Resumo: O artigo apresenta em linguagem acessível e direta, a desnecessidade de reforma na previdência social, descontruindo de modo efetivo, o argumento defendido pelo governo e grande mídia, quanto ao déficit existente nas contas do seguro social à luz da Constituição Federal. Destaca-se ainda, a reforma legislativa que já ocorreu durante toda a evolução legislativa no regramento previdenciário.
Palavras-chave: Previdência. Reforma. Déficit. Seguridade Social. PEC 287
Sumário: 1. O fantasioso Deficit da Previdência 2. A Reforma da Reforma na Previdência Social
INTRODUÇÃO
De inquestionável relevância politica e jurídica, a reforma da previdência social, propõe profundas alterações legislativas, apresentando como fundamento principal a eminente falência do sistema do seguro social, aliado a imperiosa necessidade de equiparação dos benefícios dos servidores públicos, aos benefícios de regime geral.
Com o objetivo de desmistificar os argumentos propagandeados pelo Estado, o presente estudo desmistifica o suposto déficit existente. Apresentando ainda, breve histórico legislativo que comprova a realização de reforma na previdência no decorrer dos anos.
Destaca ainda, as principais alterações proposta pela PEC 287, já retificada pelo conselho especial da câmara.
1. O Fantasioso Déficit da Previdência
Em meio à instabilidade politica vivenciada pelo atual governo, do nosso então Presidente Michel Temer, a previdência segue como um dos maiores alvos de abusos e desmandos.
Após a reforma trabalhista ter sido aprovada com manifestas inconstitucionalidades que prejudicam exclusivamente o trabalhador, o direito social permanece sendo açoitado, dessa vez, com ênfase ainda maior no desmonte da previdência social.
De inicio, é importante lembrarmos que a primeira atitude da atual gestão ao assumir o poder, foi a desestruturação do Ministério da Previdência, incluindo o INSS no Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, fazendo com que a previdência em si, torna-se uma singela secretaria dentro do Ministério da fazenda, isto é, a destruição do sistema sempre esteve no projeto governista.
Tal como em administrações anteriores, a falácia do déficit na previdência, permanece como principal justificativa para que se pratiquem as alterações nas regras do seguro social, aliás, essa sempre foi a tônica empregada pelos governos para que se efetivassem tais mudanças. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso (FHC), Presidente da República à época, utilizou-se dessa mesma premissa para incluir o desumano fator previdenciário, o que até hoje é considerado como uma aberração jurídica pelos especialistas.
É possível, que você leitor questione: “Mas e o rombo da previdência constantemente anunciado na mídia?” E a resposta é simples e direta: O argumento é mentiroso, isso porque, dentre outros equívocos, a análise realizada pelo governo desconsidera que a previdência é apenas uma parte da seguridade social, que engloba um tripé constitucionalmente (artigo 194) previsto (Previdência; Assistência social; Saúde). Ora, esses três pilares são indissociáveis, e assim o sendo, não se torna possível afirmar que a seguridade social é superavitária e a previdência deficitária.
Sob essa ótica deturbada de desvinculação da previdência, os defensores da PEC 287, deixam de apreciar outras fontes de arrecadação asseguradas de igual maneira pela nossa lei maior (artigo 195), como a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programa Integração Social (PIS) e a receita de concursos e prognósticos (cobrança de imposto sobre os prêmios das loterias da Caixa Econômica Federal), levando em conta, tão somente, a contribuição do empregado e empregador. Veja que além daquelas previstas na Constituição Federal, a seguridade social conta com uma infinidade de receitas advindas de regras infraconstitucionais, que por óbvio, são igualmente desconsideradas na confecção do cálculo estatal.
Mas a busca para justificar o déficit, perpassa por um erro ainda mais grotesco, qual seja, a inclusão dos regimes próprios da previdência (aquele destinado a servidores públicos), esquecendo-se de modo bastante conveniente, que a seguridade social não abarca esse regime, tão pouco os dos militares, que também foram incluídos na somatória governista (Em resumo, adicionam os custos de regimes diferentes, desprezando por outro lado, a receita gerada).
