Resumo: A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287 de 2016, a qual visa a Reforma da Previdência no Brasil, traz novas diretrizes sobre a legislação vigente. Dentre as mudanças propostas no texto original da aludida proposta está a inclusão do critério de idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para o direito à aposentadoria de homens e mulheres. Sustenta o governo que o Brasil precisa se adequar aos critérios internacionais que adotam a idade mínima para a aposentadoria, bem como que a mesma idade estabelecida para ambos os gêneros se justifica em razão do aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e a tendência de que, em um futuro próximo, elas alcancem as mesmas condições e remunerações de trabalho dos homens. Entretanto, os argumentos não se sustentam, eis que os países pelos quais se baseiam o Governo para justificar o aumento da idade mínima, possuem expectativa de vida e realidade social muito maiores que a do Brasil. Ademais, o Brasil possui uma larga diferença de expectativa de vida se comparadas as regiões que compõe o mesmo território nacional. Assim, incluir idade mínima como critério para a aposentadoria implicará enormes prejuízos aos cidadãos que vivem em regiões menos desenvolvidas e com expectativa de vida inferior. Por fim, há uma crítica ao mesmo critério de idade para homens e mulheres contido na PEC 287, considerando as manifestas desigualdades/discriminações presentes, especialmente no âmbito do trabalho, que vulnerabilizam as mulheres e as colocam em condições de desigualdade em relação aos homens.[1]
Palavras-chave: Reforma da Previdência; PEC 287/16; Critério de idade mínima para aposentadoria; Violações aos Princípios Constitucionais.
Abstract: The Proposal for Amendment to the Constitution (PEC) number 287 of 2016, which aims at the welfare reform in Brazil, brings new guidelines on the current legislation. Among the changes proposed in the original text of the aforementioned proposal, there is the inclusion of the standard of minimum 65 (sixty-five) years old for the right to the retirement of men and women. The government stand up that Brazil needs to adapt to the international discretion that adopt the minimum age for the retirement, as well as that the same age established for both genders justified by the increased participation of women in the job market and they will achieve soon the same conditions and remuneration of men. However, the arguments do not hold, the countries by which are based the Government to justify the increase of the minimum age, it has life expectancy and social reality much larger than Brazil. Moreover, Brazil has a wide difference in life expectancy when compared to the regions that belongs the same territory. So, Include the minimum age as criterion for the retirement will not result in wide loss for the citizens who live in regions less developed and moderns, and with lower life expectancy. Finally, there is a criticism for the same criterion of the age for men and women by the PEC 287 Taking into consideration the clear inequalities / discrimination present, especially in the job market, that make women vulnerable and let them in a position to inequality comparing to men.
Keywords: Welfare reform; PEC 287/16; Criterion of the minimum age to retirement; noncompliance of the constitutional principles.
Sumário: 1. Introdução. 2. Justificativas utilizadas pelo governo federal para o aumento da idade mínima da aposentadoria. 3. Crítica à comparação da idade mínima do Brasil com outros países. 4. Expectativa de vida do brasileiro (evolução e diferenças). 5. Crítica ao mesmo critério de idade para homens e mulheres. 6. O aumento da idade mínima e sua violação ao princípio da vedação ao retrocesso social. 7. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional no ano de 2016, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de número 287, visando a reforma da Previdência Social no Brasil, em especial no RGPS (Regime Geral de Previdência Social).
Esse trabalho tem como objetivo a análise específica quanto à fixação de idade mínima para o benefício de aposentadoria contida no art. 201, § 7º da PEC 287/26. Vale salientar que, inicialmente, foi proposta uma idade única de 65 (sessenta e cinco) anos para homens e mulheres, porém, após discussões e pressões políticas, foi apresentada uma nova versão para a idade mínima da aposentadoria, sendo de 65 (sessenta e cinco) anos para homens e 62 (sessenta e dois) anos para as mulheres, contudo, nova proposta ainda está pendente de votação pelas casas legislativas.
