Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar as inovações trazidas pela Lei nº 13.105/2015, a qual promulgou o Novo Código de Processo Civil em nosso ordenamento jurídico. Algumas novidades trazidas refletem diretamente no processo e no trabalho dos operadores do Direito, mormente os juízes de Direito atuantes na República Federativa do Brasil, os quais com o novo diploma legal passam a ter suas decisões e seus julgamentos delineados formalmente pelo artigo 489, § 1º, do Código de Processo Civil, o qual estabelece as hipóteses em que não serão consideradas fundamentadas as decisões judiciais, sejam elas interlocutórias, sentenças ou acórdãos que se enquadrem nos incisos I, II, III, IV, V e VI do referido dispositivo legal. As decisões judiciais que não forem consideradas fundamentadas serão declaradas nulas e, portanto, não surtiram efeitos jurídicos em nosso ordenamento e deverão ser substituídas por outras decisões devidamente fundamentadas que não se enquadrem nos referidos incisos. O artigo em testilha visa abordar o dever de fundamentação das decisões com o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça no que tange ao princípio em comento, trazendo as suas peculiaridades e seus reflexos no âmbito jurídico brasileiro.
Palavras chaves: decisão judicial, princípios, motivação, fundamentação, nulidade.
Abstract: This article intends to present the innovations brought by Law 13.105 / 2015, which promulgated the New Code of Civil Procedure in our legal system. Some innovations have brought a direct reflection on the process and work of the operators of the Law, especially the Law Judges who work in the Federative Republic of Brazil, who with the new legal diploma begin to have their decisions and their judgments formally outlined by article 489, § 1 , of the Code of Civil Procedure, which establishes the cases in which judicial, judicial or judicial decisions, which are included in items I, II, III, IV, V and VI of said legal provision should not be considered as justified. Judicial decisions that are not considered justified will be declared void and therefore will not have legal effects in our legal system and should be replaced by other duly substantiated decisions that do not fall within those paragraphs. The article in question aims to meet the duty to state reasons for decisions with the recent understanding of the High Court of Justice regarding the principle in question, bringing its peculiarities and reflexes in the Brazilian legal framework.
Keywords:judicial decision, principles, motivation, grounds, nullity.
Sumário: Introdução. 1. Motivação das decisões. 1.1. Contextualização histórica. 1.2. Princípios fundamentais do Processo Civil. 2. Pronunciamentos judiciais. 2.1. Despachos. 2.2. Decisões interlocutórias. 2.3. Sentenças. 2.4. Acórdãos. 2.5. Decisões monocráticas. 3. Requisitos (Elementos) essenciais da sentença na ótica do CPC de 1973 e do CPC de 2015. 3.1. Relatório. 3.2. Fundamentação. 3.3. Dispositivo. 4. Ausência de fundamentação. 4.1. Hipóteses previstas no CPC de 2015. 4.2. Efeito (s) decorrente (s) da ausência. Considerações finais. Referências
Introdução
O presente artigo realizou um esboço histórico acerca da Lei nº 13.105/2015, a qual inaugurou o Novo Código de Processo Civil em nosso ordenamento jurídico e trouxe inúmeras inovações jurídicas. Entre estas inovações destacamos o artigo 489 do Código de Processo Civil, mormente o parágrafo primeiro do referido artigo, o qual estabelece em seus incisos as hipóteses em que as decisões judiciais sejam elas decisões interlocutórias, sentenças ou acórdãos que, porventura, se enquadrem nos referidos incisos serão considerados nulos e não surtirão efeito no mundo jurídico.
Outrossim, pretende-se com este trabalho estudar o artigo 489 do Código de Processo Civil e o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça nos autos dos Embargos de Declaração no Mandado de Segurança nº 21.315 – DF, de relatoria da Ministra Diva Malerbi, Desembargadora convocada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, julgado em 08 de junho de 2016.
O artigo está estruturado 04 (quatro) capítulos, a saber.
O primeiro capítulo apresenta um esboço histórico e os princípios fundamentais do Processo Civil.
O segundo capítulo elenca as diversas espécies de pronunciamentos judiciais existentes em nosso ordenamento jurídico.
O terceiro capítulo estabelece os requisitos, anteriormente chamados de elementos, essenciais da sentença.
E o quatro e último capítulo reflete acerca das hipóteses e consequências/efeitos decorrentes da ausência de fundamentação das decisões judiciais.
Por fim, serão apresentadas as conclusões a que se chegou sobre o tema, de forma a contribuir para um maior aprendizado acerca do artigo 489 do Código de Processo Civil e da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no acórdão da lavra da Ministra Diva Malerbi (Embargos de Declaração no Mandado de Segurança nº 21.315 – DF, julgado em 08/06/16).
1. Motivação das decisões
1.1 Contextualização histórica
A motivação das decisões judiciais prescrita atualmente em nosso ordenamento jurídico não pode ser apreciada desgarrada de um enfoque histórico. Podemos observar sua maior influência vinda do Iluminismo, oriundo do continente europeu, no curso do século XVIII.
Procedendo-se então com uma avaliação do direito luso-brasileiro, podemos então constatar que a obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais é tradicional.
Nery Júnior (2013) ensina que as Ordenações Filipinas previam ser dever do juiz motivar suas decisões (Livro III, Título LXVI, n. 7º), vindo a ter sua continuidade no Regulamento 737 de 1850, mormente no artigo 232.
De igual sorte, o Código de Processo Civil de 1939 trazia expressa previsão em seu artigo 118, parágrafo único, de se fazer constar em sentença os fatos e as circunstâncias que levaram o magistrado ao seu convencimento, complementando a determinação, no artigo 280, inciso II, de igualmente serem apresentados os fundamentos de fato e de direito sobre os quais foi pautado o julgamento da causa.
No Código de Processo Civil de 1973 o artigo 458, inciso II, manteve a orientação do já acima mencionado artigo 280, inciso II, do Código de Processo Civil do ano de 1939.
O mesmo diploma legal traz no artigo 165 a determinação de fundamentação das decisões interlocutórias, ainda que de forma concisa.
No mesmo sentido, encontra-se a previsão contida no artigo 131, atinente ao livre convencimento motivado do magistrado, lhe sendo impingida a motivação de seu convencimento.
Os mencionados artigos do Código de Processo Civil de 1973 não foram revogados pelo Código de Processo Civil de 2015, ao contrário, foram ratificados no sentido da necessidade de fundamentar as decisões judiciais.
O artigo 458, inciso II foi alterado para o artigo 489, inciso II, o artigo 165 embora não tenha correspondente no Código de Processo Civil de 2015, constamos que o artigo 11 estabelece que todas as decisões (inclusive, as decisões interlocutórias) devem ser fundamentadas[1]. E, por fim, o artigo 131 do mesmo diploma legal foi substituído pelo artigo 371.
Quanto ao significado de fundamentar, esclarece Nery Junior (2013) que fundamentar significa que o magistrado deve expor as razões de fato e de direito que lhe convenceram a decidir a questão daquela maneira.
A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão.
Nada obstante todas as previsões acima evidenciadas, certo é que nossa Constituição Federal de 1988 trouxe, de forma expressa, a necessária e obrigatória fundamentação das decisões judiciais, em seu artigo 93, inciso IX.
Outrossim, importante destacar que o nosso constituinte estabeleceu a penalidade no texto, consistente no reconhecimento e aplicação de nulidade aos atos decisórios que não observassem o preceito ali cominado, qual seja: o dever de fundamentação.
Com efeito, a exigência de fundamentação das decisões judiciais é um meio de controle dos poderes do juiz.
Em outras palavras, além de possibilitar às partes atacarem de forma especificada os fundamentos da decisão, tal exigência de motivação revela-se como um meio de controle da sociedade sobre a atuação dos juízes, de sua legalidade e imparcialidade. E, por tais argumentos, constatamos que até as decisões de última instância são fundamentadas, embora contra tais decisões inexistam recursos a serem interpostos no ordenamento jurídico.
“Cada vez mais, há magistrados que passam a atuar como formadores de opinião junto a seus colegas e a outros operadores jurídicos. Tal circunstância leva a concluir que muita coisa na magistratura está mudando e para melhor (PRADO, 2003, p.97).”
Com o advento do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) ocorreram profundas modificações promovendo a valorização dos princípios constitucionais de fundamentação das decisões por parte dos juízes, do contraditório e da ampla defesa, entre outros princípios, ampliando-se a interdisciplinaridade entre a lei processual e a Constituição Federal.
Theodoro Júnior (2011) relembra que a convivência do homem em sociedade é possível graças ao Direito, que traça e impõe aos indivíduos as normas de conduta indispensáveis à manutenção da justiça e da segurança de cada um e da comunidade.
Ressaltamos que as normas do Direito são traçadas abstratamente como previsão a ser observada nas relações intersubjetivas. São normas de conduta (norma agendi) ditadas para a generalidade dos membros da coletividade e, em situações concretas, geram, para determinadas pessoas, a faculdade de exigir de outras uma certa conduta, positiva ou negativa (facultas agendi).
Deste modo, quando a pessoa pretende satisfazer uma necessidade, ela procura o objeto adequado: o bem apto. Pode, no entanto, ocorrer que outra pessoa, também, avoque a si a faculdade de satisfazer-se à custa do mesmo bem.
Assim, surge o conflito de interesses, que ocorre justamente quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade, se verificada em relação a um sujeito, exclui a possibilidade de constituir-se a mesma situação relativamente a outro sujeito.
Esse conflito pode ser resolvido particularmente pelos próprios interessados, quer através do reconhecimento do direito subjetivo da outra parte, quer por meio de renúncia à própria facultas agendi.
Se o conflito persiste, pela impossibilidade de composição voluntária e pela resistência oposta por uma parte à pretensão da outra, temos a lide.
Para solucioná-la, a ordem jurídica instituiu o remédio denominado processo que, segundo o grande processualista Giuseppe Chiovenda, é o complexo de atos coordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei (com respeito a um bem que se pretende garantido por ela) por parte dos órgãos jurisdicionais.
Em sendo assim, consiste o processo, praticamente, no fenômeno que ocorre quando alguém, com ou sem razão, propõe ao juiz uma demanda e para realizar o objetivo do processo, que é a aplicação do direito à situação concreta exposta pelas partes, o órgão judicial exerce, ordinariamente, dupla atividade: examina os fatos demonstrados pelas partes e, também, examina o direito como vontade abstrata da lei.
Ao final, conjugando as duas premissas, extrai-se a conclusão através da sentença, que é a verdadeira manifestação concreta da vontade da lei.
A seguir serão elencados alguns dos principais princípios existentes no ordenamento jurídico que possuem forte influência com o dever de fundamentação das decisões judiciais em nosso ordenamento jurídico.
1.2. Princípios fundamentais do Processo Civil
Câmara (2010) ensina que, como qualquer outra ciência, também o direito processual está sujeito a princípios norteadores de todo o desenvolvimento da disciplina.
Os referidos princípios servem como orientação segura para a interpretação dos institutos que integram o campo de atuação e ciência, sendo certo que os mais importantes princípios processuais encontram-se consagrados na Constituição Federal.
Analisando detidamente os princípios constitucionais do direito processual, constata-se que o mais importante, sem sombra de dúvida, é o do princípio do devido processo legal consagrado no artigo 5º, inciso LIV[2], da Constituição Federal, este princípio é, em verdade, causa de todos os demais.
Em outras palavras, todos os outros princípios constitucionais do Direito Processual Brasileiro que serão abaixo analisados são corolários do devido processo legal e estariam presentes no sistema positivo ainda que não tivessem sido incluídos expressamente no texto constitucional.
A consagração na Lei Maior do princípio do devido processo legal é suficiente para que se tenha por assegurado todos os demais princípios constitucionais do Direito Processual.
Analisaremos, individualmente, alguns dos principais princípios constitucionais correlacionados elencado suas peculiaridades e eventuais correspondências no âmbito jurídico.
Princípio do Devido Processo Legal
O princípio do devido processo legal encontra-se consagrado no artigo 5º, inciso LIV da Constituição da República[3].
