Resumo: Uma análise das principais violações de prerrogativas do advogado previdenciário no exercício da profissão nas Agências da Autarquia Federal – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), através de exemplos de situações, análise da legislação sobre os direitos do Advogado, oferecendo meios de evitar que as prerrogativas sejam violadas, e como proceder caso sejam.[1]
Palavras-chave: Seguridade social. INSS. Prerrogativas. Advogado.
Abstract: An analysis of the main violations of prerogatives of the social security lawyer practicing at the. Agencies of the Federal Autarchy (INSS), through examples of situations, analysis of legislation on the rights of the Lawyer, offering ways to avoid violations prerogatives, and how to proceed if they are.
Keywords: Social Security. INSS. Prerogatives. Lawyer.
Sumáio: 1. Introdução. 2. Prerrogativas do advogado x Prerrogativa do médico. 3. O uso do timbre do escritório. 4. Cópias autenticadas pelo Advogado Privado. Conclusão.
1 Introdução
A área de atuação do advogado previdenciarista é enorme: aposentadorias por tempo de contribuição, idade e especial, benefícios por incapacidade, e assistenciais, normalmente atuando na via judicial, através do regular trâmite processual com petições diversas, recursos etc.
É pacificado que o prévio requerimento administrativo, em regra, é indispensável para a propositura de ação judicial que pleiteia o benefício, e, normalmente, o advogado que atua na área previdenciária é procurado quando já foi feito o requerimento, e o segurado, comunicado do indeferimento do benefício.
Com isso, o mais comum é que os advogados sejam procurados para pleitear o benefício judicialmente, com a negativa administrativa. Existe, entretanto, uma área menos explorada, que é a atuação na via administrativa, na qual poucos advogados atuam, e os que o fazem encontram algumas dificuldades impostas pelos servidores públicos federais do INSS.
Nesse tipo de atuação, além do requerimento inicial, o advogado acompanha o procedimento administrativo, e pratica outros atos perante a autarquia, acompanha o segurado em perícias, bem como interpõe eventuais recursos administrativos.
Ocorre que os servidores da autarquia constantemente apresentam empecilhos para que o advogado exerça sua atividade com excelência, normalmente sob argumento de que a norma daquela agência é diversa, ou que o médico tem autonomia para determinar quem ele quer na sala de perícia, quando negado o direito do advogado acompanhar seu cliente no ato médico.
Este artigo, portanto, é um meio de discutir as dificuldades mais comuns, e como contorná-las para garantir o regular exercício da profissão, bem como o direito do cliente/segurado.
2 Prerrogativas do advogado x Prerrogativa do médico.
O conflito entre as prerrogativas dos advogados e dos médicos é constante na advocacia previdenciária. Não só nas perícias administrativas, mas constantemente nas perícias judiciais, o advogado que tenta acompanhar seu cliente em uma perícia vai encontrar resistência pelo médico perito, o qual sempre solicita que o causídico aguarde seu cliente fora da sala.
O procedimento correto para solicitar o acompanhamento do segurado é feito através de requerimento que deve ser entregue ao perito, inclusive existe modelo disponibilizado pelo próprio INSS no sítio da Previdência.
Importante ressaltar que o procedimento para requisição de acompanhamento de perícia médica tem fundamento no art. 5º, XXXIV, CF, o qual assegura o direito de petição, e, de igual forma, em caso de eventual recusa do médico perito, este deve fundamentar por escrito o motivo da recusa/impossibilidade do advogado no procedimento de perícia, entretanto o que se vê na prática não é isso: quando há a negativa por parte do perito, dificilmente o fará por escrito.
Ao passo que o advogado tem seu direito garantido no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8906/1994), mais especificamente no artigo 7º, o qual traz um rol de direitos do advogado quando do exercício da profissão, com destaque para os incisos I e VI, alíneas ‘c’ e ‘d’, o médico fundamento sua autonomia na realização do ato, com base no Código de Ética Médica, especificamente nos princípios VII e VIII do Código de Ética Médica (Resolução 1931 CFM):
“Lei 8906/1994
Art. 7º São direitos do advogado:
I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional; […]
VI – ingressar livremente: […]
c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;
d) em qualquer assembleia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais;
Princípios do Código de Ética Médica (Resolução 1931 CFM)
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.”
Fica evidente o conflito de interesse entre as profissões, o que resulta, quase que unanimemente, na prevalência das razões do Médico Perito, que se nega a realizar o ato médico com a presença do advogado, o qual abre mão do seu direito de acompanhar o cliente para evitar qualquer lesão ao direito do mesmo.
