A Importância dos princípios constitucionais do devido processo legal e da razoável duração do processo para o efetivo acesso à Justiça

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Resumo: Diferentemente do simples acesso ao Poder judiciário, configurado pela possibilidade de apresentar uma demanda perante tal órgão, o acesso efetivo à justiça, direito consagrado na Constituição Federal de 88, é muito mais complexo, engloba a garantia de propor uma demanda, que esta tramite em tempo razoável e culmine em uma decisão justa por parte do órgão julgador. Tendo em vista o crítico momento que o judiciário brasileiro passa devido ao número crescente de demandas encontra-se relevância em observar como alguns meios instituídos pelo próprio legislador constituinte que podem auxiliar a efetivação do acesso à justiça. Dentre estes meios, encontram-se os princípios constitucionais do processo civil como o devido processo legal e a razoável duração do processo. Neste sentido, o presente artigo objetiva desvendar como, e por quais meios, estes princípios podem auxiliar o acesso efetivo à justiça. É o que se deseja alcançar com o desenvolvimento deste estudo.[1]


Palavras chave: Acesso à Justiça; Razoável Duração do Processo; Devido Processo Legal.


Abstract: Unlike the simple access to the Judiciary, configured by the possibility of presenting a demand face this organ, the effective access to justice, right enshrined in the Constitution of 88, is much more complex, bring the assurance to propose a demand, which have to follow reasonable time and culminate in a fair decision by the judging body. In front of the critical moment that the Brazilian judiciary is living with the increasing number of demands is important to note as some principles imposed by the constitutional legislator, that can help the realization of access to justice. Among these means are the constitutional principles of civil procedure and due process and the reasonable duration of proceedings. In this sense, this article seeks to uncover how and by what means, these principles can help to have effective access to justice. This is what we want to achieve through the development of this study.


Key-words: Access to Justice; Reasonable Length of Process; Due Process of Law.


Sumário: 1. A evolução histórica do Direito Processual Civil brasileiro sob o enfoque do acesso à justiça. 2. A importância dos princípios como fonte de Direito. 2.1. Os princípios do Processo Civil. 2.1.1. Princípio do devido processo legal. 2.1.2. Princípio do contraditório e ampla defesa. 2.1.3. Princípio da publicidade. 2.1.4. Princípio da razoável duração do processo. 3. Acesso à justiça. 3. Acesso à justiça: Conceito e definições. 4. Obstáculos ao acesso à justiça. 5. A importância do princípio do devido processo legal e da razoável duração do processo para o acesso efetivo à justiça. 6. Referências.


1. A evolução histórica do Direito Processual Civil brasileiro sob o enfoque do acesso à justiça


Antes de discorrermos sobre o assunto, é de suma importância conceituar o Direto Processual Civil tendo em vista que será o objeto de estudo no presente capítulo.


Segundo Alexandre Câmara essa conceituação não é pacífica em âmbito nacional ou internacional (2006, p.3), mas para todos os efeitos, adotaremos o conceito mais utilizado pela doutrina moderna, que diz que o Direito Processual Civil é “o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado” (CINTRA; GRINOVER e DINAMARCO, 1996, p.40).


O Processo Civil brasileiro passou por uma evolução que pode ser dividida basicamente em três fases a serem estudadas: “a fase imanentista, a fase científica e a fase instrumentalista.” (CÂMARA, 2006, p. 8).


Na chamada fase imanentista, o direito processual civil não era dotado de caráter autônomo, e era visto como um simples “apêndice do direito material” (CÂMARA, 2006, p. 8). Pode-se dizer que esta foi uma fase pouco significativa entre o processo civil e o acesso à justiça, pois este servia como mero procedimento para tutelar o direito subjetivo.


Este modo de ver o direito processual civil como “mera seqüência de atos e formalidades”, como era na fase imanentista, mudou com a publicação da obra “A Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais” escrita por Oskar Von Bülow que inovou ao diferenciar o direito processual civil do direito material dando-lhe assim um caráter autônomo e um status de ramo do Direito. Pode-se dizer que esta fase, a fase científica, foi de fundamental importância para o aparecimento de grandes nomes do direito processual, como


“Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman na Itália, de Jaime Guasup na Espanha, Alfredo Buzaid, Lopes da Costa, Moacyt Amaral dos Santos no Brasil” (CÂMARA, 2006, p.9).