Além disso, ignora as renuncias fiscais concedidas aos empresários, entidades filantrópicas, produtores rurais, dentre outros (o que representa quase um terço do total do “déficit”), ou seja, “doações” diretas da previdência ao empresariado. Soma-se a esse contrassenso, a ausência absoluta de cobrança da dívida ativa previdenciária, que segundo a CPI instaurada em março de 2017 pelo deputado Paulo Paim, só os bancos acumulam um débito de 500 bilhões de reais, tudo isso, como bônus pelas dificuldades vivenciadas pelo sistema. Seria cômico se não fosse trágico!
Nessa mesma toada, temos ainda a retirada de 30% dos recursos da seguridade, com a famosa Desvinculação das Receitas da União (DRU), para o pagamento de juros da dívida pública, extremamente obscura e jamais auditada. A pergunta óbvia diante dessa desvinculação, retomada em 2016 e majorada em 50% pelo governo atual (com previsão até o ano de 2023) é a seguinte: Como retiro 30% daquilo que está em déficit? Sim, a lógica por vezes faz ruir complexos discursos.
Sob um olhar atento a todos esses aspectos, não precisa ser um grande economista para identificar que a defasagem nas contas da previdência social, mostram-se no mínimo duvidosas, e ao contrário do que defende o Presidente da República e seus compinchas, a seguridade social é sim superavitária, mas é necessário que cumpram com o que determina nossa Constituição Federal, vinculando a arrecadação dos tributos ao sistema de proteção social.
Em resumo, ainda que a base governista se utilize dos ensinamentos de Joseph Goebbels (ministro da propaganda na Alemanha Nazista de Hitler), alimentando a idéia de que "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade", a CPI da Previdência, com relatório final previsto para o dia 06 de novembro, trará a tona a real situação da previdência social, conduzindo assim, ao descredito ainda maior do desgoverno atual.
É bom enfatizarmos que o superávit já existente mantém plenas condições de triplicar seu montante, instituindo para tanto, uma força tarefa para cobrança dos graúdos débitos previdenciários, combatendo ainda, as fraudes que persistem no sistema. E porque não o fazem? Simples, a mobilização governamental já existente está ocupada demais cortando indevidamente benefícios dos segurados, agraciando peritos de todo o país com adicional por cada perícia realizada a mais.
2. A Reforma da Reforma na Previdência Social
Além do fragilizado pretexto de déficit, os defensores da PEC 287, sustentam ainda, a necessidade de equiparação dos benefícios dos servidores públicos, aos benefícios do regime geral. Mas uma vez, o que temos é um embuste, que a própria historia comprova, já que referida equiparação ocorreu em 2003.
A Emenda Constitucional 41 já realizou a modificação no regime próprio, ou seja, aquele que ingressa no serviço público hoje, não mais se aposenta pelo último salário e com paridade de reajuste, ao contrário, se aposenta pela média contributiva da mesma maneira que os trabalhadores subordinados ao regime geral, com os mesmo limites de teto estabelecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social.
Se de fato avaliarmos todo histórico legislativo, chegaremos à conclusão, que a reforma efetivamente já ocorreu, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores do regime geral, isso porque, até 1998, nos tínhamos a média pelos últimos três 3 anos de contribuição. Atualmente, consideram-se os maiores salários, que representem 80% de tudo. Seguindo a máxima de que “nada esta tão ruim que não possa piorar”, o governo Temer, busca emplacar a alteração dessa regra, que de modo resumido considerará nos cálculos das aposentadorias todo o período de contribuição, sem desconsiderar os 20% das menores contribuições, criando uma estimativa inferior a atual.
