Comentários ao acórdão sobre arbitramento de honorários sucumbenciais na ação monitória

Resumo: O presente trabalho, analisa, comenta e crítica parcialmente o Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ao decidir, na vigência da nova Lei processual – que trouxe especial tratamento à Ação Monitória – pela fixação de honorários advocatícios sucumbenciais em patamar inferior àquele previsto levando-se em conta a inércia do devedor ao receber o mandado monitório. A metodologia utilizada consistiu na revisão bibliográfica e jurisprudencial e no decorrer do trabalho será feito, antes de adentrar em seu objeto, breve exposição sobre os conceitos iniciais sobre o tema, fazendo, sempre que possível, um pararelo entre os códigos de Processo Civil de 1973 e o de 2015. Feito isso, há de se concluir que embora os Julgadores tenham acertado em arbitrar a verba honorária, não andaram muito bem em fixa-la em valores reduzidos, vez que acabam por desestimular o pagamento pontual, situação essa, contrária a intenção do legislador na atual redação do diploma processual civil.

Palavras-chave: Ação Monitória; honorários advocatícios; Tribunal.

Abstract: This study analyzes, comments and partially criticizes the Judgment of the Court of Justice of the State of Minas Gerais in deciding, during the validity of the new procedural Law – which brought special treatment to the Action Monitory – by setting sucumbencial legal fees lower to the one anticipated taking into account the inertia of the debtor when receiving the monitory warrant. The methodology used consisted of a bibliographical and jurisprudential review and in the course of the work will be done, before entering into its object, a brief exposition about the initial concepts on the subject, making, whenever possible, a stop between the Civil Procedure codes of 1973 and that of 2015. Once this has been done, it will be concluded that although the judges have agreed to arbitrate the honorary amount, they have not been able to fix it in small amounts, since they end up discouraging the punctual payment,  situation contrary to the intention of the legislator in the current drafting of the civil procedural document.

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Keywords: Monitory Action; Advocative hours; Court.

Sumário: 1. Acórdão. 2. Histórico. 3. Decisão analisada. 4. Surgimento. 5. Aspectos Gerais. 6. A evidência do Direito do autor para fins de expedição do mandado de pagamento. 7. Comentários e Críticas ao Acórdão. Conclusão.

Introdução

A Ação Monitória, de procedimento especial, é disciplinada nos artigos 700 a 702 do novo Código de Processo Civil e está situada de forma intermediária entre a ação de conhecimento e a ação de execução, podendo ser ajuizada por quem detenha prova escrita representativa de crédito sem eficácia de título executivo. O artigo 701 do NCPC trouxe profunda alteração da disposição anterior contida no diploma processual de 1973 ao tarifar os honorários advocatícios com intuiro estimular o adimplemento, reduzindo a um só tempo a divergência de entendimentos e julgamentos diversos perante os Tribunais. Verifica-se, todavia, do Acórdão objeto do presente estudo, que ainda pairam dúvidas quanto ao arbitramento de verba honorária na Ação Monitória, fazendo com que os aplicadores e estudiosos do direito se socorram cada vez mais da doutrina como instrumento propício à aplicação do direito a uma realidade mais justa, em detrimento da jurisprudência, portanto, antes de tecer comentários sobre a decisão propriamente dita, faz-se necessário discorrer, ainda que singelamente, sobre a Ação Monitória no Código de Processo Civil, assim como, tratar da evidência do direito do autor para fins de expedição do mandado de pagamento, com intuito de melhor embasar a crítica que está sendo feita.

1. Acórdão

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – CONVERSÃO EM EXECUÇÃO – RÉU REVEL CITADO PESSOALMENTE – FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – POSSIBILIDADE.

1. Nos termos do art.701, §1º, do CPC/15, tem-se a isenção das custas na ação monitória, somente para pagamento voluntário do mandado inicial, devendo ser fixados honorários sucumbenciais, em caso de revelia do réu que ensejou a conversão do mandado monitório em mandado executivo, diante do princípio da causalidade.

