma, pode-se dizer que há um sistema penal legítimo e com o poder de equilibrar a relação ius puniendi versus ius libertatis.

Na mesma linha, tem-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MINORANTE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. QUANTIDADE E VARIEDADE DA DROGA, MAUS ANTECEDENTES E DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO. PRESUNÇÃO HOMINIS. POSSIBILIDADE. INDÍCIOS. APTIDÃO PARA LASTREAR DECRETO CONDENATÓRIO. SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO DE PROVAS. DESCABIMENTO NA VIA ELEITA. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA APTA A AFASTAR A MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06, ANTE A DEDICAÇÃO DO AGENTE A ATIVIDADES CRIMINOSAS. ORDEM DENEGADA. 1. O § 4º do artigo 33 da Lei de Entorpecentes dispõe a respeito da causa de diminuição da pena nas frações de 1/6 a 2/3 e arrola os requisitos necessários para tanto: primariedade, bons antecedentes, não dedicação à atividades criminosas e não à organização criminosa. 2. Consectariamente, ainda que se tratasse de presunção de que o paciente é dedicado à atividade criminosa, esse elemento probatório seria passível de ser utilizado mercê de, como visto, haver elementos fáticos conducentes a conclusão de que o paciente era dado à atividade delituosa. 3. O princípio processual penal do favor rei não ilide a possibilidade de utilização de presunções hominis ou facti, pelo juiz, para decidir sobre a procedência do ius puniendi, máxime porque o Código de Processo Penal prevê expressamente a prova indiciária, definindo-a no art. 239 como “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Doutrina (LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162). Precedente (HC 96062, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 06/10/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC 13-11-2009 EMENT VOL-02382-02 PP-00336). 4. Deveras, o julgador pode, mediante um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, utilizando raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação penal da conduta. 5. A criminalidade dedicada ao tráfico de drogas organiza-se em sistema altamente complexo, motivo pelo qual a exigência de prova direta da dedicação a esse tipo de atividade, além de violar o sistema do livre convencimento motivado previsto no art. 155 do CPP e no art. 93, IX, da Carta Magna, praticamente impossibilita a efetividade da repressão a essa espécie delitiva. 6. O juízo de origem procedeu a atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante. 7. In casu, o Juízo de origem ponderou a quantidade e a variedade das drogas apreendidas (1,82g de cocaína pura, 8,35g de crack e 20,18g de maconha), destacando a forma como estavam acondicionadas, o local em que o paciente foi preso em flagrante (bar de fachada que, na verdade, era ponto de tráfico de entorpecentes), e os péssimos antecedentes criminais, circunstâncias concretas obstativas da aplicação da referida minorante. 8. Ordem denegada.[3] (grifo original, grifo próprio)

Callegari, ao referir sobre o assunto, leciona que: “O trabalho de garantir direitos fundamentais está focado no princípio da legalidade penal, que, de certa forma, diz que não há crime sem uma legislação anterior que o tenha definido, trazendo, assim, segurança à população, que detém o direito de anteriormente de sua ação se ela é ou não punível.”[4]

Nessa mesma linha, o Direito Penal precisa trabalhar, exclusivamente, a continuidade da finalidade que legitimam sua necessidade de existir, quais sejam, proteger bens jurídicos e a paz social.

Nesse sentido, Fernando Capez acerva que:

No limiar do terceiro milênio, a Constituição Federal e os princípios dela decorrentes devem assumir um papel de protagonismo na aplicação do direito penal, relegando a lei (o tipo legal) à sua correta posição de subalternidade em relação ao Texto Magno. Fala-se em um verdadeiro direito penal constitucional, no qual o fato típico passa a ser muito mais do que apenas a mera realização dolosa ou culposa de uma conduta descrita em lei como crime.[5]

Nesse sentido, infere o referido autor que “a subsunção formal, por si só, sem que se verifique a lesividade e a inadequação do comportamento, já não pode autorizar o juízo de tipicidade penal.”[6]

No mesmo sentido, Cumpre referir que o Estado Democrático de Direito, consagrado em nossa Constituição Federal, logo no art. 1º, caput (cf. tópico 1.5), exige igualdade entre os cidadãos não apenas no âmbito formal, mas uma igualdade efetiva, concreta, material.

O autor Fernando Capez ainda refere que:

Suas metas fundamentais são o combate a toda e qualquer forma de preconceito, a eliminação das desigualdades, a erradicação da miséria e a reafirmação da dignidade (CF, art. 3º e incisos). A dignidade humana, a cidadania e o pluralismo político (CF, art. 1º, III, IV e V), a imprescritibilidade do crime de racismo (CF, art. 5º, XLII), a imprescritibilidade das ações reparatórias por dano ao erário (CF, art. 37, § 5º), a administração pública regida por princípios de moralidade e eficiência (CF, art. 37, caput) e inúmeras outras regras constitucionais procuram fazer da sociedade brasileira contemporânea uma autêntica social-democracia. Um Estado assim não se preocupa apenas com uma fictícia igualdade formal, em que as pessoas são consideradas iguais somente na letra da lei, mas separadas por um gigantesco abismo social. Sua atuação deve ser interventiva no âmbito social, com o fito de assegurar redução no desnível acentuado em nossa sociedade. Sua meta não se restringe à forma, mas busca também o conteúdo.[7] (grifo original)

Em seguimento, o autor revela que “nesse ambiente jurídico e político, não se pode conceber que crime seja tão somente aquilo que o legislador deseja, sem que se possa efetuar qualquer controle sobre o conteúdo da norma.”[8] Assim, o fato típico depende da forma e do conteúdo. Nesse sentido, refere Fernando Capez:

Por certo, não há crime sem lei anterior que o defina (CF, art. 5º, XXXIX), sendo a legalidade (reserva legal + anterioridade) uma das mais importantes garantias políticas do cidadão contra o arbítrio do poder estatal. Nenhum ditador pode inventar crimes e penas. Somente a lei, no sentido mais estrito da palavra, entendida como regra abstrata, geral, objetiva, impessoal, emanada do Poder Legislativo e igual para todos, pode veicular a definição do comportamento tido como delituoso. Para o Estado Formal-Positivista de Direito isso já é suficiente (se está na lei, acabou, nada mais resta para ser discutido).[9] (grifo original)

Por seguinte, Fernando Capez infere que no regime formal positivista, ao “intérprete basta comparar o que foi praticado no mundo concreto com o que está descrito no tipo legal: havendo correspondência, o fato é típico. Isso era o que bastava, segundo a visão do século XIX, dada a concepção positivista da época.”[10] No mesmo contexto, Fernando Capez refere:

Vigia a teoria naturalista ou causal, a qual exigia para o fato típico apenas a subsunção formal objetiva, ou seja, para ela, bastava a correspondência externa entre o que foi realizado no mundo natural e a descrição típica. Atualmente, isso não basta. Além da necessidade de estar previamente definido em lei, a conduta delituosa necessita ter conteúdo de crime, já que o Estado Democrático de Direito não pode admitir que alguém seja punido por ter praticado uma conduta inofensiva.[11]

Desta forma, o modo de garantir que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana não sejam desrespeitados, é através da limitação das normas penais, aplicando-as apenas em casos onde ocorra efetiva lesão ou risco concreto de lesão aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, em zeloso respeito aos princípios gerais do direito.

Sobre o tema, Fernando Capez revela que:

Não se pode admitir descompasso entre a vontade imperiosa do Estado e o sentimento social de justiça. Desse modo, do Estado Democrático de Direito parte um gigantesco princípio a orientar todo o direito penal, que é o princípio da dignidade humana, o qual serve de orientação para o legislador, no momento da elaboração da norma in abstracto, determinando a ele que se abstenha de descrever como delito condutas que não tenham conteúdo de crime. Assim, toda vez que, na descrição legal, houver violação à dignidade humana, a norma será considerada inconstitucional. Por exemplo, uma lei que incrimine a livre expressão do pensamento, ou que seja demasiadamente genérica e abrangente, servindo a qualquer enquadramento, ou que preveja penas excessivamente rigorosas em cotejo com o mal resultante da infração, já nascerá inconstitucional, por afronta a um princípio constitucional sensível, pilar de sustentação da Carta Magna.[12]

Nesse sentido, o autor revela que “a dignidade humana, porém, dirige-se também ao operador do direito, proibindo-o de aplicar abusivamente a norma incriminadora, bem como de fazê-la atuar quando desnecessário”[13]. Em seguimento, aduz Fernando Capez que:

Não basta a correspondência formal, para que se proceda à adequação típica. Um furto de um alfinete, sob o âmbito formal, consiste em subtração de coisa alheia móvel para si, mas seu conteúdo insignificante não autoriza a operação de subsunção, sob pena de afronta ao mencionado princípio. Pois bem. Da dignidade humana partem inúmeros princípios, todos derivados daquela, a qual funcionará como sua fonte de irradiação. Denominam-se princípios constitucionais do direito penal, dentre os quais se destacam: a adequação social, a insignificância, a proporcionalidade, a intervenção mínima, a alteridade, a ofensividade, a humanidade etc. Todos se dirigem ao legislador, proibindo-o de incriminar qualquer comportamento, e ao operador do direito, exigindo de sua parte comedimento na aplicação da norma incriminadora (cf. tópico 1.5.2). Pode-se, então, falar em uma teoria constitucional do direito penal, na qual o princípio da dignidade humana e todos os demais princípios específicos dele derivados dão conteúdo à norma penal.[14]

Nesta senda, reprisa-se a relevância da conformação dos atos de passível punição no interior de um diploma legal que seja conhecido por todos, de modo a garantir que o Estado não irá ultrapassar o limite de seu poder, utilizando, para isso, formas das quais a sociedade não teria condições de se defender, em face da desigualdade de força de um contra o outro.

Neste contexto, Fernando Capez ensina:

A função maior do direito penal é a de proteger a sociedade, de modo que todas as soluções dogmáticas incompatíveis com tal escopo devem ser afastadas, mantendo-se apenas as de ordem político-criminal. A finalidade reitora é extraída do contexto social e visa a propiciar a melhor forma de convivência entre os indivíduos. O Estado, em primeiro lugar, estabelece qual a sua estratégia de política criminal, tendo em vista a defesa da sociedade, o desenvolvimento pacífico e harmônico dos cidadãos e a aplicação da justiça ao caso concreto. Somente depois será fixado o modo de solução dos conflitos. As regras jurídicas cedem sua antiga preponderância à sociologia. A subsunção formal pouco vale diante dos fins maiores do direito penal.[15]

Assim, o autor exemplifica dizendo que “se o direito penal tem por função proteger bens jurídicos, somente haverá crime quando tais valores forem lesados ou expostos a um risco de lesão”[16]. Para continuar explicando, refere:

Não basta realizar a conduta descrita em lei como crime, sendo imprescindível verificar se o comportamento tem idoneidade para ameaçar o interesse protegido pela norma penal. Condutas inofensivas não podem ser punidas, porque a função do direito penal é proteger valores sociais, sem que esses estejam expostos a algum risco. Os princípios constitucionais passam a atuar, pois uma conduta que não tenha conteúdo de crime é incapaz de colidir com os fins do direito penal, pois inidônea para molestar o bem jurídico tutelado. É uma linha que se aproxima bastante do Estado Democrático de Direito, tendo o bem jurídico como seu pilar de sustentação.[17]

Esta necessária e fundamental função garantista, de modo que orienta os indivíduos em relação aos comportamentos que podem ser considerados aceitáveis ou lícitos, também servirá como garantia destes mesmos indivíduos em desfavor do voluntarismo dos agentes que dirigem o Estado, fazendo limitar a sua função de punir no interior da legislação anteriormente estabelecida.

É evidente, em suma, que submeter determinada conduta ao tipo penal exposto na legislação não autoriza a aplicabilidade do Direito Penal. Este tem o dever de tão somente aplicar-se em decorrência de condutas realmente lesivas à sociedade.

Dessa forma, julgou o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. NEGATIVA DO APELO EM LIBERDADE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA E HABITUALIDADE DELITIVA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. CONSTRANGIMENTO

ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Considerando a inarredável necessidade de fundamentação das decisões judiciais, notadamente daquelas que impliquem mitigação da liberdade individual, a teor do disposto nos arts. 5º, LIX, e 93, IX, da Constituição Federal, não se admite o cerceamento de tal direito ex lege, devendo o decreto prisional explicitar, de forma empírica, os motivos que o justificam. Em verdade, a limitação do direito ambulatorial do cidadão contrapõe dois direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, quais sejam, o direito à segurança, do qual decorre o poder-dever de punir do Estado, e o direito à

liberdade, ambos insculpidos no art. 5º, caput, da Carta Magna. 2. No que se refere à segregação preventiva, por se tratar de medida cautelar acessória e excepcional, que tem por escopo, precipuamente, a garantia do resultado útil da investigação, do posterior processo-crime ou, ainda, a segurança da coletividade, o preceito constitucional da presunção de inocência exige a efetiva demonstração dos pressupostos do periculum libertatis e do fumus comissi delicti. 3. Com o advento da sistemática trazida pela Lei n. 12.403/2011, a custódia preventiva deve ser considerada como ultima ratio na busca da eficiência da persecução penal e, portanto, somente poderá ser imposta quando não se mostrar possível a sua substituição por medida cautelar menos gravosa, elencada no art. 319 do CPP. Assim sendo, tal medida, além de necessária, deverá ser proporcional, em atenção ao princípio da proibição do excesso, levando-se em conta o quantum de pena a ser aplicada em caso de provimento condenatório, o regime prisional a ser imposto e a possibilidade de conversão da sanção corporal em restritiva de direitos. 4. Hipótese em que as circunstâncias e as consequências da infração penal denotam a maior gravidade do crime, haja vista a sofisticação do modus operandi empregado na prática da lavagem de dinheiro, que se revelou superior à inerente ao tipo penal previsto na Lei n. 9.613/1998, pois foram realizadas várias operações sub-reptícias e em dinheiro, através de um posto de gasolina de propriedade do réu, com diversas pessoas interpostas, que resultaram no branqueamento de R$ 461.226,50 (quatrocentos e sessenta e um mil, duzentos e vinte e seis reais e cinquenta centavos), derivados de ilícitos imputados a ex-Deputado Federal, já falecido. 5. Não se pode admitir a segregação acautelatória com fundamento em juízo valorativo acerca da gravidade genérica do delito e da periculosidade abstrata do réu. Assim, se a dinâmica dos fatos não desborda da própria ao tipo penal, a prisão preventiva não é legítima. Solução diversa, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, deve ser adotada quando o modus operandi do delito demonstrar, de forma concreta,  asua maior gravidade, considerando-se um maior desprezo pelo bem jurídico tutelado, o que permite concluir se tratar de agente que stenta maior periculosidade, apta a justificar sua segregação provisória, como meio de preservação da paz social. Precedentes. 6. Tratando-se de criminoso habitual, que se dedica de forma profissional à prática do crime de lavagem de dinheiro e responde a diversas ações penais, tendo sido, inclusive, anteriormente condenado pela prática do mesmo crime apurado nos autos do processo-crime objeto do presente recurso, o que justificou a imposição de regime prisional mais gravoso do que o indicado pela quantidade de pena imposta, há que se reconhecer a necessidade da mantença da segregação cautelar. 7. Decretos prisionais que noticiam a prática de crimes contra o sistema financeiro, pelo acusado desde 1991, o que denota  suapersonalidade voltada à prática delitiva e, por consectário, a presença de risco concreto de reiteração criminosa, de onde decorre a necessidade da medida constritiva de liberdade, com vistas a resguardar a ordem pública. Precedentes. 8. Conforme o entendimento remasoso desta Corte, não se mostra razoável a concessão do direito ao apelo em liberdade ao réu que permaneceu preso durante o curso da instrução criminal, se ainda presentes os fundamentos da decretação cautelar. Precedentes. 9. De acordo com a jurisprudência desta Terceira Seção, aplicável ao caso sub judice, a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas (CPP, art. 319) não é recomendável quando aquela estiver justificada na “periculosidade social do denunciado, dada a probabilidade efetiva de continuidade no cometimento da grave infração denunciada” (RHC 50.924/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2014; RHC 48.813/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/12/2014). 10. O simples fato de ter sido a prisão antecipada de corréu substituída por medida cautelar menos severa, não permite concluir pela desnecessidade da constrição da liberdade do acusado. Nos termos do reconhecido pelo Colegiado de origem, inexiste similitude fática e jurídica entre os denunciados, pois o ora recorrente seria elemento de fundamental importância no esquema criminoso, exercendo papel preponderante no curso do dinheiro, ao contrário do coacusado, que, além de ter passado a colaborar com a Justiça, desempenharia função auxiliar na consecução dos resultados delitivos. 11. Recurso desprovido.[18] (grifo original)

No julgado acima colacionado, buscou-se demostrar, em um caso real, que a limitação do direito ambulatorial do cidadão contrapõe dois direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, quais sejam, o direito à segurança, do qual decorre o poder-dever de punir do Estado, e o direito à liberdade, ambos insculpidos no art. 5º, caput, da Carta Magna, conforme acima julgado pelo Tribunal Superior.