Neves (2016) ensina que é pacífico o entendimento de que o devido processo legal funciona como um supra princípio, um princípio base, norteador de todos os demais princípios que devem ser observados no processo.
Além do aspecto processual, também, se aplica atualmente o devido processo legal como fator limitador do poder de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas no ordenamento jurídico.
Ainda que exista certa divergência a respeito da sua origem, costuma-se creditá-la à previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, do ano de 1.215, que utilizava a expressão law of the land, tendo surgido a expressão due process of law para designar o devido processo legal somente em lei inglesa do ano de 1.354.
Neste ponto, acerca da origem histórica do princípio em testilha, Câmara (2010) ratifica que o referido princípio teve origem no Direito inglês, sendo muito frequente neste ponto fazer-se referência ao texto da Magna Carta, texto jurídico inglês promulgado em 1.215, e que costuma ser considerado como a primeira Constituição escrita de que se teve notícia.
É preciso, porém, afirmar que a Magna Carta não continha referência explícita ao princípio do devido processo legal.
A Magna Carta assegurou, primeiro aos barões, e depois a todo povo do Reino Unido, que somente se poderia submeter alguém a julgamento se este fosse realizado pelos pares daquele que estivesse sendo julgado e, ainda, que um súdito do reino somente poderia ser submetido às leis de seu país, o que significava dizer que uma pessoa somente poderia ser submetida a uma lei que se originasse de seus pares, da sua sociedade e que por ela fosse considerada como razoável e, portanto, apta para ser aplicada.
A garantia do devido processo legal surgiu como sendo de índole exclusivamente processual, mas, depois, passou a ter também um aspecto de direito material, o que levou a doutrina a considerar a existência de um substantive due process of law ao lado de um procedural due process of law.
Deste modo, é que o devido processo legal, substancial (ou material) deve ser entendido como uma garantia do trinômio “vida, liberdade e propriedade”, através do qual se assegura que a sociedade somente será submetida a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da sociedade, demonstrando assim sua finalidade social.
Tal garantia substancial do devido processo legal pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade das leis.
Outrossim, importante mencionar que o aspecto processual da garantia, o chamado procedural due process of law, deve ser entendido como a garantia de pleno acesso à justiça.
O referido acesso, frise-se que, antes de mais nada, não pode ser entendido como uma garantia formal em que se afirmasse de forma hipócrita que todos podem demandar, provocando a atividade do judiciário, bastando para tal que se contrate um advogado e que se adiante as custas do processo.
Desta forma, adotando esta conduta, a mencionada garantia seria inútil, ineficaz e consequentemente seria uma falsa garantia.
A garantia do acesso à justiça deve ser uma garantia substancial assegurando-se assim a todos aqueles que se encontrem como titulares de uma posição jurídica de vantagem que possa obter uma verdadeira e efetiva tutela jurídica a ser prestada pelo Poder Judiciário.
“A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser entendida como a garantia de que todos os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela jurisdicional, devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que a já referida tutela seja capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem mencionadas (CÂMARA, 2010, p. 38).”
Câmara (2010) enfatiza que o devido processo legal deve ser entendido como um processo justo, isto é, um processo em que seja assegurado um tratamento isonômico, num contraditório equilibrado, em que se busque um resultado efetivo, adaptado aos princípios e postulados da instrumentalidade do processo.
Segundo Neves (2016), atualmente, o princípio do devido processo legal é analisado sob duas óticas, falando-se em devido processo legal substancial (substantive due process) e devido processo legal formal (procedural due process).
No sentido substancial o devido processo legal diz respeito ao campo da elaboração e interpretação das normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas.
É o campo para a aplicação dos princípios, das regras – da razoabilidade e da proporcionalidade, funcionando sempre como controle das arbitrariedades do Poder Público.
“Originariamente voltado para a atuação do Poder Público, o devido processo legal substancial também vem sendo exigido em relações jurídicas privadas, com fundamento na vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ainda que tal vinculação deva ser ponderada no caso concreto com o princípio da autonomia da vontade (NEVES, 2016, p. 114).”
No sentido formal, o princípio do devido processo legal encontra a definição tradicional do princípio, dirigido ao processo em si, obrigando o juiz, no caso concreto, a observar os princípios processuais na condução do instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de seus direitos materiais.
Contemporaneamente, o devido processo legal vem associado com a ideia de um processo justo, que permite a ampla participação das partes e a efetiva proteção de seus direitos.
A seguir trataremos do princípio da isonomia.
Princípio da Isonomia
Câmara (2010) ensina que o princípio da isonomia é também chamado princípio da igualdade. O referido princípio está consagrado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal[4].
A isonomia está intimamente ligada à ideia de processo justo, eis que este exige necessariamente um tratamento equilibrado entre os seus sujeitos. Não podemos ver, porém, neste princípio da igualdade uma garantia meramente formal.
Neste sentido, a falsa ideia de que todos são iguais perante a lei e, por isso, merecem mesmo tratamento é contrária à adequada aplicação do princípio da isonomia.
Em outras palavras, podemos mencionar que as diversidades existentes entre todas as pessoas devem ser respeitadas para que a garantia da igualdade, mais do que meramente formal, seja uma garantia substancial. Por isso é que devemos obedecer à regra que determina tratamento igual às pessoas iguais e tratamento desigual às pessoas desiguais.
“O princípio da isonomia só estará sendo adequadamente respeitado no momento em que se garantir aos sujeitos do processo que estes ingressarão no mesmo em igualdade de armas, ou seja, em condições equilibradas. Este é o verdadeiro sentido da expressão par conditio, condições paritárias (CÂMARA, 2010, p.43).”
O princípio da isonomia está presente em todos os campos do Direito e aparece com muita força no campo processual, existindo uma série de exemplos capazes de permitir a exata compreensão do fenômeno.
Podemos citar como exemplo o tratamento desigual dispensado pelo Código de Processo Civil a pessoas desiguais, e que tem por fim assegurar a igualdade substancial, prevista no artigo 178, inciso II do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual o Ministério Público deverá intervir obrigatoriamente nos processos em que haja interesse de incapaz.
Outro exemplo bastante relevante é a situação exemplificativa do artigo 1.002, § 5º do Código de Processo Civil 2015 que define que, com exceção dos embargos de declaração, o prazo de que se dispõe para interpor recursos é de 15 dias e, também, é idêntico ao de que se dispõe a parte contrária para impugnar o recurso interposto.
“O objetivo primordial na isonomia é permitir que concretamente as partes atuem no processo, dentro do limite possível, no mesmo patamar. Por isso, alguns sujeitos, seja pela sua qualidade, seja pela natureza do direito que discutem em juízo, têm algumas prerrogativas que diferenciam seu tratamento processual dos demais sujeitos, como forma de equilibrar a disputa processual (Neves, 2016, p. 134).”
Superada a breve exposição acerca do princípio da isonomia, a seguir vamos mencionar acerca do princípio do Juiz natural, princípio este que possui elevada relevância no âmbito jurídico.
Princípio do Juiz Natural
Câmara (2010) destaca que este princípio é mais um dos corolários do devido processo legal (rectius, justo processo de direito).
O princípio do Juiz natural, também, possui assento constitucional no artigo 5º, incisos XXXVII[5] e LIII[6] da Constituição da República.
Da singela leitura das normas constitucionais acima elencadas, extrai-se, facilmente, o alcance do princípio.
Há que se afirmar, preliminarmente, porém, que o princípio do juiz natural só será entendido em todos os seus aspectos se ficar evidente que a garantia tem duas faces: uma primeira, ligada ao órgão jurisdicional, ou seja, ao juízo, e não propriamente à pessoa natural do juiz.
A segunda faceta do mesmo princípio, porém, diz respeito à pessoa do juiz, e está ligada à sua imparcialidade.
Com efeito, é o primeiro aspecto do princípio que a Constituição Federal consagra, ao proibir juízos de exceção e ao determinar que os processos tramitem perante o juízo competente.
Por esta razão, nada impede que se denomine este primeiro aspecto do princípio do juiz natural de “princípio do juízo constitucional”.
A Carta Magna quer assegurar é que os processos tramitem perante juízos cuja competência constitucional é preestabelecida. Tais regras devem ser observadas em todos os processos e eventuais alterações que as mesmas venham a sofrer não poderão ser aplicadas a casos que já tenham ocorrido antes da mudança.
“Em outros termos, a competência constitucional a ser observada em um processo é aquela que estava estabelecida na Lei Maior na data em que ocorreu o fato que será submetido ao Judiciário. Não se diga que tal regra está ligada à ideia de 'direito adquirido', pois não existe um 'direito adquirido ao órgão jurisdicional competente', mesmo porque a competência para o processo só é, em princípio, fixada com a propositura da demanda. (…) A proibição de que as mudanças posteriores ao fato sejam influentes na fixação da competência constitucional estão ligadas, isto sim, ao princípio do juiz natural (CÂMARA, 2010, p. 44).”
Outrossim, há, porém, um outro aspecto do princípio do juiz natural que muitas vezes é esquecido e que está ligado diretamente à pessoa natural que exerce, no processo, a função de juiz.
Trata-se da exigência de imparcialidade, essencial para que se tenha um processo justo, sendo, portanto, imprescindível que o juiz a que se submete o processo seja imparcial, sob pena de se retirar toda a legitimidade de sua decisão.
Neste ponto, não é crível imaginarmos, porém, que a exigência de imparcialidade esteja ligada a uma suposta exigência de neutralidade do juiz.
Em primeiro lugar, tal neutralidade é absolutamente impossível, uma vez que o juiz, como qualquer outro ser humano, exerce seu trabalho embasado em razão e emoção.
Em outras palavras, o raciocínio do juiz tem necessariamente premissas que só ele conhece inteiramente, as quais têm índole ideológica, cultural, econômica, religiosa, etc.
Além disso, o juiz, como qualquer ser humano, pode ser tentado a favorecer aquele que se mostra mais simpático ou mais fraco. A imparcialidade que se exige, porém, nada tem a ver com essas obviedades e peculiaridades inerentes à condição de ser humano.
Em segundo lugar, a neutralidade poderia levar o juiz a uma posição passiva, de mero espectador do processo, esperando que as partes se digladiassem para, só após, e com base estritamente nos elementos trazidos ao processo pelas partes, proferir sua decisão.
Tal neutralidade, porém, não está de acordo com as exigências do processo moderno, em que se quer um juiz dirigente e participativo, capaz de guiar o processo em busca da verdade, com poderes reais de direção do processo, podendo, por exemplo, determinar de ofício a produção das provas que entender necessárias ao julgamento do feito, conforme dispõe o artigo 370 do Código de Processo Civil[7] em vigor.
Cabe ressaltar, quanto a esta última afirmação, um ponto relevante.
O juiz que, ex officio, determina a produção de certa prova não está sendo parcial, nem favorecendo alguma das partes, ainda que a prova, depois de produzida, seja favorável a uma das partes em detrimento da outra.
Tal parcialidade inexiste até porque o juiz não sabia, ao determinar a produção da prova, qual seria a parte favorecida. Ao contrário, será parcial o juiz que deixar de determinar de ofício a produção de certa prova, pois nesse caso estará favorecendo a parte a quem tal prova seria prejudicial.
No processo moderno, o juiz deve envidar esforços na busca da verdade não se contentando, salvo hipóteses em que outro caminho se mostre inviável, com a mera “verdade formal”, na verdade uma probabilidade.
Deste modo, não se pode mais aceitar a afirmação, tantas vezes ouvida, de que enquanto no processo penal se busca a “verdade material”, o processo civil deve se contentar com a “verdade formal”.
Em outras palavras, não se pode admitir a existência de duas verdades, uma material e outra formal, na medida em que existe apenas uma verdade, e tudo que dissentir da verdade é falso.
Com efeito, o juiz no processo civil, tanto quanto no processo penal, deve buscar a verdade, podemos chamar de “verdade material”, não podendo se contentar com a “verdade formal”, a qual, nem verdade é, mas mera probabilidade.
É certo, porém, que em muitos casos a descoberta da verdade se torna impossível ou, ao menos, muito difícil, e impor aos sujeitos do processo uma espera por tal descoberta poderia ser um ônus pesado demais.