Autores estes que desenvolveram substanciais conhecimentos teóricos que serviram de base para a consolidação do direito processual como ramo do direito. E esta consolidação apesar de ter uma conotação aparentemente benéfica, trouxe na verdade, obstáculos ao acesso à justiça, na medida em que produziu um inchaço de conhecimento, teorias e institutos que dificultavam o acesso efetivo à justiça.


A chamada fase instrumental do processo, trouxe consigo avanços substanciais para o campo do acesso à justiça.


Com a mudança no pensamento de que agora o direito processual civil é um ramo do direito que possui autonomia cientifica, incorporações foram realizadas no referido diploma a fim de adequá-lo a nova realidade. Entretanto, tais incorporações não se mostraram suficientes para atender as “mudanças sociais e novas necessidades jurisdicionais, bem como a necessidade de correção de erros e omissões do CPC/73” (KLIPPEL, 2007, p.25), o que demandou algumas reformas no CPC, a fim de harmonizar as inovações ao que já existia no Código de Processo Civil anterior.


O processo civil então deve ser visto “Como instrumento de solução das crises de cooperação existentes no plano substancial, espera-se que o processo cumpra seu mister” (BEDAQUE, 2010, p. 20).


Houveram alterações significativas no campo do acesso à justiça, e da efetividade processual, principalmente no sentido do processo ser mais célere possível, garantia esta que é fundamental ao acesso à justiça, além de ser um direito previsto pelo artigo 5°, LXXVIII da Magna Carta de 88. Segundo Bedaque, “Embora muito distante do que se considera ideal, inegável a adoção, nos últimos 20 anos, de medidas legislativas, inclusive no plano constitucional, destinadas a facilitar o acesso à Justiça”.


Cumpre ainda ressaltar que a “Carta Magna de 1988 reavivou o espírito da efetiva prestação jurisdicional através de todos os direitos fundamentais que resguardou, movimento este que se fez presente em todos os ramos do direito, inclusive no Processo Civil” (ORTEGA, 2009).


2. A importância dos princípios como fonte de Direito


O sistema jurídico brasileiro é formado por um conjunto de regras e princípios. As regras obedecem uma lógica do “tudo ou nada”, famosa expressão de Dworkin, “na medida em que descrevem o que se deve, ou não se deve ou se pode fazer em determinadas situações” (MARINONI, 2010, p. 49). Os princípios se diferenciam das mesmas, na medida em que são “linhas mestras ou diretrizes que informam como o direito, ou algum dos seus ramos específicos, deve ser interpretado e aplicado” (KLIPPEL, 2007, p. 41).


De acordo com Brasil Junior, “a aplicação de princípios morais em detrimento de regras jurídicas sempre foi objeto de, no mínimo, desconfiança ou ceticismo por parte de renomados cientistas do direito.” (2007, p. 86). No entanto, há quem conceba ambos, como “espécies de norma, de modo que a distinção entre regras e princípios constitui uma distinção entre duas espécies de norma” (SILVA, J., 2009, p.92).


Mas voltando à análise das regras e princípios, o que se pode constatar é que os princípios apresentam um grau de flexibilidade, não muito comum as regras.


No direito contemporâneo, e principalmente pós-constituição de 1988, os princípios passaram a assumir um papel ainda mais relevante no ordenamento jurídico, uma vez que auxiliam também na solução de casos concretos importantíssimos, como os referentes ao controle de constitucionalidade ou nos casos de lacuna jurídica, por exemplo.


Conhecidos também como “válvulas de escape”, os princípios “constituem-se no ponto final das fontes subsidiárias em nosso direito positivo, fechado, ou seja, é a norma de encerramento” (ALVIN, 2006, p. 147). Em outras palavras, é possível dizer que os princípios também possuem a função de colmatar eventuais lacunas jurídicas.


Na seara do Direito Processual Civil, Fredie Didier, pondera que devemos considerar os princípios constitucionais como verdadeiros direitos fundamentais processuais, e como tais, devemos obedecer algumas diretrizes para a sua aplicação, quais sejam:


“a) O magistrado deve interpretar esses direitos como se interpretam os direitos fundamentais , ou seja, de moro a dar-lhes o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, aplicando o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental; c) o magistrado deve levar em consideração, “na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais”. (2009, p. 25)


Estas diretrizes nos fazem perceber que mesmo pelo fato de os princípios serem normas mais gerais e abertas, a aplicação dos mesmos no caso concreto não ocorre de maneira arbitraria por parte do órgão julgador. Este deverá motivar sua sentença, orientando-se por uma série de parâmetros para que o caso seja decidido da melhor forma e com o menor sacrifício possível de um princípio em detrimento do outro.