2. Entretanto, nos termos do caput do art.701 do CPC/15, deve prevalecer para o caso de inércia do réu no pagamento voluntário do mandado inicial, o percentual de 5% a título de honorários sucumbenciais, na conversão do mandado monitório, em mandado executivo.

3. Recurso conhecido e parcialmente provido.

(AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0024.10.157596-7/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – AGRAVANTE(S): FRIGORÍFICO ALVORADA LTDA – AGRAVADO(A)(S): MARCIO ANTONIO PEREIRA, Julg.:09/11/2016)

A C Ó R D Ã O. Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.DESA. SHIRLEY FENZI BERTÃO RELATORA.

VOTO

I-   RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por FRIGORÍFICO ALVORADA LTDA, em face da decisão interlocutória de prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 18ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da Ação Monitória movida contra MARCIO ANTONIO PEREIRA, converteu o mandado inicial em mandado executivo, conforme art. 701, §2º do NCPC, contudo, deixou de fixar os honorários sucumbenciais.

Assim fundamentou o MM. Juiz:

"Sabe-se que "Constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702, observando-se, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial." (artigo 701, §2° do CPC).

Assim, devidamente citado (fls.76), o réu deixou seu prazo transcorrer in albis (fls.76 verso), operando – se assim a revelia, razão pela qual converto o mandado inicial em mandado executivo e, consequentemente, determino o prosseguimento do feito na forma do artigo 513 e seguintes do CPC (cumprimento de sentença). Às anotações.

Isto posto, verifica-se que sendo o réu revel, não há necessidade de intimação pessoal deste para cumprimento do disposto no artigo 523 do CPC, uma vez que foi decretada a revelia após a regular citação(…)

Ante o exposto, chamo o feito à ordem para que intime-se o devedor, mediante publicação, para, no prazo de 15 (quinze) dias, efetuar o depósito do débito exequendo (fls.103 verso), sob pena de incidência de multa de

10% (dez por cento), nos termos do artigo 523 §1°, do Código de Processo Civil.

Aduz o agravante, em síntese, que o agravado foi devidamente citado, contudo, não efetuou o pagamento devido, nem mesmo apresentou embargos à monitória, tendo permanecido revel.

Afirma que o Magistrado a quo determinou a conversão do mandado inicial em mandado executivo, entretanto, deixou de fixar os honorários sucumbenciais.

Defende que em decorrência desse fato, opôs Embargos de Declaração pleiteando que o MM. Juiz sanasse a sua omissão e se pronunciasse quantos aos honorários sucumbenciais.

Argui que o Magistrado a quo manteve sua decisão em não estipular os valores de honorários sucumbenciais contra o réu/agravado que deu causa a demanda.

Assevera que nos termos do art.85 e 701 ambos do NCPC, deve ser fixada a verba honorária em favor do procurador do autor, ora agravante, inclusive, em respeito ao princípio da causalidade.

Dessa forma, pugna pelo provimento do recurso, a fim de que sejam arbitrados honorários sucumbenciais em razão da conversão do mandado monitório em mandado executivo, no importe equivalente a 20% do valor total do débito.

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Preparo recolhido conforme doc.02.

Em decisão constante do doc.08 foi deferido efeito suspensivo ao agravo de instrumento.

Sem contraminuta do agravado.

É o relatório.

II – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Vistos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do AGRAVO, recebendo-o sob a forma de INSTRUMENTO, razão pela qual passo ao exame do mérito.

III – MÉRITO

Cuida-se o presente recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória de prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 18ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da Ação Monitória movida contra MARCIO ANTONIO PEREIRA, converteu o mandado inicial em mandado executivo, conforme art. 701, §2º do NCPC, contudo, deixou de fixar os honorários sucumbenciais em favor do patrono do agravante.