Diante de diversos conflitos entre médicos e advogados, foi apresentado pela Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP ofício para o Conselho Federal de Medicina resultando na Nota Técnica nº 44 de 2012, a qual esclarece que o advogado tem direito assegurado a acompanhar o cliente, seja nos exames periciais em âmbito judicial, seja em âmbito administrativo, sendo, entretanto, a atuação do advogado limitada ao conforto do periciando, não podendo interferir, tampouco funcionar como assistente técnico.
Ocorre que muito comumente os médicos não conhecem o teor da nota técnica do Conselho Federal de Medicina, e, em que pese o advogado informe seu teor, este permanece irredutível, cabendo, de igual forma, ao advogado não ceder, e sustentar o seu direito, e, mais importante, o direito do seu cliente até alcançar o objetivo, qual seja, acompanhar o ato pericial.
3 O uso do timbre do escritório.
Além dos conflitos com o médico perito, o advogado encontra resistência também por parte do servidor/atendente em aceitar petições com o timbre do escritório quando existe modelo disponibilizado pela Previdência Social.
É cediço que os advogados utilizam timbre do escritório nas suas petições. O timbre é a identidade visual do advogado, e é através dela que as petições são identificadas: uma simples olhadela em uma petição pode fazer remeter à marca do advogado, bem como em caso de necessidade de contratação de advogado, a pessoa que viu aquela marca, provavelmente irá lembrar do autor da petição, sendo um importante instrumento de publicidade, desde que respeitadas as limitações do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ocorre que os servidores do INSS insistem que o Requerimento Inicial dos Benefícios deve ser realizado na forma do modelo disponibilizado no sítio da Previdência Social, não aceitando o modelo do escritório ou que o Requerimento seja feito através de petição, indo de encontro com o que prescreve a Lei que regula o Processo Administrativo no Âmbito Federal (Lei 9784/99), da qual se destaca o artigo 22:
“Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.
§ 1o Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.
§ 2o Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade.
§ 3o A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo.
§ 4o O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas.”
Ainda no mesmo sentido, há de se lembrar que o Princípio da Legalidade distingue-se para particulares e para a administração pública. Para Hely Lopes Meirelles (2008, p. 89):
“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’: para o administrador público significa ‘deve fazer assim’.”
Se a Constituição Federal assevera que ao particular é facultado tudo que a lei não veda, e garante o direito de petição, e se a lei de processo administrativo atribui que, em regra, não existe forma determinada para os atos no processo administrativo, não poderia o servidor do INSS negar o protocolo de requerimentos iniciais e outras petições sob argumento de que não está sendo respeitada a forma estipulada pelo INSS.
O material disponibilizado no sítio da Previdência serve apenas como modelo para quando os atos processuais forem praticados pelos segurados, que muitas vezes não saberiam como proceder caso inexistentes tais modelos. Não poderia, entretanto, o servidor do INSS exigir forma que a lei não estipulou, violando, assim, o princípio da legalidade para a administração pública.
4 Cópias autenticadas pelo Advogado Privado.
Ainda sobre o protocolo de petições e documentos perante a Autarquia, não pode deixar de se falar na exigência de documentos originais acompanhados das suas respectivas cópias para ser feita a conferência pelo servidor, e certificada a autenticidade dos documentos.
Ocorre que, quando se atende um cliente, o advogado costuma receber a documentação para digitalização ou cópia e, em seguida, devolver para o cliente, sendo desaconselhável permanecer com a documentação original, até porque o período entre o atendimento no escritório e o atendimento no INSS pode levar meses, sendo inviável permanecer esse período com a documentação, que pode ser carteira de identidade, de habilitação, de trabalho etc.
O ideal é que o cliente esteja presente no atendimento perante a agência, contudo existe a possibilidade do cliente não se fazer presente ou não levar a documentação completa, prejudicando assim o andamento do procedimento.
A alternativa, portanto, é que o advogado receba, fotocopie a documentação e imediatamente devolva ao cliente para evitar problemas que podem surgir, como o extravio de documentos.
Apesar de muitos advogados não saberem, equiparam-se aos originais os documentos autenticados pelo advogado privado habilitado em procuração, conforme o artigo 677, VII, IN77:
“Art. 677. Equiparam-se aos originais os documentos autenticados por:
I – órgãos da Justiça e seus auxiliares;
II – Ministério Público e seus auxiliares;
III – procuradorias;
IV – autoridades policiais;
V – repartições públicas em geral;
VI – advogados públicos; e
VII – advogados privados.
§ 1º Na hipótese do inciso VII a autenticação está vinculada ao advogado privado que conste na procuração, ainda que apresentado por seu substabelecido, desde que acompanhado de cópia da carteira da OAB.