Por esta razão é que, em situações excepcionais, em que não haja outra solução possível, o juiz do processo civil deverá se contentar com a mera probabilidade de existência de um direito, ou seja, “verdade formal” para a ele outorgar proteção.
“A imparcialidade que se espera do juiz é a que resulta da ausência de qualquer interesse processual do juiz na solução da demanda a ele apresentada. Não se pode admitir que um processo seja submetido a um juiz ligado a alguma das partes por laços de parentesco ou amizade (ou mesmo inimizade), ou que tenha interesse, econômico, jurídico ou de outra ordem, na vitória de qualquer das partes. O juiz deve ser alguém estranho às partes, sob pena de se desobedecer o princípio do juiz natural, que exige não só um órgão com competência constitucional preestabelecida, mas também um juiz imparcial, sob pena de se violar a garantia do processo justo (CÂMARA, 2010, p. 46).”
Podemos concluir que o jurisdicionado, além de ter direito a um processo justo, o qual deve ser processado no órgão competente tem o direito de ser julgado por um magistrado que não possua qualquer interesse na questão posta sub judice.
A seguir vamos fazer uma breve análise do pedido do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional
Câmara (2010) relembra que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está elencado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal[8].
O princípio em comento estabelece que fica assegurado a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos o acesso aos órgãos judiciais, não podendo a lei vedar esse acesso, o qual está garantido constitucionalmente.
O dispositivo legal consagra o “direito de acesso aos tribunais”. É assegurado – como garantia fundamental – o direito de demandar perante os órgãos jurisdicionais do Estado, seja qual for a causa que se queira deduzir perante estes.
Ressaltamos que o destinatário da norma contida no mencionado inciso é o próprio legislador, o qual fica impedido de elaborar normas jurídicas que impeçam ou restrinjam em demasia o acesso aos órgãos do Judiciário, bem como a figura do juiz, de igual forma, deve ser visto como destinatário da norma contida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
Deste modo, podemos estabelecer que deve ser dita por inconstitucional qualquer norma jurídica que impeça aquele que se considera titular de uma posição jurídica de vantagem, e que sinta tal posição lesada ou ameaçada, de pleitear junto aos órgãos judiciais a proteção de que se sinta merecedor.
Com efeito, a Constituição Federal garante a todos o direito de acesso ao Judiciário, a tal direito deve corresponder – e efetivamente corresponde – um dever jurídico, o dever do Estado de tutelar as posições jurídicas de vantagem que estejam realmente sendo lesadas ou ameaçadas.
Tal tutela a ser prestada pelo Estado, porém, não pode ser meramente formal, mas verdadeiramente capaz de assegurar efetividade ao direito material lesado ou ameaçado para o qual se pretende proteção.
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional tem como corolário o direito, por ele assegurado, à tutela jurisdicional adequada, devendo ser considerada inconstitucional qualquer norma que impeça o Judiciário de tutelar de forma efetiva os direitos lesados ou ameaçados que a ele são levados em busca de proteção.
Assim sendo, podemos concluir que ao direito que todos têm de ir a juízo pedir proteção para posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas corresponde o dever do Estado de prestar uma tutela jurisdicional adequada.
A seguir analisaremos o princípio do contraditório em nosso ordenamento jurídico.
Princípio do Contraditório
O princípio do contraditório está consagrado no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal[9].
Câmara (2010) ensina que o princípio do contraditório pode ser considerado o mais relevante entre os corolários do devido processo legal, na medida em que não há processo justo que não se realize em contraditório.
O referido princípio trata-se de princípio essencial do Direito Processual, devendo ser entendido sob dois enfoqueis, quais sejam: o jurídico e o político.
No que tange ao aspecto político, podemos destacar que o jurista precisa ter consciência de que, na verdade, não existe um “mundo jurídico”, isolado da realidade.
O Direito não pode ser visto apenas como uma ciência interpretativa e normativa, mas como uma ciência que precisa, como todas as outras, retratar a realidade e o mundo dos fatos.
O mundo real é iminentemente político, na medida em que o homem nada mais é do que um animal político.
“O contraditório é a garantia política conferida às partes do processo. Através do contraditório se assegura a legitimidade do exercício do poder, o que se consegue pela participação dos interessados na formação do provimento jurisdicional (CÂMARA, 2010, p. 52).”
Além disso, não se pode esquecer que o Direito Processual é o ramo do Direito Público e, nessa qualidade, examina atividades estatais, as quais são regidas por finalidades políticas.
Ademais, em um Estado Democrático de Direito o exercício do poder deve ser não apenas legal, mas também legítimo e, tal legitimidade, é exigida em todas as manifestações do exercício do poder, inclusive quando do exercício da função jurisdicional.
Em outras palavras, cada ato ou procedimento estatal para exercício de poder deve ser encarado como um microcosmo do Estado Democrático de Direito.
Do ponto de vista estritamente jurídico, entretanto, é que se analisa o princípio do contraditório em primeiro lugar.
Sendo assim, podemos definir contraditório como a garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com a consequente possibilidade de manifestação sobre os mesmos.
A referida definição significa dizer que o processo exige que seus sujeitos tomem conhecimento de todos os fatos que venham a ocorrer durante seu curso, podendo ainda se manifestar sobre tais acontecimentos.
In casu, importante referir que existe divergência doutrinária acerca da ligação entre contraditório e isonomia.
A maioria dos autores afirma que o contraditório nada mais é do que a aplicação, no processo, da garantia da isonomia.
Dissente deste modo de pensar o autor Cândido Rangel Dinamarco, na obra Execução Civil, ao entender que o contraditório e a isonomia não são conceitos coincidentes.
Há que se assegurar não só o contraditório, mas um contraditório que, além de efetivo, seja também equilibrado, o que se garante com a igualdade substancial de tratamento deferida às partes.
No exercício da função jurisdicional deve ser assegurado aos interessados o direito de participar dos procedimentos que têm por fim a elaboração de provimentos.
Tal participação se concretiza na garantia constitucional do contraditório, que pode, assim, ser compreendido como o direito de participação no processo que tem por fim legitimar o provimento estatal que nele se forma.
Em outras palavras, só se poderá ter como legítimo um provimento jurisdicional emanado de um processo em que se tenha assegurado o direito de participação de todos aqueles que, de alguma forma, serão atingidos pelos efeitos do referido provimento.
“Decisões proferidas sem que se assegure o direito de participação daqueles que serão submetidos aos seus efeitos são ilegítimos e, por conseguinte, inconstitucionais, já que ferem os princípios básicos do Estado Democrático de Direito (CÂMARA, 2010, p. 53).”
Não podemos deixar de mencionar que, em algumas situações, o juiz poderá proferir decisões sem que ouça antes uma das partes e, as mencionadas decisões se legitimam em razão de terem como pressuposto uma situação de urgência, ou seja, em caso de pedido de tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme dispõe o art. 300, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 2015[10].
E, também, segundo Neves (2016) além do contraditório diferido nas tutelas de urgência, tal hipótese incide, também, nas tutelas de evidência, as quais convivem com as duas formas de contraditório.
O contraditório diferido é excepcional, devendo ser utilizado com extrema parcimônia, até porque a prolação de decisão sem a oitiva do réu capaz de invadir a esfera de influência do sujeito que não foi ouvido é sempre considerada uma violência.
Apesar disso, seja em razão do manifesto perigo de ineficácia (tutela de urgência), seja pela enorme probabilidade de o direito existir (tutela de evidência), o contraditório diferido cumpre a promessa constitucional do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal[11]
Em outras palavras, nesta situação, o contraditório resta postecipado, ou seja, o contraditório se efetivará depois da prolação da decisão.
A limitação do contraditório é inerente ao próprio princípio constitucional, o qual não pode ser cultuado de tal modo que se permita a imolação de direitos.
Neste contexto percebe-se que o princípio do contraditório, entendido em seus aspectos jurídico e político, é essencial para que haja processo justo, sendo de extrema relevância para a efetivação prática da garantia constitucional do devido processo legal.
A seu turno, o autor Neves (2016), acrescenta que o princípio do contraditório é formado por dois elementos, quais sejam: informação e possibilidade de reação.
A sua importância é tamanha que a doutrina moderna entende tratar-se de elemento componente do próprio conceito de processo.
Nesta perspectiva, as partes devem ser devidamente comunicadas de todos os atos processuais, abrindo-se a elas a oportunidade de reação como forma de garantir a sua participação na defesa de seus interesses em juízo.
A informação exigida pelo princípio é naturalmente associada à necessidade de a parte ter conhecimento do que está ocorrendo no processo para que possa se posicionar positiva ou negativamente a esse respeito.
Deste modo, fere o princípio do contraditório qualquer previsão legal que exija um comportamento da parte sem instrumentalizar formas para que tome conhecimento da situação processual.
“O contraditório é moldado essencialmente para a proteção das partes durante a demanda judicial, não tendo nenhum sentido que o seu desrespeito, se não gerar prejuízo à parte que seria protegida pela sua observação, gere nulidade de atos e até mesmo do processo como um todo (NEVES, 2016, p. 119).”
Feitas as breves considerações acerca do princípio do contraditório, passaremos a expor as peculiaridades dos princípios do dispositivo e inquisitivo.
Princípios Dispositivo e Inquisitivo (Inquisitório)
Neves (2016) preleciona que o sistema brasileiro é um sistema misto, com preponderância do princípio dispositivo.
A convivência do sistema inquisitivo com o sistema dispositivo no direito brasileiro evidencia-se no artigo 2º do Código de Processo Civil[12] em vigor, que prevê a necessidade de provocação do interessado para que exista processo (princípio dispositivo) a ser desenvolvido pelo impulso oficial (princípio inquisitivo).
Neste ponto, sabemos que o juiz está vinculado aos fatos jurídicos componentes da causa de pedir, o que depende da vontade da parte, o que evidencia o princípio do dispositivo, mas as provas a respeito dos fatos podem ser determinadas de ofício pelo juiz, o que demonstra uma característica do sistema inquisitivo.
O disposto no artigo 371 do Código de Processo Civil[13], o qual determina que o juiz pode levar em consideração em sua decisão os fatos simples, ainda que não alegados pelas partes, também, consagra o princípio inquisitivo.
Portanova (1997, p. 205) ratifica que “o princípio dispositivo preocupa-se em conceder mais direitos processuais para as partes, o princípio inquisitorial preocupa-se em conceder poderes mais abrangentes ao juiz”.
Conclui-se que o nosso ordenamento jurídico brasileiro convive harmonicamente com ambos os princípios respeitando as peculiaridades e observando os reflexos de cada princípio.
A seguir faremos uma breve exposição acerca do princípio da motivação das decisões judiciais, princípio este de elevada relevância no Direito.
Princípio da Motivação das Decisões Judiciais
O princípio da motivação das decisões judiciais encontra-se consagrado no art. 93, inciso IX da Constituição Federal[14].
Câmara (2010) ensina que o referido princípio trata-se de regra constitucional responsável por afirmar que toda decisão judicial será motivada, sob pena de nulidade.
Comina-se assim, de nulidade absoluta a decisão judicial que padeça do vício a falta de fundamentação.
Alguns aspectos referentes à exigência de fundamentação das decisões devem ser analisados.
Em primeiro lugar, há que se verificar a razão dessa exigência e, em segundo lugar, deve-se perquirir o real sentido da exigência de motivação das decisões, analisando-se as consequências não só da ausência de fundamentação, como também da sua insuficiência.
A fundamentação das decisões judiciais é exigida pelo ordenamento jurídico brasileiro por dois motivos.
Em primeiro lugar, protege-se com tal exigência um interesse das partes e, em segundo lugar, um interesse público.
In casu, o primeiro interesse que se quer proteger com a obrigatoriedade de motivação das decisões é o interesse das partes, que não só precisam saber o motivo que levou o juiz a decidir as questões da maneira como decidiu, o que é psicologicamente importante, até mesmo para que a parte prejudicada pela decisão se convença de que a mesma era correta.
Outrossim, é necessário que a parte prejudicada conheça os reais motivos da decisão, ou seja, necessita ter ciência do teor da fundamentação da decisão, para que possa adequadamente fundamentar seus recursos para tentar reverter a decisão judicial que pesa em seu desfavor.