Compulsando os autos, verifico que a parte agravante ingressou com ação monitória em face do agravado, o qual não obstante ter sido citado pessoalmente, deixou de apresentar defesa, tendo o magistrado primevo convertido o mandado monitório em mandado executivo nos termos do antigo art.1.102-C do CPC/73, atual art.701 e seguintes do CPC/15:

Art. 701.  Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa.

§ 1o O réu será isento do pagamento de custas processuais se cumprir o mandado no prazo.

§ 2o Constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702, observando-se, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.

Verifica-se que na ação monitória não embargada pelo réu revel, tem-se como plenamente válida a fixação de honorários sucumbenciais, conforme interpretação do art.701, caput e §2º do CPC/15.

Isso porque, na ação monitória o réu somente é isento do pagamento das custas processuais se cumprir voluntariamente o mandado monitório inicial, conforme preceitua o §1º, do art.701 do CPC/15.

Assim, em respeito ao princípio da causalidade, não embargada à ação monitória pelo réu (revelia) ou, restando o réu sucumbente depois de sua defesa, deve ser fixada a verba honorária em favor do patrono do autor, haja vista que, em ambos os casos, o réu deu causa a distribuição da demanda para a cobrança de débito representado em prova escrita sem eficácia de título executivo.

Nesse sentido, precedente desta turma julgadora deste Tribunal em caso análogo, bem como jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – RÉU REVEL CITADO PESSOALMENTE – FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – POSSIBILIDADE – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – INTIMAÇÃO PESSOAL DO EXECUTADO – NÃO CABIMENTO. 1. O réu revel, citado pessoalmente, não precisa ser novamente intimado pessoalmente nos termos do art.475-J do Código de Processo Civil, sob pena de subversão do princípio da efetividade e celeridade processual almejada com as alterações no CPC advindas da Lei nº.11.232/2005.

2. Nos termos do art.322 do CPC, os prazos processuais correrão a partir da publicação de cada ato decisório, independentemente de nova intimação pessoal. 3. Nos termos do art.1.102-C, §1º, do CPC, tem-se a isenção do pagamento das custas e honorários advocatícios na ação monitória somente para pagamento voluntário do mandado inicial, devendo ser fixado honorários advocatícios conforme art.20, 3º, do CPC em favor do patrono do autor, inclusive, em respeito ao princípio da causalidade. 4. Recurso conhecido e provido.  (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0702.11.077430-5/001, Relator(a): Des.(a) Shirley Fenzi Bertão , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/03/2016, publicação da súmula em 07/04/2016)

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONVERSÃO EM EXECUÇÃO. NÃO OFERECIMENTO DE EMBARGOS. SUCUMBÊNCIA DEVIDA. CPC, ARTS. 20 E 1.102c.

I. Ainda que não embargada a ação monitória, dando o réu causa à demanda pelo simples fato de, citado, permanecer inadimplente, obrigando o credor a executá-la, é de se lhe impor os ônus sucumbenciais, na forma do art. 20 da lei adjetiva civil.

II.Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 418.172/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2002, DJ 26/08/2002, p. 242)

Entretanto, quanto ao valor dos honorários sucumbenciais, entendo que não merece ser acolhido o pedido do agravante, uma vez que conforme preceitua o art.701, caput, do CPC/15, "o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa.", deve prevalecer para o caso de inércia do réu no pagamento voluntário do mandado inicial.

A respeito, lições de Daniel Amorim Assumpção Neves:

"Chama a atenção, entretanto, que o art.701, caput, do Novo CPC, preveja que os honorários serão fixados em 5% do valor da causa. Pode se alegar que tal previsão daria um desconto de 50% sobre o mínimo legal, mas na realidade não há condicionante desse percentual de 5% ao cumprimento da obrigação. Dessa forma, mesmo que o réu deixe de cumprir a obrigação, inclusive com a constituição do título executivo diante de sua inércia, os honorários continuaram a ser de 5% do valor da causa." (in, Código de Processo Civil Comentado – Salvador. Ed. JusPodivm, 2016, pág.1112)

Portanto, entendo que merece ser parcialmente acolhido o pedido do agravante, a fim de que sejam fixados honorários sucumbenciais na conversão do mandado monitório em mandado executivo no importe de 5% previsto no art.701, caput, do CPC/15, o que também atende a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado.