Um dos modos de assegurar esta efetiva e necessária utilização dos mecanismos penais é verificar o que é o crime também na ótica da tipicidade, fazendo como sua condição de existir a efetiva lesão, ou risco concreto deste, aos bens jurídicos protegidos pela legislação penal, devendo, assim, incluir a tipicidade no conceito analítico de crime, modo de análise que o Direito Penal não pode se distanciar do ius libertatis.

Nesses termos, Fernando Capes leciona que:

Todos se dirigem ao legislador, proibindo-o de incriminar qualquer comportamento, e ao operador do direito, exigindo de sua parte comedimento na aplicação da norma incriminadora (cf. tópico 1.5.2). Pode-se, então, falar em uma teoria constitucional do direito penal, na qual o princípio da dignidade humana e todos os demais princípios específicos dele derivados dão conteúdo à norma penal. O fato típico será, por conseguinte, resultante da somatória dos seguintes fatores: subsunção formal (era o que bastava para a teoria naturalista ou causal) + dolo ou culpa (a teoria finalista só chegava até esse segundo requisito) + conteúdo material de crime (que é muito mais do que apenas a inadequação social da teoria social da ação, e consiste no seguinte: o fato deve ter uma relevância mínima, ser socialmente inadequado, ter alteridade, ofensividade, a norma precisa ser proporcional ao mal praticado etc.). Imaginemos os seguintes exemplos: a) duas pessoas maiores e capazes praticam ato obsceno em local ermo, sem que ninguém tenha condições de presenciar suas carícias libidinosas; b) sujeito mantém arma de fogo descarregada dentro de casa em local seguro, mas sem ter o registro competente; c) o furto de um chiclete; d) um pequeno furto praticado no âmbito doméstico, passível de ser solucionado na esfera trabalhista; e) uma norma que pune o crime culposo com a mesma pena que o doloso; f) práticas sexuais sadomasoquistas moderadas, porém imorais, entre pessoas na sua intimidade.[19]

Nesse sentido, revela o autor que “em todos esses casos, existe subsunção formal, mas o fato será considerado atípico por ausência de conteúdo material de crime, à luz dos princípios constitucionais derivados da dignidade humana”[20], expondo que tanto faz como for, “seja porque o direito não deve tutelar a moral, mas a sociedade, seja porque não se destina a proteger fatos de escassa lesividade, seja porque sua intervenção deve ser mínima, e assim por diante”[21].

No mesmo sentido revela:

A teoria constitucional do direito penal é, portanto, uma evolução em relação às anteriores e permite ao Poder Judiciário exercitar controle sobre o que o legislador diz ser crime, tornando o juiz um intérprete e não mero escravo da lei. A atividade jurisdicional passa a assumir um protagonismo na aplicação da norma penal e não mera coadjuvância burocrática de segunda categoria. Essa deve ser a tendência no início do século XXI, suplantando-se a linha positivista despreocupada com o conteúdo da norma, que tanto predominou até bem pouco tempo.[22]

A Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso XXXIX, refere que: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”[23] Nesta senda, o Código Penal em seu artigo 1º refere que: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”[24], declarado, desta forma, o princípio da reserva legal, base para o contínuo desenvolver do dogma penal.

Assim, quanto ao fato típico, acerva Rogério Sanches Cunha:

De acordo com o princípio da exteriorização ou materialização do fato, ao Direito Penal só interessam fatos humanos, pouco importando os acontecimentos da natureza dos quais não participa o homem. Entretanto, não são todos os fatos humanos que ficam na mira do Direito Penal, mas somente aqueles indesejados pelo meio social, não reprovados de forma eficaz pelos demais ramos do Direito e que provoquem relevante e intolerável lesão ao bem jurídico tutelado. Havendo um fato humano, indesejado, consistente numa conduta causadora de um resultado, ajustando-se a um tipo penal, deixa de ser um simples fato e passa a ser um fato tipicamente penal (fato típico).[25]

No mesmo sentido, ainda temos o artigo 9º do Pacto de São José da Costa Rica, dando ainda mais atenção a importância deste assunto à legislação de um Estado, veja-se:

Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável.  Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito.  Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado.[26]

Este princípio objetiva reduzir ao Estado, na função legislativa, a criação de normas penais, de modo que “fato algum poderá ser considerado delito e pena criminal alguma poderá aplicar-se sem que anteriormente do ocorrido desse fato haja a existência de uma legislação definindo-o que é crime e cominando-lhe a pena a ele inerente.”[27]

Ao analisar o entendimento de tipo incriminador, à luz do princípio da reserva legal, leciona Rogério Greco:

Por imposição do princípio do nullum crimen sine lege, o legislador, quando quer impor ou proibir condutas sob a ameaça de sanção, deve, obrigatoriamente, valer-se de uma lei. Quando a lei em sentido estrito descreve a conduta (comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinado bem cuja tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo penal.[28]

Neste viés, pode-se dizer que o tipo penal é um fato humano indesejado, consistente numa conduta causadora de um resultado ajustando-se a um tipo penal. O fato típico possui requisitos, que são eles: conduta, resultado, nexo causal e, o assunto deste estudo, tipicidade.

Rogério Sanches Cunha conceitua tipo penal:

Fato típico, portanto, pode ser conceituado como ação ou omissão humana, antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal. Do seu conceito extraímos seus elementos: conduta, nexo causal, resultado e tipicidade.[29]

Em outras palavras, no entendimento de André Luís Callegari, tipo penal “é a forma de descrever uma conduta não aceita na sociedade que o legislador deve levar em consideração na hipótese de formatar uma norma penal”[30] .

Por sua vez, Fernando Capez conceitua tipo penal dizendo que “é o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal”.[31]

Desta forma de compreensão do tipo penal, verifica-se uma visão de grande importância para o desenvolvimento deste trabalho, levando em conta que as condutas humanas que não são permissivas pelo direito penal são desiguais entre si, fazendo-se indispensável que cada tipo legal instituído possua características únicas.

De outra banda, a descrição do tipo penal, considerando a técnica jurídica, necessita ter uma forma geral e abstrata, pois as diversas situações fáticas podem ser inúmeras.

Assim, conforme Damasio de Jesus:

Tipo penal deve descrever, em sua totalidade, as elementares e circunstâncias do fato ocorrido, e sim trazer uma definição incompleta, eis que o legislador não poderá antever a variedade complexa e detalhes da conduta, as quais podem variar de uma para outra.”[32]

A doutrina nacional, de uma forma geral, elenca como elementos que compõem os tipos penais em: normativo, objetivo e aubjetivo.

O elemento normativo pode ser definir como realização de juízo de valor sobre a situação de fato. Nessa esteira, Rogério Sanches Cunha infere que a “interpretação de expressões como “funcionário público”, “documento” e “coisa alheià’, “decoro” e “pudor”, presentes em vários tipos penais, demandam do intérprete valoração para serem apreendidos e aplicados”[33].

Por terem que realizar um juízo de valor, Fernando Capes, refere, em sua obra, que “os tipos que possuem elementos normativos são considerados anormais: alargam muito o campo de discricionariedade do julgador, perdendo um pouco de sua característica básica de delimitação.”[34]

Com efeito, Fernando Capez ainda aduz que:

Seu significado não se extrai da mera observação, sendo imprescindível um juízo de valoração jurídica, social, cultural, histórica, política, religiosa, bem como de qualquer outro campo do conhecimento humano. Classificam-se em jurídicos, quando exigem juízo de valoração jurídico, e em extrajurídicos ou morais, quando pressupõem um exame social, cultural, histórico, religioso, político etc.[35]

Por sua vez, os elementos objetivos (também denominados descritivos ou objetivos-descritivos) não necessitam de juízo de valor sendo facilmente compreendidos pelo seu intérprete, referem-se apenas ao aspecto material do fato.

Com o mesmo entendimento, Fernando Capez leciona, em seu livro, que “existem concretamente no mundo dos fatos e só precisam ser descritos pela norma. São elementos objetivos: o objeto do crime, o lugar, o tempo, os meios empregados, o núcleo do tipo (verbo) etc.”[36]

Para Rogério Sanches Cunha, em seu livro Manual de Direito Penal[37], o elemento objetivo se subdivide em: descritivo, descrevendo os aspectos materiais da conduta; normativo, conceituado conforme acima exposto; e científico, os quais transcendem o mero elemento do tipo, necessitando das ciências naturais para apreciá-lo.

Por fim, os elementos subjetivos que são relacionados a vontade/intenção do indivíduo. Nesses termos, referente ao elemento subjetivo do tipo Fernando Capez refere que:

O legislador destaca uma parte do dolo e a insere expressamente no tipo penal. Essa parte é a finalidade especial, a qual pode ou não estar presente na intenção do autor. Quando o tipo incriminador contiver elemento subjetivo, será necessário que o agente, além da vontade de realizar o núcleo da conduta (o verbo), tenha também a finalidade especial descrita explicitamente no modelo legal.[38]

Para Rogério Sanches Cunha[39], mais uma vez, subdivide esse elemento em positivo, referindo que é “a finalidade que deve animar o agente para que o fato seja típico” e em negativo, que é “a finalidade que não deve animar o agente para gerar a tipicidade”.

Para finalizar a presente análise, importa destacar o entendimento de Fernando Capez no aspecto da tipicidade legal.:

O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal. Na medida em que a Constituição brasileira consagra expressamente o princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX), fica outorgada à lei a relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes. De fato, não cabe à lei penal proibir genericamente os delitos, senão descrevê-los de forma detalhada, delimitando, em termos precisos, o que o ordenamento entende por fato criminoso.[40]

Então, após assa análise, é possível perceber a necessidade de um ordenamento jurídico penal para o necessário e bom convívio em sociedade.

Nesse viés, percebe-se que a convivência em comunidade traz fatos concretos que devem ser alcançados pelo ordenamento jurídico e, os mais relevantes, pelo Direito Penal, em específico.

Estes fatos, de extrema relevância para a sociedade, que são supridos pelo Direito penal são, anteriormente ao ocorrê-los, descritos em normas penais, no “formato” de tipo penal, ajustando-se a conduta à legislação.

Assim, como visto, o fato típico é composto por três elementos, quais sejam, conduta, nexo causal, resultado e tipicidade. Desta forma, para uma posterior melhor análise da tipicidade conglobante, cumpre demonstrar esses elementos do fato típico.

2.1 Conduta

A conduta, como referido anteriormente, é um dos elementos que integram o fato típico que, se ausente, não se pode falar em crime, devendo-se atentar ao princípio nullum crimen sine conducta.

Em suma, para Fernando Capez, a conduta pode ser conceituada da seguinte forma:

É a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade. Os seres humanos são entes dotados de razão e vontade. A mente processa uma série de captações sensoriais, transformadas em desejos. O pensamento, entretanto, enquanto permanecer encastelado na consciência, não representa absolutamente nada para o Direito Penal (pensiero non paga gabella; cogitationis poena nemo patitur). Somente quando a vontade se liberta do claustro psíquico que a aprisiona é que a conduta se exterioriza no mundo concreto e perceptível, por meio de um comportamento positivo, a ação (“um fazer”), ou de uma inatividade indevida, a omissão (“um não fazer o que era preciso”).[41]

O autor ainda continua, explicitando que “a exteriorização da conduta por meio de uma ação ou omissão não é suficiente, porém, o Direito Penal só empresta relevo aos comportamentos humanos que tenham, na vontade, a sua força motriz”.[42]

No mesmo contexto, ainda refere:

As pessoas humanas, como seres racionais, conhecedoras que são da lei natural da causa e efeito, sabem perfeitamente que de cada comportamento pode resultar um efeito distinto (sabe-se que o fogo queima, o impacto contundente lesiona ou mata, a falta de oxigênio asfixia, a tortura causa dor etc.). Assim, conhecedoras que são dos processos causais, e sendo dotadas de razão e livre-arbítrio, podem escolher entre um ou outro comportamento. É com isso que se preocupa o Direito Penal. Funda-se no princípio geral da evitabilidade (cf. tópico abaixo — “Teorias da conduta”), no sentido de que só lhe interessam as condutas que poderiam ter sido evitadas. [43]

Por essa razão, onde não for possível observar vontade, não possuirá conduta diante do nosso ordenamento jurídico repressivo. Nessa senda, Capez refere que “não se preocupa o direito criminal com os resultados decorrentes de caso fortuito ou força maior, nem com a conduta praticada mediante coação física, ou mesmo com atos derivados de puro reflexo”, isso ocorre pois nenhum deles poderia, de uma forma direta, ter sido evitado.

Em continuação, Fernando Capez infere que:

A vontade e a consciência, geradoras da conduta, não são, contudo, “cegas”, isto é, desprovidas de finalidade, no sentido de que toda ação ou omissão dominada pela voluntariedade objetiva atingir um fim. Acompanhemos este singelo exemplo: uma pessoa está com sede e observa sobre a mesa um copo com água; a vontade de beber associada à finalidade de saciar a sede animam a ação de levar o copo à boca e ingerir o líquido. Nesse caso, existiu conduta, devido à consciência, vontade e finalidade, e o resultado produzido (água bebida e sede saciada) acabou por coincidir com vontade e finalidade. Chama-se a isso conduta dolosa (vontade de realizar conduta e finalidade de produzir o resultado). Nesse mesmo exemplo, suponhamos agora que, por um descuido, a água fosse derramada sobre a roupa do sedento agente. Ocorreu uma conduta humana voluntária (a pessoa queria pegar o copo e efetivamente o pegou, sem que ninguém a obrigasse a fazê-lo). O resultado, entretanto, não coincidiu com a finalidade, mas, ao contrário, derivou da quebra de um dever de cuidado. Essa conduta é chamada de culposa (conduta voluntária e resultado não querido, provocado por descuido). [44]

Para finalizar a explicação, pode-se perceber que os dois fatos, doloso e culposo, não podem ser considerados, de forma direta, comportamentos típicos, eis que inexiste previsão legal no ordenamento para eles. Nesta senda, Capez refere que “são irrelevantes penais, mas nota-se claramente que, nessas singelas condutas, delas são inseparáveis a vontade, a finalidade e o dolo ou a culpa.”