Dentro dessa análise, o principal ponto e crítica levantada é a comparação da expectativa de vida da população brasileira com outros países que adotam a idade mínima como critério para concessão do benefício da aposentadoria, conforme se baseia o Governo Federal para justificar a reforma. Porém, tais países possuem expectativa superior ao do Brasil e, ainda, políticas públicas que possibilitam melhores condições de vida para seus cidadãos. Ademais, dentro do próprio Brasil, as expectativas de vida oscilam muito a depender da região em que se vive, fazendo com que a fixação da idade mínima traga prejuízos sociais às classes menos favorecidas e torne inacessível para estas pessoas o acesso ao benefício da aposentadoria.
Por fim, cabe ainda apontar críticas e violações aos princípios constitucionais quanto ao critério de idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres, caso a PEC seja aprovada nos termos iniciais, considerando a manifesta desigualdades e discriminações vivida diariamente pelas mulheres, especialmente no mercado de trabalho, além, ainda, da dupla jornada exercida pela quase totalidade das mulheres, o que as coloca em situações de desigualdades em relação aos homens.
2 JUSTIFICATIVAS UTILIZADAS PELO GOVERNO FEDERAL PARA O AUMENTO DA IDADE MÍNIMA DA APOSENTADORIA
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, de 2016, que trata da reforma previdenciária no Brasil, propõe, dentre suas mudanças, a alteração no artigo 201, §7º, da Constituição Federal, estabelecendo dois novos critérios para a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria.
Pela nova proposta, o primeiro requisito, é o tempo mínimo de contribuição, que passará para 25 (vinte e cinco) anos e, o segundo, é o critério da idade mínima exigida, que será de 65 (sessenta e cinco) anos para ambos os sexos, de acordo com o dispositivo extraído da PEC in verbis “Art. 201, § 7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social àqueles que tiverem completado sessenta e cinco anos de idade e vinte e cinco anos de contribuição, para ambos os sexos”.[2]
Assim, caso o projeto seja aprovado nos termos iniciais, restará extinta a aposentadoria por tempo de contribuição e por idade vigente na atual legislação, as quais estabelecem critérios distintos para aposentadoria do homem e da mulher, passando-se para um modelo misto de aposentadoria, onde se exigirá, cumulativamente, que o segurado homem ou mulher, atenda aos mesmos critérios de idade mínima (65 anos para ambos) e, ainda, o tempo de contribuição mínima de 25 (vinte e cinco) anos, também para ambos os sexos.
Ao analisar a Exposição de Motivos Interministerial (EMI) nº 140/2016, proposta pelo Ministério da Fazenda anexa à PEC 287/16, os aspectos dentro da proposta da reforma que procura justificar a implantação da idade mínima como critério para a aposentadoria são basicamente três.
O primeiro argumento é de que a expectativa de vida da população brasileira encontra-se em alta nas últimas décadas, com possibilidade de expansão da população idosa no futuro e, o aumento da idade mínima, seria uma forma de evitar a concessão de aposentadorias precoces; Por sua vez, a segunda justificativa sustenta que o Brasil precisa se adequar aos critérios internacionais de países com transição demográfica semelhante, os quais estabelecem em seu regime previdenciário o critério de idade mínima para a aposentadoria.
Por fim, o terceiro argumento, quanto à igualdade da idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres, segundo consta na EMI nº 140/16 que compõe a citada PEC, menciona que embora ainda exista condições de desigualdade entre os gêneros no atual cenário do mercado de trabalho, houve um grande aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho nos últimos anos, sendo a tendência de que em um futuro próximo, as mulheres alcancem as mesmas condições/remunerações de trabalho dos homens.
3 CRÍTICA À COMPARAÇÃO DA IDADE MÍNIMA DO BRASIL COM OUTROS PAÍSES
Um dos fundamentos utilizados para justificar a inserção da idade mínima para a aposentadoria pelo Projeto de Reforma à Previdência Social é a necessidade de o Brasil se adequar aos modelos internacionais, considerando que, conforme trecho extraído da PEC, “atualmente a idade média de aposentadoria para homens no Brasil é de 59,4 anos enquanto a média nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE é de 64,6 anos”1.