IV- DISPOSITIVO

POSTO ISSO, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, para reformar a decisão agravada e fixar honorários sucumbenciais em favor do patrono do autor, ora agravante, que fixo em 5% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art.701 do CPC/15.

Custas na forma da lei, valor a ser apurado ao final do processo em primeira instância. É o voto. DES. MARCOS LINCOLN – De acordo com o(a) Relator(a). DES. ALEXANDRE SANTIAGO – De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO"

2. Histórico

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Trata-se de Ação Monitória ajuizada por Frigorífico Alvorada Ltda contra Marcio Antonio Pereira. Devidamente citado, o réu quedou-se inerte deixando transcorrer in albis o prazo legal para o pagamento de imediato ou embargar, sendo, diante da revelia, convertido o mandado inicial em mandado executivo sem arbitramento de verba honorária. O autor, inconformado, insurgiu-se contra aquela decisão interpondo Recurso de Agravo de Instrumento.

3. Decisão analisada

Em análise ao AI nº 1.0024.10.157596-7/0001, a 11ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por unanimidade, deu parcial provimento ao Recurso, entendendo que devem ser arbitrados honorários sucumbenciais em razão da conversão do mandado monitório em mandado executivo, mas não no patamar pretendido de 20% do valor total do débito, o fixando no importe equivalente a 5% com fulcro no artigo 701, caput, do CPC/15.

4. Surgimento

Trata-se de uma ação relativamente nova para o Sistema Processual brasileiro, introduzida apenas na década de 90 pela Lei 9.079, de 14.07.1995.

No Brasil, da realidade forense, sempre comenta-se do problema com relação a morosidade dos processos contenciosos, ou seja, a tutela jurisdicional brasileira sempre sofreu muita lentidão e, em termos de recuperação de crédito haviam apenas duas ações: Ação de Cobrança, subdividida em Ordinária ou Sumária, e Ação de Execução.

A ideia foi trazer algo novo para o sistema processual civil  brasileiro e quem estava bastante preocupado e interessado com essa mutação eram as Intituições Financeiras, pois necessitavam de maior efetividade na recuperabilidade do crédito concedido aos seus clientes e perceberam que apenas essas duas modalidades de ações não eram suficientes, já que muitas vezes careciam de título executivo judicial e ficavam ao arbítrio da Ação de Cobrança, de cognição exauriente.

Então, iniciaram pelos Legisladores profundos estudos no Direito Comparado e descobriram na Itália um modelo mais perto do ideal brasileiro, denominado procedimento de injunção que, trazido para o Brasil, denominou-se Ação Monitória, pois já tínhamos a ação constitucional do mandado de injunção e assim, foi introduzida no CPC/1973.

O termo “monitória” significa advertência, repreensão[1]

Na prática, verificou-se então, que apenas os três artigos introduzidos não eram suficientes, vez que várias dúvidas surgiram pelos aplicadores do direito com relação a conceituação genérica e/ou, por vezes, restritiva, de “prova escrita”, como trazia a redação do artigo 1.102-A do CPC/1973[2].

Nesse sentido, para adequação do procedimento monitório, principalmente, mas não se limitando, em atender os anseios dos banqueiros, foi que ainda na égide do Código de 1973 diversas questões foram tratadas jurisprudencialmente, e algumas sumuladas pelo Superior Tribunal de Justiça[3], visando dirimir controvérsias, que posteriormente foram aperfeiçoadas e introduzidas no Novo Sistema Processual os artigos 700 a 702, contendo, em sentido contrário da previsão anterior, diversos parágrafos visando aperfeiçoar o procedimento.