§ 2º Para fins do disposto no parágrafo anterior, o documento autenticado deverá conter nome completo, número de inscrição na OAB e assinatura do advogado.
§ 3º Caso identificado indício de irregularidade nas cópias apresentadas, o servidor poderá exigir a apresentação dos originais para conferência”.
Em que pese existência clara em artigo da Instrução Normativa nº 77, tal prerrogativa não é garantida tão facilmente: quase que a totalidade das agências vai exigir que as cópias sejam acompanhadas dos originais, resultando em uma manifesta violação de prerrogativa do advogado, sob o argumento de que a norma da agência exige o original ou cópia autenticada em cartório.
Afirmar que a legislação da Agência da Previdência Social é distinta, e/ou que a aplicação de uma norma federal (IN77) não se aplica naquela agência caracterizaria uma grande afronta ao princípio da legalidade.
Veja que o artigo 8º do Regimento Interno do INSS (Portaria MPS 296/2009) traz as atribuições do gerente da agência da previdência social, e nela não está incumbido inovar na legislação federal:
“Art. 8º Aos Diretores, ao Procurador-Chefe, ao Auditor-Geral, ao Corregedor-Geral, ao Subprocurador-Chefe, aos Coordenadores- Gerais, aos Superintendentes Regionais, aos Gerentes-Executivos, aos Procuradores-Regionais, aos Procuradores-Seccionais, aos Auditores-Regionais, aos Corregedores-Regionais e aos Gerentes de Agência da Previdência Social incumbe ordenar despesas, autorizar pagamentos e aprovar projeto básico, plano de trabalho e termo de referência, no âmbito de sua área de atuação”.
Levando em consideração que as agências não possuem autonomia para modificar ou inovar a legislação fazendo prevalecer suas próprias normas, a exigência de documentos originais quando apresentadas fotocópias autenticadas pelo advogado privado habilitado em procuração resulta em violação à prerrogativa do advogado no exercício da profissão, além de violar o princípio da legalidade para a administração pública.
Conclusão
O que se conclui após todo o exposto é que a advocacia previdenciária não é tão simples, e talvez, por este motivo, os advogados prefiram exercer suas atribuições somente no judiciário.
Contudo, as dificuldades enfrentadas pelos profissionais e impostas pelos servidores não possuem embasamento legal, ao passo que as razões dos advogados são calcadas em ampla legislação.
O que se orienta em tais caso é que, obviamente, o advogado ao se dirigir à agência para realização de algum ato vá preparado para qualquer adversidade, e com toda a legislação memorizada para uma melhor argumentação. Sugere-se, inclusive, que leve a legislação impressa para um melhor convencimento dos servidores.
Importante ressaltar que o servidor do INSS não pode recusar o protocolo. Caso ele não aceite as fotocópias, e entenda pela ausência de documentos deve ser protocolado o requerimento de benefício e emitida uma carta de exigências na qual serão estipulados quais documentos obrigatórios não foram apresentados. É o que dispõe o artigo 678 da IN77:
“Art. 678. A apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, ainda que, de plano, se possa constatar que o segurado não faz jus ao benefício ou serviço que pretende requerer, sendo obrigatória a protocolização de todos os pedidos administrativos.”
Além disso, é aconselhável que em quaisquer dos casos aqui apresentados, o advogado grave as conversas nas quais participa com os servidores, visto que muitas vezes os acontecimentos exemplificados são de difícil comprovação, possibilitando o pedido de providências cabíveis.
É salutar lembrar que os servidores são submetidos ao Regime Jurídico previsto na lei 8112/1990, sendo o equivalente às normas trabalhistas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, e que o artigo 116 da RJU estipula os deveres do servidor, em especial a observância das normas legais e regulamentares (Art. 116, II, Lei 8112/1990), além de ser proibido opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço (art. 117, IV, Lei 8112/1990), e que as penalidades disciplinares prevista no mesmo diploma podem alcançar a demissão (art. 127, III, Lei 8112/1990).
Além disso, ressalta-se que, caso fique configurado que o servidor não está praticando o ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal pode configurar o crime de prevaricação, conforme artigo 319 do Código Penal, com pena de detenção, de três meses a um ano, e multa.
É imprescindível que o advogado previdenciarista que atua perante os órgãos da administração pública sustentem suas prerrogativas, e, consequentemente, o direito de seus clientes no ato da violação, e posteriormente, através da produção de amplo acervo probatório, sejam requeridas providências direcionadas à Seccional da OAB, bem como à Comissão de Direitos e Prerrogativas da Seccional local para evitar a reincidência de conflitos.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Soares Borges
Advogado, Pós-graduando em Direito Previdenciário com atuação tanto no âmbito judicial, como administrativo. Aracaju-SE