Nos moldes da PEC 287/2016, estabelecer o critério da idade mínima para o benefício de aposentadoria na faixa de 65 anos para ambos os sexos, seria uma forma de o Brasil se adequar aos modelos utilizados por vários países, seguindo uma diretriz mundial de populações que estão envelhecendo e que precisam adaptar o regime previdenciário a essas mudanças.
Na EMI nº140/2016 da proposta de Emenda à Constituição, foi trazido o gráfico abaixo, que menciona a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos estabelecida por outros países como condição para a concessão da aposentadoria:
Verifica-se pelo gráfico inserido na EMI, que a grande maioria dos países que compõe a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), utiliza-se a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para a aposentadoria. Porém, é de se salientar que todos os países tomados como referência, dentre eles, a Alemanha, Grécia e o Japão, possuem expectativa e qualidade de vida superiores ao Brasil, sendo que tal fator não foi levado em consideração pela PEC 287/16.
Com efeito, pelo gráfico abaixo, o qual menciona a expectativa de vida de diversos países, observa-se que os países que estão na cor azul, adotam a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para aposentadoria, porém, possuem uma média de expectativa de vida de 81,2 (oitenta e um vírgula dois) anos. Em contrapartida, países como a Turquia e a Eslováquia, que possuem uma expectativa de vida menor e semelhante a do Brasil (em torno de 75 anos), adotam a idade mínima para aposentadoria de 60 (sessenta) e 62 (sessenta e dois) anos, respectivamente. [3].
Assim, os dados comprovam que a idade mínima a ser fixada para a aposentadoria acompanha, proporcionalmente, a expectativa de vida desses países, ou seja, quanto mais e melhor se vive, maior deve ser a idade mínima para a aposentadoria.
Com efeito, o que se busca na proposta original da PEC 287/2016 é estabelecer a idade mínima para aposentadoria igual a países com maior expectativa de vida que o Brasil, o que não se mostra razoável, pois fará com que inúmeros segurados contribua por uma aposentadoria que nunca receberão, especialmente se levar em consideração o fato de que em algumas regiões do país, a expectativa de vida é pouco superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
Desse modo, tendo como base a atual realidade social do Brasil, não se admite adotar regras rígidas e simples para se corrigir um sistema previdenciário, incluindo-se a fixação de uma idade mínima comparada a outros países, onde seus cidadãos vivem, ao menos, 6,2 (seis vírgula dois) anos a mais que qualquer brasileiro, conforme os dados contidos no gráfico de expectativa de vida dos países da OCDE acima trazido.
4 EXPECTATIVA DE VIDA DO BRASILEIRO (EVOLUÇÃO E DIFERENÇAS)
É evidente que nas últimas décadas a expectativa de vida do brasileiro vem aumentando em razão, principalmente, dos investimentos em políticas públicas voltadas para as áreas de saúde, educação e distribuição de renda. Todavia, em que pese a evolução da expectativa de vida, não se pode deixar de se reconhecer que o Brasil é “um país com vários países dentro”, pois dada sua vasta extensão territorial, são várias e diversas as realidades sociais contidas dentro do mesmo território nacional.
Consoante se observa no gráfico abaixo, há uma enorme discrepância na expectativa de vida das regiões Norte e Nordeste (72,2 e 73 anos, respectivamente) comparada com as regiões Sul e Sudeste (77,8 e 77,5 anos, respectivamente), sendo inegável que a realidade social e a qualidade de vida de brasileiro que habitam em tais regiões são muito diversas.
De acordo com os dados acima, fica claro que a expectativa de vida e, por consequência, as condições de vida do cidadão brasileiro são variáveis, pois, a prestação de serviços públicos básicos, como saúde, educação, segurança, entre outros, ainda é muito deficitário para não se dizer quase ausente em muitas das regiões do país.
Para evidenciar ainda mais essas diferenças regionais, dados do IBGE de 2016 mostram que a expectativa de vida no estado de Santa Catarina é 78,7 (setenta e oito vírgula sete) anos, enquanto que no Maranhão é de 70,3 (setenta vírgula três anos), assim, há uma discrepância de mais de 8 (oito) anos de expectativa de vida de pessoas que habitam um mesmo país, mas em regiões diferentes.[4]
Assim, adotar a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para a aposentadoria conforme prevê a Reforma Previdenciária, diante da comprovada diferenças sociais vivida por cada região, viola o princípio da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal), visto que não está sendo dado um tratamento isonômico para cidadãos que vivem em situações completamente distintas, o que fatalmente acarretará prejuízos aos brasileiros que habitam em centro menos desenvolvidos, onde a expectativa de vida é muito inferior.