5. Aspectos Gerais

A ação monitória, nas palavras de J.E. Carreira Alvim (ALVIM, 2017, p.15) “é uma modalidade de ação que apresenta cargas de conhecimento, de execução e de cautela, que a fazem diferente das espécies tradicionais de ações existentes no ordenamento processual brasileiro”.

Aqui, pede-se vênia para divergir um pouco desse entendimento, pois apesar de ser objeto de outro estudo mais aprofundado e ainda não concluído, não se vê, por hora, a referida carga de cautela na Ação Monitória; conclui-se então, pela natureza mista, misturando características do processo de conhecimento com o de execução, desenvolvido em processo de cognição sumária[4], podendo ser ajuizada por quem detenha prova escrita representativa de crédito sem eficácia de título executivo, inteligência do artigo 700 do CPC/2015[5].

Está enquadrada ainda como ‘especial’, pois na hipótese de oferecimento de embargos pelo devedor, a eficácia do mandado inicial ficará suspensa, passando o feito a seguir o rito comum.

6. A evidência do Direito do autor para fins de expedição do mandado de pagamento

Dispõe o artigo 701, caput, do CPC/15, com destaque nosso:

Art. 701. Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa.

§ 1o O réu será isento do pagamento de custas processuais se cumprir o mandado no prazo.

§ 2o Constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702, observando-se, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.

§ 3o É cabível ação rescisória da decisão prevista no caput quando ocorrer a hipótese do § 2o.

§ 4o Sendo a ré Fazenda Pública, não apresentados os embargos previstos no art. 702, aplicar-se-á o disposto no art. 496, observando-se, a seguir, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.

§ 5o Aplica-se à ação monitória, no que couber, o art. 916.”

A evidência destacada pode ser interpretada até como uma crítica na redação do dispositivo, uma vez que a prova escrita tratada no artigo 700 do mesmo diploma processual, não pode possuir, como mantido pelo Legislador e por razões óbvias, características de título executivo (judicial ou extrajudicial), pois do contrário permitido ao credor seria valer-se da ação de execução.

Tem-se que o direito “evidente” é aquele que não pode dar margem à nenhuma dúvida, portanto, a “evidência” está diretamente ligada à prova escrita (documento) com característica de título executivo e aí, não seria cabível a ação monitória, pois qualquer outro sem essa característica executiva, tornar-se-ia apenas como “provável” esse direito.

Ao que parece, o legislador na redação do caput do artigo em comento, de forma equivocada, tomou emprestado para esse procedimento especial a redação do inciso IV do artigo 311 que trata da Tutela de Evidência[6], pois enquanto aquela está ligada ao direito evidente, na ação monitória a característica é diversa, de direito provável.

J.E.Carreira Alvim (ALVIM, Op. Cit. p.47) coaduna dessa interpretação, vejamos:

No particular, o novo Código tropeça nas próprias pernas, porque a prova escrita que embasa o procedimento monitório, não tendo as características de um título executivo, nem de uma sentença, que são demonstrativos do direito “evidente”, não passando de um meio probatório, suporte da alegada pretensão material, em que a concordância do réu ou a sua revelia constitui de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade (art.701, §2º).

Posto isso, destaca-se que a ação monitória poderá desenvolver-se em duas fases, a primeira é certa e decorre da própria demanda monitória de rito especial, de cognição sumária (=procedure d´injonction), e a segunda, condicionada ao comportamento do devedor, na hipótese de embargar, seguirá o rito comum.

Essa evidência estaria diretamente ligada na primeira fase do procedimento, onde o Magistrado recebendo a petição inicial da ação monitória, verificará os pressupostos processuais e as condições da ação, além dos pressupostos específicos tratados no artigo 700 do CPC, valorando, assim, a prova escrita em que fundamentada a pretensão do postulante.