Caso contrário, não seria possível às partes interpor corretamente seus recursos se fossem desconhecidos os motivos que levaram o juiz a decidir da forma como o fez.
Frise-se, aliás, que também seria impossível aos tribunais examinar adequadamente se as decisões recorridas foram ou não corretas, e se as mesmas deveriam ou não ser reformadas.
Há, além disso, outro fundamento a exigir que as decisões judiciais sejam motivadas.
Trata-se de razão de ordem pública, embora ligada também ao interesse particular das partes.
A motivação da decisão é essencial para que se possa verificar se o juiz prolator da decisão era ou não imparcial no caso concreto.
Ao contrário do administrador e do legislador, que recebem sua legitimação antes de exercerem suas atividades, já que tal legitimação provém do voto popular, o juiz não é previamente legítimo.
A legitimação do juiz somente pode ser verificada a posteriori, através da análise do correto exercício de suas funções.
Assim, a fundamentação das decisões é essencial para que se possa realizar o controle difuso da legitimidade da atuação dos magistrados brasileiros.
Trata-se, pois, de uma garantia ligada à ideia de processo justo e de devido processo legal.
A motivação das decisões judiciais é essencial para que se possa assegurar a participação da sociedade no controle da atividade jurisdicional, o que lhe confere legitimidade.
“Veja-se, assim, que a garantia de motivação das decisões judiciais tem por fim assegurar uma justificação política para as decisões porque só se pode considerar como legítima do ponto de vista constitucional uma decisão que possa ser submetida a alguma espécie de controle (seja tal controle proveniente das partes, do próprio Judiciário ou da sociedade), e tal controle só é possível se a decisão judicial tiver sido fundamentada (CÂMARA, 2010, p. 56).”
A segunda questão a ser abordada sobre a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais é a do alcance do princípio.
É certo que as decisões judiciais desprovidas de fundamentação são nulas, sendo tal nulidade cominada pelo art. 93, inciso IX, da Constituição Federal[15].
Ocorre que há decisões mal fundamentadas, além de decisões apenas aparentemente fundamentadas, que também padecem do mesmo vício.
Com efeito, a decisão mal fundamentada é equiparável a não fundamentada no que se refere à sua legitimidade constitucional, sendo assim tão eivada de nulidade quanto esta.
Isto porque, tanto quanto a decisão não fundamentada, a decisão mal fundamentada impede a adequada fundamentação do recurso que a parte eventualmente queira interpor, além de ser inadequada para permitir a verificação da legitimidade da atuação do juiz, tornando impossível o controle difuso da atividade jurisdicional.
Deste modo, sendo a decisão não fundamentada ou mal fundamentada, tais decisões devem ser consideradas nulas, de forma absoluta.
Por fim, considerando o acima explanado, podemos concluir que o que se exige é tão somente que o magistrado fundamente adequadamente suas decisões, isto é, o que exige o nosso ordenamento constitucional, ou seja, é o que se revela adequado e conforme os pilares do Estado Democrático de Direito.
A seguir será comentado o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional ou princípio da razoável duração do processo.
Princípio da Tempestividade da Tutela Jurisdicional ou Princípio da Razoável Duração do Processo
Câmara (2010) preleciona que a Emenda da Reforma do Poder Judiciário (Emenda Constitucional nº 45) inseriu no artigo 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII[16] e, tal inserção consagrou na Constituição Federal o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional.
A rigor, esse princípio já estava positivado no ordenamento jurídico brasileiro, em razão do disposto no artigo 8º, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificado pelo Brasil em 1992.
Deste modo, a emenda constitucional referida simplesmente elevou o princípio ao patamar de garantia constitucional.
“Todo processo demora um tempo. É o que, em boa doutrina, já se chamou de ‘tempo do processo’. Tem havido, modernamente, uma busca quase que desenfreada pela celeridade do processo, mas há um tempo que precisa ser respeitado. Inegavelmente, há processos que demoram demais. Não há quem não conheça algum caso, tragicômico, de um processo que se arrasta há muitos anos, muito mais do que seria suportável. É preciso, evidentemente, combater essas demoras patológicas. Não se pode, porém, querer que o processo dê respostas imediatas a quem postula tutela jurisdicional (CÂMARA, 2010, p.61).”
Não se pode, pois, considerar que o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional sirva de base para a construção de processos instantâneos.
O que se assegura com esse princípio constitucional é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas.
Em outros termos, o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo. Deve, porém, o processo demorar todo o tempo necessário para que o resultado possa ser alcançado.
Neves (2016) ratifica que o princípio da duração razoável do processo, consagrado no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, encontra-se previsto no artigo 4º do Código de Processo Civil[17].
O referido dispositivo legal estabelece que as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do processo, incluída a atividade satisfativa.
“Deve ser lembrado que a celeridade nem sempre é possível, como também nem sempre é saudável para a qualidade da prestação jurisdicional. Não se deve confundir duração razoável do processo com celeridade do procedimento. O legislador não pode sacrificar direitos fundamentais das partes visando somente a obtenção de celeridade processual, sob pena de criar situações ilegais e extremamente injustas (NEVES, 2016, p. 142).”
Podemos concluir que o princípio em testilha legitima a punição de todas as condutas, sejam elas comissivas ou omissivas que tenham por propósito protelar o resultado final do processo.
A seguir será mencionado o princípio da publicidade dos atos processuais em nosso ordenamento.
Princípio da publicidade dos atos processuais
O princípio da publicidade dos atos processuais encontra-se consagrado no artigo 93, incisos IX e X[18], da Constituição Federal.
Daniel (2016) estabelece que a publicidade dos atos processuais é a forma mais eficaz de controle do comportamento no processo do juiz, dos advogados, do promotor, e até mesmo das partes.
Ao admitir a publicidade dos atos, facultando a presença de qualquer um do povo numa audiência, o acesso aos autos do processo a qualquer pessoa que, por qualquer razão queria conhecer seu teor, bem como a leitura do diário oficial (em alguns casos até o acesso à internet), garante-se a aplicação do princípio da publicidade dos atos processuais.
No processo, a publicidade é admitida como regra geral, ou seja, qualquer sujeito tem acesso aos atos processuais. Ademais, é facultada a presença de qualquer sujeito no momento da prática do ato processual.
Por outro lado, essa publicidade ampla e irrestrita pode ser consideravelmente danosa a alguns valores essenciais, também, garantidos pela Constituição Federal, de forma que o artigo 5º, inciso LX[19] do referido diploma legal permite a restrição da publicidade dos atos processuais quando assim exigirem a intimidade e o interesse social.
No mesmo sentido, o artigo 189 do Código de Processo Civil[20] estabelece hipóteses de mitigação da publicidade dos atos processuais, sendo o dispositivo em comento mais específico do que o dispositivo anterior.
Gonçalves (2016, p. 84) ratifica que “a publicidade é mecanismo de controle das decisões judiciais. A sociedade tem o direito de conhecê-las, para poder fiscalizar os seus juízes e tribunais”.
Assim sendo, podemos concluir que a publicidade prevista no ordenamento jurídico não se trata de uma publicidade ampla e irrestrita, na medida em que sempre que houver o risco de violação da intimidade ou do interesse social ou, ainda, envolver alguma das hipóteses elencadas no artigo 189 do Código de Processo Civil a referida publicidade poderá, ou melhor, deverá ser mitigada, sob pena de causar prejuízo as partes envolvidas na relação jurídica.
A seguir analisaremos o princípio da economia processual.
Princípio da economia processual
Neves (2016) ensina que o princípio da economia processual deve ser analisado sob duas diferentes óticas. Do ponto de vista sistêmico o objetivo do referido princípio é obter menos atividade judicial e mais resultados.
Em outras palavras, deve-se pensar em mecanismos para evitar a multiplicidade dos processos e, quando isso concretamente não ocorrer, diminuir a prática de atos processuais, evitando-se sua inútil repetição.
Diante de tal cenário, se não é possível evitar a multiplicidade de ações individuais, ao menos que se obtenha economia processual evitando-se a repetição de atos processuais.
Por outro lado, o princípio da economia processual, quando analisado sob a ótica microscópica, também pode ser entendido como a tentativa de ser o processo o mais barato possível, gerando o menor valor de gastos.
Dessa forma, a única medida que gera uma economia processual a todos os participantes do processo é o oferecimento de um processo mais rápido, porque a experiência mostra que, quanto mais demorado o processo, mais oneroso ele se torna.
Podemos concluir que o princípio da economia processual deve ser respeitado para que possamos assegurar ao jurisdicionado um processo mais célere com o devido respeito aos demais princípios constitucionais.
A seguir vamos tecer breves comentários acerca do princípio da instrumentalidade das formas.
Princípio da instrumentalidade das formas
Daniel (2016) preleciona que sempre que o ato processual tenha uma forma prevista em lei, deve ser praticado segundo a formalidade legal, sob pena de nulidade.
Todo ato processual tem uma finalidade jurídico-processual, um resultado a ser atingido e, atingida essa finalidade, serão gerados os efeitos jurídicos programados pela lei, desde que o ato tenha sido praticado em respeito à forma legal.
Nesse sentido, a forma legal do ato proporciona segurança jurídica às partes, que sabem de antemão que, praticando o ato na forma que determina a lei, conseguirão os efeitos legais programados para aquele ato processual.
Sempre que a forma legal não é respeitada, há uma consequência processual: o efeito jurídico programado pela lei não é gerado. Essa consequência processual representa a nulidade.
Ato viciado é que aquele praticado em desrespeito às formas legais, enquanto a nulidade é a sua consequência sancionatória, que não permite ao ato gerar efeitos programados em lei.
O princípio da instrumentalidade das formas busca aproveitar o ato viciado, permitindo-se a geração de seus efeitos, ainda que se reconheça a existência do desrespeito à forma legal.
Pelo princípio em comento, ainda que a formalidade para a prática de ato processual seja importante em termos de segurança jurídica, visto que garante à parte que a respeita a geração dos efeitos programados por lei, não é conveniente considerar o ato nulo somente porque praticado em desconformidade com a forma legal.
O essencial é verificar se o desrespeito à forma legal para a prática do ato afastou-o de sua finalidade, além de verificar se o descompasso entre o ato como foi praticado e como deveria ser praticado segundo a forma legal causou algum prejuízo.
Em não havendo prejuízo para a parte contrária, tampouco ao próprio processo, e percebendo-se que o ato atingiu sua finalidade, é excessivo e indesejável apego ao formalismo declarar o ato nulo, impedindo a geração dos efeitos jurídico-processuais programados pela lei.
Fundamentalmente, esse aproveitamento do ato viciado, com as exigências descritas, representa o princípio da instrumentalidade das formas, que naturalmente tem ligação estreita com o princípio da economia processual.
Acerca do princípio da instrumentalidade das formas (Neves, 2016, p. 141) registra que “a aplicação do princípio ora analisado independe da natureza da nulidade, alcançando tanto as relativas quanto as absolutas”.
Superada a explanação acerca do princípio da instrumentalidade das formas, passaremos a expor uma breve síntese a respeito do princípio da cooperação.
Princípio da cooperação
O princípio da cooperação encontra-se consagrado no artigo 6º do Código de Processo Civil[21] e estabelece que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha a solução do processo com efetividade e em tempo razoável.
Gajardoni (2015) preleciona que a consagração da cooperação no pórtico de entrada do Código representa muito mais do que o propriamente expressado linguisticamente pelo enunciado normativo.
É a superação de um pensamento processual estéril, cujos resultados eram apurados pela coincidência entre o processo realizado e aquele projetado pelo Código.
“Censura-se o processo dominador, aquele que aprisiona e faz servo o direito material, cujo sacrifício no altar do formalismo é uma consequência natural. Repele-se a superfetação da forma, impondo-se a informalização do processo, sua deformalização, assumindo as formas posição conducente e proporcional ao atingimento das finalidades do mesmo (Gajardini, 2015, p.78).”
A seu turno, Neves (2016) ressalta que a indicação expressa de que a cooperação entre as partes é voltada para a obtenção de uma decisão de mérito justa, efetiva e proferida em tempo razoável.