Para melhor entender, colaciona-se um citado de Fernando Capez:

No caso da conduta dolosa, a vontade e a finalidade já são as de produzir um resultado típico, enquanto na conduta culposa, a vontade e a finalidade não buscam um resultado típico, mas este ocorre devido à violação de um dever de cuidado que qualquer pessoa mediana estaria obrigada a observar. Ocorrendo, portanto, conduta voluntária e finalística, que produza um resultado doloso ou culposo, previsto na lei penal como crime, surgirá um fato relevante sob a ótica do Direito Penal. Por essa razão, refazendo, agora, o conceito de conduta, chega-se à seguinte conclusão: conduta penalmente relevante é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime.[45]

Assim, verifica-se que a conduta, no direito penal, percorreu, e ainda percorre, uma grande discussão.

Dessa forma, os elementos dos conceitos, conforme expostos acima por Fernando Capez, foram e são analisados separadamente, através de teorias que buscam explicar a conduta.

Das teorias que buscam explicar a conduta, podemos mencionar a teoria naturalista ou causal, a neoclássica ou neokantista, a teoria finalista da ação, teoria social da ação e, por fim, a teoria funcionalista, que se subdivide em funcionalismo teleológico, exteriorizada por Claus Roxin, e funcionalismo sistêmico, trazido por Günther Jakbos. Cumpre ressaltar que Fernando Capez ainda trás a teoria constitucional[46]. Passamos a analisa-las.

Inicialmente, conceitua-se a teoria naturalista ou causal que, segundo Rogério Sanches Cunha[47], “a teoria causalista (ou teoria causal naturalista, teoria clássica, teoria naturalística ou teoria mecanicista), idealizada por Franz von Liszt, Ernst von Beling e Gustav Radbruch”. Esta teoria, segundo o citado autor:

Surge no início do século XIX e faz parte de um panorama científico marcado pelos ideais positivistas que, no âmbito científico, representavam a valorização do método empregado pelas ciências naturais, reinando as leis da causalidade (relação de causa-efeito). Para esta teoria, o mundo deveria ser explicado através da experimentação dos fenômenos, sem espaço para abstrações.[48]

Rógério Sanches Cunha, na mesma obra, ainda acerva que “para a teoria causalista, o conceito analítico de crime é composto por três partes: fato típico, antijuridicidade e culpabilidade. É, portanto, tripartite.”

Quanto a teoria neoclássica ou neokantista, conceitua Rogério Sanches Cunha[49] que “a teoria neokantista tem base causalista (por isso é também denominada de teoria causal-valorativa) e foi desenvolvida nas primeiras décadas do século XX.”[50] Em seguida, refere o dito autor, na mesma obra, que “tendo como maior expoente Edmund Mezger, fundamenta-se numa visão neoclássica marcada pela superação do positivismo (o que não significa a sua negação) através da introdução da racionalização no método.” Por fim, Rogério Sanches Cunha infere:

A teoria neokantista representa a substituição dos valores experimentalistas, próprio das ciências naturais, pelos valores metafísicos, ou seja, pela valoração dos fenômenos (método axiológico). Trata-se de um rompimento com o monismo metodológico do positivismo, que acreditava que todas as ciências deveriam ser analisadas através de uma mesma forma de observação (a forma causal).

Por outro lado, a teoriafinalista da ação, que representa verdadeira evolução na análise da conduta e dos elementos do crime, foi “criada por HANS WELZEL em meados do século XX (1930-1960), a teoria finalista concebe a conduta como comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim.”[51]

Nesse sentido, refere Rogério Sanches Cunha que:

A finalidade, portanto, é a nota distintiva entre esta teoria e as que lhe antecedem. É ela que transformará a ação num ato de vontade com conteúdo, ao partir da premissa de que toda conduta é orientada por um querer. Supera-se, com esta noção, a “cegueira” do causalismo, já que o finalismo é nitidamente “vidente”. (grifo do autor)

Por seguinte, revela a teoria social da ação, desenvolvida por HANNES WESSELS e tem como principal adepto HANS HEINRICH ESCHECK que “a pretensão desta teoria não é substituir as teorias clássica e finalista, mas sim acrescentar-lhes uma nova dimensão, a relevância ou transcendência social.”[52]

Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha revela que:

A conduta, para a teoria social, é o comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim socialmente reprovável. A reprovabilidade social passa a integrar o conceito de conduta, na condição de elemento implícito do tipo penal (comportamentos aceitos socialmente não seriam típicos). Dolo e culpa, para esta teoria, integram o fato típico, mas seriam novamente analisados quando do juízo de culpabilidade.[53]

Todavia, a teoria funcionalista, que “nascem da percepção de que o Direito Penal tem necessariamente uma missão e que os seus instituros devem ser compreendidos de acordo com ela.”[54] Assim, “são teorias funcionalistas, na medida em que constroem o Direito Penal a partir da função que lhe é conferida. Visualizam o Direito Penal como uma função inserida na ordem jurídica.”[55] Nesse sentido, a “conduta, portanto, deve ser compreendida de acordo com a missão conferida ao Direito Penal. São duas as principais correntes funcionalistas: o funcionalismo teleológico, de CLAUS ROXIN e o funcionalismo sistêmico, de GÜNTHER JAKBOS”.[56]

A teoria dissimilada por Claus Roxin, a corrente Funcionalismo Teleológico, Dualista, Moderado ou da Política Criminal, é “um novo marco na evolução do Direito Penal que tem por base a sua reconstrução a partir da premissa de que a função do direito penal é a proteção de bens jurídicos”.

Por sua vez, para Günther Jakbos e sua corrente Funcionalismo Radical, Sistêmico ou Monista, o “Direito Penal está determinado pela função que cumpre no sistema social, e inclusive o próprio Direito Penal é um sistema autônomo, autorreferente, e autopoiético, dentro do sistema mais amplo da sociedade. Tem suas regras próprias e a elas se submete.”

Por fim, a teoria constitucional, trazida por Fernando Capez, revela que com o advento da Constituição Federal de 1988, assumiram um papel de protagonismo na aplicação do direito penal, relegando a lei (o tipo legal) à sua correta posição de subalternidade em relação ao Texto Magno. Assim, Fernando Capez infere que “fala-se em um verdadeiro direito penal constitucional, no qual o fato típico passa a ser muito mais do que apenas a mera realização dolosa ou culposa de uma conduta descrita em lei como crime.”[57]

Após o exposto, pergunta-se qual dessas teorias é utilizada nos dias de hoje? Colacionarei o entendimento de dois doutrinadores, Fernando Capez e Rogério Sanches Cunha.

Para Rogério Sanches Cunha, o entendimento é o seguinte:

Para a doutrina tradicional, nosso Código seria finalista. O Código Penal Militar, a seu turno, é declaradamente causalista, tratando dolo e culpa como elementos da culpabilidade (art. 33 do CPM). A doutrina moderna, no entanto, trabalha com premissas funcionalistas de Roxin, negando, porém, algumas de suas ideias, como, por exemplo, a responsabilidade considerada substrato do delito.[58]

Por sua vez, Fernando Capez refere que:

Teoria adotada: seguiremos a teoria constitucional do direito penal, com a colocação do dolo e da culpa no fato típico, tal e qual propõe a doutrina finalista, mas com o controle material dos princípios constitucionais do direito penal. É, no fundo, uma teoria finalista acrescida de rigoroso controle material sobre o conteúdo do fato típico. Assim, passemos a analisar os elementos do fato típico: (a) conduta + (b) resultado naturalístico (somente para os crimes materiais) + (c) nexo causal (somente para os crimes materiais) + (d) tipicidade. Comecemos pela conduta. Elementos da conduta: são quatro: a) vontade; b) finalidade; c) exteriorização (inexiste enquanto enclausurada na mente); d) consciência. Obs.: só as pessoas humanas podem realizar conduta, pois são as únicas dotadas de vontade e consciência para buscar uma finalidade. Animais irracionais não realizam condutas, e fenômenos da natureza não as constituem.[59]

Nesse sentido, observa-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, em um dos seus julgados, quanto ao assunto:

Ementa: Direit Internacional Público. Extradição instrutória. Governo da Argentina. Homicídio qualificado – Art. 121, § 2º, do Código Penal. Regularidade formal do pedido. Dupla tipicidade. identidade terminológica do tipo penal: Inexigência. Competência da Justiça argentina. Ausência de prescrição em ambos os ordenamentos legais. Extradição Deferida. 1. A análise do requisito da dupla tipicidade, previsto no art. 77, inciso II, da Lei nº 6.815/1980, dispensa a perfeita identidade dos nomes dos crimes imputados em ambas as legislações, sendo indispensável, à sua configuração, apenas a subsunção das condutasàs elementares dos tipos penais (EXT 841-RFA, DJ 30/04/2004; EXT 1.283, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 17/10/2014, e EXT 605, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 6/5/1994). 2. In casu, o Governo argentino requer a extradição a fim de que o extraditando responda a processo instaurado para apurar supostos crimes de homicídio qualificado e roubo praticados no dia 3 de novembro de 2014. 3. A extradição pressupõe o cumprimento dos requisitos legais extraídos por interpretação a contrario sensu do art. 77 da Lei nº 6.815/80; vale dizer, defere-se o pleito se o caso sub examine não se enquadrar em nenhum dos incisos do referido dispositivo e restarem observadas as disposições do tratado específico. 4. O pedido atende ao disposto no Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e a Argentina, há indicações seguras sobre locais, datas, natureza e circunstâncias dos fatos. 5. O tema atinente a que teria ocorrido crime de latrocínio – e não de homicídio qualificado e roubo, descritos no pleito extradicional – não é suscetível de exame nesta Corte, porquanto não lhe caber aferir o aspecto volitivo da conduta para chegar à conclusão de que se trata de crime patrimonial ou contra a vida, conforme precedente firmado na EXT 542, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ de 20/03/1992 6. As penas previstas nos artigos 80, alínea 7, e 166, alínea 2, para os crimes de roubo e de homicídio qualificado são, respectivamente, de 15 anos de reclusão e perpétua e, segundo o Código Penal brasileiro, de 30 e de 10 anos, a evidenciar a ausência de prescrição em ambos os ordenamentos jurídicos considerando-se os fatos praticados em 3 de novembro de 2014. 7. A pena máxima prevista no ordenamento jurídico brasileiro é de 30 (trinta) anos de reclusão (art. 75 do Código Penal), limite a ser observado pelo Estado requerente mediante compromisso formal da substituição da pena de prisão perpétua, bem como o de descontar, da pena a ser fixada, o tempo de prisão preventiva em território brasileiro para fins de extradição (Ext 1211/REPÚBLICA PORTUGUESA, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ de 24/3/2011; Ext 1214/EUA, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 6/5/2011; Ext 1226/Reino da Espanha, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ de 1/9/2011). 7. Extradição deferida.[60] (grifo original)

Assim, foi possível demonstrar, embora de forma relativamente sucinta, a conduta, um dos elementos do tipo penal.

2.2 Resultado

Outro elemento do tipo penal é o resultado. Para melhor explica-lo, colaciona-se o entendimento de doutrinadores. Nesse vértice, Rogério Sanches Cunha refere que:

Da conduta (ação ou omissão sem a qual não há crime) podem advir dois resultados: naturalístico (presente em determinadas infrações) e normativo (indispensável em qualquer delito). Vejamos. Resultado naturalístico se dá com a modificação no mundo exterior (perceptível pelos sentidos) provocada pelo comportamento do agente. Não são todos os crimes, no entanto, que possuem resultado naturalístico, havendo aqueles em que sua ocorrência é dispensável.

Assim, pode-se notar que nem todas as modificações de fora induzidas pela conduta podem ser consideradas resultados do crime, mas sim como aqueles previstos no tipo penal. Desse modo, Rogério Sanches refere, na sua obra, que o “resultado naturalístico do furto será a subtração do objeto pertencente à vítima, como um veículo, por exemplo, e não os transtornos que a falta desse objeto possa causar, como a dificuldade de locomoção”.

No mesmo diapasão, leciona Sanches Cunha que:

Será essa uma consequência do crime, que, todavia, não deverá ser tida como um indiferente penal, já que o juiz deverá analisá-la no momento da dosimetria da pena, por expressa previsão do artigo 59 do Código Penal. Já o resultado normativo (ou jurídico) aparece como sendo a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Sob essa ótica, todo crime (material, formal ou de mera conduta) possui resultado, ainda que não provoque alteração material exterior, vez que se parte do pressuposto de que o fundamento para a tipificação da conduta é a lesão ou perigo de lesão ao interesse penalmente tutelado.[61]

Por sua vez, Fernando Capez conceitua o resultado como sendo a “modificação no mundo exterior provocada pela conduta. Distinção com evento: evento é qualquer acontecimento; resultado é a consequência da conduta. Exemplo: um raio provoca um incêndio. Trata-se de um evento.”[62]

Envolvendo o assunto, julgou o Supremo Tribunal Federal:

Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. CONTRABANDO. INTERNAÇÃO DE PRODUTO TAXATIVAMENTE PROIBIDO EM TERRITÓRIO NACIONAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. NÃO INCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Assim, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, a definição da insignificância não descarta a análise dosdemais elementos do tipo penal. O contrabando, delito aqui imputado ao paciente, é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange não só a proteção econômico-estatal, mas em igual medida interesses de outra ordem, tais como a saúde, a segurança pública e a moralidade pública (na repressão à importação de mercadorias proibidas), bem como a indústria nacional, que se protege com a barreira alfandegária. 4. O caso envolve a práticado crime de contrabando de veículo usado, comportamento dotado de intenso grau de reprovabilidade, dados os bens jurídicos envolvidos, o que impede a aplicação do princípio da insignificância. 5. Ordem denegada.[63] (grifo original)

Sem seguimento, verificamos que nosso ordenamento jurídico trás um conceito de resultado. Segundo o artigo 13, caput, do Código Penal:

Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.[64]

Assim, verificou-se mais um elemento do tipo penal, observado o entendimento de dois respeitados doutrinadores.

2.3 Nexo causal

Nesse momento, analisaremos nexo causal, o que nada mais é do que a ligação entre a conduta realizada pelo agente e o resultado gerado dessa conduta. Nesses termos, verifica-se o entendimento de Rogério Sanches Cunha:

Nexo causal é o vínculo entre conduta e resultado, ou, na precisa lição de Bento de Faria, é a “relação de produção entre a causa eficiente e o efeito ocasionado, pouco importando seja mediato ou imediato”. O estudo da causalidade busca aferir se o resultado pode ser atribuído, objetivamente, ao sujeito ativo como obra do seu comportamento típico. Se alguém mata outra pessoa a tiros de revólver, é claro que, objetivamente, a morte da vítima proveio daquela conduta, de modo q se insere na sua esfera causal. É o primeiro passo da imputação penal. Adotou-se, no caso, a teoria da equivalência dos antecedentes causais (teoria da equivalência das condições, teoria da condição simples, teoria da condição generalizadora ou da conditio sine qua non), atribuída a Maximilian von Buri e Stuart Mill, que a teriam desenvolvido no ano de 1873. Em resumo, para esta teoria, todo fato sem o qual o resultado não teria ocorrido é causa. Sabendo que antecedendo um resultado temos mumeros fatos, como saber quais são ou não causas do evento? Deve-se somar à teoria da conditio sine qua non o método ou teoria da eliminação hipotética dos antecedentes causais. Idealizado pelo professor sueco Thyrén, em 1894, este método é empregado no campo mental da suposição ou da cogitação: causa é todo fato que, suprimido mentalmente, o resultado não teria ocorrido como ocorreu ou no momento em que ocorreu.[65]

Na mesma linha, conceitua Fernando Capez que o nexo causal nada mais é do que “o elo de ligação concreto, físico, material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por meio do qual é possível dizer se aquela deu ou não causa a este.”[66]

Anda, em seguimento, Rogério Sanches explica que “a natureza do nexo causal consiste em uma mera constatação acerca da existência de relação entre conduta e resultado. A sua verificação atende apenas às leis da física, mais especificamente, da causa e do efeito.”[67]

No mesmo sentido, o referido autor, em continuação do exposto revela que, “por essa razão, sua aferição independe de qualquer apreciação jurídica, como, por exemplo, da verificação da existência de dolo ou culpa por parte do agente. Não se trata de questão opinativa, pois ou a conduta provocou o resultado ou não.”[68]

Para melhor entender o nexo causal, Rogério Sanches Cunha expõem um exemplo ilustrativo:

Um motorista, embora dirigindo seu automóvel com absoluta diligência, acaba por atropelar e matar uma criança que se desprendeu da mão de sua mãe e precipitou-se sob a roda do veículo. Mesmo sem atuar com dolo ou culpa, o motorista deu causa ao evento morte, pois foi o carro que conduzia que passou por sobre a cabeça da vítima. Assim, para se saber sobre a sua existência, basta aplicar um utilíssimo critério, conhecido como critério da eliminação hipotética, que adiante será estudado e segundo o qual sempre que, excluído um fato, ainda assim ocorrer o resultado, é sinal de que aquele não foi causa deste.