Antônio Carlos Marcato (MARCATO, 2006, p.302) ao tratar do tema, preferiu denominar o que aqui chamamos de primeira fase, como juízo prévio de admissibilidade, e com relação aos pressupostos, preferiu utilizar requisitos, gerais e especiais, conforme ver-se-á:

O juízo prévio de admissibilidade:…Tomando conhecimento dessa peça inaugural do processo, compete ao juiz verificar se foram atendidos não apenas os requisitos gerais (competência, legitimidade, interesse de agir etc.), mas, principalmente, os especiais, tanto os relativos ao objeto (pagar soma de dinheiro ou entregar coisa fungível ou coisa móvel determinada, visto que a utilização da via monitória é restrita às situações puramente patrimoniais), quanto os atinentes à documentação exigida por lei.

Já o Professor José Rubens Costa (COSTA, 1995, p.8) prefere dizer que as fases na Ação Monitória podem ser denominadas de: a) fase de injunção ou monitória; b) fase dos atos executivos ou de constrição.

Posteriormente, reconhecendo-se o juiz os pressupostos/requisitos tratados acima e também como hábil a prova escrita apresentada pelo autor, emitirá uma decisão que importa no reconhecimento (que pode ser final ou não) da evidência do direito, determinando a expedição do competente mandado de pagamento, com a consequente citação do réu (devedor) para pagamento em 15 dias.

Para Alvim (ALVIM, Op. Cit. p.49), essa decisão tem, sob o aspecto processual, forma de interlocutória, e, sob o aspecto substancial, o conteúdo sentencial.

Nelson Nery Júnior (NERY JÚNIOR, 1997, p.208), também admite a natureza da decisão interlocutória com conteúdo de sentença.

Em sentido contrário, é o entendimento de Ernane Fidelis dos Santos (SANTOS, 1996, p.41), pois sustenta que o provimento judicial que defere a inicial não tem nenhum efeito declaratório de direito nem de condenação. Sustenta não ser sentença nem decisão interlocutória, porque, na verdade, nada decide.

Prosseguindo, caso o réu não cumpra a obrigação e também não embargue a monitória (art. 702), “constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independente de qualquer formalidade” (art.701, §2o).

7. Comentários e Críticas ao Acórdão

O Acórdão em exame, contrapondo o entendimento do Juízo singular, decidiu acertadamente ao arbitrar na Ação Monitória, ainda que não embargada, honorários sucumbenciais contra o réu/agravado eis que foi quem deu causa a demanda, fundamentando-se no caput e parágrafos 1º e 2º, do artigo 701 do CPC/15; no princípio da causalidade e em jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça, equivocou-se, todavia, em limitar a fixação da verba honorária sucumbencial em 5% do valor da causa em razão da inércia do réu no pagamento voluntário do mandado inicial.

Diferente do sistema processual anterior (CPC/1973) que isentava o devedor, após citação, de custas e honorários advocatícios na hipótese de pagamento imediato (no prazo legal de 15 dias) do valor cobrado, o atual sistema (CPC/2015), inovou a questão, determinando, não obstante a isenção de custas (art.701, §1º), o pagamento de honorários de 5% (cinco por cento) sobre o valor atribuído à causa.

Ao contrário da fundamentação do acórdão em análise, a fixação da verba honorária nesse patamar reduzido e inferior àquele tratado no §2º, do artigo 85 do CPC/15 (10% a 20% sobre o proveito econômico obtido), só se justifica para, como bem pretendeu o legislador, estimular o réu, em atender de propino o mandado monitório e proceder ao pagamento da quantia cobrada, tornando-se, assim, mais célere o resultado útil do processo, enquanto, o pagamento em momento posterior a este, onerará o devedor, não só pela majoração dos honorários como também pelo pagamento das custas processuais.