Em meados do ano de 2014 a MP 664, posteriormente convertida na lei 13.135/2015, alterou as regras na pensão por morte, atribuindo período máximo de recebimento, de acordo com a idade da viúva (o). Entretanto, a proposta de reforma agrava um pouco mais a situação dos pensionistas, ressuscitando o conceito estabelecido na medida provisória editada em 1994, proibindo a cumulação de aposentadoria com pensão. Parece loucura, mas a proposta do atual governo é dar novo folego, as regras da “MP mata viúva” (nome dado pela imprensa à época de sua edição), ressalvando apenas os casos em que a soma dos benefícios não ultrapassem o limite de dois salários mínimos vigentes, esquecendo-se, que a fonte de contribuição é distinta, isto é, a pensão tem origem nas contribuições do falecido e a aposentadoria na contribuição do segurado, o que por si só já demonstra tamanho despropósito e injustiça.
Além disso, a lei acima mencionada alterou de maneira significativa as regras concernentes ao auxilio doença, modificando de modo prejudicial a forma de calculo deste beneficio.
Note, a PEC 287 já alterada pela comissão especial da câmara, se resume em piorar o que estava ruim, propondo dentre outras medidas:
– Extinção da aposentadoria por tempo de contribuição;
– Valor da pensão por morte com o percentual máximo de 50% do valor da aposentadoria ou importância correspondente a aposentadoria por invalidez no momento do óbito do trabalhador ativo, acrescido de 10% para cada outro dependente, em cotas não reversíveis. Melhor explicando, na perda dos critérios de dependência, como exemplo, o alcance dos 21 anos do filho menor, os 10% correspondentes a este, simplesmente desaparecem, ou seja, não há distribuição de seu percentual aos outros que permaneceram no sistema como legítimos dependentes;
– Majoração da idade mínima para mulher (62 anos) e carência mínima para homens e mulheres de 25 anos para aposentadoria por idade, exigindo-se longos 40 anos de contribuição para o alcance de 100% da média;
– Majoração na idade para concessão do benefício de prestação continuada (comumente chamado de LOAS) para 68 anos;
– Fixação de idade mínima de 60 anos para os professores, sem distinção de sexo;
– Exigência de contribuição individual ao rural, que deverá cumular idade (60 anos homens e 57 anos mulher) e tempo de carência mínimo (15 anos), deixando de incidir sobre a produção do núcleo familiar, o que agravará um pouco mais a pobreza no campo, frente à ausência de renda nos períodos de entressafra;
– Criação de idade mínima de 55 anos, com tempo mínimo de 20 anos de contribuição, independente da profissão exercida para aposentadoria especial;
– Modificação na análise da aposentadoria especial, desprezando o critério vinculado ao ambiente de trabalho, considerando apenas o exercício de atividades que efetivamente prejudiquem a saúde. Nesse aspecto, inviabiliza a proteção do trabalhador, exigindo efetivo dano à saúde;
– Limitação de conversão do tempo especial em comum até a data de publicação da Emenda Constitucional (Nesse particular, cabe ao segurado prudente, que labora em ambiente insalubre, averbar seu tempo especial, junto ao INSS o mais breve possível, evitando maiores prejuízos);
– Aos que já se encontram no sistema sem o preenchimento dos requisitos necessários para aposentar-se, terão que cumprir um pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição faltante e uma idade mínima que progredirá a cada ano;
– Cria ainda, a possibilidade da administração pública contratar por meio de licitação, plano com entidade aberta de previdência complementar, abrindo as portas para privatização da previdência complementar do servidor.
É certo, que a proposta de mudança é longa e complexa, mas esta claro que o arrocho ao segurado já ocorreu, tornando-se inadmissível as justificativas propagandeadas pelo Estado e a grande mídia, que apontam inclusive, como um dos grandes vilões da previdência social, a “inconveniente” longevidade da população em geral (Essa mania feia de se aposentar e permanecer vivo —Piada de péssimo gosto difundida pelo governo!), desconsiderando o superávit ainda existente, bem como, os débitos de valores astronômicos negligenciados pela fiscalização do Estado, frente aos grandes bancos e empresas, que deveriam ser aqueles responsabilizados pelo encarecimento da previdência social.
Informações Sobre o Autor
Flávio da Silva Azevedo Junior
Advogado pós-graduando em Direito da Seguridade Social