No entanto, para existir um fato típico, não basta a mera configuração do nexo causal, deve haver o nexo normativo também. Nessa senda, é insuficiente apenas verificar se existe de uma ligação física entre ação e resultado. De acordo com o artigo 19 do Código Penal[69], é necessário que o agente do fato tenha concorrido com dolo ou culpa (esta quando admitida), pois sem dolo ou culpa não haveria fato típico.

Vale ressaltar que o artigo 18 do Código Penal revela a existência apenas de crimes dolosos e culposos, não sendo conhecido algum crime que seja praticado sem um desses elementos. Veja-se o referido artigo:

Artigo 18. Diz-se o crime:

Crime doloso 

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único – Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.[70]

Voltando ao exemplo trazido por Rogério Sanches Cunha, “o motorista deu causa à morte da criança, mas não cometeu homicídio, pois este tipo penal somente conhece as formas dolosa e culposa, razão pela qual o fato é considerado atípico.”[71] E ainda termina dizendo que “à vista do exposto, para a existência do fato típico são necessários: o nexo causal físico, concreto, e o nexo normativo, que depende da verificação de dolo ou culpa.”[72]

Da mesma forma que o artigo 13, caput, do Código Penal conceitua o resultado, também revela a relação de causalidade, ou seja, o nexo causal, veja-se:

Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.[73]

Assim, verificou-se mais um elemento do tipo penal. Por fim, têm-se a Tipicidade Penal, a qual não se exporá aqui como um subtítulo, mas sim, reservou-se um capítulo inteiro à ela, pois um elemento importante para, posteriormente, estuar a tipicidade conglobante.

 

3 TIPICIDADE PENAL

No tópico antecedente, analisou-se a necessidade da legislação para o bom convívio em sociedade e o tipo penal, conceituando-os e demonstrando suas funções principais.

Associado ao entendimento de tipo penal está conceituado a tipicidade penal, um dos requisitos do fato típico. No momento em que a conduta do indivíduo  atrela-se ao descrito como fato criminoso no tipo penal, surge a necessidade de análise da tipicidade legal.

Nessa linha, Callegari descreve tipicidade desta maneira:

A tipicidade é a adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei penal. Por imperativo do princípio da legalidade, em sua vertente nullum crimem sine lege, só os fatos tipificados na lei penal como delitos podem ser considerados como tal.[74] (grifo do autor)

Atenta-se a relação nestes dois conceitos, entretanto, não se pode confundir tipo penal com tipicidade penal. Tipicidade penal nada mais é do que uma operação de ajuste fato norma, enquanto tipo penal é um modelo de conduta proibida.

Rogério Sanches Cunha conceitua tipicidade penal como:

O fato típico, como já estudado, é o primeiro substrato do conceito analítico de crime. São seus elementos a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade penal. A compreensão acerca da tipicidade penal tem evoluído de acordo com as novas concepções sobre o Direito Penal.

No mesmo sentido, Fernando Capez conceitua tipicidade penal:

É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na correspondência entre ambos.

Assim, entende-se que o tipo penal descreve a conduta proibida pela norma, composto de elementos objetivos e, eventualmente, elementos subjetivos e a tipicidade penal é um dos requisitos do tipo penal.

Colaciona-se um julgado do Supremo Tribunal Federal sobre a tipicidade penal que, embora já superado, serve para demonstrar a aplicação da tipicidade em um caso real:

EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA INDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes.[75] (grifo original)

Deve-se atentar ao modo de aplicação da tipicidade penal, em quais crimes é possível analisar a tipicidade (doloso e culposo). Assim dispõem o Código Penal Brasileiro:

Art. 18 – Diz-se o crime:

Crime doloso 

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo 

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único – Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Quanto ao tipo culposo, muito bem expõem Rogério Sanches Cunha que “não se pune a conduta culposa, salvo quando houver expressa disposição em lei.”[76]

A tipicidade (subsunção ao tipo penal) é exigência do artigo 18, parágrafo único do Código Penal: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por Jato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.[77]

Rogério Sanches Cunha exemplifica o crime culposo explicando, em síntese, que “é o que ocorre, a título de exemplo, com o crime de dano. Caso o sujeito, por negligência, imprudência ou imperícia, destrua, danifique ou inutilize coisa alheia, a sua ação não será considerada crime, por ausência de tipicidade.”

O referido autor ainda expõem que, “em regra, nos delitos culposos, a ação prevista no tipo não está descrita, tratando-se de tipo penal aberto, dependendo de complementação a ser dada pelo juiz quando da análise do caso concreto.” E exemplifica:

No homicídio, por exemplo, a lei limita-se a anunciar: Art. 121, § 3°, CP: “Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de um a três anos”. Somente pela leitura do dispositivo, ao contrário do que ocorre na modalidade dolosa, não é possível saber quando um homicídio será culposo. Apenas a confrontação do fato com os conceitos inerentes à culpa possibilitará a segura conclusão a respeito da falta de cuidado no decorrer da conduta. Esta indeterminação fomenta doutrina minoritária a lecionar que os crimes culposos de tipos abertos ferem o princípio da legalidade, mais precisamente o mandamento da taxatividade.[78]

A crítica, como afirma Rogério Sanches Cunha, não procede, pois seria “absolutamente impraticável que a lei, ao tipificar, por exemplo, o homicídio culposo, previsse taxativamente todas as hipóteses de imprudência, negligência ou imperícia capazes de fundamentar a conduta culposa.”[79] Infere o autor:

Pode-se até sustentar que o tipo penal aberto não é a forma ideal de tipificação porque a subsunção da conduta ao tipo ficará sempre condicionada à valoração do juiz, admitindo certa discricionariedade. Trata-se, no entanto, da única forma viável de estabelecer a punição sobre fatos culposos. Há casos, contudo, em que o legislador descreve a conduta tida como negligente, dispensando, nesse tanto, complemento judicial, fácil de perceber na receptação culposa: Art. 1 80, §3° do CP: “Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso”.[80]

Por outro lado, no tipo penal doloso, como exposto anteriormente, é mencionado no inciso I do artigo 18 do Código Penal referindo que diz-se que o crime é doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Assim, refere Rogério Sanches Cunha, que, “majoritariamente, rotula-se o dolo como um componente subjetivo implícito da conduta, pertencente ao fato típico, formado por dois elementos”. O autor explica que “o volitivo, isto é, a vontade de praticar a conduta descrita na norma, representado pelos verbos querer e aceitar; e o intelectivo, traduzido na consciência da conduta e do resultado”.

Tipicidade penal, para a maioria da doutrina, é o enquadramento, a justa posição, o amoldamento da conduta praticada pelo agente.

Assim, essa adequação que “consiste em analisar se determinada conduta apresenta os requisitos que a lei exige, para qualificá-la como infração penal, chama-se ‘juízo de tipicidade’”.[81]

Rogério Sanches Cunha refere que são três as teorias do tipo doloso:

São teorias do dolo:

1 a) Teoria da vontade: dolo é a vontade consciente de querer praticar a infração penal.

2a) Teoria da representação: fala-se em dolo sempre que o agente tiver a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decide prosseguir com a conduta.

3a) Teoria do consentimento (ou assentimento): fala-se em dolo sempre que o agente tiver a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decide prosseguir com a conduta, assumindo o risco de produzir o evento.[82]

Cumpre expor que o Direito Penal brasileiro, em seu artigo 18, adota as teorias da vontade (para o dolo direto) e a do consentimento (para o dolo eventual).

3.1 Evolução histórica da tipicidade penal

Comparando-se ao desenvolver do Direito Civil, o desenvolvimento do Dogma Penal, como vemos hoje, considera-se relativamente novo. Conforme se entende das palavras de Bitencourt:

A definição atual de crime é produto da elaboração inicial da doutrina alemã, a partir da segunda metade do século XIX, que, sob a influência do método analítico, próprio do moderno pensamento científico, foi trabalhando no aperfeiçoamento dos diversos elementos que compõem o delito, com a contribuição de outros países, como Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Áustria e Suíça.[83]

O desenvolver da forma de conceituar de tipo e a tipicidade ganhou melhor forma no nascer da criação da dogmática germânica. “Em fins do século XVIII, a doutrina alemã cunhou a expressão Tatbestand, equivalente à latina corpus delicti, concebendo o delito com todos os seus elementos e pressupostos de punibilidade.”[84]

Deste modo, o tipo e a tipicidade penal encontravam-se entendidos no conceito de Tatbestand, não detinham configuração própria, alcançando  uma independência científica que foi suficiente ao ponto de ser analisado em suas profundas particularidades.

Nesse âmbito, relaciona Damásio:

A expressão Tatbestand é composta de Tat (“fato”) e bestehen (consistir), significando aquilo em que o delito consiste. O Tatbestand era, então, o fato do delito, o seu conteúdo real. Era o conjunto de todos os caracteres do delito, de natureza interna ou externa e essenciais à sua existência. Compreendia até o dolo e a culpa.[85] (grifo do autor)

Nesse segmento, tipo e tipicidade passaram apenas a possuir um seu próprio conceito desde os primários anos do século XX. No mesmo sentido, refere Bitencourt:

A moderna compreensão do tipo, no entanto, foi criada por Beling, em 1906, libertando-o daquela esdrúxula compreensão. A elaboração do conceito de tipo proposto por Beling revolucionou completamente o Direito Penal, constituindo um marco a partir do qual se reelaborou todo o conceito analítico de crime. O maior mérito de Beling foi tornar a tipicidade independente da antijuridicidade e da culpabilidade, contrariando o sentido originário do Tatbestand inquisitorial.[86]

Ressalta-se, ainda, que as fases em que se desenvolveu a tipicidade são consideradas por parte da doutrina originária como fases em que se desenvolveu o tipo.

Isso ocorre pois o fato de que o tipo e a tipicidade, no iniciar da doutrina penal moderna, não apresentavam ainda contornos claramente definidos, levando a esta considerável confusão.

Todas as teorias contribuíram para construir e desenvolver a dogmática penal. Com Beling houve o inicio da compreensão que possuímos atualmente de tipo e tipicidade, iniciando de uma concepção de tipo neutro, possuindo a função de apenas descrever condutas.

Relacionado à esta teoria de Beling, Zaffaroni e Pierangeli referem que:

Rejeitamos a teoria do tipo avalorado, porque implica no desconhecimento de que uma norma está sempre anteposta ao tipo, circunstância que, se admitida, torna inviável a afirmação de que a tipicidade não nos diz absolutamente nada a respeito da antijuridicidade.[87]

Embora seu entendimento avalorado de tipo penal não ter sido reconhecido pela maioria da doutrina, sua ajuda para o desenvolver da dogmática penal é grandiosa, ao dividir e individualizar as formas que compõem o fato criminoso.

Damásio de Jesus, ao estudar o desenvolver da tipicidade, refere que é “de Mayer a concepção que melhor se adapta à prática penal. A tipicidade não é a ratio essendi da antijuridicidade, mas seu indício (ratio cognoscendi)”[88].

Assim, aduz o referido autor que:

Praticado um fato típico, presume-se também antijurídico, até prova em contrária: o tipo legal indica a antijuridicidade. Quando o legislador, na Parte Especial do Código, cunha as condutas em tipos, não as supõe neutras em face do injusto, mas acredita que sejam ilícitas. Com isso não se quer dizer que o típico seja a razão de ser do injusto, mas sim que o concretiza e assinala.[89]

Nessa linha de pensamento, aperando o pensamento referido acima, Flávio Monteiro de Barros afirma que “a concepção ideal para a tipicidade decorre da conjugação da teoria da tipicidade indiciária, decorrente da teoria da tipicidade indiciária, desenvolvida por Beling e Mayer, mesclada com as ideias finalistas.”[90]

Progride, desta forma, para um modo mais aberto da tipicidade, afirmando que não é um fim em si mesmo, porém como um vestígio da antijuridicidade.

O acontecimento de um fato típico, com a visível evolução da doutrina penal, não, de forma necessária, constituirá em ilícito, levando em conta a possível ideia que o ato, considerando as formas em que se levou a efeito, poderá amparar-se na ampla legalidade.

Assim, a tipicidade penal, como restou verificada: “é a conformação da ação do agente dentro dos tipos legais”[91]. O tipo penal, pode-se dizer que “é a ratio cognoscendi da conduta típica ou, em outras palavras, o indício de que o ato constitua crime.”[92]

Para ser identificado como tal e poder haver punição, é necessário comprovar a sua antijuricidade em decorrência da inexistência da causa de justificação.

Por este motivo, a teoria ratio essendi foi refutada por muitos, portando em si a falha teratológica de ver na tipicidade, a partir do momento em que fossem identificados os elementos constituintes do tipo legal, a existência da ilicitude.

