Obenefício de auxílio-reclusão e sua interpretação segundo a Constituição Federal

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I – INTRODUÇÃO:



O auxílio-reclusão é o benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão. Sua existência é motivo de debate na doutrina previdenciária. Para Sérgio Pinto Martins[1], “Eis um benefício que deveria ser extinto, pois não é possível que a pessoa fique presa e ainda a sociedade como um todo tenha de pagar um benefício à família do preso, como se este tivesse falecido. De certa forma, o preso é que deveria pagar por se encontrar nesta condição, principalmente por roubo, furto, tráfico, homicídio, etc.


Entretanto, quer parecer que o presente instituto deve ser interpretado em harmonia com os princípios norteadores da Constituição Federal.


Primeiramente, tem-se que o instituto em tela atende ao comando do art. 226 da CF, o qual prevê “especial proteção” à família por parte do Estado[2]. Na seara previdenciária, a família é protegida por meio dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão. Em ambos o risco social atendido é a perda da fonte de subsistência do núcleo familiar, na primeira hipótese em razão do óbito do segurado, na segunda, por ocasião de sua detenção prisional. Sendo assim, o auxílio-reclusão é prestação pecuniária, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos minimizar, a falta do provedor as necessidades econômicas dos dependentes.


Além de proteger a instituição familiar, o benefício em análise está amparado no art. 5º, XLV, também da Constituição Federal:


Nenhuma pena passará da pessoa condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.(sem grifo no original).    


De fato, cabe ao condenado arcar com as consequências de seu delito. Porém esta responsabilidade não se estende aos seus familiares. Ora, não bastasse o sofrimento da família em ser alijada do convívio do recluso, em razão de evento para o qual não concorreu, a prisão do segurado pode gerar toda uma série de consequências econômicas para seus dependentes. Cabe ao Estado o dever de zelar pela minimização de tais prejuízos.


Tal instituto encontra consonância também no princípio da dignidade humana constante no art. 1º, inciso III, bem como no compromisso de erradicação da pobreza, elencado no art. 3º, e no princípio da solidariedade social. Em análise sistemática cabe ao Estado, conjuntamente com a sociedade, proteger, contra eventuais infortúnios, a família agora desamparada, tal qual se dá com a pensão por morte. Assim sendo, com o devido respeito aos entendimentos contrários, a previsão do legal do benefício em tela é plenamente justificável.


II – DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-RECLUSÃO:


O artigo 80 da Lei nº 8.213/91 prevê como pressupostos à obtenção do benefício de auxílio-reclusão: a) o recolhimento do segurado à prisão; b) o não-recebimento de remuneração da empresa ou de benefício previdenciário; c) a qualidade de dependente do requerente; d) a prova de que o presidiário era, ao tempo de sua prisão, segurado junto ao INSS. Além desses requisitos, a Emenda Constitucional nº 20/98 alterou a redação do art. 201, IV, exigindo ser o segurado oriundo de família de baixa renda. Não é necessária carência de contribuições, tal qual ocorre no benefício de pensão por morte. 


O recolhimento à prisão deve ser demonstrado por meio de certidão do órgão prisional ao qual o segurado se encontra recolhido. A lei não faz distinção quanto à natureza da prisão (se cautelar ou decorrente de sentença condenatória com trânsito em julgado), nem quanto ao seu regime. A doutrina, porém, têm entendido que, nas hipóteses de regime aberto, descabe a concessão do benefício, em razão de se encontrar o segurado apto para o retorno ao trabalho. Também é indiferente tratar-se de prisão em razão de ilícito cível, penal ou administrativo. A condição de recluso deve ser demonstrada, por certidão, trimestralmente (RPS, art. 117, § 1º), sendo que, em caso de fuga, o benefício deve ser suspenso.