Tem-se aqui, portanto, que a redução da verba honorária serve apenas como estímulo ao adimplemento da obrigação, tal como a isenção do pagamento das custas.

A respeito, lições de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Melo sobre o tema (WAMBIER, 2015, p.1.036) e com destaques que não constam da redação originária:

“(…) consta a inovação, que reputamos acertada, consistente na imputação de pagamento de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa a título de honorários advocatícios em caso de atendimento, pelo réu, do mandado monitório, o que a um só tempo  significa (i) sanção em virtude de o réu não haver resolvido extrajudicialmente seu débito (caso em que não desembolsaria este honorários) e (ii) estímulo ao pagamento judicial no primeiro momento em que tal for possível no procedimento monitório, dado que o pagamento em momento procedimental ulterior representará oneração ao devedor (honorários sucumbencias fixados em patamares maiores do que 5% (cinco por cento), além de pagamento de custas processuais).”

Destaca-se que a decisão que defere o mandado de pagamento deverá ser devidamente fundamentada pelo Magistrado, expondo as razões que o conduziram ao deferimento da inicial, especificando assim, ainda que sinteticamente, os requisitos legais da pretensão monitória elencados no artigo 700 do CPC/15, além de dever constar no caso de pagamento imediato pelo réu, o benefício da isenção das custas e de arcar com honorários reduzidos de 5% sobre o valor causa, bem como a advertência no sentido de que, não atendida a ordem de pagamento e não opostos embargos no prazo de 15 dias, constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independente de qualquer formalidade, acrescentando-se ao valor cobrado, honorários sucumbenciais, além de custas e despesas processuais.

Enquanto aqueles estão previstos no caput do artigo 701 do CPC/15 como inspirador ao pagamento de propino do valor devido, este, sucumbencial, deve seguir o quanto disposto no artigo 85, §2º do mesmo Codex[7], ainda que revel o devedor.

Como se viu alhures, é de suma importância então, a fundamentação, pelo fato que a decisão proferida tenha condições de dar ciência ao devedor do benefício que está sendo-lhe concedido e se sinta estimulado a cumpri-lo, e também porque a mesma converter-se-á em título judicial como pretende o parágrafo 2o do artigo 701 do CPC/15, e, uma vez convertida, passível será de ação rescisória (§3o, art. 701).

Independente disso, a verdade é que o título executivo judicial será constituído, de pleno direito, tanto na hipótese de rejeição dos embargos monitórios como pela sua não apresentação (§2º, do art.701).

Segundo o ensinamento de J.E.Carreira Alvim em obra citada, esse preceito (referindo-se a conversão do título) põe em evidência que não é apenas a falta de interposição dos embargos monitórios que constitui de pleno direito o título judicial, como soa o §2º do art.701, mas também, se os embargos interpostos forem rejeitados, como reza o §8º do art. 702, caso em que ocorrrerá o mesmo fenômeno processual da “conversão de conteúdo do título”.

Adiante, o renomado professor adverte: “Na verdade, ao rejeitar os embargos monitórios, o juiz profere sentença condenatória do réu, mesmo porque conterá, além da sua condenação ao cumprimento da obrigação assumida, também o reembolso da custas processuais – das quais ficaria isento se cumprisse o mandado inicial – e os honorários advocatícios, que serão fixados na forma do disposto no art.85, §2º, ficando superada a decisão liminar, em que os honorários teriam sido de apenas 5% (cinco por cento), se tivesse havido cumprimento espontâneo do mandado”.

Portanto, justo seria dar solução idêntica na hipótese em análise de não oferecimento de embargos monitórios, do contrário, ineficaz a pretensão monitória, se inexistirem meios de viabilizá-la.

Justificável, pois ainda que não embargada a ação monitória foi o devedor quem deu causa à demanda, obrigando o credor a executar o título convertido, e assim, deverá suportar ônus sucumbenciais diferentes daqueles fixados inicialmente que apenas serviriam de estímulo ao pagamento imediato, o que não ocorreu no caso em tela.