Além disso, há também uma verdadeira afronta a um dos objetivos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal, em seu art. 3º, inciso III, que é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”[5], deixando de lado todas as mazelas que historicamente assolam as regiões mais pobres do Brasil.
Dessa forma, face as diferenças de expectativa de vida dos brasileiros a depender da região em que se vive, não se mostra adequada a proposta de uniformizar a idade mínima trazida pela PEC 287/16, visto que as comprovadas diferenças sociais de cada região do país não comportam estabelecer um critério uno para todo o território nacional, sob pena de violação ao princípio da igualdade e dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sócias, conforme preceitua a Constituição Federal.
5 CRÍTICA AO MESMO CRITÉRIO DE IDADE PARA HOMENS E MULHERES
Outra mudança a ser levantada sobre a Reforma Previdenciária, é o da idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para a aposentadoria de homens e mulheres, além do tempo de contribuição mínimo de 25 (vinte e cinco) anos para ambos os sexos.
De acordo com os termos originais da PEC 287/2016, será extinguido o modelo previdenciário atualmente vigente de aposentadoria por idade, que possibilita à mulher o direito à aposentadoria aos 60 (sessenta) anos de idade, enquanto que aos homens, é exigida idade a mínima de 65 (sessenta e cinco) anos.
Todavia, oportuno que se faça uma crítica à igualdade de gênero, consistente na exigência da mesma idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres trazida pela Reforma Previdenciária, pois em que pese o aumento da inclusão da mulher no mercado de trabalho, há que se considerar que, dentro da realidade brasileira e também mundial, ainda é manifesta e real a situação de vulnerabilidade da mulher em relação ao homem.
Conforme nota técnica[6] emitida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão nº 1/2017, ao realizar uma análise quanto às mudanças propostas pela Reforma Previdenciária, apontou, sobre a equiparação das condições entre homens e mulheres, no acesso ao benefício da aposentadoria que:
“a equiparação entre os gêneros desconsidera a diferente situação da mulher no mercado de trabalho (em que ela ainda ocupa posições menos qualificadas e recebe remuneração inferior em relação aos homens, isso quando ela tem trabalho remunerado, pois ainda é frequente a dependência econômica em relação ao marido, ao companheiro ou ao pai) e nas relações domésticas (em que as tarefas do lar e os cuidados com os filhos são executados preponderantemente pelas mulheres)”.
Assim, apesar da maior participação das mulheres no mercado de trabalho, é muito recorrente ainda observar discriminações e desigualdades sofridas pelas mulheres no mercado de trabalho.
Dentre as desigualdades existentes no atual cenário brasileiro, pode-se citar o fato de mulheres perceberem salários muito inferiores aos dos homens pelo exercício das mesmas funções laborais.
Pesquisa realizada pela Catho[7] no ano de 2017, umas das maiores empresas de classificados de empregos da internet, apontou que as mulheres ganham menos do que os homens em todos os cargos consultados pela pesquisa, sendo que para funções de liderança, como o de consultor, o salário dos homens chega ser de 62,5% (sessenta e dois vírgula cinco por cento) maior do que das mulheres.
Ainda, de acordo com o estudo “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), feito com base em séries históricas da realidade da mulher brasileira entre o ano de 1995 a 2015, concluiu que as mulheres trabalham, em média, 7,5 (sete vírgula cinco) horas a mais por semana do que os homens, devido à dupla jornada.