Referente à evolução da tipicidade penal, constou em julgamento do Supremo Tribunal Federal:

E M E N T A: EXTRADIÇÃO – PRISÃO CAUTELAR – PLEITO FORMULADO PELA INTERPOL – POSSIBILIDADE – INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI Nº 12.878/2013 – DELITO INFORMÁTICO (CRIME DIGITAL): “INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO” (CP, ART. 154-A, ACRESCIDO PELA LEI Nº 12.737/2012) – FATO DELITUOSO ALEGADAMENTE COMETIDO, EM TERRITÓRIO AMERICANO (ESTADO DO TEXAS), EM 2011 – CONDUTA QUE, NO MOMENTO EM QUE PRATICADA (2011), AINDA NÃO SE REVESTIA DE TIPICIDADE PENAL NO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO – O SIGNIFICADO JURÍDICO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI EM MATÉRIA DE TIPIFICAÇÃO E DE COMINAÇÃO PENAIS (CF, ART. 5º, INCISO XXXIX) – “NULLUM CRIMEN, NULLA POENA SINE PRAEVIA LEGE” – DUPLA TIPICIDADE (OU DUPLA INCRIMINAÇÃO): CRITÉRIO QUE REGE O SISTEMA EXTRADICIONAL – NECESSIDADE DE QUE O FATO SUBJACENTE AO PEDIDO DE EXTRADIÇÃO (OU AO PLEITO DE PRISÃO CAUTELAR PARA EFEITOS EXTRADICIONAIS) ESTEJA SIMULTANEAMENTE TIPIFICADO, NO MOMENTO DE SUA PRÁTICA, TANTO NA LEGISLAÇÃO PENAL DO BRASIL QUANTO NA DO ESTADO ESTRANGEIRO – PRECEDENTES – SITUAÇÃO INOCORRENTE NO CASO, POIS A CONDUTA PUNÍVEL IMPUTADA AO SÚDITO ESTRANGEIRO RECLAMADO SOMENTE PASSOU A SER CONSIDERADA CRIMINOSA, NO BRASIL, EM ABRIL DE 2013 (QUANDO SE ESGOTOU O PERÍODO DE “VACATIO LEGIS” DA LEI Nº 12.737/2012, ART. 4º), POSTERIORMENTE, PORTANTO, À DATA EM QUE FOI ELA ALEGADAMENTE PRATICADA NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO LEGISLATIVO, NO BRASIL, PARA FINS PENAIS, DOS CRIMES INFORMÁTICOS – OCORRÊNCIA, AINDA, NA ESPÉCIE, DE OUTRO OBSTÁCULO JURÍDICO: DELITO INFORMÁTICO (OU CRIME DIGITAL, OU INFRAÇÃO PENAL CIBERNÉTICA) SEQUER PREVISTO NO ARTIGO II DO TRATADO DE EXTRADIÇÃO BRASIL/EUA – ROL EXAUSTIVO, FUNDADO EM “NUMERUS CLAUSUS”, QUE DEFINE, NO CONTEXTO BILATERAL DASRELAÇÕES EXTRADICIONAIS ENTRE BRASIL E EUA, OS CRIMES QUALIFICADOS PELA NOTA DE “EXTRADITABILIDADE” – PRECEDENTES, A ESSE RESPEITO, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE PROCESSAR-SE DEMANDA EXTRADICIONAL FUNDADA EM DELITO ESTRANHO AO ROL TAXATIVO INSCRITO NO ARTIGO II DESSE TRATADO DE EXTRADIÇÃO – NATUREZA JURÍDICA DO TRATADO DE EXTRADIÇÃO (“LEX SPECIALIS”) – PRECEDÊNCIA JURÍDICA, QUANTO À SUA APLICABILIDADE, SOBRE O ORDENAMENTO POSITIVO INTERNO DO BRASIL – “PACTA SUNT SERVANDA” – PRECEDENTES – A INADMISSIBILIDADE DA EXTRADIÇÃO (CAUSA PRINCIPAL) TORNA INVIÁVEL O ATENDIMENTO DO PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA (MEDIDA REVESTIDA DE CAUTELARIDADE E IMPREGNADA DE CARÁTER ANCILAR E MERAMENTE ACESSÓRIO) – QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRISÃO CAUTELAR.[93] (grifo original)

A afirmação aparentemente redundante, utilizada com propriedade por Greco para identificar o homicídio levando-se em consideração a teoria da ratio essendi, – “matar alguém, ilicitamente” – seria não somente desejável, como necessária, haja vista que o ato de matar alguém, desde que acompanhado de uma causa de justificação devidamente estabelecida, não constituirá crime e estará, assim, livre de punição.

Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha leciona sobre a evolução da tipicidade penal:

O fato típico, como já estudado, é o primeiro substrato do conceito analítico de crime. São seus elementos a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade penal. A compreensão acerca da tipicidade penal tem evoluído de acordo com as novas concepções sobre o Direito Penal. A teoria tradicional compreendia a tipicidade sob o aspecto meramente formal. Assim, conceituava-se a tipicidade como a subsunção do fato à norma. Deste modo, aquele que subtraía uma caneta “bic” de uma papelaria praticava conduta típica, ajustando-se seu comportamento à norma estampada no artigo 1 5 5 do Código Penal ( “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel’). Para a doutrina moderna, entretanto, a tipicidade penal engloba tipicidade formal e tipicidade material. A tipicidade penal deixou de ser mera subsunção do fato à norma, abrigando também juízo de valor, consistente na relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. É somente sob essa ótica que se passa a admitir o princípio da insignificância como hipótese de atipicidade (material) da conduta. Assim, no exemplo acima, embora haja tipicidade formal, a conduta do agente que subtraiu a caneta “bic” não representa lesão relevante e intolerável ao bem jurídico tutelado. Eugênio Raul WFARONI, incrementando a concepção moderna desse importante elemento do fato típico, desenvolve a teoria da tipicidade conglobante. Aqui, a tipicidade penal é a soma entre tipicidade formal e tipicidade conglobante, esta composta pela tipicidade material e antinormatividade do ato (ato não determinado ou não incentivado por lei)[94]. (grifo original)

Analisadas as teorias que levaram à evolução da dogmática penal e a importância de bem discernir a tipicidade do ato reconhecidamente ilícito, serão estudados, a partir de agora, os aspectos a que se deve ater o legislador quando da definição dos tipos legais, a definição dos bens jurídicos que deverão ser tutelados e a criação das normas que os protegerão para, ao final, chegar-se à tipicidade conglobante.

3.2 Adequação típica imediata ou direta da tipicidade

Sabe-se que nem toda vez essa “conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal”[95] ocorre direta e perfeita, sem muitos problemas.

Nesses termos, Rogério Sanches refere que:

A adequação típica imediata ou direta, na qual se opera um ajuste entre o fato e a norma penal sem depender de dispositivo complementar. Através de um único dispositivo se alcança a subsunção entre a conduta e o tipo penal. Exemplo: “A” matou “B”. O comportamento de “A” se subsume, com perfeição, ao disposto no artigo 121 do Código Penal (“matar alguém”). Há situações, todavia, em que a subsunção entre o fato e a lei penal incriminadora dependerá de uma norma auxiliar.[96] (grifo original)

Fernando Capez, por sua vez, conceitua adequação típica imediata da seguinte maneira:

Ocorre quando há uma correspondência integral, direta e perfeita entre conduta e tipo legal. Exemplo: “A” desfere 18 golpes de picareta contra a cabeça de “B”, produzindo-lhe, em consequência, a morte. Entre essa conduta e o tipo legal do homicídio (CP, art. 121) há uma perfeita correspondência, e o fato enquadra-se diretamente no modelo descritivo (“A” dolosamente matou alguém, conduta descrita pelo art. 121, caput, do CP). (grifo original)

O Supremo Tribunal Federal, tratando do presente assunto, julgou:

Ainda, omesmo Tribunal Superior lançou o Informativo nº 0381 referendando sobre o assunto, veja-se:

ESTELIONATO TENTADO. INSERÇÃO. DADOS FALSOS. O habeas corpus busca o trancamento da ação penal por falta de justa causa em relação ao crime de estelionato tentado, sob o argumento de que a conduta imputada ao paciente seria atípica, pois a vantagem ilícita seria produto não do ato de ingressar com a petição, mas de fraude anterior não imputada ao paciente, e sua conduta não teria excedido os limites do exercício regular da advocacia. Destacou, ainda, que no sistema penal vigente, defende-se de uma imputação concreta, nunca em tese (ex vi art. 41 do CPP), a imputação que permita adequação típica seja de imediata seja, então, mediata. Entretanto, no caso dos autos, a denúncia não descreve de que forma teria concorrido o paciente para a inserção de dados falsos em sistema de informações, bem como quanto ao crime de estelionato tentado, indicando apenas que o paciente, advogado, teria realizado pedido de restituição e de compensação de tributos que foram indeferidos por se basear em títulos prescritos. Ressaltou o Min. Relator que a denúncia ainda informou que a invalidade dos créditos era notória, por isso, se a conduta fosse típica, tratar-se-ia de crime impossível. Concluiu-se, desse modo, ser flagrante a inépcia da peça acusatória. Ademais, não há, nos autos, elementos suficientes para analisar a alegação de que não haveria justa causa para a persecução penal, porque não há cópia dos documentos referentes à investigação prévia realizada pelo MP e pela Receita Federal, que serviram como base para a denúncia. Diante do exposto, a Turma concedeu, em parte, a ordem quanto à denúncia em relação ao crime de estelionato tentado e concedeu de ofício, também parcialmente, para anular a denúncia em relação ao crime do art. 313-A do CP. HC 107.107-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/12/2008.[98] (grifo original)

Essa adequação típica que se dá por subordinação direta ou imediata não, necessariamente, tem o poder de encerrar grandes problemas da dogmática penal e para quem as interpreta. Manifesta-se, pois ocorre “perfeita adequação entre a conduta do agente e o tipo penal incriminador”[99] .

Desta forma, em resumo, “a adequação direta é aquela em que o tipo penal possui todos os elementos necessários à subsunção do fato, não necessitando do auxílio de outra norma”[100].

Rogério Greco exemplifica a questão:

No homicídio, por exemplo, haverá essa adequação quando houver a morte da vítima. A partir daí, poderemos falar em adequação típica de subordinação imediata, pois que a conduta do agente se amoldou perfeitamente ao tipo previsto no art. 121 do Código Penal. Se neste há descrição da conduta de “matar alguém” e se o agente causou a morte de seu semelhante, seu comportamento se subsume perfeitamente ao modelo abstrato previsto na lei penal (tipo).[101] (grifo original)

Assim, podemos observar a forma de adequação direta/imediata da tipicidade.

3.3 Adequação típica indireta ou mediata da tipicidade

Agora, veremos a adequação típica por subordinação indireta ou mediata, que, diferente da adequação por subordinação direta ou imediata, há no momento em que a conduta não se liga direto ao molde em abstrato que há no tipo.

Rogério Sanches Cunha conceitua que, “nesses casos, estaremos diante da adequação típica mediata ou indireta. O ajuste entre o fato e a norma somente se realiza através da conjugação do tipo penal com uma norma de extensão.”[102]

Essas normas de extensão nada mais são do que dispositivos que auxiliam a tipicidade indireta. As normas de extensão ampliam o alcance do tipo incriminador, servindo na adequação típica mediata.

Rogério Sanches Cunha explica as normas de extensão referindo que:

As normas de extensão, que permitem a subsunção indireta, podem ser: (A) Norma de extensão temporal. A conduta de “tentar matar alguém” somente é punível em razão da norma descrita no artigo 14, li, do Código Penal122• Sem essa norma, lendo o artigo 121 do Estatuto Repressor, a conclusão seria pela atipicidade do comportamento. (B) Norma de extensão pessoal e espacial O artigo 29 do Código Penal123, que dispõe sobre o concurso de essoas, reflete uma norma auxiliar, cuja existência permite a subsunção indireta da conduta do partícipe (que não realiza o núcleo do tipo, mas, de qualquer modo, concorre para o delito). Note-se que aquele que praticar a conduta de “vigiar o local enquanto alguém realiza o crime de homicídio” é um fato, a priori, atípico, porque não se encontra previsto em qualquer norma penal. Contudo, conjugando o artigo 29 com o artigo 121, ambos do Código Penal, é possível realizar a adequação típica, punindo aquele que se limitou a vigiar, como partícipe, permitindo a execução de um homicídio124• (C) Norma de extensão causal lnsculpida no artigo 13, §2°, do Código Penal, a regra estabelece a “relevância da omissão”, tornando-a típica (através da adequação indireta). Se não fosse o dispositivo mencionado, a mãe que deixa de amamentar a sua filha não seria responsabilizada penalmente, porque a sua omissão, de fato, não causou a morte (mas sim a inanição). Graças ao referido dispositivo, por não ter evitado o resultado, é equiparada ao seu causador.[103] (grifo original)

No mesmo sentido, Fernando Capez conceitua adequação típica indireta dizendo que esta “ocorre quando, cotejados o tipo e a conduta, não se verifica entre eles perfeita correspondência, sendo necessário o recurso a uma outra norma que promova a extensão do tipo até alcançar a conduta”[104]. Assim, entende-se que não existe correspondência entre o fato humano doloso ou culposo e qualquer descrição contida em tipo incriminador.

Em seguimento, Rogério Sanches enfatiza ao exemplificar o presente assunto:

Exemplo: “A”, querendo matar “B”, descarrega contra este sua arma de fogo, não o acertando por erro na pontaria. Comparada essa conduta com o tipo do homicídio, verifica-se que inexiste correspondência, pois o modelo descreve “matar alguém”, e a conduta não produziu nenhuma morte. No caso, ocorreu tentativa, e a adequação da conduta ao tipo jamais será imediata, pois sem a consumação não haverá realização integral da figura típica. Com exceção de alguns tipos previstos na Lei de Segurança Nacional, em que a tentativa é descrita como infração consumada (os chamados delitos de atentado), jamais um fato tentado poderá enquadrar-se diretamente em algum tipo.[105] (grifo original)

O interpretador, no momento em que analisará o fato concreto, necessita de socorro em norma diversa, desde que presente no ordenamento jurídico garantindo que o fato percorrido pelo agente se amolde por completo à devida prescrição típica.

Nesse vértice, leciona Bitencort ao afirmar que:

A adequação típica mediata, que constitui exceção, necessita da concorrência de outra norma, secundária, de caráter extensivo, que amplie a abrangência da figura típica. Nesses casos, o fato praticado pelo agente não se adequa direta e imediatamente ao modelo descrito na lei, o que somente acontecerá com o auxílio de outra norma ampliativa, como ocorre, por exemplo, com a tentativa e a participação em sentido estrito.[106]

Sobre esse assunto, referiu em seu julgado o Supremo Tribunal Federal:

Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA. CONTUMÁCIA NA PRÁTICA DE CRIMES DA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DO REDUZIDO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto dainsignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente. 4. Não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica de delito contra a administração em geral (=descaminho), cometido por agente que é costumeiro na prática de crimes da espécie. 5. Ordem denegada.[107] (grifo original)

Dessa forma, nos casos da tentativa e da participação em sentido estrito, ocorre “a necessidade da incidência de uma norma que amplie a abrangência do tipo”[108].

3.4 Tipicidade formal

Para uma análise correta da tipicidade, se faz necessário, também, analisar seu modo formal, que nada mais é o que a adequação do fato a norma.

Rogério Sanches Cunha, em sua obra, refere que:

O fato típico, comojá estudado, é o primeiro substrato do conceito analítico de crime. São seus elementos a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade penal. A compreensão acerca da tipicidade penal tem evoluído de acordo com as novas concepções sobre o Direito Penal. A teoria tradicional compreendia a tipicidade sob o aspecto meramente formal. Assim, conceituava-se a tipicidade como a subsunção do fato à norma. Deste modo, aquele que subtraía uma caneta “bic” de uma papelaria praticava conduta típica, ajustando-se seu comportamento à norma estampada no artigo 155 do Código Penal (“Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel’).[109] (grifo original)

Entretanto, sabe-se que para a doutrina moderna, a tipicidade penal engloba tipicidade formal e tipicidade material. Nesse sentido, o doutrinador Rogério Sanches aduz que “a tipicidade penal deixou de ser mera subsunção do fato à norma, abrigando também juízo de valor, consistente na relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.” [110]

Nesse vértice, Rogério Sanches Cunha ainda revela que:

É somente sob essa ótica que se passa a admitir o princípio da insignificância como hipótese de atipicidade (material) da conduta. Assim, no exemplo acima, embora haja tipicidade formal, a conduta do agente que subtraiu a caneta “bic” não representa lesão relevante e intolerável ao bem jurídico tutelado. Eugênio Raul ZAFARONI, incrementando a concepção moderna desse importante elemento do fato típico, desenvolve a teoria da tipicidade conglobante. Aqui, a tipicidade penal é a soma entre tipicidade formal e tipicidade conglobante, esta composta pela tipicidade material e antinormatividade do ato (ato não determinado ou não incentivado por lei).[111] (grifo original)

Nesse sentido, colaciona-se um julgado do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TENTATIVA DE FURTO DE UMA BATERIA AUTOMOTIVA AVALIADA EM R$100,00 (CEM REAIS). PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE REINCIDENTE. DELITO COMETIDO COM ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. ORDEM DENEGADA. 1. A verificação datipicidade penal não pode ser percebida como o exercício abstrato de adequação do fato concreto à norma jurídica. Além da correspondência formal, para a configuração datipicidade é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias da espécie em exame, no sentido de se concluir sobre a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. Paciente reincidente. Não incidência do princípio da insignificância. 2. A circunstância de ter sido cometido o crime pelo Paciente com rompimento de obstáculo, confirmada nas instâncias antecedentes, também afasta a incidência do princípio da insignificância. 3. Ordem denegada.[112] (grifo original)

Assim, é possível verificar como se dá a tipicidade formal no contexto do direito penal brasileiro, conforme verificado pelo entendimento dos doutrinadores acima expostos, além da verificação em caso concreto com a jurisprudência do Tribunal Superior.