A jurisprudência de relatoria do Des. Aldir Passarinho Junior no REsp 418.172/SP, tratada no bojo do acórdão analisado, coaduna desse entendimento ao dispor que ainda que não embargada a ação monitória, o réu deu causa à demanda pelo simples fato de, citado, permanecer inadimplente, obrigando o credor a executar o título convertido em judicial, é de se lhe impor os ônus sucumbenciais.

Desta feita, o valor dos honorários sucumbenciais não deveria, como preferiu o TJ/MG, restringir-se a 5%, e sim, ser fixado entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o proveito econômico ou valor da causa, com base no §2º do artigo 85 do CPC/15, até porque, segundo o quanto disposto no parágrafo anterior, são devidos honorários advocatícios, inclusive no cumprimento de sentença e na execução, resistida ou não.

Conclusão

A ação monitória brasileira, já com significativa diferença de regulação do sistema processual estrangeiro, procurou obter no novo Código uma tutela eficaz, sob pena de inutilidade do procedimento.

É importante ressaltar que a ideia do legislador quando da redação do artigo 701 do CPC/15 foi, ao que parece, exatamente a de estimular o pagamento judicial na primeira oportunidade em que tal for possível no procedimento monitório. Pode-se imaginar que, em face do tratamento adotado pelo acórdão analisado, esvaziou-se essa possibilidade, deixando o credor a mercê do ditado “Devo, não nego, pago quando puder”, solução contrária àquela que se procurou dar no atual diploma processual.

Com isso, uma interpretação jurídica que não se atenha a finalidade da ação monitória, acabará levando à diminuição de sua eficácia.

Conclui-se, destarte, que a decisão proferida no acórdão analisado não foi totalmente acertada, porque desvirtuando-se da compreensão da finalidade da ação monitória, acabou por fixar honorários sucumbenciais em patamar reduzido, incentivando o não pagamento de imediato da dívida cobrada, olvidando-se ainda, da real pretensão do legislador quando da profunda transformação do sistema monitório, que entre outras, visa assegurar maior celeridade da prestação jurisdicional em busca da efetividade processual.

 

Referências
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DIDIER, Fredie e DANTAS, Bruno. Breves Comentários ao Código de Processso Civil. 2.Ed.São Paulo:RT,2016.
 
Notas
[1] O termo “injonction” significa ordem; no alemão, tem-se o verbo “mahnen”.

[2] Art. 1.102-A – A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.(Incluído pela Lei nº 9.079, de 14.7.1995)

[3] Súmula 247 do STJ: O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.
Súmula 282 do STJ: Cabe a citação por edital em ação monitória.
Súmula 292 do STJ: A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário.
Súmula 299 do STJ: É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.
Súmula 339 do STJ: É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública.
Súmula 384 do STJ: Cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de venda extrajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia.
Súmula 503: O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula.
Súmula 504: O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente denota promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao vencimento do título.

[4] Assim se tem na doutrina majoritária italiana, que “configura il procedimento d´ingiunzione come um tipo particolare di procedimento di cognizione e più precisamente come um accertamento com prevalente funzione executiva” (cf. Frederico Carpi, Michele Taruffo e Vittorio Colesanti (orgs.), Commentario breve al Codice di Procedura Civile, 2.ed., Padova, CEDAM, 1998, p.633, que assinalam, nesse sentido, Chiovenda, Calamandrei, Zanzucchi Vocino e Mandrioli).

[5] Artigo 700.  A Ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I- O pagamento em quantia em dinheiro;
II-  A entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III- O adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.

[6] Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

[7] Art. 85.  A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1o São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.


Informações Sobre o Autor

Júlio César Guzzi dos Santos

Mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Advocacia – ESA/SP e em Gestão Estratégica de Negócios pela Universidade de São Paulo – USP; Advogado


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