Isto porque, 90% (noventa por cento) das mulheres declararam serem responsáveis pelas atividades domésticas além da jornada remunerada de trabalho, sendo que tais números se mantiveram praticamente inalterados ao longo de 20 (vinte) anos.[8]
Assim, os estudos comprovam que as diferenças existentes entre os gêneros tendem a se perpetuar ou, ao menos se prolongar pelas próximas décadas. Por outro passo, as mulheres ainda desempenham a função de cuidado e zelo pelo ambiente doméstico, além do emprego remunerado. Em razão da dupla jornada exercida, é notório que a mulher possui maior desgaste em sua saúde física, mental e laboral em comparação aos homens, o que impõe estabelecer critérios distintos para a concessão da aposentadoria.
Pelo exposto, a fixação da mesma idade para a aposentadoria de homens e mulheres prevista pela PEC 287/16, constitui evidente violação ao princípio da isonomia entre homens e mulheres previsto na Constituição Federal, tendo em vista que não foi levando em consideração pela Reforma Previdenciária a desigualdade material existente entre os gêneros, tendo em vista as condições históricas de vulnerabilidade e discriminação nas relações de trabalho presentes até os dias atuais em desfavor das mulheres.
6 O AUMENTO DA IDADE MÍNIMA E SUA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL
Também denominado princípio da não retroatividade ou effet cliquet, o princípio da vedação ao retrocesso social, decorre dos princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, os quais constituem verdadeiras bases que alicerçam o ordenamento jurídico brasileiro.
O ilustre doutrinador Canotilho (1998, p. 331/332) ensina, com muita propriedade, sobre o princípio em questão:
“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas”.
Assim, o princípio da vedação ao retrocesso social estabelece que o Estado, em sua atuação legislativa, está adstrito a preservar o núcleo essencial dos direitos sociais que a história do Estado Democrático de Direito custou a constituir. Em outras palavras, o Poder Constituinte Derivado está impedido de “criar ou reformar normas que limitem, enfraqueçam, restrinjam ou extinguam o núcleo essencial dos direitos fundamentais já conquistados pelos cidadãos”[9].
No projeto de reforma da previdência social (PEC 287/16) trazido em questão, o constituinte derivado, ao estabelecer a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos como critério para a concessão da aposentadoria para o homem e para a mulher, propõe condições desproporcionais que dificultarão, demasiadamente, que a grande maioria dos segurados exercerem o direito ao benefício previdenciário da aposentadoria.
Impor o critério de idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para ambos os sexos implica evidente retrocesso no que diz respeito à matéria previdenciária, considerando que a idade mínima para a aposentadoria pretendida não é proporcional à expectativa de vida dos brasileiros e, por isso, não pode ser comparada aos critérios internacionais, onde se vive, em média, 6,2 (seis vírgula dois) anos a mais que no Brasil.
Também, revela violação ao princípio da não retroatividade a igualdade da idade mínima prevista pela reforma da previdência para a aposentadoria de homens e mulheres, sendo que no atual cenário jurídico, a mulher já possui direito ao benefício de aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) anos, enquanto que para os homens se exige 65 (sessenta e cinco) anos e, na aposentadoria por tempo de contribuição, é exigida tempo mínimo de 30 (trinta) anos de contribuição para as mulheres, ao passo que para os homens é exigido 35 (trinta e cinco) anos.
A idade e do tempo de contribuição exigido em menor para as mulheres em comparação aos homens atualmente vigente na legislação previdenciária, não constitui um privilégio à classe feminina, mas sim uma forma de compensar o desgaste físico, mental e laboral das mulheres brasileiras acarretado pela dupla jornada de trabalho que exercem.
Por sua vez, igualar o critério de idade para ambos os gêneros, conforme estabelecido pela PEC 287/16, além da afronta ao princípio da igualdade, pois não está se analisando os desiguais na medida de suas desigualdades, constitui, ainda, violação direta ao princípio da vedação ao retrocesso social.
Ante o exposto, a proposta radical de reforma à previdência social caracteriza nítido retrocesso legislativo e impede a própria efetividade constitucional, pois restringe direitos fundamentais já incorporados pelos cidadãos, transcendo, assim, os limites estabelecidos ao Poder Constituinte Derivado.