3.5 Tipicidade material

Baseado na análise da antinormatividade da conduta, é necessário verificar, em contexto a esse “duplo juízo” de tipicidade, caso a conduta do agente, além de desrespeitar a normatividade, afetou também o bem jurídico que é objeto de tutela.

Entretanto, não pode ser qualquer afetação correspondente ao bem jurídico que ganha importância no Direito Penal para que justifique a circulação do jus puniendi do Estado. A conduta apresenta um perigo real em frente ao bem jurídico protegido pelo Direito Penal.

Assim, considera Bitencourt quando afirma que:

Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado.[113]

Conforme muito bem expõem o doutrinador Rogério Greco, ao estudar a forma de agir de um motorista de um veículo que, em uma imprudente manobra, acerta a perna de uma pessoa que caminhava pelo local, causando a ela apenas um arranhão.

Fornece-nos um exemplo muito esclarecedor perante a relevância de analisar a tipicidade material no momento em que realizar o juízo da tipicidade em um caso concreto:

Se analisarmos o fato, chegaremos à seguinte conclusão: a conduta foi culposa; houve um resultado; existe um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado; há tipicidade formal, pois existe um tipo penal prevendo esse modelo abstrato de conduta. Ingressando no estudo da tipicidade conglobante, concluiremos, primeiramente, que a conduta praticada é antinormativa, haja vista não ser ela imposta ou fomentada pelo Estado. Contudo, quando iniciarmos o estudo da tipicidade material, verificaremos que, embora a nossa integridade física seja importante a ponto de ser protegida pelo Direito Penal, nem toda e qualquer lesão estará abrangida pelo tipo penal.[114]

Assim, pode-se verificar no caso acima relatado, que não é apenas um arranhão permitirá considerar uma lesão ao bem jurídico, eis que por causa do “conceito de tipicidade material, excluem-se dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais tem aplicação o principio da insignificância”[115].

Por este motivo que o juízo de tipicidade, afora do exame da antinormatividade, deve-se levar a consequência uma estimativa da lesão ou da eficaz ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado.

Não havendo essa lesão ou mesmo ameaça ao bem jurídico tutelado, podemos estar diante do princípio da insignificância, uma excludente da tipicidade material e, logo, deve-se, ocorrendo este caso, absolver o acusado por atipicidade do delito.

Nesses termos, o Supremo Tribunal Federal, no seu glossário jurídico, explica como se dá o referido princípio em casos concretos:

Princípio da Insignificância (crime de bagatela)

Descrição do Verbete: o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (grifo original)

Nesta senda, consoante ensina Paulo Cesar Piva sobre a tipicidade material e a aplicação do princípio da insignificância que “chegamos à indelével ilação de que não basta somente que a conduta se ajuste ao tipo legal, devendo, ainda, causar uma lesão social significativamente relevante para a eficaz caracterização do crime”[116]. O autor ainda finaliza dizendo que “muito embora, sob o ângulo estritamente formal, encontrar-se aquela ação subsumida à figura delitiva que lhe foi direcionada”.[117]

Referindo a tipicidade material, colaciona-se aqui um julgado o Supremo Tribunal Federal em um caso real, para melhor compreensão do tema:

Ementa: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. ATESTADO MÉDICO. EMPREGADO DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. REPROVABILIDADE DACONDUTA. 1. Na linha de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo detipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado daconduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. 2. A falsificação de documento, delito imputado ao paciente, é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange o risco de dano à fé pública, com a circulação de documento inautêntico, exprimindo realidade fictícia, cpaz de ludibriar a confiança de pessoas nele interessadas. 3. No caso, o agravante foi denunciado por alterar informação constante de atestado médico em detrimento da empresa pública com a qual mantinha vínculo, se distanciando dos deveres do cargo que exercia. Nesse contexto, revela-se reprovável a conduta, impossibilitando a incidência do denominado princípio da insignificância. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.[118] (grifo original)

Desta forma, comprovada a afetação legítima e visível do bem jurídico, configura-se a tipicidade material, uma das condições para que seja verificada a tipicidade conglobante da conduta, conforme veremos à frente.

 

4 TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE

Sabe-se que a conduta do agente, em determinados casos, embora possa ser violadora do tipo legal, há a possibilidade de não demonstrar a propriedade da antinormatividade.

Dentro da análise conglobada da ordem jurídica, cominada ou provocada por norma diversa. Ao analisar a antinormatividade, necessita-se prestar a atenção para o fato de que ao modo agir pode afetar de forma real o bem jurídico tutelado pela norma.

Conforme lecionam Zaffaroni e Pierangeli:

Isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa.[119]

Porém, o que poderia se dizer que é a tipicidade conglobante? Quando ela se tornar-se visível? Segundo Rogério Greco:

A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).[120]

Assim, no momento em que se verifica a subsunção do modo de agir do agente ao tipo, faz-se relevante realizar um duplo juízo de tipicidade: primeiramente se constata a tipicidade legal, e, após, constata-se o comparecimento da tipicidade conglobante.

Rogério Sanches Cunha refere em seu livro:

A proposta da teoria da tipicidade conglobante é harmonizar os diversos ramos do Direito, partindo-se da premissa de unidade do ordenamento jurídico. É uma incoerência o Direito Penal estabelecer proibição de comportamento determinado ou incentivado por outro ramo do Direito (isso é desordem jurídica). Dentro desse espírito, para se concluir pela tipicidade penal da conduta causadora de um resultado, é imprescindível verificar não apenas a subsunção formal faro/tipo e a relevância da lesão ou perigo de lesão, mas também se u comportamento é antinormativo, leia-se, não determinado ou incentivado por qualquer ramo do Direito.[121]

Da mesma forma, Fernando Capez explica que “de acordo com essa teoria, o fato típico pressupõe que a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico como um todo, globalmente considerado.”[122] O autor ainda continua dizendo que “quando algum ramo do direito, civil, trabalhista, administrativo, processual ou qualquer outro, permitir o comportamento, o fato será considerado atípico.”[123]

Nessa linha de raciocínio, Fernando Capez revela que:

O direito é um só e deve ser considerado como um todo, um bloco monolítico, não importando sua esfera (a ordem é conglobante). Seria contraditório permitir a prática de uma conduta por considerá-la lícita e, ao mesmo tempo, descrevê-la em um tipo como crime. Ora, como, por exemplo, o direito civil pode permitir e o direito penal definir como crime uma mesma ação, se o ordenamento jurídico é um só. O direito não pode dizer: “pratique boxe, mas os socos que você der estão definidos como crime”. Seria contraditório. Se o fato é permitido expressamente, não pode ser típico. Com isso, o exercício regular do direito deixa de ser causa de exclusão da ilicitude para transformar-se em excludente de tipicidade, pois, se o fato é um direito, não pode estar descrito como infração penal. Se eu tenho o direito de cortar os galhos da árvore do vizinho que invadem meu quintal, de usar o desforço imediato para a defesa da propriedade, se o médico tem o direito de cortar o paciente para fazer a operação, como tais condutas podem estar ao mesmo tempo definidas como crime? Do mesmo modo, o estrito cumprimento do dever legal exclui a tipicidade, pois o que é um dever imposto por lei não pode ser crime definido por essa mesma lei (ordenamento é um só). Somente no caso da legítima defesa e do estado de necessidade é que não se pode falar em exclusão da tipicidade, mas da ilicitude, uma vez que nessas duas hipóteses o fato não é prévia e expressamente autorizado, dependendo da análise das peculiaridades do caso concreto.[124] (grifo original)

Ainda, Fernando Capez continua ao dizer que “para a tipicidade conglobante, somente a conduta expressa e previamente consagrada como um direito ou um dever será sempre atípica, pouco importando a subsunção formal.” [125] O autor, na mesma obra, ainda refere:

Assim, tal teoria parte da correta premissa de que todo fato típico é antinormativo, uma vez que, embora o agente atue de acordo com o que está descrito no tipo (quem mata alguém realiza exatamente a descrição típica “matar alguém”), acaba contrariando a norma, ou seja, o conteúdo do tipo legal (no caso do homicídio, a norma é “não matar”). Norma é todo mandamento de conduta normal, contrariando-a todo aquele que age de maneira anormal. Em nossa sociedade, é anormal matar, furtar, roubar, sequestrar, estuprar e assim por diante. Justamente por essa razão é que a lei descreveu tais condutas como delitos. A violação da norma é, portanto, o próprio conteúdo da conduta típica.[126]  (grifo original)

Para melhor entender a tipicidade conglobante, Fernando Capez leciona dizendo que “a tipicidade, portanto, exige para a ocorrência do fato típico (a) a correspondência formal entre o que está escrito no tipo e o que foi praticado pelo agente no caso concreto (tipicidade legal ou formal)”[127]. Todavia, não é apenas isso, também deve estar presente outro pressuposto para que o fato ocorrido seja típico, qual seja, “(b) que a conduta seja anormal, ou sja, violadora da norma, entendida esta como o ordenamento jurídico como um todo, ou seja, o civil, o administrativo, o trabalhista etc. (tipicidade conglobante)”[128]. O autor refere:

A tipicidade legal consiste apenas no enqua​dramento formal da conduta no tipo, o que é insuficiente para a existência do fato típico. A conglobante exige que a conduta seja anormal perante o ordenamento como um todo. Em suma: tipicidade penal = tipicidade legal (correspondência formal) + tipicidade conglobada (anormalidade da conduta). O nome conglobante decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento penal. Principais defensores desta teoria, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli exemplificam: suponhamos que somos juízes e que é levada a nosso conhecimento a conduta de uma pessoa que, na qualidade de oficial de justiça, recebeu uma ordem, emanada por juiz competente, de penhora e sequestro de um quadro de propriedade de um devedor… e, com todas as formalidades requeridas, efetivamente sequestra a obra, colocando-a à disposição do Juízo. O mais elementar senso comum indica que esta conduta não pode ter qualquer relevância penal, que de modo algum pode ser delito, mas por quê? Receberemos a resposta de que esta conduta enquadra-se nas previsões do art. 23, III, do CP… Para boa parte da doutrina, o oficial teria atuado ao amparo de uma causa de justificação, isto é, faltaria a antijuridicidade da conduta, mas que ela seria típica. Para nós esta resposta é inadmissível, porque tipicidade implica antinormatividade (contrariedade à norma).[129] (grifo original)

Em seguimento, Fernando Capez expõem que “a lógica mais elementar nos diz que o tipo não pode proibir o que o direito ordena.” Em seguida, revela o autor que “isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma não considerada isoldamente e sim conglobada na ordem norma​tiva.” [130]

Em continuação, Fernando Capez infere que:

Entendemos que a teoria da tipicidade conglobante cria confusão, uma vez que, embora não seja este seu intuito, acaba por tangenciar as causas de exclusão da ilicitude, deslocando para o tipo causas como o exercício regular de direito e o estrito cumprimento do dever legal, que são hipóteses de condutas autorizadas pelo ordenamento. Embora concordando que a tipicidade formal (ou legal) não é suficiente, podemos substituir com vantagem a tipicidade conglobante pela exigência de que o fato típico, além da correspondência à descrição legal, tenha conteúdo do crime, fazendo-se incidir os já estudados princípios constitucionais do Direito Penal, a fim de dar conteúdo material ontológico ao tipo penal. Deste modo, se a lesão for insignificante, se não houver lesão ao bem jurídico, se não existir alteridade na ofensa, se não for traída a confiança social depositada no agente, se a atuação punitiva do Estado não for desproporcional ou excessivamente interventiva, dentre outros, o fato será materialmente atípico, sem precisar recorrer à tipicidade conglobante.[131]

Para melhor visualizar a teoria, Zaffaroni e Pierangeli[132] fornecem o exemplo, largamente reproduzido, do oficial de justiça que, por ordem de juiz competente, realiza, com auxílio da força policial, ordem de penhora e sequestro de um quadro, em face da cobrança de um crédito vencido por seu legítimo credor.

Os renomados autores afirmam que o “mais elementar senso comum indica que esta conduta não pode ter qualquer relevância penal”[133], mas lançam um questionamento acerca dos motivos de a conduta não ser considerada crime, e asseveram:

Suponhamos que somos juízes e que é levada a nosso conhecimento a conta de uma pessoa que, na qualidade de oficial de justiça, recebeu uma ordem, emanada por juiz competente, de penhora com sequestro de um quadro, de propriedade de um devedor a quem se executa em processo regular, por seu legítimo credor, para a cobrança de um crédito vencido, e que, em cumprimento desta ordem judicial e das funções que por lei lhe competem, solicita o auxílio da força pública, e, com rodas as formalidades requeridas, efetivamente sequestra a obra, colocando-a à disposição do Juízo. O mais elementar senso comum indica que esta conduta não pode ter qualquer relevância penal, que de modo algum pode ser detido, mas por quê? Receberemos a resposta de que esta conduta enquadra-se nas previsões do art. 23, do CP: Não há crime quando o agente pratica o fato … em estrito cumprimento de dever legal… ‘. É indiscutível que ela aí se enquadra, mas que caráter do delito desaparece quando um sujeito age em cumprimento de um dever? Para boa pane da doutrina, o oficial de justiça teria atuado ao amparo de uma causa de justificação, isto é, que faltaria a antijuridicidade da conduta, mas que ela seria típica. Para nós, esta resposta é inadmissível, porque tipicidade implica antinormatividade (contrariedade à norma) e não podemos admitir que na ordem normativa uma norma ordene o que outra proíbe. ( . . . ) A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas, como acontece no caso exposto do oficial de justiça, que se adequa ao ‘subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel’ (arr. 155, caput, do CP) , mas que não é alcançado pela proibição do ‘não furtarás[134] (grifo original)

O modo de agir do oficial de justiça, ao cumprir uma ordem judicial, ponderada na forma da majoritária doutrina, poderia ser uma conduta típica. Já para Zaffaroni e Pierangeli, não seria algo além de um indiferente penal, de modo que:

Pode ocorrer que o tipo legal pareça incluir estes casos na tipicidade, como sucede com o do oficial de justiça, e no entanto, quando penetramos um pouco mais no alcance da norma que está anteposta ao tipo, nos apercebemos que, interpretada como parte da ordem normativa, a conduta que se adequa ao tipo legal não pode estar proibida, porque a própria ordem normativa a ordena e a incentiva.[135]

Decorrente desse então necessário “duplo juízo” de tipicidade, ao analisar de forma conglobada a conduta do agente, os referidos autores acima referem:

A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas, como acontece no caso exposto do oficial de justiça, que se adequa ao “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (art. 155, caput, do CP), mas que não é alcançada pela proibição do “não furtarás”.[136] (grifo original)

Rogério Greco da mesma forma apresenta um exemplo elucidativo referente a aplicação da tipicidade conglobante, no momento em que refere do carrasco que fuzila o condenado sentenciado a morte.

Ao analisar a atitude do carrasco em virtude do conceito analítico de crime, o qual descreve o crime em fato típico, ilícito e culpável, Rogério Greco descreve:

O fato típico, como já dissemos, é composto pelos seguintes elementos: conduta dolosa ou culposa, resultado, nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e a tipicidade penal (formada pelas tipicidades formal e conglobante). No exemplo fornecido, o carrasco havia dirigido a sua conduta finalisticamente no sentido de causar a morte do condenado, agindo, portanto, com dolo. Houve um resultado – morte do executado. A conduta do carrasco produziu o resultado (nexo de causalidade).[137]

Verificados e afirmados os elementos primários que fazem parte do fato típico, o autor agora analisa a tipicidade da conduta do carrasco:

Agora, teremos de saber se o fato praticado é típico. O primeiro passo, na ordem que foi anunciada, é descobrir se a conduta do carrasco subsume-se a um modelo abstrato previsto pela lei penal, a fim de descobrirmos se, no caso concreto, há tipicidade formal. Em conclusão, diremos que existe formalmente adequação típica da conduta do carrasco em face do art. 121 do Código Penal.[138]

Esse juízo primário da tipicidade não é suficiente, eis que modo de agir precisa de uma análise secundária, a análise da tipicidade conglobante.