Extrai-se da redação do artigo 6º do Código de Processo Civil que todos os sujeitos processuais devem colaborar entre si, o que, ao menos, em tese, envolveria a colaboração das partes com o juiz, do juiz com as partes e das partes entre si.
A colaboração das partes com o juiz vem naturalmente de sua participação no processo, levando aos autos alegações e provas que auxiliarão o juiz na formação de seu convencimento.
Quanto mais ativa a parte na defesa de seus interesses mais colaborará com o juiz, desde que, é claro, atue com a boa fé exigida pelo artigo 5º do Código de Processo Civil[22].
A colaboração do juiz com as partes exige do juiz uma participação mais efetiva, entrosando-se com as partes de forma que o resultado do processo seja o resultado dessa atuação conjunta de todos os sujeitos processuais.
Em outras palavras, o Juiz passa a ser um integrante do debate que se estabelece na demanda, prestigiando esse debate entre todos, com a ideia central de que, quanto mais cooperação houver entre os sujeitos processuais, a qualidade da prestação jurisdicional será melhor.
O princípio da cooperação possui 03 (três) vertentes que são entendidas como 03 (três) verdadeiros deveres do juiz na condução do processo.
O primeiro dever é o dever do esclarecimento, consubstanciado na atividade do juiz de requerer às partes esclarecimentos sobre suas alegações e pedidos, o que naturalmente evita a decretação de nulidades e a equivocada interpretação do juiz a respeito de uma conduta assumida pela parte.
O segundo dever é o de consultar, exigindo que o juiz sempre consulte as partes antes de proferir decisão, em tema já tratado quanto ao conhecimento de matérias e questões de ofício.
O terceiro e último diz respeito ao dever de prevenir, apontando às partes eventuais deficiências e permitindo suas devidas correções, evitando-se assim a declaração de nulidade, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção de direito material.
Após a breve exposição do princípio da cooperação passaremos a analisar o princípio da boa fé e da lealdade processual.
Princípio da boa fé e lealdade processual
Neves (2016) ensina que o artigo 5º do Código de Processo Civil consagra expressamente o princípio da boa-fé objetiva, de forma que todos os sujeitos processuais devem adotar uma conduta no processo em respeito a lealdade e a boa-fé processual, sendo, portanto, objetiva a exigência de conduta de boa-fé independentemente da existência de boas ou más intenções.
Segundo a melhor doutrina, há 04 (quatro) pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório.
O primeiro, uma conduta inicial; a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta; um comportamento contraditório com este sentido objetivo e, por último, um dano ou um potencial de dano decorrente da contradição.
O abuso do direito, também, configura violação ao princípio da boa-fé objetiva estabelecida no artigo 5º do Código de Processo Civil.
O artigo 80 do mesmo diploma legal[23] possui um rol descritivo dos atos tipificados pelo legislador como sendo atos de má-fé (má-fé stricto sensu).
Neste ponto, importante ressaltar que há divergência doutrinária a respeito deste rol, na medida em que para alguns se trata de rol exemplificativo e para outros se trata de rol exaustivo.
O Superior Tribunal de Justiça entende que é desnecessária a comprovação de prejuízo para que haja condenação ao pagamento de indenização por litigância de má-fé.
A sanção pelo ato de má-fé encontra-se prevista no artigo 81 do Código de Processo Civil[24] e existem 03 (três) espécies de condenação à parte que litigar de má-fé.
A primeira é a multa entre 1% (um por cento) a 10% (dez por cento) do valor da causa, ou sendo o valor irrisório ou inestimável até 10 (dez) vezes o valor do salário mínimo.
A segunda é a indenização pelos prejuízos causados à parte contrária, sendo que nesse caso é indispensável a existência de prova do dano.
A terceira e última espécie é a condenação nos honorários advocatícios e despesas, não se confundindo essa condenação com a gerada pela sucumbência, até porque mesmo a parte vencedora poderá ser litigante de má-fé.
Todas essas verbas, de natureza punitiva e indenizatória, têm como credor a parte contrária, como todas as multas elencadas no Código de Processo Civil, com exceção da multa prevista no artigo 77, § 2º do mesmo diploma legal[25].
Deste modo, as multas em comento elencadas no artigo 81 do Código de Processo Civil por serem voltadas à valorização do princípio da boa-fé e lealdade processual poderão ser aplicadas, de ofício, pelo juízo, o que, entretanto, não permite o afastamento do contraditório, de forma que antes de aplicar as referidas sanções cabe ao juiz a oitiva das partes.
A seguir faremos uma breve exposição acerca do princípio da primazia no julgamento do mérito.
Princípio da primazia no julgamento do mérito
O artigo 6º do Código de Processo Civil[26], ao prever que todos devem cooperar para que se obtenha decisão de mérito, consagra de forma expressa o princípio da primazia no julgamento do mérito, que antes de tal previsão era um princípio não escrito.
Neves (2016) ensina que o processo (ou fase) de conhecimento foi projetado pelo legislador para resultar em um julgamento de mérito.
Por esta razão, essa espécie de julgamento é considerada o fim normal dessa espécie de processo ou fase procedimental.
Naturalmente, nem sempre é possível no caso concreto, devendo o sistema conviver com o fim anômalo do processo ou fase de conhecimento, que se dá por meio da sentença terminativa.
Deste modo, tendo sido o objetivo do legislador, ao criar o processo ou fase de conhecimento, um julgamento de mérito, naturalmente essa forma de final é preferível à anômala extinção sem tal julgamento, motivada por vícios formais.
A solução definitiva da crise jurídica, derivada da coisa julgada material, que dependerá de uma decisão de mérito transitada em julgado, é uma evidente vantagem no julgamento de mérito quando comparado com a sentença terminativa.
“Cabe ao juiz fazer o possível para evitar a necessidade de prolatar uma sentença terminativa no caso concreto, buscando com todo o esforço chegar a um julgamento de mérito. Essa é uma realidade incontestável, e bem representada pelo artigo 282, §2º do Novo CPC, ao prever que o juiz, sempre que puder decidir no mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, deve ignorar o vício formal e proferir decisão de mérito. É a prevalência do julgamento de mérito aliada ao princípio da instrumentalidade das formas (NEVES, 2016, p. 154).”
Após a explanação de alguns dos princípios fundamentais do Processo Civil passaremos a expor os pronunciamentos judiciais existentes em nosso ordenamento jurídico.
2. Pronunciamentos judiciais
Os pronunciamentos judiciais com base no Código de Processo Civil enfrentaram divergências doutrinárias no que tange à classificação e definição dos atos decisórios do juiz e a conceituação originariamente prevista no Código de Processo Civil de 1973, sofreu alteração pela Lei nº 11.232/2005, a qual trouxe inovação aos conceitos a fim de adequar o diploma legal à nova visão unitária do processo.
No Código de Processo Civil de 1973 os atos decisórios do juiz eram estabelecidos como sentença, decisão interlocutória e despachos, conforme artigo 162, sendo que recebem a denominação de acórdão as decisões ou julgamentos proferidos pelos tribunais e, também, as decisões monocráticas.
O novo Código de Processo Civil, atualmente, em vigor, em seu artigo 203[27] estabelece as espécies de pronunciamentos judiciais ratificando as espécies anteriormente existentes, inovando em alguns de seus conceitos e reiterando que qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade.
A seguir vamos examinar detalhadamente cada espécie de pronunciamentos judicial vigente em nosso ordenamento jurídico.
2.1. Despachos
O autor Theodoro Júnior (2011) preleciona que os despachos são as ordens judiciais dispondo sobre o andamento do processo, também, são denominados despachos ordinatórios ou de expediente e com eles não se decide qualquer incidente: tão somente se impulsiona o processo, ou seja, se dá o andamento regular do feito.
Em outras palavras, o despacho só pode ser considerado um pronunciamento sem caráter decisório, tradicionalmente associado a atos necessários para o desenvolvimento do procedimento.
O art. 203, § 3º do CPC de 2015 conceitua: “são despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte”.
Os despachos podem ser proferidos ex officio como a requerimento das partes, ressaltamos que não há instauração ex officio, ressalvada as exceções previstas em lei, conforme o disposto no art. 2º do CPC em vigor[28], entretanto, uma vez provocada a atividade jurisdicional pela parte interessada, o processo desenvolve-se por impulso do juiz, independentemente de nova provocação do litigante.
Devemos distinguir despachos de decisões interlocutórias que serão abaixo analisadas, na medida em que o despacho não comporta qualquer recurso, conforme art. 1.001 do CPC, sendo, portanto, irrecorrível e as decisões admitem a interposição do recurso de agravo de instrumento desde que versem sobre as hipóteses elencadas no art. 1.015 do CPC[29].
Segundo Theodoro Júnior (2011) devem-se considerar despachos de mero expediente (ou apenas despachos) os que visem unicamente à realização do impulso processual, sem causar nenhum dado ao direito ou interesse das partes. Caso, porém, ultrapassem esse limite e acarretem ônus ou afetem direitos, causando algum dano (máxime se irreparável), deixarão de ser de mero expediente e ensejarão recurso. Configurarão, na realidade, não despachos, mas verdadeiras decisões interlocutórias.
As decisões interlocutórias, como acima já mencionado, possuem peculiaridades, as quais serão abaixo demonstradas.
2.2. Decisões interlocutórias
O art. 203, § 1º do Código de Processo Civil[30] optou por um conceito residual de decisão interlocutória, prevendo-a como qualquer pronunciamento decisório que não seja sentença.
In casu, a decisão interlocutória poderá ter como conteúdo questões incidentais ou mérito.
É possível que o pronunciamento decisório tenha como conteúdo matérias do art. 485 ou 487 do Código de Processo Civil, mas se não colocar fim à fase de conhecimento do procedimento comum ou extinguir a execução será considerada uma decisão interlocutória, sendo irrelevante ter como conteúdo a solução de uma questão incidental ou o mérito do processo.
A professora universitária Doutora Gisele Leite define que:
“A decisão interlocutória não mais resta vinculada à ideia de questão incidente resolvida no curso processual, pois o Novo CPC considera interlocutória qualquer sentença que não seja sentença, portanto, um conceito por exclusão (LEITE, 2015).”
Gajardoni (2015) ensina que conforme aponta a própria expressão, os pronunciamentos emitidos entre (inter) as principais falas (locutoria) do processo (petição inicial e sentença), ao menos em princípio, podem ser considerados decisões interlocutórias.
No Código de Processo Civil de 1973 decisão interlocutória era o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolvia questão incidente. No Código de Processo Civil de 2015 é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre como sentença.
Deste modo, a alteração não é tão impactante, pois os pronunciamentos judiciais não sentenciais, mas com carga decisória, continuarão sendo os que, no curso do processo, resolvem as questões apresentadas pelas partes.
Assim sendo, a definição do que é uma decisão interlocutória se dá por negação: o que tiver conteúdo decisório e não for sentença é decisão interlocutória.
A seguir analisaremos as sentenças, suas classificações e especificidades.
2.3. Sentenças
O autor Humberto Theodoro Júnior estabelece que:
“O titular do interesse em conflito (sujeito da lide) tem o direito subjetivo (direito de ação) à prestação jurisdicional, a que corresponde um dever do Estado-juiz (a declaração da vontade concreta da lei, para pôr fim à lide). (Theodoro Júnior, 2011, p. 243).”
In casu, é através da sentença que o Estado satisfaz esse direito e cumpre o dever contraído em razão do monopólio oficial da Justiça.
Nas palavras da Professora Universitária Doutora Gisele Leite “a sentença representa a síntese da dialética processual que após o confronto amistoso da tese e da antítese, ou seja, da petição inicial e contestação opera a pacificação social”.
Trata-se de um ato de inteligência do juiz ou ato de vontade, ou ainda, ambos têm revelado não só a importância da prestação jurisdicional, mas a necessidade constante de se buscar a eficácia processual de forma célere e segura.
A definição antes vigente no Código de Processo Civil Buzaid advinha da redação dada pela Lei nº 11.232/2005 e reputava que sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269, atualmente os artigos 485 e 487, respectivamente, aludindo tanto às sentenças definitivas como também as meramente terminativas.