2.1. Os princípios do Processo Civil


O processo civil é regido por princípios de natureza constitucional e infraconstitucional. Klippel define os princípios constitucionais como “Garantias mínimas que o legislador criou para o exercício da jurisdição, encampando valores sociais, históricos, políticos e jurídicos que permeiam a sociedade brasileira.” (2007, p. 41). Já os princípios infraconstitucionais são vistos como


“[…] diretrizes eminentemente técnicas, que indicam as opções que o legislador empregou na hora de moldar as principais características dos diversos procedimentos por meio dos quais são tuteladas as situações jurídicas conflituosas ou não” (KLIPPEL, 2007, p.101).


Embora ambos sejam de grande importância para balizar o processo civil, caberá ao presente artigo, aprofundar-se apenas a alguns princípios constitucionais do processo civil, em especial, aqueles que possuem forte ligação com o acesso à justiça.


2.1.1. Princípio do devido processo legal


É conferido ao princípio constitucional do devido processo legal uma grande importância, sendo até considerado pelos doutrinadores como um “princípio base, sobre o qual todos os outros se sustentam.” (DIDIER JR, 2009, p. 29)


Advindo da expressão “due process of law”, o princípio do devido processo legal está atualmente consagrado na Constituinte de 88 no Artigo 5°, LIV, que assim nos versa


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”


Visto sob duas dimensões, o devido processo legal pode ser analisado em seu sentido formal e material. Didier estabelece que em sentido formal, sua função é de balizar a decisão judicial para que ela “seja substancialmente razoável e correta” (2009, p. 32), enquanto no sentido material, “é basicamente o direito a ser processado e a processar de acordo com as normas previamente estabelecidas para tanto” (DIDIER JR, 2009, p. 38).


Regidos por um Estado Democrático de Direito, ressalta-se ainda mais sua importância ao decorrer do processo, para que aqueles busquem solucionar seu conflito pelas vias judiciárias, “exerçam todas as possibilidades de ataque e defesa que lhes pareçam necessárias, isto é, de participação” (BUENO, 2009, p.107).


Porém, como bem aponta Dinamarco, “Nenhum princípio ou garantia é absoluto, nem insuscetível de releituras e interpretações coerentes com as mutantes exigências do tempo.” (2010, p. 155). Isto significa que, há a possibilidade de que em situações excepcionais e que não atinjam negativamente nenhuma das partes, o devido processo legal seja relativizado em nome da facilitação ao acesso à justiça.


Em síntese, como traz Bueno, podemos enxergar o principio do “devido processo legal” como aquele que vai “indicar as condições mínimas em que o processo, deve se dar” (2009, p.106).


2.1.2. Princípio do contraditório e ampla defesa


Também de matriz constitucional, contemplado pelo artigo 5°, LV, encontramos que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. E como bem ressalta Didier, “Embora correlatos no mesmo dispositivo constitucional, contraditório e ampla defesa distingui-se” (DIDIER JR, 2009, p. 62).


No que tange a ampla defesa, entende-se que a mesma


“[…] será compreendida como garantia das partes de amplamente argumentarem, ou seja, as partes além de participarem da construção da decisão (contraditório), têm direito de formularem todos os argumentos possíveis para a formação da decisão, sejam estes de qualquer matiz”. (CARVALHO; GUIMARÃES e PELLEGRINI, 2010, p.11)


Ou seja, a garantia que permitirá tanto o autor quanto o réu da ação, participar de maneira ampla, trazendo todos os elementos que acharem pertinentes para auxiliar o julgador a melhor compreender as teses oferecidas.


Já por contraditório devemos entender como “a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis” (NERY JR. apud KLIPPEL, 2007, p.75).


O que podemos concluir, é que ambos encontram-se ligados “à idéia de processo, visto que faz parte da dialética que o processo desenvolve permitir e garantir a participação dos sujeitos que ali se relacionam” (KLIPPEL, 2007, p. 75). Tendo em vista o grau de importância desta participação, tem-se que a mesma deve ser respeitada sob pena de nulidade.