O termo inicial para concessão do benefício é a data do recolhimento do segurado à prisão, desde que o pedido seja protocolado em até trinta dias do fato. Caso isto não ocorra, terá por data de início a do requerimento administrativo. O termo final é o livramento do apenado, ou progressão para regime aberto. Ressalte-se que a liberdade do segurado não é obstáculo ao recebimento de parcelas devidas, mas não  pagas na época própria.


O dependente não faz jus ao auxílio-reclusão caso o segurado recluso esteja em gozo de auxílio-doença, aposentadoria, abono de permanência em serviço, ou, ainda, em exercício de atividade laboral remunerada.


Exige-se, por parte do beneficiário, a condição de dependente, conforme previsto no art. 16 da Lei nº 8.213/91. Finalmente, basta a prova de que o recluso, ao tempo da prisão, mantinha qualidade de segurado junto ao INSS.


III – DA BAIXA RENDA COMO PRESSUPOSTO PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-RECLUSÃO:


No que tange à baixa renda do segurado, trata-se de inovação prevista  EC 20/98. Primeiramente, tem-se que o legislador não andou bem ao limitar a concessão do auxílio-reclusão. Ora, quer parecer evidente estar-se diante de uma restrição inconstitucional, face não apenas aos princípios já citados (proteção à família, diminuição dos efeitos reflexos da pena, erradicação da pobreza e solidariedade social), mas também ao princípio da isonomia. A emenda em análise criou distinção entre segurados da previdência, sem explicitar os fundamentos para tal procedimento. Note-se que, para a família do recluso, é indiferente a renda familiar anterior ao recolhimento do segurado à prisão. Não importa quanto este recebesse a título de salário, certo é que, uma vez preso, deixará de receber qualquer quantia. Não há fundamento, portanto, para a diferenciação realizada pelo legislador.


Além disso, insta asseverar que, se tal distinção pudesse ser admitida, teria de ser fundada em dados objetivos. Entretanto a emenda nº 20/98 traz em  seu bojo um valor aleatório, fixado de forma arbitrária.


Por estes motivos, tem-se que o requisito “baixa renda”, por discriminatório, e em razão de seu descompasso com a Constituição Federal, não deve ser levado em conta.


Impõe-se, porém, a análise em detalhe da referida Emenda Constitucional, a começar por seu artigo 1º, o qual determinou a seguinte redação à Constituição Federal:


 “Art. 201. A Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:


IV – Salário-família e Auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa-renda.


Mais adiante, em seu artigo 13º, assim determinou:


Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.


Ao analisar aos artigos em comento, é bastante claro que o termo “baixa renda” se refere aos dependentes do segurado, e não a ele próprio. Aliás, é lógico que assim seja, mesmo porque, como já antes asseverado, a proteção é destinada à família do preso, e não a ele próprio.


O artigo 116 do Decreto 3.048/99, de redação pouco feliz, veio a restringir ainda mais as hipóteses de concessão do benefício. Leia-se:


O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que seu último salário de contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).[3]


Em primeiro lugar, cabe salientar que a remessa da aferição da baixa renda familiar ao valor do último salário-de-contribuição pode não demonstrar a situção de penúria da família. Basta lembrar que o segurado pode manter sua filiação ao regime da Previdência Social, mesmo quando desempregado. Assim sendo, como bem tem interpretado a jurisprudência[4], deve ser analisada a renda familiar quando da detenção do segurado, e não quando do percebimento de sua última remuneração.


Em segundo lugar, o art. 84, IV, da Carta Magna determina que somente para cumprir dispositivos legais pode o Executivo expedir regulamentos. Daí resulta que somente por lei é possível fazer alguma restrição aos direitos de propriedade e liberdade. O regulamento não pode contrariar a lei, estando subordinado a ela, sob pena de ferir-se o princípio da legalidade (art. 5.º, II e art. 37, I, ambos da CF).


Portanto, é ilegal o Decreto nº 3.048/99 naquilo que vai além do disposto no art. 13 da EC 20/98. Se tal norma constitucional não dispôs acerca de serem considerados os vencimentos do segurado recluso, não pode o regulamento fazê-lo[5][6].


IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS:


O benefício de auxílio-reclusão encontra amparo nos princípios da proteção a família, individualização da pena, solidariedade social, dignidade humana e erradicação da pobreza. Visa atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da prisão do segurado, e tem por destinatários os dependentes do recluso.


É inconstitucional a restrição da concessão do benefício aos dependentes de baixa renda do segurado, em razão da aplicação do princípio da isonomia.


Na análise da concessão do benefício, deve ser analisada a renda dos dependentes do segurado, e não dele próprio, haja vista que a redação do art. 116 do Decreto nº 3.048/99 ferir o princípio da legalidade, uma vez estar em descompasso com a redação prevista nos arts. 1º e 13 da Emenda Constitucional nº 20/98.


 


Notas:

[1]   MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Editora Atlas. 22ª Edição. São Paulo. 2005, página 414.

[2]   FORTES, Simone Barbisan. Direito da Seguridade Social. Editora Livraria do Advogado. 1ª Edição. Porto Alegre, 2005. Página 139.

[3]   R$ 586,19 (valor em vigor a partir de 01/06/2004).

[4]    Acordão Origem: TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 383840 Processo: 200004011386708 UF: RS Órgão Julgador: SEXTA TURMA Data da decisão: 20/03/2001 Documento: TRF400081346   Fonte DJU DATA:22/08/2001 PÁGINA: 1119 DJU DATA:22/08/2001  Relator(a)  JUIZ JOÃO SURREAUX CHAGAS Decisão  A TURMA, POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. Ementa PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO.É devido o auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que não tiver salário-de-contribuição na data do recolhimento à prisão por estar desempregado, sendo irrelevante circunstância anterior do último salário percebido pelo segurado ultrapassar o teto previsto no art. 116 do Decreto nº 3.048/99. Apelação e remessa oficial providas em parte.

[5]    Ementa PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 13 DA EC 20/98. BAIXA RENDA DOS DEPENDENTES. ART. 116 DO DECRETO 3048/99. LIMITE REGULAMENTADOR EXTRAPOLADO. VALOR DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

      1. O auxílio-reclusão visa a proteger os dependentes do segurado, sendo que a renda a ser considerada na época da prisão é a dos seus dependentes e não a do segurado. Essa é a interpretação que se extrai do disposto no artigo 13 da EC 20/98 quando refere que esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00.

     2. Assim, o art. 116 do Decreto 3048/99 extrapolou a sua função regulamentadora ao estabelecer que o auxílio-reclusão só seria devido quando o salário de contribuição do segurado fosse inferior ou igual ao R$ 360,00, pois o benefício de auxílio-reclusão, como é sabido, é concedido aos dependentes do segurado e não a este.

     3. Considerando-se que, na época da prisão do segurado, os seus dependentes não trabalhavam, não possuindo qualquer renda, é de ser-lhes concedido o benefício em valor a ser calculado nos termos dos arts. 28, 29, 33 e 75, desde a data do requerimento administrativo.

     4. Nas ações previdenciárias, os honorários advocatícios devem ser fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, assim consideradas as parcelas devidas até a prolação da sentença, excluídas as parcelas vincendas, na forma da Súmula 111 do STJAcordão Origem: TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL Processo: 200304010163970 UF: PR Órgão Julgador: SEXTA TURMA Data da decisão: 19/10/2005 Documento: TRF400116173   Fonte DJU DATA:16/11/2005 PÁGINA: 937 Relator(a)  JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA  Decisão  A TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DA PARTE AUTORA E DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

[6]    Em igual sentido a Súmula nº 05 da Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: “Para fins de concessão de auxílio-reclusão, o conceito de renda bruta mensal se refere á renda auferida pelos dependentes e não a do segurado recluso.”


Informações Sobre o Autor

Daniel Mourgues Cogoy

Mestre em Ciências Jurídico-Civis pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Defensor Público da União


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