Consoante já referido, para caracterizar a tipicidade conglobante deve-se verificar se a conduta é antinormativa, “isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).”[139]

Assim, o autor continua a analisar o problema:

Voltando ao exemplo do carrasco, teríamos de raciocinar da seguinte maneira: existe uma norma contida no art. 121 do Código Penal que diz ser proibido matar. Embora exista essa norma, a proibição nela contida se dirige a todos, até mesmo ao carrasco que tem um dever legal de matar nos casos de pena de morte? A resposta só pode ser negativa. Com isso queremos afirmar que a proibição contida no art. 121 do Código Penal se dirige a todos, à exceção daqueles que têm o dever de matar. No confronto entre a proibição (norma contida no art. 121 do CP) e uma imposição (norma que determina que o carrasco execute a sentença de morte) devemos concluir que a proibição de matar, nos casos em que a lei prevê, não se dirige ao carrasco.[140]

Desta forma, o autor finaliza que a referida conduta do carrasco:

Não seria antinormativa, contrária à norma, mas, sim, de acordo, imposta pela norma. Resolve-se, portanto, o problema da antinomia, conforme proposto por Bobbio, pois se “antinomia significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e, com referência a um sistema de normas, o encontro de duas normas que não podem ser ambas aplicadas, a eliminação do inconveniente não poderá consistir em outra coisa senão na eliminação de uma das duas normas.[141] (grifo original)

Destarte, Rogério Greco refere que com o “conceito de antinormatividade esvazia-se um pouco as causas de exclusão da ilicitude nos casos especificamente de estrito cumprimento de dever legal”[142] , considerado que nessa proposição há uma injunção, imposta pela lei, de modo que o carrasco efetive a morte do condenado.

Em análise de casos concretos, o Supremo Tribunal Federal já citou a teoria aqui demonstrada, tipicidade conglobante, conforme julgados a seguir expostos:

Ementa: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. ATESTADO MÉDICO. EMPREGADO DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. 1. Na linha de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. 2. A falsificação de documento, delito imputado ao paciente, é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange o risco de dano à fé pública, com a circulação de documento inautêntico, exprimindo realidade fictícia, capaz de ludibria a confiança de pessoas nele interessadas. 3. No caso, o agravante foi denunciado por alterar informação constante de atestado médico em detrimento da empresa pública com a qual mantinha vínculo, se distanciando dos deveres do cargo que exercia. Nesse contexto, revela-se reprovável a conduta, impossibilitando a incidência do denominado princípio da insignificância. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.[143] (grifo original)

Nesse julgado, é possível visualizar que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de verificação da tipicidade conglobante; no presente caso, inerente a aplicação do princípio da insignificância.

No mesmo alinhamento, jugou:

Ementa: PENAL. PRINCÍPO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente.[144] (grifo original)

Neste julgado, da mesma forma que o antecedente, o Supremo Tribunal Federal, analisando a aplicação do princípio da insignificância, como já demonstrado é uma excludente da tipicidade material, demonstrou que para aplica-lo, deve-se analisar a tipicidade de uma forma conglobante.

O Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, também julgou o assunto aqui levantado, vejamos seu posicionamento:

 

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ATIVIDADE CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. BAIXA POTÊNCIA DO EQUIPAMENTO. IRRELEVÂNCIA. CRIME FORMAL DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA LESIVIDADE DA CONDUTA. INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O pedido eventual de desclassificação do crime do art. 183 da Lei n. 9.472/1997 para o do art. 70 da Lei n. 4.711/1962 não pode ser conhecido, porquanto não foram objeto de análise no acórdão que apreciou o habeas corpus no Tribunal a quo. Nesse passo, a apreciação da questão em tela implicaria indevida supressão de instância, com a consequente ampliação inconstitucional da competência recursal ordinária desta Corte (CF, art. 105, inc. II). 2. A aferição da insignificância é requisito negativo da tipicidade conglobante, pois ultrapassa o juízo subsuntivo típico formal e adentra na seara da análise do desvalor da conduta e do resultado em sentido amplo. Com vistas à aferição dos vetores interpretativos da insignificância sugeridos pelo STF, inarredável considerar a espiritualização do bem jurídico protegido nos crimes de exploração irregular ou clandestina de radiodifusão (segurança dos meios de comunicação) e sua relevância para a incolumidade de outros bens jurídicos. Classifica-se, portanto, o crime em tela como formal e de perigo abstrato, pelo que dispensa a comprovação de qualquer dano (resultado) ou do perigo, presumindo-se este absolutamente pela lei. 3. A instalação e utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, ou de forma clandestina, sem a observância dos padrões técnicos estabelecidos em normas nacionais, por si só, inviabilizam o controle do espectro radioelétrico e podem causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (polícia, ambulâncias, bombeiros, navegação aérea, embarcações, bem como receptores domésticos – TVs e rádios – adjacentes à emissora), pelo aparecimento de frequências espúrias. Por conseguinte, além de presumida a ofensividade da conduta por lei, inquestionável alta periculosidade social da ação. 4. Ademais, corolário da natureza de crime formal e de perigo abstrato é a irrelevância de ser rádio de baixa frequência, haja vista que a instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização do órgão regulador (ANATEL), já é suficiente para comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações, sendo imprescindível a autorização governamental para o funcionamento. 5. Recurso conhcido parcialmente e, nessa parte, negado provimento.[145] (grifo original)

Neste caso, por sua vez, o Tribunal Superior entendeu que a aferição da insignificância é requisito negativo da tipicidade conglobante, pois ultrapassa o juízo subsuntivo típico formal e adentra na seara da análise do desvalor da conduta e do resultado em sentido amplo.

O Superior Tribunal de Justiça, ao expor o informativo jurisprudencial nº 0570, referente a tipicidade da conduta de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido com registro vencido, referiu a tipicidade conglobante, conforme teor abaixo colacionado:

A conduta do agente de possuir, no interior de sua residência, armas de fogo e munições de uso permitido com os respectivos registros vencidos pode configurar o crime previsto no art. 12 do Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). De fato, o cidadão, para ser autorizado a adquirir arma de fogo de uso permitido, deverá preencher os requisitos previstos nos incisos I, II e III do art. 4° da Lei 10.826/2003, quais sejam: a) comprovação de idoneidade, com apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; b) apresentação de documentos comprobatórios de ocupação lícita e de residência certa; e c) capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio do artefato. Ademais, mesmo que previamente autorizado a adquirir, somente poderá manter a posse de arma de fogo de uso permitido mediante certificado de registro federal, documento temporário, que deve ser renovado por meio da comprovação periódica dos mesmos requisitos mencionados. Nesse contexto, estabelece o art. 12 do Estatuto do Desarmamento ser proibido possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa. Contudo, a temática referente à tipicidade na hipótese de registro expirado é controvertida nesta Corte. No julgamento do HC 294.078-SP, DJe 4/9/2014, a Quinta Turma decidiu que possuir arma de fogo com registro vencido não é crime, mas apenas infração administrativa. No entanto, a compreensão deve ser dada de modo diverso. Isso porque, ao editar a Lei 10.826/2003, o legislador se interessou, expressamente, pela incolumidade pública – complexo de condições necessárias para a segurança e integridade pessoal dos indivíduos – e valorou tal interesse em uma norma (na hipótese, não possuir, de forma irregular, arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido), tutelada pelo tipo penal previsto no art. 12 do Estatuto do Desarmamento. Não há controvérsia, assim, sobre a tipicidade formal da conduta em análise. Porém não se pode concluir, no incipiente momento do oferecimento da denúncia, que possuir arma de fogo com certificado federal vencido não é materialmente típico, a ponto de afastar o alcance do art. 12 do Estatuto do Desarmamento. A conduta delineada, além de formalmente típica, é antinormativa. Nesse passo, há doutrina afirmando que o juízo de tipicidade não é um mero juízo detipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. Posto isso, quando o proprietário de arma de fogo deixa de demonstrar que ainda detém, entre outros requisitos, aptidão psicológica e idoneidade moral para continuar a possuir o armamento, representa, em tese, um risco para a incolumidade pública, de modo que a lei penal não pode ser indiferente a essa situação. Assim, sem investigar as peculiaridades de cada caso, é temerário afirmar, de forma automática e categórica, que não é crime possuir arma de fogo com registro expirado, máxime ante a finalidade do Estatuto do Desarmamento e porque não existe previsão de penalidade administrativa para tal conduta, não podendo a questão ser resolvida na seara administrativa. A Administração, ao contrário dos particulares, nada pode fazer senão o que a lei determina. Assim, a subsistir o entendimento de que tal conduta é materialmente atípica, os agentes públicos nem sequer poderiam adentrar na residência do particular para reaver as armas de fogo com registro vencido ou compeli-lo, por exemplo, a pagar multa. Sob diversa angulação, não é possível a aplicação, à hipótese, do princípio da adequação social, vetor geral de hermenêutica, segundo o qual, dada a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal, não se pode reputar como criminosa uma ação ou omissão aceita e tolerada pela sociedade, ainda que formalmente subsumida a um tipo legal incriminador. Sem embargo de opiniões contrárias, possuir diversas armas de fogo e munições, de uso permitido, com certificados vencidos não é uma conduta socialmente tolerável e adequada no plano ético. Já sob a ótica do princípio da lesividade, tem-se, aqui, que o perigo à incolumidade pública é idêntico àquele ocasionado pelo agente que possui arma de fogo ou somente munições sem certificado. Em função dos próprios objetivos da Lei do Desarmamento, o postulado da insignificância deve ser aferido caso a caso, de forma excepcional, para verificar a presença dos vetores já assinalados pelo STF, tais como a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. O STJ, antes do referido precedente da Quinta Turma, já havia decidido, por meio de sua Corte Especial, que “Considera-se incurso no art. 12 da Lei n. 10.826/2003 aquele que possui arma de fogo de uso permitido com registro expirado, ou seja, em desacordo com determinação legal e regulamentar” (APn 686-AP, DJe 5/3/2014). Por todo o exposto, o precedente da Corte Especial deve orientar o entendimento do Superior Tribunal sobre a matéria, sem prejuízo de que o aplicador do direito, caso a caso, utilize vetores gerais de hermenêutica para restringir o teor literal do tipo penal que, em situações peculiares, pode alcançar condutas socialmente admissíveis ou penalmente insignificantes. RHC 60.611-DF, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 15/9/2015, DJe 5/10/2015.[146] (grifo original)

Neste informativo jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça analisou o porte ilegal de arma, previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/03, referindo que não há controvérsia sobre a tipicidade formal da conduta, mas sim, sobre a tipicidade material.

Aduziram no presente informativo que há doutrina afirmando que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa.

Posto isso, quando o proprietário de arma de fogo deixa de demonstrar que ainda detém, entre outros requisitos, aptidão psicológica e idoneidade moral para continuar a possuir o armamento, representa, em tese, um risco para a incolumidade pública.

Em seguimento ao entendimento de tribunais, colaciona-se agora o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quanto à tipicidade conglobante, veja-se alguns julgados:

Ementa: APELAÇÃO-CRIME. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. AUTO DE APREENSÃO. FORMALIDADES LEGAIS. ARTIGOS 530-C E 530-D DO CPP. INOBSERVÂNCIA. MERA IRREGULARIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. TEORIA DA TIPICIDADECONGLOBANTE. INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. APELO IMPROVIDO. Tratando-se de violação de direitos autorais, a lavratura do auto de apreensão sem observância dos preceitos legais constitui mera irregularidade. Precedentes do STJ. A teoria da tipicidade conglobante não se amolda à espécie. Violação de direito autoral não se trata de conduta aparentemente proibida, mas sim vedada pela norma penal, inexistindo qualquer norma no ordenamento jurídico que autorize tal comportamento. A existência de outras pessoas nesta atividade ilícita – comercialização de CD S e DVD S “piratas” – e a ineficiência da fiscalização do Estado não justifica o agir do apelante, nem afasta a tipicidade do crime do artigo 184, § 2º, do Código Penal. Comprovado que o réu estava vendendo, com intuito de lucro, CDs e DVDs reproduzidos com violação de direito autoral, impositiva a manutenção da condenação por incurso no art. 184, § 2º do Código Penal. Apelo improvido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70053777173, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 30/04/2015) (grifo original)

Nesta jurisprudência, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que nos casos de violação aos direitos autorais, não é possível a utilização da tipicidade conglobante, por entender não se amoldar na espécie a valoração da tipicidade material de forma conglobante.

Ementa: APELAÇÃO CRIME. FURTO. INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVANTE. FRAÇÃO DE AUMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL. PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1 – A bagatela está ligada à tipicidade material (incluída no tipo conglobante), que além de se preocupar com os bens jurídicos mais relevantes (em atenção à intervenção mínima e fragmentariedade do direito penal), analisa a própria extensão desta lesão no bem atacado (patrimônio, no caso). Assim, se o valor do bem é superior à metade do salário mínimo à época do fato, não se cogita da aplicação do princípio da insignificância, porque certamente a conduta provoca lesão significativa no patrimônio da maioria esmagadora da população, da qual não há como excluir a vítima. De mais a mais, o fato de a res furtiva ter sido recuperada não interfere no juízo de tipicidade material da conduta, que é guiado pelo dolo do agente. 2 – Levando em conta o menor percentual de aumento de pena da terceira fase da dosimetria da pena – que é de um 1/6 – a jurisprudência traça um norte na segunda fase para valoração das agravantes, qual seja, o aumento não pode superar o limite de 1/6. 3 – Em havendo pedido do Ministério Público – atuante nesta instância -, no sentido de que seja substituída a pena corporal dos acusados, esvaziada a controvérsia neste particular. De ressaltar que o Procurador de Justiça é quem detém atribuição para atuar junto aos Tribunais perante as Câmaras, nos termos do artigo 29, I, “a” e artigo 31, respectivamente, da Lei Orgânica Estadual e Nacional do Ministério Público, de sorte que o pedido por ele deduzido é o que deve ser considerado nos julgamentos dos recursos. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70057794299, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 29/01/2014) (grifo original)

No presente julgado do Tribunal de Justiça gaúcho, é analisado o princípio da insignificância (bagatela), referindo que ao analisa-lo, deve-se considerar que está estritamente ligado à tipicidade material, devendo ser apreciada no seu aspecto conglobante (tipicidade material + antinormatividade).

Greco, ao falar do tema, socorre aos preceitos de Zaffaroni e Pierangeli, e refere o modelo do médico que interfere no doente com a finalidade terapêutica, onde, embora “machuque” seu paciente, possui sua atividade excitada pelo Estado. O autor com um exemplo esclarecedor:

Agora, se o profissional da medicina atua com a finalidade de executar uma cirurgia estética, a sua atividade já não mais seria considerada fomentada pelo Estado, mas somente permitida, tolerada, razão pela qual, neste último caso, embora típica a sua conduta, não seria ilícita, em virtude da ocorrência da causa de justificação prevista na segunda parte do inciso III do art. 23 do Código Penal, vale dizer, o exercício regular do direito.[147]

Referiu-se até o momento, das formas de agir que são emanadas das leis, porém há vezes em que condutas são excitadas pelo Estado, como o exemplo do agir do médico o qual interfere no paciente com o fim terapêutico.