2.1.3 Princípio da publicidade


Além de previsão constitucional pelo artigo 5°, LX, o princípio da publicidade dos atos processuais vem reforçado no diploma processual civil, em seu artigo 155.


Tal garantia tem por objetivo principal, “permitir o controle dos atos judiciais pela opinião pública, democratizando, por meio da informação, o acesso à justiça” (KLIPPEL, 2007, p. 88).


É necessário destacar, que este princípio suporta exceções, que são os chamados casos de “segredos de justiça”. Estas exceções estão elencadas nos incisos do Art. 155, onde encontramos


Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:


I – em que o exigir o interesse público;


Il – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.”


Atualmente é crescente a preocupação com os direitos de personalidade e intimidade, tendo em vista o desenvolvimento de tecnologias que possibilitam cada vez mais a divulgação rápida de informações sem a devida vigilância e cuidado. E é esta falta de precauções que tem ocasionado constante violação a estes direitos.


Contudo, devemos sempre ponderar, para que a importância ascendente dos direitos de personalidade e intimidade na atualidade, para que o princípio da publicidade não se desvirtue da sua finalidade principal que é possibilitar o controle das decisões judiciais e assim colaborando para o acesso à justiça.


2.1.4 Princípio da razoável duração do processo


Inserido pela Emenda Constitucional n° 45/04, o princípio da razoável duração do processo incorporou ao artigo 5° da CF/88, o inciso LXXVIII. Atualmente este inciso possui a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”


O objetivo da inclusão deste princípio foi “tornar o processo célere e efetivo sem deixá-lo arbitrário ou aleatório e sem perder de vista os princípios e garantias fundamentais é o desafio do processo contemporâneo especificamente o brasileiro” (CARDOSO, 2007, p.7).


Percebe-se na inclusão deste dispositivo, assim como em vários outros inseridos em legislações de diferentes países e tratados internacionais (inclusive tratados em que o Brasil é signatário, como o Pacto São José da Costa Rica), a evidente preocupação em âmbito mundial com o tempo de duração do processo, que ainda nos dias de hoje toma uma duração assustadora.


No que tange a sua função, o princípio da razoável duração do processo, cuidará de garantir “o desenvolvimento do processo sem dilações indevidas, ou seja, sem atos processuais desnecessários e inadequados para o escopo do processo”. (BRASIL JR., 2007, p. 128)


Tem-se que esta garantia é imprescindível, pois como bem se posiciona Rejane Soares Hote,


“Não basta facilitar o ingresso à justiça a todos que acreditam ser detentores do direito material, significa, acima de tudo, buscar pelo aprimoramento constante da ordem processual, de modo que o processo possa de forma efetiva e tempestiva produzir soluções satisfatórias para os que dele necessitem”. (2007, p.490)


Afinal, o escopo do processo quanto mais afastado pelo tempo, nunca parecerá razoável. Todavia, é preciso ressaltar que a preocupação com a celeridade não deverá violar a segurança jurídica ou as garantias constitucionais que permitam as partes contribuírem a seu favor para o resultado decisório.


3. Acesso à justiça: Conceito e definições


Encontramos em meio os direitos e garantias fundamentais instituídos pela Constituição Federal de 1988, inciso XXXV, do artigo 5°, que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.


O dispositivo legal supracitado deu origem ao que chamamos de garantia constitucional do acesso à justiça, mas o que é efetivamente acesso à justiça?


Segundo os autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, podemos dizer que o conceito de acesso à justiça passou e tem passado por evoluções significativas, que estão diretamente ligados “a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil” (1988, p. 9).


Numa rápida trajetória, verificamos que o conceito de acesso à justiça na fase dos estados liberais dos sécs. XVIII e IX, era visto apenas como um “direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p.9).


Já numa fase vivenciada em um contexto de sociedade moderna, onde as demandas assumiram um caráter mais coletivo em virtude dos movimentos em prol dos direitos sociais e principalmente com o advento da Declaração Universal de direitos humanos, entramos em outra fase do acesso à justiça. Neste contexto de valorização dos indivíduos inserida no então Estado de Bem Estar social, o acesso à justiça, ganha uma maior importância, vez que, “é a partir dele que se pode exigir outros direitos.” (SILVA, C., 2009).


Para um melhor entendimento, é preciso ainda fazer uma distinção entre acesso à justiça e acesso aos tribunais. O acesso à justiça deve ser analisado de maneira mais complexa, como o direito de propor uma ação, desta tramitar segundo ao devido processo legal e resultar em uma decisão justa. Já o acesso aos tribunais, pode ser entendido como o mero direito de propor uma ação, de demandar perante o judiciário.


Sendo assim, é possível entender facilmente a colocação de Brasil Júnior, ao dizer que “Todos têm a garantia constitucional de acesso à “justiça”. Não ao Poder Judiciário, mas ao resultado justo que se espera do processo.”(2007, p.159).


Mendonça traz ainda uma visão interessante para firmar esta distinção, ao expor que


“O acesso à justiça deve estar vinculado mais ao conceito axiológico de justiça. Assim, contaríamos com a possibilidade de buscar a justiça, não somente por meio do Poder Judiciário, como também, pela mediação e pela arbitragem que, conforme visto anteriormente, precederam a jurisdição.” (2005)


Feitas, de forma sintética, as mais importantes considerações sobre a conceituação do acesso à justiça, entraremos no estudo da sua aplicação sob enfoque dos obstáculos substanciais, que ainda em tempos modernos, impossibilitam sua completa efetivação.


4. Obstáculos ao acesso à justiça


Como os maiores estudiosos sobre o fenômeno acesso à justiça, e toda a temática que o circunda, Capelleti e Garth, estabelecem em seu famoso livro “Acesso à Justiça”, os maiores obstáculos ao acesso efetivo à justiça: a precária assistência jurídica aos pobres, a tutela dos direitos coletivos e difusos e o apego excessivo ao poder judiciário como pacificador de conflitos. Estudaremos então, estes como os principais obstáculos ao acesso à justiça.


O primeiro obstáculo está ligado à precária assistência jurídica aos pobres, figurando assim, um obstáculo econômico, que na prática reforça-se como empecilho ao acesso à justiça já que os custos derivados do processo judicial como: preparo, honorários, custas, além de diversos outros custos reflexos da tramitação do processo, o torna oneroso para a parte desfavorecida economicamente. A constatação de que em grande parte dos casos, pessoas menos afortunadas pleiteiam causas de pequeno valor, faz com que estes custos, sejam responsáveis por “inviabilizar o acesso às classes desfavorecidas porque é exatamente neste tipo de demanda que elas tendem a intervir” (LIMA FILHO, 2003, p. 161).


Pode-se constatar ainda que o constrangimento que muitas vezes os litigantes menos favorecidos sentem ao verificar toda uma postura, vestimentas e linguagem ainda inerentes ao poder judiciário, acaba por afastá-lo de procurar pela tutela jurisdicional.


Além disso, o que se percebe também é que os litigantes de classe econômica mais baixa possuem substancialmente menos saber quanto ao universo jurídico, como proceder nas situações ocorrentes e até mesmo sobre a existência de uma defensoria pública que poderia auxiliá-lo, por exemplo.


A contratação de um bom advogado é ainda outro fator que se soma para a constituição deste obstáculo, pois nota-se evidentemente a disparidade da representação e sua qualidade da defesa entre aqueles providos de uma situação financeira melhor em face dos mais abastados.


Infelizmente, o quadro social de desigualdade social no Brasil e a “cultura do litígio”, que tem abarrotado as nossas defensorias públicas e o Poder Judiciário como um todo, não contribuem nem um pouco para a solução deste obstáculo, sendo assim, este se apresenta como o obstáculo mais difícil a ser ultrapassado.


Quanto ao segundo obstáculo, este se materializa devido à criação de inúmeros direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no ordenamento jurídico em nosso ordenamento jurídico. Estes direitos figuraram grande avanço, porém “restavam já com a sua eficácia comprometida por ausência de aparato procedimental e de uma nova concepção do processo que os fizesse valer” (CESAR, 2002, p. 62).


Há de se destacar que este obstáculo atualmente se mostra em grande parte enfrentado, tendo em vista a possibilidade de ampliação do pólo ativo da demanda, como nos casos de atuação do Ministério Público em ações civis públicas, organizações não estatais como sindicatos e associações ou até mesmo por agências públicas especializadas (como existe em países como nos Estados Unidos e Inglaterra, para solucionar este problema).