O autor Daniel Amorim Assumpção Neves (2016) preleciona que a sentença era conceituada pelo legislador de 1973 como um ato que colocava fim ao processo, estando incluída nessa conceituação tanto as sentenças que resolviam o mérito da demanda, as chamadas sentenças definitivas como aquelas que apenas encerravam o processo, sem qualquer manifestação sobre o mérito, chamadas de terminativas.
Ocorre que, com o advento generalizado das ações sincréticas, independentemente da natureza da obrigação objeto da condenação, fez o legislador repensar o conceito de sentença, substituindo o critério anteriormente utilizado.
Em 2005 surgiu um novo conceito de sentença passando a ter como critério conceitual o seu conteúdo, fazendo expressa remissão aos artigos 267[31]e 269[32] do Código de Processo Civil, dispositivos estes que indicavam as causas que geravam a resolução ou não do mérito, ou seja, as sentenças definitivas e terminativas, respectivamente.
Com essa novidade, o conceito de sentença passou a resultar de uma análise conjunta dos artigos 162, § 1º[33], 267 e 269, todos do Código de Processo Civil e, desta conjunção, conclui-se que as sentenças terminativas passaram a ser conceituadas tomando-se por base dois critérios distintos, quais sejam: o conteúdo: uma das matérias previstas nos incisos do art. 267 do Código de Processo Civil e o efeito: a extinção do procedimento em primeiro grau de jurisdição.
A hibridez de critérios na conceituação da sentença terminativa, diga-se passagem, conteúdo e efeito, não se repetia na sentença definitiva, considerando que o artigo 269, caput do Código de Processo Civil não fazia menção à necessidade de extinção do processo para que o ato decisório seja considerado uma sentença.
Desta forma, a questão de colocar ou não fim ao procedimento em primeiro grau passava a ser irrelevante na conceituação de sentença de mérito, bastando para que um pronunciamento fosse considerado uma sentença definitiva que tivesse como conteúdo uma das matérias dos incisos do artigo 269 do Código de Processo Civil.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil a sentença passou a ser conceituada como o procedimento por meio do qual o juiz, com fundamentos nos artigos. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.
O novo conceito considera tanto o conteúdo como o efeito da decisão para qualificá-la como sentença e esse conceito por considerar conteúdo e efeito é entendido como um conceito híbrido.
Importante ressaltar os dois critérios conteúdo do ato sentencial e resolução ou não do mérito.
No que tange ao conteúdo da sentença existem 02 (duas) teorias acerca do tema, temos a teoria ternária e a teoria quinária.
A teoria ternária, também chamada de trinária entende que existem 03 (três) espécies de sentença: as meramente declaratórias, as constitutivas e as condenatórias.
A teoria trinária (ternária) é defendida por substanciosa corrente doutrinária que segue as lições de Liebman e, em contraposição, a esta teoria, temos a corrente doutrinária que defende a teoria quinária, também, conhecida como quíntupla.
Essa última corrente é defendida por doutrinadores que seguem as lições de Pontes de Miranda, fundada no entendimento de que, além das 03 (três) espécies de sentenças referidas na teoria ternária, existem ainda as sentenças executivas lato sensu e as sentenças mandamentais, o que resultaria em 05 (cinco) espécies de sentenças, as quais serão detalhadamente explicitadas.
“No que tange à classificação das sentenças, conforme a teoria de Pontes de Miranda que corresponde à concepção dominante em doutrina pátria, a chamada teoria quinária, as sentenças podem apresentar cinco eficácias diferentes, a saber: eficácia declaratória, condenatória, constitutiva, mandamental e executiva (LEITE, 2015).”
As sentenças meramente declaratórias definem-se como a declaração da existência, inexistência ou o modo de ser.
Nesta espécie de sentença não há dúvida de que a relação jurídica existe, mas há incerteza quanto à sua natureza.
O conteúdo e o efeito da sentença não se confundem, porque o conteúdo é o que está dentro, enquanto o efeito é aquilo que se projeta para fora do ato judicial.
“Para que exista interesse processual na obtenção de uma sentença meramente declaratória é necessária a existência de uma crise de incerteza que, se não resolvida, poderá acarretar algum dano ao autor. É necessário que a dúvida seja objetiva e real, não se limitando a um isolado estado de incerteza subjetiva do autor. Fala-se em dúvida social, que atinja terceiros e crie uma instabilidade na esfera de interesse do autor, sendo a dúvida do autor possível, mas não necessária tampouco suficiente para isoladamente justificar uma sentença meramente declaratória. (NEVES, 2016, p. 742).”
Daniel Assumpção (2016) ensina que os efeitos da sentença declaratória são ex tunc considerando-se que a declaração somente confirma jurisdicionalmente o que já existia; nada criando de novo a não ser a certeza jurídica a respeito da relação jurídica que foi objeto da demanda.
Nas sentenças constitutivas o conteúdo é a criação (positiva) ou extinção (negativa) ou modificação (modificativa) de uma relação jurídica, enquanto o efeito dessa sentença é a alteração da situação jurídica, necessariamente com a criação de uma situação jurídica diferente da existente antes de sua prolação, com todas as consequências advindas dessa alteração.
As sentenças constitutivas podem ser divididas em dois grupos: necessárias e facultativas.
Consideram-se necessária a sentença constitutiva sempre que a única forma de obter a alteração da situação jurídica pretendida pelas partes for por meio da intervenção jurisdicional, situação inclusive que dispensa o conflito de interesse entre as partes.
As sentenças constitutivas facultativas somente existirão se houver a lide clássica no caso concreto, porque sem ela não seria necessária a intervenção jurisdicional.
Em outras palavras podem definir que no caso das sentenças facultativas como há um conflito de interesse entre as partes e a autotutela é reservada a situações excepcionais, faz-se necessária a intervenção do Poder Judiciário no caso concreto, mas abstratamente seria possível a alteração da situação jurídica das partes mediante um acordo de vontade entre elas.
Os efeitos das sentenças constitutivas são ex nunc, considerando que é a partir dela que a situação jurídica será efetivamente alterada, entretanto, em algumas situações, a lei, poderá excepcionalmente modificar essa regra, apontando expressamente para a existência de efeitos ex tunc.
As sentenças condenatórias, com considerável amparo na doutrina italiana, parte significativa da doutrina brasileira entende que a sentença condenatória é formada por 02 (dois) momentos lógicos, quais sejam: a declaração da existência do direito do autor e a criação de condições para que sejam praticados atos materiais de execução, o que se justificaria em razão da aplicação de uma sanção executiva.
Importante ressaltar que o conteúdo da sentença condenatória, além da indispensável declaração de existência do direito material, é a imputação ao réu do cumprimento de uma prestação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia certa, com o objetivo de resolver a crise jurídica de inadimplemento.
“Na demanda condenatória, o juiz, ao acolher o pedido da parte e condenar o demandado, não realiza a execução, senão que estabelece o pressuposto para que a execução se faça, numa demanda autônoma e subsequente (…) ou ainda nos casos excepcionais em que o ato final executório está incluso no chamado processo de conhecimento; mesmo assim, é possível uma perfeita separação lógica e cronológica entre o ato de condenar e o ato de executar-se a condenação (SILVA, 1988, p. 99).”
O efeito é a criação de um título executivo, o que permitirá a prática de atos executivos voltados ao efetivo cumprimento dessa prestação com a consequente satisfação do autor.
Em relação às sentenças executivas lato sensu esta espécie de sentença não possui um conceito pacífico na doutrina nacional e, inclusive, existe crítica quanto à tradicional nomenclatura, preferindo parte da doutrina chamar as referidas sentenças de sentenças executivas, considerando a inexistência de sentenças executivas stricto sensu.
“Creditada ao jurista Pontes de Miranda, parcela considerável da doutrina entende que essa sentença é assim denominada porque dispensa o processo de execução subsequente para ser satisfeita, tratando-a como uma sentença autoexecutável (NEVES, 2016, p 745).”
Adotando o conceito acima mencionado constata-se que a diferença entre a sentença condenatória e a executiva lato sensu é a exigência ou dispensa de processo autônomo de execução.
Existem lições contemporâneas que buscam outra distinção entre a sentença condenatória e a executiva lato sensu, entendendo que a dispensa do processo autônomo de execução para a satisfação do direito não torna automaticamente uma sentença condenatória em executiva lato sensu.
As sentenças mandamentais se caracterizam pela existência de uma ordem do Juiz dirigida à pessoa ou órgão para que faça ou deixe de fazer algo, não se limitando, portanto, à condenação do réu.
O Juiz na sentença mandamental ordena que o réu pratique determinado ato que somente a ele caberia praticar, não existindo nessa atividade o caráter substitutivo característico da execução.
A satisfação da sentença mandamental é feita pelo cumprimento da ordem, não existindo processo ou fase de execução subsequente a ela visando tal satisfação.
O juiz ordena e aguarda o cumprimento da ordem, não havendo previsão de procedimento para que isso se verifique concretamente.
Poderá o Juiz se valer de atos de pressão psicológica – execução indireta – como também de sanção civil (ato atentatório à dignidade da justiça, previsto no artigo 77, inciso IV, do Novo Código de Processo Civil) e penal (crime de desobediência), mas ainda assim não haverá uma fase executiva, com a prática de atos materiais de execução.
É diferente da sentença executiva lato sensu porque esta, além de ser satisfeita pela prática de atos materiais, o que caracteriza um procedimento, ainda que não expressamente previsto em lei, atinge o patrimônio do executado, enquanto a sentença mandamental atinge a vontade do executado.
No que tange à resolução do mérito as sentenças podem ser divididas em sentenças terminativas, que não resolvem o mérito, previstas no artigo 485 do Código de Processo Civil e as sentenças definitivas, que resolvem o mérito, elencadas no artigo 487 do Código de Processo Civil.
As hipóteses mencionadas no artigo 485 geram a prolação de sentença sem resolução do mérito, ou seja, sentenças terminativas quando o Juiz indeferir a petição inicial; o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; homologar a desistência da ação; em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e nos demais casos prescritos neste Código.
O artigo 487 do Código de Processo Civil estabelece as hipóteses de sentenças definitivas, ou seja, que efetivamente resolvem o mérito, quais sejam: acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; homologar o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; homologar a transação e homologar a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.
A seguir, vamos tecer comentários acerca dos acórdãos, os quais são decisões proferidas pelos egrégios Tribunais de Justiça.
2.4. Acórdãos
Gajardoni (2015) ensina que acórdão também pode ser considerado um pronunciamento judicial. Todavia, como objetiva substituir uma sentença ou uma decisão, não recebe autonomia classificatória considerando que terá a mesma natureza daquilo que substituirá.
O acórdão possui previsão expressa no artigo 204 do Código de Processo Civil[34].
Em outras palavras, podemos definir que sempre que o pronunciamento, independentemente de sua natureza, for proferido por um órgão colegiado, será proferido um acórdão, que é a decisão – interlocutória ou final – representativa de qualquer decisão colegiada proferida nos tribunais.
Na sequência serão expostas breves considerações acerca das decisões monocráticas.
2.5. Decisões monocráticas
Didier (2016) ensina que em tribunal, as decisões podem ser classificadas a partir do órgão prolator. São, então, unipessoais (chamadas, no jargão processual, de monocráticas) ou acórdãos (colegiadas).
As decisões monocráticas e os acórdãos podem ou não encerrar o procedimento, não sendo esse o aspecto que as diferencia.
Os acórdãos e as decisões unipessoais podem ser interlocutórios os finais.
As decisões unipessoais podem ser proferidas pelo relator ou pelo Presidente ou Vice Presidente do Tribunal de Justiça, em causas que são da sua competência.
Há, então, 05 (cinco) espécies de decisão no ordenamento jurídico.
As decisões exclusivas do magistrado que são as interlocutórias e as sentenças. As decisões do Tribunal de Justiça que poderão ser unipessoal do relator, unipessoal do Presidente ou Vice Presidente do Tribunal de Justiça e os acórdãos.
Da sentença cabe o recurso de apelação, havendo raros casos em que da sentença cabe agravo ou outro tipo de recurso.