Novamente, Rogrio Greco assevera que:

Além dos casos em que houver determinação legal para a prática de certas condutas nas quais, formalmente, haveria adequação típica, podem ocorrer hipóteses em que a lei, embora não impondo, fomente certas atividades. Podemos citar, também na esteira de Zaffaroni e Pierangeli, o caso do médico que intervém no paciente com finalidade terapêutica, curativa. Nesse caso, segundo os renomados autores, também não se poderia qualificar a conduta de antinormativa, visto ser essa atividade, ou seja, o exercício da medicina terapêutica, fomentada pelo Estado. Se o médico realizasse uma intervenção cirúrgica com a finalidade de salvar a vida do paciente, sua conduta seria atípica, pois não seria contrária à norma (antinormativa), mas, sim, por ela fomentada.[148]

Desta forma, resta induvidoso que nem sempre há atipicidade conglobante em decorrência de uma norma diferente devido a certo modo de agir do agente em análise. Pode ocorrer determinada situação onde a atipicidade conglobante fica conformada em decorrência de uma norma diversa, a qual excita o agir analisado.

 

5 CONCLUSÃO

Por fim, conclui-se que o modo de garantir que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana não sejam desrespeitados é através da limitação das normas penais, aplicando-as apenas em casos onde ocorra efetiva lesão ou risco concreto de lesão aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, em zeloso respeito aos princípios gerais do direito.

Neste intento, analisou-se, no presente trabalho, que é necessário que a aplicação do Direito Penal realize-se observando, sempre, o conjunto dos princípios constitucionais norteadores do direito e, da mesma forma, com a importância pertencente a ele em um Estado Democrático de Direito, qual seja, a garantia dos bens jurídicos importantes à convivência social pacífica.

Ainda, verificou-se que é necessária e fundamental essa função garantista, de modo que orienta os indivíduos em relação aos comportamentos que podem ser considerados aceitáveis ou lícitos, também servirá como garantia destes mesmos indivíduos em desfavor do voluntarismo dos agentes que dirigem o Estado, fazendo limitar a sua função de punir no interior da legislação anteriormente estabelecida.

Nesse sentido, olvidou-se que o modo de garantir que os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana não sejam desrespeitados é através da limitação das normas penais, aplicando-as apenas em casos onde ocorra efetiva lesão ou risco concreto de lesão aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, em zeloso respeito aos princípios gerais do direito.

Pode-se analisar que, associado ao entendimento de tipo penal, está conceituado a tipicidade penal, um dos requisitos do fato típico. No momento em que a conduta do indivíduo atrela-se ao descrito como fato criminoso no tipo penal, surge a necessidade de análise da tipicidade legal.

Por este entendimento, observa-se que a relevância da conformação dos atos de passível punição no interior de um diploma legal que seja conhecido por todos, de modo a garantir que o Estado não irá ultrapassar o limite de seu poder utilizando para isso formas das quais a sociedade não teria condições de se defender, em face da desigualdade de força de um contra o outro.

Assim, no momento em que se verifica a subsunção do modo de agir do agente ao tipo, se faz relevante realizar um duplo juízo de tipicidade: primeiramente se constata a tipicidade legal, e, após, se constata o comparecimento da tipicidade conglobante.

No presente intento, cumpre ressaltar que esta necessária e fundamental função garantista, de modo que orienta os indivíduos em relação aos comportamentos que podem ser considerados aceitáveis ou lícitos, também servirá como garantia destes mesmos indivíduos em desfavor do voluntarismo dos agentes que dirigem o Estado, fazendo limitar a sua função de punir no interior da legislação anteriormente estabelecida.

Nesse sentido, verificou-se a importância da norma penalisadora na sociedade em geral e o tipo penal no direito penal brasileiro, observando-se o entendimento doutrinário sobre o assunto e o entendimento de tribunais superiores, analisados nos casos reais.

Assim, é evidente, em suma, que submeter determinada conduta ao tipo penal exposto na legislação não autoriza a aplicabilidade do Direito Penal. Este tem o dever de tão somente aplicar-se em decorrência de condutas realmente lesivas à sociedade.

Ainda, revelou-se que a tipicidade penal é um dos elementos do tipo penal e de relevante importância sua análise aos delitos cometidos, uma vez que sua ausência pode gerar a absolvição do agente investigado ou acusado.

Nesse vértice, um dos modos de assegurar esta efetiva e necessária utilização dos mecanismos penais é verificar o que é o crime também na ótica da tipicidade, fazendo como sua condição de existir a efetiva lesão, ou risco concreto deste, aos bens jurídicos protegidos pela legislação penal.

Do mesmo modo, associado ao entendimento de tipo penal, pode-se conceituar a tipicidade penal, um dos requisitos do fato típico. No momento em que a conduta do indivíduo atrela-se ao descrito como fato criminoso no tipo penal, surge a necessidade de análise da tipicidade legal.

Em continuação, verificou-se que a tipicidade, frise-se, primeira parte essencial do crime, pode ser dividida em conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade. Dos três primeiros não nos ocuparemos neste trabalho, onde o objetivo é trazer a luz a ideia da tipicidade conglobante.

Por fim, verificou-se o assunto centra do presenta trabalho, a teoria da tipicidade conglobante, observando-se principalmente o entendimento dos seus principais difusores, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli, sendo possível, também, verificar a visão de outros doutrinadores, além do entendimento dos tribunais superiores e do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, verificou-se que dentro da ideia de tipicidade conglobante, a tipicidade penal seria a conjugação da tipicidade formal e da tipicidade conglobante, que, por sua vez, seria constituída de tipicidade material e antinormatividade.

A teoria da tipicidade conglobante, basicamente, entende que o Estado não pode considerar como típica uma conduta que é fomentada ou tolerada pelo Estado. Em outras palavras, o que é permitido, fomentado ou determinado por uma norma não pode estar proibido por outra.

O presente trabalho baseou-se em estudo bibliográfico, com a utilização de diversas obras relativas ao tema abordado, legislações específicas, bem como artigos científicos.

O método de abordagem para aplicação do tema foi o hermenêutico, consistente na leitura, interpretação e contextualização do mesmo, com base nos entendimentos de variados autores acerca da matéria, desenvolvendo-se o presente trabalho de forma coerente e em consonância com o material utilizado e legislação então vigente.

 

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[1] GRECO, Rogéri. Curso de direito penal: parte geral. 16. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro (RJ): Impetus, 2012. p. 19.

[2] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016

[3] BRASIL Supremo Tribunal Federal. Acórdão no HC 111666 / MG – MINAS GERAIS. HABEAS CORPUS. Relator(a):  Min. LUIZ FUX. Julgamento:  08/05/2012. Órgão Julgador:  Primeira Turma.  Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ius+puniendi%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/q2vm7jb. Acessado em 21-03-2013.

[4] CALLEARI, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 97.

[5] CAPEZ. Ob. cit.

[6] CAPEZ. Ob. cit.

[7] CAPEZ,Fernando . Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial . 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[8] CAPEZ. Ob. cit.

[9] CAPEZ. Ob. cit.

[10] CAPEZ. Ob. cit.

[11] CAPEZ. Ob. Cit.

[12] CAPEZ. Ob. cit.

[13] CAPEZ. Ob. cit.

[14] CAPEZ. Ob. cit.

[15] CAPEZ. Ob. cit.

[16] CAPEZ. Ob. cit.

[17] CAPEZ. Ob. cit.

[18] BRASIL. Superior Tribunal Federal. RHC 63048 / PR RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2015/0207127-8. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 10/12/2015. Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=limita%E7%E3o+da+fun%E7%E3o+de+punir+do+estado&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO.

[19] CAPEZ. Ob. cit.

[20] CAPEZ. Ob. cit.

[21] CAPEZ. Ob. cit.

[22] CAPEZ. Ob. cit.

[23] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional 73. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm >. Acesso em 22. set.. 2015.

[24] BRASIL. Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

[25] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016

[26] Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm

[27] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 14. ed. São Paulo (SP): Saraiva, 2009. p. 11

[28] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1. a 120 do CP). 13. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro (RJ): Impetus, 2011. p. 155.

[29] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016

[30] CALLEGARI, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. P. 95.

[31] CAPEZ,Fernando . Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial . 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

[32] JESUS, Damasio E. de. Direito penal. 29. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Saraiva, 2008. p. 259.

[33] SANCHES CUNHA. Op. cit.

[34] CAPEZ. Op. cit.

[35] CAPEZ. Op. cit.

[36] CAPEZ. Op. cit.

[37] SANCHES CUNHA. Op. cit.

[38] CAPEZ. Op. cit.

[39] SANCHES CUNHA. Op. cit.

[40] CAPEZ. Op. cit.

[41] CAPEZ. Ob. cit.

[42] CAPEZ. Ob. cit.

[43] CAPEZ. Ob. cit.

[44] CAPEZ. Ob. cit.

[45] CAPEZ. Ob. cit.

[46] CAPEZ. Ob. cit.

[47] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016

[48] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[49] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[50] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[51] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[52] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[53] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[54] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[55] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[56] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[57] CAPEZ. Ob. cit.

[58] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[59] CAPEZ. Ob. cit.

[60] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ext 1418 / DF – DISTRITO FEDERAL. EXTRADIÇÃO. Relator(a):  Min. LUIZ FUX. Julgamento:  29/03/2016. Órgão Julgador:  Primeira Turma. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28tipo+penal+conduta%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/h7ro2k2

[61] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016.

[62] CAPEZ,Fernando . Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial . 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[63] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 114315 / RS – RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI. Julgamento:  15/09/2015. Órgão Julgador:  Segunda Turma. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28elemento+do+tipo+penal+resultado%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/julr23t

[64] BRASIL. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

[65] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016.

[66] SANCHES CUNHA. Ob. Cit.

[67] SANCHES CUNHA. Ob. Cit.

[68] SANCHES CUNHA. Ob. Cit.

[69] Art. 19 – Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.

[70] BRASIL. Código Penal. Loc. cit.

[71] SANCHES CUNHA. Ob. cit.

[72] SANCHES CUNHA. Ob. cit.

[73] BRASIL. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

[74] CALLEGARI, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 95.

[75] BRASIL. Superior Tribunal Federal. RE 640139 RG / DF – DISTRITO FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento: 22/09/2011  . Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28tipicidade+penal%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/ljmq774.

[76] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016.

[77] BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

[78] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[79] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[80] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[81] BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição. 5. ed. São Paulo (SP): Saraiva, 2010. p. 26.

[82] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[83] BITENCOURT. Ob. Cit., p. 216.

[84] BITENCOURT, Ob. cit., p. 19

[85] JESUS, Damasio E. de (Damasio Evangelista de). Direito penal. 29. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Saraiva, 2008. p. 260.

[86] BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição. 5. ed. São Paulo (SP): Saraiva, 2010. p. 19-20

[87] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011.

[88] JESUS, Damasio E. de (Damasio Evangelista de). Direito penal. 29. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Saraiva, 2008. p. 264.

[89] JESUS, Ob. cit., p. 264.

[90] BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 232.

[91] ZAFFARONI, Ob. Cit., p. 387.

[92] Ibidem, p. 388.

[93] BRASIL. Superior Tribunal Federal. PPE 732 QO / DF – DISTRITO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM NA PRISÃO PREVENTIVA PARA EXTRADIÇÃO. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO. Julgamento:  11/11/2014. Órgão Julgador:  Segunda Turma. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28evolu%E7%E3o+da+tipicidade+penal%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/zekyrpq.

[94] SANCHES CUNHA. Ob. cit.

[95] BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 142.

[96] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016

[97] BRASIL. Superior Tribunal Federal. Inq 3108 / BA – BAHIA , INQUÉRITO, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento:  15/12/2011, Órgão Julgador:  Tribunal Pleno. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28adequa%E7%E3o+t%EDpica+imediata%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/jcor944.

[98]BRASIL. Superior Tribunal Federal. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=adequa%E7%E3o+t%EDpica+imediata&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO.

[99] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1. a 120 do CP). 13. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro (RJ): Impetus, 2011. p. 160.

[100] CALLEGARI, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 99.

[101] GRECO, Rogério, op. cit., p. 160.

[102] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[103] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[104] CAPEZ. Ob. cit.

[105] CAPEZ,Ob. Cit.

[106] BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição. 5. ed. São Paulo (SP): Saraiva, 2010. p. 27.

[107] BRASIL. Superior Tribunal Federal. HC 120662 / RS – RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI. Julgamento:  24/06/2014. Órgão Julgador:  Segunda Turma. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28adequa%E7%E3o+t%EDpica+da+tipicidade%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/zj4e48w.

[108] CALLEGARI, André Luís. Teoria geral do delito e da imputação objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 99-100.

[109] SANCHES CUNHA, Ob. cit.

[110] SANCHES CUNHA. Ob. cit.

[111] SANCHES CUNHA .Ob. cit.

[112] BRASIL. Superior Tribunal Federal. HC 131618 / MS – MATO GROSSO DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento:  15/12/2015.  Órgão Julgador:  Segunda Turma. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28tipicidade+formal%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/nvord9r.

[113] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 14. ed. São Paulo (SP): Saraiva, 2009. p. 22.

[114] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1. a 120 do CP). 13. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro (RJ): Impetus, 2011. p. 159-160.

[115] GRECO. Ob. Cit., p. 160.

[116] Piva, Paulo Cesar (2000), “Princípio de insignificância – excludente de ilicitude e tipicidade penal”. Revista Jurídica, 275, p. 62

[117] Piva, Paulo Cesar Ob. cit., p. 62

[118] BRASIL. Superior Tribunal Federal. Ext 1396 / DF – DISTRITO FEDERAL. EXTRADIÇÃO Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO Julgamento:  27/10/2015. Órgão Julgador:  Primeira Turma. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28tipicidade+material+princ%EDpio+da+insignific%E2ncia%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mj2m2e5.

[119] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011. p. 400.

[120] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1. a 120 do CP). 13. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro (RJ): Impetus, 2011. p. 157.

[121] SANCHES CUNHA, ROGÉRIO, Manual De Direito Penal – Parte Geral – Arts. 1º Ao 120 – Vol. Único – 4ª Ed. 2016

[122] CAPEZ. Ob. cit.

[123] CAPEZ. Ob. cit.

[124] CAPEZ. Ob. cit..

[125] CAPEZ. Ob. cit.

[126] CAPEZ. Ob. cit.

[127] CAPEZ. Ob. cit.

[128] CAPEZ. Ob. cit.

[129] CAPEZ, Fernando . Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial . 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[130] CAPEZ. Ob. cit.

[131] CAPEZ. Ob. cit.

[132] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, op. cit., p. 399-401.

[133] ZAFFARONI. Op. cit., p. 399.

[134] Op. cit., p. 401

[135] Op. cit., p. 400.

[136] Op. Cit., p. 402.

[137] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1. a 120 do CP). 13. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro (RJ): Impetus, 2011. p. 157

[138] GRECO. Ob. cit., p. 157

[139] Ibidem, p. 158.

[140] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1. a 120 do CP). 13. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro (RJ): Impetus, 2011. p. 158.

[141] GRECO, loc. cit.

[142] Ibidem, p. 159.

[143] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 133226 AgR / SP – SÃO PAULO. AG.REG. NO HABEAS CORPUS. Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI. Julgamento:  29/03/2016. Órgão Julgador:  Segunda Turma. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28tipicidade+conglobante%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/o4zkq77

[144] Loc. Cit. HC 123108 / MG – MINAS GERAIS. HABEAS CORPUS. Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO. Julgamento:  03/08/2015. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

[145] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 46435 / RR. RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS. 2014/0062734-0. Ministro RIBEIRO DANTAS. QUINTA TURMA. DJe 21/10/2015. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=tipicidade+conglobante&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2

[146] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 0570. Sexta Turma. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=tipicidade+conglobante&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO

[147] GRECO, loc. cit.

[148] Ob. cit., p. 159.

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