7 CONCLUSÃO
Diante do exposto, fica evidente que, antes de o Brasil buscar adotar critérios internacionais de fixação de idade mínima para a aposentadoria, deve-se, primeiramente, investir em políticas públicas, na área da educação básica, saúde (principalmente das crianças e dos idosos) e distribuição de rendas, pois esta é a única forma de se melhorar e igualar os dados de qualidade e expectativa de vida dentro do território nacional, atualmente desiguais, se comparado as regiões Norte e Nordeste com a Sul e Sudeste.
Isso demonstra que o momento atual não seria de se fixar uma idade mínima, mas sim adotar medidas para que se corrija as desigualdades sociais históricas dentro do mesmo território nacional, inclusive entre homens e mulheres.
Por fim, resta demonstrado que, caso a Proposta de Emenda à Constituição nº287/2016 seja aprovada nos termos iniciais, haverá um evidente desrespeito ao princípio da vedação ao retrocesso social, pois o texto traz um claro endurecimento desproporcional das regras de concessão de benefícios previdenciários, especialmente às classes menos favorecidas da população brasileira, causando uma afronta às conquistas sociais das últimas décadas.
Referências
BRASIL. PEC Nº287, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2016. Reforma Previdenciária, Brasília,DF, dez 2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=
1514975&filename=PEC+287/2016 . Acesso em: 10 dez. 2017.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 05 DE OUTUBRO DE 1988. Constituição Federal, Brasília, DF, out 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 10 dez. 2017.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1998.
CATHO. Mulheres ganham menos do que os homens em todos os cargos, diz pesquisa. G1, 2017. Disponível em:
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTASTÍSTICA. Síntese de indicadores sociais, 2016. Disponível em:< https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf>. Acesso em 30/11/2017.
IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Estudo mostra desigualdade de gênero e raça em 20 anos. IPEA, 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?
option=com_content&view=article&id=29526&catid=10&Itemid=9. Acesso em 16 dez. 2017.
NUNES, J. A reforma previdenciária brasileira e o princípio da vedação ao retrocesso social,2017. Disponível em:
PERRUCCI, Marcelo L. O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência. In: <
PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO. Procuradoria aponta ‘violações constitucionais’ na PEC da Previdência. Estadão, 2017. Disponível em:
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/procuradoria-aponta-violacoesconstitucionais-na-pec-da-previdencia. Acesso em 15 nov. 2017.
Notas
[1] Artigo científico apresentado a Faculdade Legale como requisito parcial para a obtenção de título de pós-graduação em Direito da Seguridade Social.
[2] BRASIL. PEC Nº287, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2016. Reforma Previdenciária, Brasília,DF, dez 2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=
1514975&filename=PEC+287/2016 . Acesso em: 10 dez. 2017.
[3] PERRUCCI, Marcelo L. O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência. In: <
[4] IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTASTÍSTICA. Síntese de indicadores sociais, 2016. Disponível em:< https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf>. Acesso em 30/11/2017.
[5] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 05 DE OUTUBRO DE 1988. Constituição Federal, Brasília, DF, out 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 10 dez. 2017.
[6] PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO. Procuradoria aponta ‘violações constitucionais’ na PEC da Previdência. Estadão, 2017. Disponível em:
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/procuradoria-aponta-violacoesconstitucionais-na-pec-da-previdencia. Acesso em 15 nov. 2017.
[7] CATHO. Mulheres ganham menos do que os homens em todos os cargos, diz pesquisa. G1, 2017. Disponível em:
[8] IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Estudo mostra desigualdade de gênero e raça em 20 anos. IPEA, 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?
option=com_content&view=article&id=29526&catid=10&Itemid=9. Acesso em 16 dez. 2017.
[9] NUNES, J. A reforma previdenciária brasileira e o princípio da vedação ao retrocesso social,2017. Disponível em: https://janainanunes1234.jusbrasil.com.br/artigos/494140479/a-reforma-previdenciaria-brasileira-e-o-principio-da-vedacao-ao-retrocesso-social. Acesso em 15 dez. 2017.
Informações Sobre o Autor
Natália Palácio Sanches
Advogada atuante na cidade de Birigui/SP. Pós-graduanda em Direito da Seguridade Social da UCAM e membro do núcleo de pesquisa e escrita científica da Faculdade Legale