A decisão interlocutória pode ser passível de agravo de instrumento ou de apelação.
Das decisões unipessoais de relator cabe agravo interno.
E dos acórdãos é possível, a depender da hipótese, ser interposto recurso ordinário, recurso especial ou recurso extraordinário.
De todas as decisões cabem, desde que presentes seus requisitos, embargos de declaração.
Superada a breve análise acerca das decisões monocráticas passaremos a analisar os elementos, anteriormente chamados de requisitos, essenciais da sentença.
3. Requisitos (Elementos) essenciais da sentença na ótica do Código de Processo Civil de 1973 e do Código de Processo Civil de 2015
A jurisdição exerce-se através da relação jurídica processual em contraditório, cuja dialética, visa a aplicar o direito e pacificar a sociedade, realizando a justiça no caso concreto.
A sentença é um dos mais relevantes provimentos do juiz, porque corporifica o desfecho de todo o procedimento, sendo o último ato processual, com o qual, o juiz termina seu ofício jurisdicional.
A sentença corresponde a um silogismo, onde a premissa maior é a norma jurídica a ser aplicada, ao passo que, a premissa menor é o fato ou a situação de fato, sendo a conclusão correspondente à norma concreta que se extrai da submissão do fato à norma jurídica.
Ressalto que a referida operação de submeter os fatos ao ditame da lei se denomina subsunção que traduz um enlace lógico de uma situação particular específica e concreta a uma previsão abstrata, genérica e hipotética contida na norma jurídica.
Gajardoni (2015) destaca que o processo, em determinado momento, terá de chegar a seu final, visto não se tratar de instituto criado para durar indefinidamente (muito ao contrário, espera-se que o processo seja julgado com a maior brevidade possível). Toda vez que o processo for extinto, haverá uma sentença. Contudo, o inverso não é verdadeiro: nem toda sentença acarretará a extinção do processo.
O Código de Processo Civil em vigor divide as sentenças entre as sem mérito e com mérito (artigos 485 e 487, respectivamente).
As sentenças com mérito não acarretam a extinção do processo, pois na sequência, em regra, haverá o cumprimento de sentença.
Na sentença sem mérito o processo é extinto por força de alguma falha burocrática ou processual.
Em outras palavras, o pedido formulado pelo autor nem sequer é apreciado pelo juiz, e assim a lide permanece incomposta e o mérito, não decidido.
Segundo, Gajardoni (2015, p. 1.945) tal situação é “denominada extinção anômala, já que, quando alguém busca o Judiciário, o esperado é que se decida o mérito”.
O Código de Processo Civil de 1973 estabelecia que o relatório, a fundamentação e o dispositivo formavam os requisitos da sentença e o Novo Código de Processo Civil, em vigor, alterou a expressão requisitos para elementos da sentença.
Assim, superada a questão, passaremos a expor os conceitos e as particularidades de cada elemento que compõe a sentença judicial.
3.1. Relatório
O relatório é um resumo da demanda, no qual o juiz indicará as partes, uma breve suma do pedido, uma breve suma da defesa e a descrição dos principais atos praticados no processo.
“Costuma-se dizer que a razão de ser do relatório é demonstrar que o juiz tem pleno conhecimento da demanda que está julgando. Ocorre, entretanto, que é perfeitamente possível que o juiz, mesmo que não faça o relatório – seja porque ele não existe, seja porque o serventuário o elaborou -, tenha pleno conhecimento da demanda exigido para um julgamento de qualidade. Tanto assim, que nos Juizados Especiais o relatório é dispensado (art. 38 da Lei nº 9.099/95), não se conhecendo entendimento que afirme que nesses processos o juiz possa sentenciar sem ter o pleno conhecimento da demanda (NEVES, 2016, p. 759/759v).”
Admite-se a elaboração de relatório per relationem, quando o juiz se reporta a um relatório realizado em outra demanda, o que é possível em termos de sentença em julgamento de demandas conexas quando julgadas em momentos diferentes ou de ações incidentais.
A ausência de relatório gera nulidade da sentença, presumindo-se que o juiz ao deixar de realizar o relatório não tem o conhecimento pleno da demanda que está julgando.
“A doutrina majoritária entende trata-se de nulidade absoluta, com o que não concordo, porque só tem sentido anular a sentença se restar demonstrado concretamente o prejuízo, ou seja, que o juiz realmente não tinha o conhecimento pleno da demanda. Trata-se, portanto, de nulidade relativa. Prova maior é a dispensa de relatório nos Juizados Especiais (…), o que demonstra que a decisão pode ser válida mesmo sem esse elemento. Frise-se que, nesse caso, provavelmente o desconhecimento do juiz se mostrará por meio da fundamentação inadequada ou insuficiente (NEVES, 2016, p. 760).”
A seguir faremos uma breve análise acerca da necessidade de fundamentação das decisões e sentenças.
3.2. Fundamentação
A fundamentação da decisão é essencial, sendo inclusive um princípio constitucional.
Sendo a sentença um ato decisório de extrema importância no processo, é evidente que a fundamentação não pode ser dispensada.
Na fundamentação o juiz deve enfrentar todas as questões de fato e de direito que sejam relevantes para a solução da demanda, justificando a conclusão a que chegará no dispositivo.
“São os porquês do ato decisório, tanto que só é possível afirmar justa ou injusta uma sentença analisando-se no caso concreto sua fundamentação” (NEVES, 2016, p. 760).”
A ausência de fundamentação é vício grave, mas não gera a inexistência jurídica do ato, devendo ser tratado no plano da validade do ato judicial decisório, de forma que a sentença sem fundamentação é nula (nulidade absoluta).
O recurso cabível é a apelação com a alegação de error in procedendo intrínseco, ainda que excepcionalmente possam ser admitir os embargos de declaração com efeitos infringentes.
O artigo 1.013, § 3º, inciso IV do Código de Processo Civil[35] prevê expressamente a aplicação da teoria da causa madura na hipótese de nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Abaixo analisaremos o elemento da sentença denominado dispositivo.
3.3. Dispositivo
O dispositivo é a conclusão decisória da sentença, representando o comando da decisão, ou seja, é do dispositivo que são gerados os efeitos práticos da sentença, transformando o mundo dos fatos.
O referido elemento é a conclusão do juiz que decorre da fundamentação, parte da sentença na qual o julgador descreve suas razões de decidir, indicando os fundamentos que justificam a opção tomada no dispositivo.
“Ao juiz é permitida a elaboração de dispositivo direito e indireto, ainda que a primeira espécie seja a forma mais segura de elaborar essa parte da sentença, evitando-se eventuais obscuridades da decisão. No dispositivo direto, o Juiz indica expressamente o bem da vida obtido pelo autor, enquanto no dispositivo indireto o juiz acolhe o pedido do autor sem a indicação do bem da vida obtido, limitando-se a julgar procedente o pedido e a fazer uma remissão à pretensão do autor (Neves, 2016, p. 761).”
A ausência de dispositivo gera vício gravíssimo, até mesmo porque uma decisão sem dispositivo não é propriamente uma decisão, porque nada decide.
Trata-se de inexistência jurídica do ato judicial, podendo tal vício ser alegado em sede de embargos de declaração em razão da omissão do órgão julgador ou por meio de apelação.
Em sendo caso de inexistência jurídica é admissível a alegação do vício até mesmo após o trânsito em julgado da decisão, por meio de ação meramente declaratória.
A ausência de dispositivo, bem como a ausência de fundamentação das decisões e sentenças judiciais tratam-se de irregularidades e geram vícios no ato judicial.
No próximo capítulo trataremos, de forma minuciosa, acerca da ausência de fundamentação, mormente em relação aos reflexos acarretados devido à insuficiência ou, até mesmo, inexistência nas decisões e sentenças exaradas pelos magistrados brasileiros.
4. Ausência de fundamentação
O dever de fundamentar as decisões judicias, como acima já mencionado, trata-se de dever constitucional imposto ao juízes durante a elaboração de suas decisões acerca do caso concreto que se encontra sob a sua jurisdição, não podendo, portanto, o magistrado deixar de atender o dever constitucional, sob pena de ter anulada a sua decisão judicial.
Tal dever revela-se de suma importância, na medida em que o legislador na elaboração do novo Código de Processo Civil teve o cuidado de elaborar hipóteses que não podem ser adotadas pelos juízes, sob pena de terem suas decisões anuladas.
A seguir mencionaremos as hipóteses previstas no Código de Processo Civil acerca da ausência de fundamentação nas decisões judiciais.
4.1. Hipóteses previstas no CPC de 2015
Wambier (2005) preleciona ser o dever de fundamentação das decisões como a última manifestação do contraditório, sendo a motivação um mecanismo de garantia de viabilização de constatação das partes de terem sido ouvidas.
Ademais, não podemos nos olvidar que o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, resta indene de dúvidas que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Nery Júnior (2013) estabelece que embora Constituição Federal tenha por regra ser descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres, há de se observar que a ausência de motivação é tido por vício de tão significativa gravidade que levou o legislador constituinte a abandonar a técnica de elaboração do texto constitucional, fazendo constar em seu próprio bojo a respectiva pena, em caso de inobservância da regra, in casu, a de nulidade do ato.
Por sua vez, Gajardoni (2015) enfatiza que a motivação é exigência constitucional plasmada no inciso IX do artigo 93 da Carta Magna.
O provimento jurisdicional, por ser um ato de vontade e não de imposição de vontade arbitrária, para ser legítimo, enquanto ato estatal, tem na obrigatoriedade da motivação estofo fundamental.
O artigo 489, § 1º do Código de Processo Civil apresenta um rol de hipóteses em que não serão consideradas como fundamentadas as decisões judiciais que: (I) – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II-empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III-invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos e VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Neves (2016) ratifica que apesar de suficiente previsão constitucional contida no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal, o Novo Código de Processo Civil também consagra expressamente o princípio da motivação das decisões judiciais ao prever em seu artigo 11 que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Os incisos do artigo 489, §1º do Código de Processo Civil acima mencionados exigem do órgão jurisdicional um maior cuidado e capricho na fundamentação de suas decisões.
Neste ponto, o Enunciado nº 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis ainda indica que o referido rol das hipóteses descritas no dispositivo é um rol meramente exemplificativo.
A seguir vamos analisar cada inciso previsto no artigo 489 do Código de Processo Civil.
Neves (2016) ensina que o inciso I do artigo 489 do Código de Processo Civil estabelece que não pode o juiz em sua fundamentação se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida cabendo, portanto, ao juiz expor em seu pronunciamento decisório a interpretação que fez da norma jurídica aplicável ao caso concreto e a correlação entre elas e os fatos do caso concreto.
É natural que sendo a norma jurídica uma regra legal, o trabalho do juiz será menor do que quando a norma jurídica é um princípio, mas de qualquer forma caberá ao juiz externar sua interpretação da norma jurídica e sua correlação com os fatos.
Esse exercício de interpretação e de subsunção é tarefa do juiz, não podendo se transferir para as partes.
Do mesmo modo, não será fundamentada a decisão que empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, conforme dispõe o inciso II do artigo 489 do Código de Processo Civil. O dispositivo em testilha também será aplicado em decisões fundadas em cláusulas gerais.
A norma costuma ser composta de duas partes: a situação fática e o efeito jurídico.
As normas fechadas são aquelas em que essas duas partes já são definidas pelo legislador, cabendo ao juiz apenas identificar a situação fática descrita na norma e aplicar seus efeitos jurídicos ao caso concreto.
Quando o legislador fixa no conteúdo da norma a situação fática mas deixa a consequência jurídica em aberto, para ser definida pelo juiz no caso concreto, tem-se o conceito jurídico indeterminado.
Nas cláusulas gerais o legislador prevê uma situação fática vaga e um efeito jurídico indeterminado, de forma que nesse caso o grau de indefinição é ainda maior do que no conceito jurídico indeterminado, porque nesse caso, além de ser vaga sua hipótese de incidência é indeterminado seu efeito jurídico.
O legislador ao criar conceitos jurídicos indeterminados, que são conceitos vagos, de definição imprecisa, praticamente delega ao juiz no caso concreto seu preenchimento, sendo tal fenômeno ainda mais robusto nas cláusulas gerais.