Já o último obstáculo, diz respeito ao apego excessivo a tutela jurisdicional estatal e grande desconfiança de métodos alternativos para soluções de conflitos. Porém, tem-se percebido avanços nesta área, pois em meio a chamada “crise do judiciário”, as queixas de “ausência de justiça ou de sua morosidade, bem como a ineficácia de suas decisões” (CALMOM, 2007, p.3) tem levado os litigantes aos poucos a procurar métodos auto compositivos. E é neste contexto que tem ganhado enfoque métodos como conciliação, mediação e arbitragem.


Diante de todo exposto, deve ser feita a ressalva de que os estudos realizados por Cappelletti e Garth foram publicados em outra época e não possuíam enfoque apenas no Estado brasileiro. Entretanto, a perspectiva destes autores sobre o assunto, se apresenta ainda como a melhor fonte de pesquisa. Ademais, mesmo com a crescente criação de meios para solucionar o problema do acesso à justiça como foi visto, há muito ainda a ser solucionado.


5. A importância do princípio do devido processo legal e da razoável duração do processo para o acesso efetivo à justiça


As soluções dos obstáculos anteriormente narrados contribuirão imensamente para a efetividade do acesso à justiça, porém, há de ser tratado aqui, que superados estes obstáculos, encontraremos ainda dificuldades processuais que podem cercear o acesso à justiça efetivo, como a longa duração do processo e o desrespeito ao seu tramite legalmente estabelecido.


Assim, entram em cena dois princípios indissociáveis para o acesso efetivo à justiça, são eles: o devido processo legal e a razoável duração do processo.


Como já estudado em capítulo próprio, o princípio do devido processo legal, em suas dimensões, pretende assegurar uma decisão razoável e assegurar a observância das normas processuais no decorrer do processo, para a formação da decisão judicial. Para Câmara, sob um aspecto processual, o devido processo legal deverá ser entendido “como a garantia ao pleno acesso à justiça” (2006, p.33). Acesso este que irá conferir o poder da parte trazer suas pretensões e assegurá-las do modo mais completo possível.


Sendo assim, tem aplicação prática de no trâmite processual, de possibilitar a formação de um sério processo de construção do direito objeto do litígio, construção esta que deverá conceder à parte verdadeiramente possuidora, seu direito, alcançando assim, o escopo do acesso efetivo à justiça, ou seja, dar o direito a quem tem o direito.


Quanto ao princípio da razoável duração do processo, Marinoni assevera que “Problema não menos significativo é o da duração dos processos. A lentidão da justiça civil deve exigir cada vez mais a atenção dos estudiosos do processo civil.” (1999, p. 32). Tanto é que “os esforços para harmonizar as exigências técnicas do processo com uma estrutura razoavelmente célere vem caracterizado, em época contemporânea” (TUCCI 1992, p. 101).


A razão de tanta demora, não se funda apenas em fatores processuais, a questão da estrutura e forma de funcionamento do poder judiciário é outro fator que evidentemente também deve ser trabalhado para a tramitação mais célere dos processos judiciais.


A necessidade de uma garantia de celeridade no ordenamento pátrio corrobora para o acesso à justiça das mais diferentes formas, uma vez que procura evitar a promoção da desigualdade entre as partes de diferente situação econômica por prolongar os custos do processo, e também o transtorno emocional e psicológico dos litigantes, que podem acabar por ceder à pretensão da outra, além de até mesmo a perda do próprio direito que se deseja como objeto da demanda.


Muito acertada a posição de Bedaque ao escrever que é necessária a “observância de determinadas formalidades, que, em última análise, são necessárias porque se destinam a garantir a liberdade. Mas não podem ser exageradas, sob pena de contrariarem seus próprios fins”. (2010, p. 43)


Ademais, cumpre reforçar que “a justiça tardia corresponde a verdadeira denegação da justiça.” (TUCCI, 1993, p. 100). Contudo, a preocupação com a celeridade não pode ser exacerbada ao extremo de impossibilitar que os litigantes exerçam devidamente suas defesas ou ao ponto de afetar a segurança jurídica.


 


Referências

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BUENO, Cássio Scarpinela. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil I. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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Nota:

[1] Trabalho orientado pelo Prof. Msc. Bruno Albino Ravara – Mestre em Direitos e Garantias Constitucionais pela FDV – Faculdade de Direito de Vitória. 


Informações Sobre o Autor

Luiza Baleeiro Coelho Souza

Acadêmica de direito na FDV – Faculdade de Direito de Vitória/ES


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Equipe Âmbito
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