Trata-se de considerável poder colocado nas mãos do juiz pelo legislador, e como é sabido, com todo grande poder vem uma grande responsabilidade.
Diante da fluidez semântica do conceito jurídico indeterminado e das cláusulas gerais, caberá ao juiz a exposição dos motivos concretos de sua incidência no caso concreto.
O inciso III do artigo 489 do Código de Processo Civil estabelece que há vedação à simples invocação de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, o que busca evitar a utilização de fundamentação-padrão, que pode ser utilizada nas mais variadas situações.
Essa forma de decidir não permite sequer que as partes tenham a segurança de que o juiz leu o pedido, porque ela simplesmente não responde a seus argumentos.
Por outro lado, a norma em comento não impede a utilização de decisões padrões para a solução de processos repetitivos, não sendo racional se exigir do juiz diferentes fundamentações para decidir a exata mesma questão de direito. Tal situação não gera ofensa ao artigo 489, inciso III do Código de Processo Civil porque a decisão não se presta a resolver qualquer questão ou pedido, mas apenas aquele pedido e questão repetitiva, cabendo ao juiz apenas justificar a utilização daquela decisão padrão para o caso específico.
O inciso IV do artigo 489 do Código de Processo Civil estabelece que sempre que o órgão deixar de enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, acarretará nulidade do julgamento. Com esse dispositivo percebe-se a mudança do sistema de motivação de decisões judiciais da fundamentação suficiente para um sistema de fundamentação exauriente.
Destacamos que há duas técnicas distintas de fundamentação das decisões judiciais: exauriente, também chamada de completa e a suficiente.
Na fundamentação exauriente, o juiz é obrigado a enfrentar todas as alegações das partes, enquanto na fundamentação suficiente basta que enfrente e decida todas as causas de pedir do autor e todos os fundamentos de defesa do réu.
Como cada causa de pedir e cada fundamento de defesa podem ser baseados em várias alegações, na fundamentação suficiente o juiz não é obrigado a enfrentar todas elas, desde que justifique o acolhimento ou a rejeição da causa de pedir ou do fundamento de defesa.
O direito brasileiro adota a técnica da fundamentação suficiente, sendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça neste sentido ao afirmar que não é obrigação do juiz enfrentar todas as alegações das partes, bastando ter um motivo suficiente para fundamentar a decisão.
Assim sendo, podemos concluir que a partir do advento do Código de Processo Civil (Lei nº 13.015/2015) não bastará ao juiz enfrentar as causas de pedir e fundamentos de defesa, mas todos os argumentos que os embasam.
Neste ponto, já podemos observar a jurisprudência ratificando esta posição de necessidade apenas da técnica da fundamentação suficiente.
O Superior Tribunal de Justiça nos autos dos Embargos de Declaração no Mandado de Segurança nº 21.315 – DF, de relatoria da Ministra Diva Malerbi, Desembargadora convocada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, julgado em 08 de junho de 2016 firmou entendimento no sentido de que o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão.
Deste modo, a prescrição trazida pelo artigo 489 do Código de Processo Civil veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo, portanto, dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.
“(…) a previsão legal tem como objetivo afastar da exigência de enfrentamento os argumentos irrelevantes e impertinentes ao objeto da demanda, liberando o juiz da atividade valorativa inútil. Ou ainda alegação que tenha ficado prejudicada em razão de decisão de questão subordinante, como ocorre na hipótese de ser liberado o juiz de analisar todos os fundamentos da parte vitoriosa (NEVES, 2016, p. 129).”
O inciso V do § 1º do artigo 489 do Código de Processo Civil estabelece que há exigência no sentido de o órgão jurisdicional, ao fundamentar sua decisão em precedente ou enunciado de súmula, identificar seus fundamentos determinantes e demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.
Nesta situação, não bastará ao órgão jurisdicional mencionar o precedente ou enunciado de súmula, devendo justificar sua aplicabilidade ao caso concreto, por meio de demonstração da correlação entre os fundamentos do entendimento consagrado e as circunstâncias do caso concreto.
“Exatamente como se exige do juiz a interpretação do texto legal e sua aplicabilidade ao caso concreto, na aplicação de precedentes e de súmulas cabe ao juiz interpretá-los e justificar a aplicação de suas rationes decidendi (fundamentos determinantes) ao caso concreto (NEVES, 2016, p. 130).”
Neste contexto, percebe-se que do magistrado é exigida uma comparação analítica entre os fundamentos determinantes da súmula ou precedente e o caso sob julgamento.
O inciso VI do § 1º do artigo 489 do Código de Processo Civil destaca que há previsão de que não se considera fundamentada a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou de superação do entendimento.
O que se extrai do inciso em testilha é que se o juiz considerar que o processo apresenta crise jurídica apta a ser resolvida pelo enunciado de súmula ou precedente com eficácia vinculante, e que não esteja superado o entendimento consagrado, e ainda assim decidir pela não aplicação por não concordar com tal entendimento, a decisão será nula por falta de fundamentação.
Segundo (Neves, 2016, p. 131), “conclusivamente, os incisos V e VI do § 1º do artigo 489 do Código de Processo Civil criam um dever do juiz, não sendo legítimo se criar um ônus para a parte onde a lei não o prevê e sequer sugere.”
In casu, a identificação dos fundamentos determinantes e a demonstração da existência de distinção ou a superação do entendimento são deveres do juiz, de forma que mesmo que as partes não tenham se manifestado expressamente nesse sentido, continua a ser nula a decisão que deixa de fazê-lo.
A ser turno, o artigo 927, § 1º do mesmo diploma legal[36] traz expressa referência ao artigo 489, § 1º do Código de Processo Civil, sinalizando que os juízes deverão sempre observar a regra deste artigo quando do enfrentamento das hipóteses elencadas naquele.
O novo Código de Processo Civil fornece elementos concretos e objetivos para o cumprimento do dever de fundamentar por parte dos magistrados, ou seja, a rigor, a exigência já exista no ordenamento jurídico, entretanto, carecia de especificidade.
Por fim, importante consignar que uma decisão ampla, completa e profunda permite o atingimento do grau máximo que se espera em um Estado Democrático de Direito, como coroação à entrega efetiva da prestação da tutela jurisdicional, apenas possível com a observância plena dos princípios do contraditório, do devido processo legal e do livre convencimento motivado.
Em outras palavras, escusar-se de observar preceito de tamanha relevância, qual seja, motivar com profundidade as decisões, significa não cumprir com maestria e correção o importante dever atribuído ao Poder Judiciário.
Filardi (2012) estabelece que os atos do Estado não devem se impor pela força, mas pelo convencimento e sua congruência com o ordenamento jurídico vigente.
O Poder Judiciário se legitima quando sua decisão convencer a sociedade, sendo certo que para que isso ocorra os interessados devem tomar pleno conhecimento de seus fundamentos.
O Estado Constitucional não mais comporta atividades públicas que sejam despidas de justificação, que não guardem qualquer relação com o prestígio à concreta participação dos jurisdicionados na formação das decisões judiciais que afetem suas esferas de interesse.
4.2. Efeito (s) decorrente (s) da ausência
Bueno (2015) ratifica que toda sentença conterá relatório, fundamentos e dispositivo, sendo que as novidades substanciais estão nos parágrafos dos dispositivos.
A expressão sentença, conservada pelo caput do dispositivo, é empregada como sinônimo de decisão (qualquer decisão) jurisdicional.
Deste modo, estão sujeitos à disciplina dos parágrafos do artigo 489 do Código de Processo Civil não só as sentenças, mas também as decisões interlocutórias, as decisões monocráticas proferidas no âmbito dos Tribunais e os acórdãos.
O parágrafo primeiro do artigo 489 do CPC indica as hipóteses em que a decisão – qualquer decisão, como ele próprio faz questão de evidenciar – não é considerada fundamentada, exigindo do julgador que peculiarize o caso julgado e a respectiva fundamentação diante das especificidades que lhe são apresentadas.
Fundamentações padronizadas e sem que sejam enfrentados os argumentos e as teses trazidos pelas partes não serão mais aceitas.
Gonçalves (2016) ressalta que o juiz, ou tribunal, ao proferir suas decisões, deve justificá-las, apresentando as razões pelas quais determinou essa ou aquela medida, proferiu esse ou aquele julgamento.
Sem a fundamentação, as partes, os órgãos superiores e a sociedade não conheceriam o porquê de o juiz ter tomado aquela decisão.
A fundamentação é indispensável para a fiscalização da atividade judiciária, assegurando-lhe a transparência.
Esse controle, fundamental nos Estados Democráticos, poderá ser exercido pelos próprios litigantes, pelos órgãos superiores, em caso de recurso, e pela sociedade.
Em caso de falta de fundamentação, qualquer dos litigantes poderá valer-se dos embargos de declaração, solicitando ao juiz que explique os fundamentos de sua decisão ou poderá valer-se do recurso adequado para postular a nulidade da decisão.
Sabe-se que dentre os atos judiciais, apenas os despachos dispensam a fundamentação, mas despachos, como anteriormente já mencionado, são aqueles atos que não têm nenhum conteúdo decisório e que, por essa razão, não podem trazer nenhum prejuízo aos participantes do processo, porém, se existir risco de prejuízo, não haverá despacho, mas decisão, que deverá ser fundamentada.
O Código de Processo Civil, em cumprimento ao determinado pela Constituição Federal da República Brasileira, manifesta particular preocupação com a fundamentação das decisões judiciais.
E, como efeito ou consequência da ausência de fundamentação ou mesmo insuficiência temos a nulidade da decisão judicial proferida pelo magistrado.
6. Considerações finais
Diante do exposto, após a análise, de forma minuciosa, acerca do dever constitucional de motivação das decisões, da sua contextualização histórica, dos princípios fundamentais do Processo Civil e dos pronunciamentos judiciais existentes em nosso ordenamento jurídico com referência às suas peculiaridades podemos fazer algumas considerações.
Primeiramente restou evidenciado que o dever de fundamentação das decisões judiciais não se trata de recente inovação jurídica, na medida em que há longa data já se exigia dos magistrados a exposição dos porquês de suas decisões terem sido neste ou naquele sentido.
Com efeito, o conhecimento da fundamentação da decisão judicial revela-se necessário aos litigantes para que aquele que se sentir prejudicado com a conclusão da decisão judicial possa interpor o recurso cabível para tentar reverter a situação jurídica estabelecida com aquela decisão que entende lhe ser prejudicial.
Outrossim, constatou-se com este trabalho de conclusão de curso, que, além do dever de fundamentação das decisões, existem outros princípios que devem ser respeitados pelas partes litigantes e pelo próprio magistrado atuante no caso concreto para que não ocorram violações a bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Com a inovação do Código de Processo Civil, através da Lei nº 13.105/2015, podemos perceber que o novo diploma legal além de assegurar as garantias anteriormente já existentes veio agora para detalhar alguns pontos que, por serem considerados muito amplos, diga-se de passagem, genéricos, deixavam brechas na lei, as quais eram utilizadas de forma inadequada por muitos.
O novo diploma legal inova ao prever no artigo 489 do Código de Processo Civil, mormente no parágrafo primeiro, as hipóteses em que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão que violar as hipóteses elencadas nos incisos I até VI do referido artigo.
Neste ponto, já se observou manifestação da jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, desde que já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão judicial no caso concreto.
Assim sendo, percebe-se que é necessário que seja efetivamente aplicado e exigido o dever de fundamentação das decisões judiciais, uma vez que somente com essa exigência poderemos fazer um controle acerca do processo e da conduta das partes, especialmente dos juízes.
Por fim, ressaltamos que não podemos deixar de ter conhecimento acerca do inteiro teor da fundamentação das decisões, sob pena de ter prejudicado os nossos eventuais recursos interpostos, por não termos elementos suficientes para sustentar os recursos devido ao desconhecimento dos argumentos que ensejaram a decisão neste ou naquele sentido.
Informações Sobre o Autor
Fabiane Brum Soares Zimmermann Becker
Aluna especial do Mestrado Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande. Especialista em Direito Processual Civil. Assessora de juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul