Resumo: Por meio do presente projeto de pesquisa, busca-se uma análise da aplicação prática do princípio da dialeticidade como auxiliar no preenchimento de um requisito essencial à admissibilidade dos recursos, em um confronto singelo com o princípio do duplo grau de jurisdição. No sistema recursal brasileiro, vigora o principio da dialeticidade recursal, segundo o qual o recorrente deve apresentar de forma especifica os motivos que embasam o inconformismo com a decisão guerreada. Os recursos, ao serem objetivamente fundamentados, fixam o objeto da tutela recursal, limitando o alcance do efeito devolutivo do recurso, colaborando, assim, com a ampla defesa, a ser exercida pelo recorrido e a atividade do juízo ad quem. Em contra ponto verifica-se, que a aplicação direta do princípio da dialeticidade recursal, pode supostamente “frear” o princípio do duplo grau de jurisdição. Para que se possa ter uma melhor compreensão da aplicação da dialeticidade recursal e do duplo grau de jurisdição, foram pesquisados no presente, as fases históricas, doutrinas, códigos e julgados proferidos por tribunais brasileiros, no intuito de analisar a aplicação dos princípios aqui discorridos.
Abstract: Through this research project, we`ll present an analysis of the practical application of the principle of dialecticity as an aid in the fulfillment of a requirement essential to the admissibility of resources is sought, in a simple comparison with the principle of double degree of jurisdiction. In the Brazilian recursal system, the principle of recursional dialeticity applies, according to which the applicant must present in a specific way the reasons that support nonconformity with the warlike decision. The appeals, being objectively justified, establish the object of the appeal, limiting the scope of the remedy effect of the resource, thus collaborating with the ample defense, to be exercised by the defendant and the activity of the ad quem judgment. On the contrary, it can be seen that the direct application of the principle of recursional dialeticity can be supposed to "restrain" the principle of double degree of jurisdiction. In order to have a better understanding of the application of recursional dialeticity and the double degree of jurisdiction, the historical phases, doctrines, codes and judgments handed down by Brazilian courts were investigated in order to analyze the application of the principles discussed here.
Sumário: Introdução. 1. Fase histórica do duplo grau de jurisdição. 1.2. Conceito do duplo grau de jurisdição. 2. Do princípio da dialeticidade recursal. 2.1. O princípio da dialeticidade recursal no Código de Processo Civil de 1973. 2.3. O princípio da dialeticidade recursal no Código de Processo Civil de 2015. 3. Conflito entre o princípio do duplo grau de jurisdição e o princípio da dialeticidade recursal. Conclusão
INTRODUÇÃO
Os princípios do duplo grau de jurisdição e da dialeticidade recursal, ambos de caráter implícito e explícito agem como normas reguladoras que regem não só o andamento recursal, mas também sua iniciativa. Não obstante no presente trabalho será abordado o aparente conflito principiológico entre o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, o qual é encontrado de forma implícita nos artigos 5º, inciso LV e 102, incisos II e III, ambos da Constituição Federal do Brasil.
Frise-se que ambos os princípios são extremamente importantes para ordenamento jurídico brasileiro, o Princípio do duplo grau de jurisdição é um possibilitador do reexame da causa, verificando-se se há erro in procedendo ou erro in judicando na sentença prolatada pelo Magistrado, já de outro lado tem-se o Princípio da Dialeticidade Recursal, princípio este tido como um limitador/filtro para o reexame da causa, pois este princípio quando aplicado visa não conhecer dos recursos que não impugnam diretamente a sentença, ou seja, os recursos que se limitam em reproduzir novamente a peça/contestação.
Percebe-se o grau de importância de ambos os princípios ao analisarmos que, enquanto um possibilita o reexame da causa, bem como garante o Princípio Universal de acesso ao Poder Judiciário, o outro princípio visa garantir o Princípio da Celeridade e Economia Processual, o que por certo pode gerar um conflito, pois em tal análise em que pese à reprodução teses lançada na fase inicial em sede de recurso, negar conhecimento deste não seria uma agressão ao Duplo Grau de Jurisdição e indiretamente ao Princípio do Acesso ao Poder Judiciário?
1 – FASE HISTÓRICA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Antes de passarmos a tecer comentários ao duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico, faz-se necessário um breve relato histórico do surgimento do referido princípio do duplo grau de jurisdição.
A princípio, os conflitos nas primeiras civilizações tinham como primeira instância para resolução do litígio o seio familiar, que caso não fosse capaz de sanar o litígio passavam a escolher árbitros pertencentes a comunidade para decidirem a solução mais harmoniosa para o conflito, ou seja tem-se neste momento a figura velada de uma segunda instância.[1]
É possível encontrarmos também de forma implícita o Princípio do duplo grau de jurisdição nos ordenamentos jurídicos mais antigos da civilidade, a título de ilustrar a presente afirmação, vejamos o artigo 5º, do Código de Hamurabi, escrito por volta do ano 1.730 a.C:[2]
“Art. 5º está estabelecido que o juiz prolator de uma sentença errada será punido com o pagamento das custas multiplicadas por 12, e ainda será expulso publicamente de sua cadeira.”
Outro registro histórico do duplo grau de jurisdição encontra-se nas Sagradas Escrituras, não muito habitual no universo jurídico sua exploração e análise para elaboração de textos jurídicos, mas veja-se em Atos dos Apóstolos, capítulo 25, 11-12, Paulo ao ser julgado por suposto crime contra os judeus, assim manifestou seu pedido de apelação:
“Se cometi uma injustiça ou alguma coisa que mereça a morte, não recuso morrer. Mas se não há nada daquilo de que me acusam, ninguém pode entregar-me a eles. Apelo para César. Então Festo conferenciou com seu conselho e disse: “Você apelou para César; então irá a César”.”
É notável, pela simples leitura do acima transcrito, que o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição está posto de forma implícita, não obstante, por certo o referido princípio era aplicado, pois seria ilógico a percepção de um erro no prolatar da sentença de um juiz sem o reexame da matéria.
Nas palavras do ilustre jurista Alcides Mendonça Lima:
“A idéia de recurso deve ter nascido com o próprio homem, quando pela primeira vez, alguém se sentiu vítima de alguma injustiça[…] o fato importante, sem dúvida, é o de estabelecer nas fontes históricas, que, em essência, a idéia de recurso se acha arraigada no espírito humano, como uma tendência inata e irresistível, como uma decorrência lógica do próprio sentimento de salvaguarda a um direito já ameaçado ou violado em um decisão”.( MENDONÇA LIMA, Alcides. Introdução aos recursos cíveis, 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1976)
Outro exemplo que pode ser dado ocorreu no período em que vigorou o Império Romano, por volta do ano 24 a.C até 476 d.C, momento este no qual o instrumento utilizado para se ter a aplicação do Duplo Grau de Jurisdição era conhecido como apellatio. Por este instrumento o derrotado poderia ter sua sentença anulada pelo Imperador, pois a apellatio era interposta diretamente para o Imperador, que poderia manter a sentença ou anular seus efeitos.
Verifica-se que, com a Revolução Francesa, o Duplo de Jurisdição passou a ter um efetivação maior no ordenamento jurídico mundial, é notável, também, que o direito Português, bem como as ordenações Filipinas e Manuelinas tiveram imensa contribuição para o desenvolvimento do sistema recursal.
No Brasil, a efetivação do Duplo Grau de Jurisdição em um sistema positivado ocorreu em 1850, com o Decreto nº 737, de novembro de 1850[3], que em sua parte terceira, título I, disciplinava os recursos de Embargos, recurso de Apelação, recurso de Revista e recurso de Agravo.
1.2 – CONCEITO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
O conceito do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição é gerar a possibilidade do jurisdicionado, que se sente inconformado com a decisão prolatada possa recorrer desta decisão em regra para instância superior, ou seja, para o órgão colegiado hierarquicamente superior.
O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição é encontrado de forma implícita na Constituição Federal do Brasil em seus artigos 5º, inciso LV e 102, incisos II e III, possibilitando o reexame da matéria para verificação de erro in procedendo ou erro in judicando na sentença prolatada pelo Magistrado.
2 – DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL
2.1 – O PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
O Princípio da Dialeticidade Recursal visa limitar e esculpir requisitos mínimos para o manuseio de todos os recursos positivados no Código de Processo Civil, pois o referido princípio estipula que os recursos devem sempre que interpostos, impugnar de maneira específica a decisão da qual pende o inconformismo.
O Princípio aqui discorrido não é uma novidade no ordenamento jurídico pátrio, pois este é claramente encontrado no Código de Processo Civil de 1973, especificamente em no artigo 514, para melhor ilustrarmos vejamos o artigo mencionado:
“Art. 514. A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz, conterá:
I – os nomes e a qualificação das partes;
II – os fundamentos de fato e de direito;
III – o pedido de nova decisão.”
Denota-se, pela leitura do mandamento legal acima transcrito, que para a interposição do recurso de apelação nos ditames do Código de Processo Civil de 1973, era necessário o cumprimento de alguns requisitos, dos quais não poderia se esquivar o recorrente, sendo essencial a verificação do inciso II, haja vista, que sobre este inciso recai o Princípio da Dialeticidade Recursal, pois os fundamentos de fato e de direito a serem expostos no recurso são aqueles que impugnam diretamente a sentença. Na obra doutrinaria Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor/Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa; com a colaboração de Luis Guilherme Aidar Bondioli – 41. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, Pág. 699, os ilustres doutrinadores fazem menção a seguinte jurisprudência:
“O CPC (arts. 514 e 515) impõe às partes a observância da forma segundo a qual deve se revestir o recurso apelatório. Não é suficiente mera menção a qualquer peça anterior à sentença (petição inicial, contestação ou arrazoados), à guisa de fundamentos com os quais se almeja a reforma do decisório monocrático. À luz do ordenamento jurídico processual, tal atitude traduz-se em comodismo inaceitável, devendo ser afastado, o apelante deve atacar, especificamente, os fundamentos da sentença que deseja rebater, mesmo que, no decorrer das razões utilize-se, também, de argumentos já delineados em outras peças anteriores. (…)” (STJ-1ª T., REsp 359.080, rel. Min. José Delgado, j. 11.12.01, negaram provimento, v.u., DJU 4.3.02, p. 213)
Considerando o entendimento jurisprudencial acima posto, a não observância do Princípio da Dialeticidade Recursal é de suma importância, pois não é difícil nos deparamos com peças recursais que são mera reprodução de peças anteriores a decisão recorrida, o que por certo, é capaz de gerar a inépcia recursal, por não observância dos requisitos no momento de sua interposição.
2.3 – O PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
No atual Código de Processo Civil de 2015, encontramos o Princípio da Dialeticidade Recursal de forma explícita em seu artigo 932, inciso III, que de acordo com a inteligência dada ao artigo mencionado, cabe ao relator “não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida.”, ou seja, este artigo tem aplicabilidade sobre todos os recursos esculpidos no CPC/2015.
É nítido que o legislador tentou coibir as partes de interporem recursos meramente protelatórios, dos quais o possuidor da capacidade postulatória apenas reproduz peças (inicial, contestação, réplica etc…) já anteriormente lançadas no processo antes da decisão recorrida, com isto deixando de impugnar especificamente e objetivamente os pontos da decisão, da qual visa que seja anulada, reformada ou esclarecida.
Nesta linha pensamento, a Doutrinadora Teresa Arruda Alvim Wambier, em sua obra Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: Artigo por Artigo/ Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier…[et al].-1ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, Pág.1.327, assim nos ensina:
“Na verdade, o que se pretende com esse dispositivo é desestimular as partes a redigir recursos que não sejam umbilicalmente ligados à decisão impugnada. Não é incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação: isto é indesejável. O recurso tem que impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato ou de direito constantes nas peças iniciais. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma, ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada”.
Diz a doutrinadora, conforme citação acima, que nada impede do recorrente aproveitar-se de argumentos de fato e de direito utilizados em fase anterior ao recurso. Contudo, deve-se tomar total cuidado para não adentrar no “copia e cola” de peças passadas. Ademais, como visto, o a mera reprodução de peças cria barreiras para parte contrária exercer seu direito de ampla defesa, pois impossível seria combater o recurso e sustentar que a decisão atacada não merece quaisquer retoques.
Vale expor que no artigo 1.010, inciso II, do CPC/2015, deve o recorrente ao interpor o recurso de apelação realizar “a exposição do fato e do direito”, entenda-se que essa exposição deve atacar de forma clara a sentença, caso não o faça fica violado a regularidade formal que é um dos requisitos para admissibilidade do recurso de apelação.
Aliás, o Princípio da Dialeticidade Recursal tornou-se, sem dúvida alguma, requisito intrínseco de todos os recursos, com o qual se viabiliza, quando exercido, o efeito devolutivo próprio do recurso de apelação, conforme disciplina os artigos 1.012 e 1.013, do CPC/2015. Desta forma, a falta de impugnação direta da sentença, com a a reprodução de peças na de cognição gera a inadmissibilidade do recurso.
Neste sentido, selecionamos duas jurisprudências, que bem ilustram a possibilidade de não conhecimento do recurso por falta de impugnação direta da decisão atacada. Vejamos:
“Apelação. Ação de indenização por dano moral. Ofensa ao principio da dialeticidade recursal. Inteligência do artigo 514, inciso II, do CPC. Apelante que não declinou as razões do seu inconformismo e não atacou quaisquer fundamentos da sentença. Inadmissibilidade da petição recursal. Recurso não conhecido”. (TJ-SP – APL: 00016014820158260638 SP 0001601-48.2015.8.26.0638, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 09/08/2016, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/08/2016)
“AGRAVO INTERNO – RAZÕES RECURSAIS – IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA – AUSÊNCIA – PRINCIPIO DA DIALETICIDADE – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. O recurso deve ser apresentado com os fundamentos de fato e de direito que deram causa ao inconformismo com a decisão prolatada, ou seja, deve fazer referência direta aos fundamentos do pronunciamento judicial, como base para desenvolver as razões recursais. Restando evidenciado nos autos que as razões recursais em nada se relacionam com o cerne do que foi decidido, não deve ser conhecido o recurso interposto. Recurso não conhecido”. (TJ-MG – AGT: 10702100549956002 MG, Relator: Amorim Siqueira, Data de Julgamento: 18/02/2014, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/02/2014)
Verifica-se, pelo entendimento jurisprudencial acima exposto, que os Tribunais estão aplicando de forma contundente o Princípio da Dialeticidade Recursal, não sendo conhecido o recurso que não enfrenta diretamente os fundamentos da decisão recorrida, fulminando de vez a incúria ou desleixo no momento da interposição do recurso.
3 – CONFLITO ENTRE O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E O PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL
O conflito aparente entre o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição e o Princípio da Dialeticidade Recursal, surge ao confrontarmos a necessidade de se recorrer de uma decisão/sentença (duplo grau de jurisdição), mas sem atentarmo-nos aos requisitos necessários para que este recurso seja conhecido pelo órgão ou Tribunal hierarquicamente superior.
Todos os recursos possuem requisitos intrínsecos próprios para sua interposição, sendo estes pressupostos da admissibilidade da via recursal eleita, que quando devidamente aplicados possibilita o reexame da matéria de acordo com o recurso manuseado recorrente.
Contudo, em que pesem os requisitos próprios de cada recurso, um princípio paira sobre todos eles, qual seja, o Princípio da Dialeticidade Recursal, que disciplina que os recursos devem impugnar diretamente a decisão recorrida, para que o relator possa conhecer o recurso interposto, dando prosseguimento ao efeito e possibilitando o duplo grau de jurisdição.
Denota-se que ao interpor o recurso à falta de impugnação direta a decisão recorrida, faz surgir uma limitação ao duplo grau de jurisdição, nos mostrando que este princípio não possui uma aplicação absoluta, comportando exceções uma delas frente ao princípio da dialeticidade recursal.
Seguindo o preceito que os recursos obrigatoriamente em sua interposição devem atender a requisitos formais, sem os quais pode o relator não dar conhecimento ao recurso, especificamente no presente trabalho o Princípio da Dialeticidade Recursal (impugnar a decisão diretamente), são de suma importância as lições do Doutrinador Daniel Amorim Assunção Neves, ao discorrer a respeito dos elementos recursais. Vejamos:
“Costuma-se afirmar que o recurso é composto por dois elementos: ‘volitivo’ (referente à vontade da parte em recorrer) e o ‘descritivo’ (consubstanciado nos fundamentos e pedido constante do recurso). O princípio da dialeticidade diz respeito ao segundo elemento, exigindo do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir: error in judicando e error in procedendo) e do pedido (que poderá ser de anulação, reforma, esclarecimento ou integração). Tal necessidade se ampara em duas motivações: permitir ao recorrido a elaboração das contrarrazões e fixar os limites de atuação do Tribunal no julgamento do Recurso”
Percebe-se ser de extrema necessidade técnica a observância aos pontos a serem atacados na via recursal, pois como ilustra o doutrinador acima, não o fazer acarreta em suprimir o direito de defesa da parte contraria, pois se inviabiliza o contraditório na elaboração das contrarrazões recursal.
Entretanto o entendimento doutrinário posto acima, este não é unanime na Doutrina, em que pese consideramos como o pensamento jurídico mais assertivo, o Doutrinador Samuel Meira Brasil Júnior (2007, p. 148) aborda da seguinte forma os requisitos formais paro o manuseio recursal “o princípio do resultado justo deve ser considerado pelo intérprete em todo e qualquer provimento jurisdicional. Sempre que for prestar a tutela jurisdicional, o juiz deverá indagar se o resultado produzido é justo e équo”. E, assim continua:
“Não é admissível impor o sacrifício do direito material em favor de uma regra processual, que foi editada com o escopo de realizar o próprio direito material. Essa ilação ofende a razoabilidade, bem como o princípio que exige que o resultado justo na solução das controvérsias, além de favorecer a utilização de subterfúgios e de pretextos para apenas protelar a satisfação do direito material. (…) Todos têm a garantia constitucional de acesso à ‘justiça’. Não ao Poder Judiciário, mas ao resultado justo que se espera do processo. Comoglio reiteradamente afirma, com acerto, a necessidade de um processo justo e équo, com a obediência irrestrita às garantias mínimas que a ordem constitucional impõe às autoridades constituídas. Quando Comoglio fala em processo justo e équo, devemos compreender a expressão também como processo de resultado justo e équo, pois todas as garantias constitucionais visam a esse resultado. Para tanto, pode ser necessário integrar o binômio direito-processo com um novo elemento, embora já reconhecido por aqueles que o defendem. Exige-se a integração, ao binômio, do elemento ‘justiça’. O trinômio resultante – justiça, direito e processo – visa a atender aos escopos da jurisdição (jurídico, social e político), que, em resumo consistem em solucionar as controvérsias com um resultado justo e équo. (…) Não se pode perder de vista que o processo tem por escopo o resultado justo na solução das controvérsias. Nesse contexto, podemos afirmar que, de um modo geral, a regra de direito material prevalece sobre a regra de direito processual, exceto se o resultado produzido for iníquo e injusto. Esse entendimento não é incompatível com o sustentado por Bedaque. Ao contrário. O professor das Arcadas relativiza o binômio direito e processo, com o escopo de atingir uma solução justa na composição da lide. É uma constante, em seus trabalhos, a busca do resultado justo pretendido pela ordem jurídica, sendo que destaca reiteradamente a necessidade de uma ‘ordem jurídica justa’ e de uma ‘solução justa’ para o conflito de interesses.” (BRASIL JÚNIOR, 2007, p. 148-151)
Como visto, parte da Doutrina entende que a aplicação do princípio da dialeticididade recursal poderá limitar o acesso a justiça à revisão do direito material. Com o devido respeito que deve ser despendido a tal pensamento, este já fora completamente superado pela jurisprudência. Veja-se:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA. IDEC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 1998.01.1.016798-9/DF. METODOLOGIA DE CÁLCULO UTILIZADA PELO EXEQÜENTE. Deixa-se de conhecer do recurso no ponto relativo à metodologia de cálculo utilizada pelo exeqüente porque, ao que se verifica, não foi ventilado na impugnação oposta tampouco enfrentado na decisão agravada, de modo a caracterizar, neste momento, inovação recursal, hipótese repudiada pelo ordenamento pátrio, considerando a violação ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição. JUROS REMUNERATÓRIOS. RAZÕES DISSOCIADAS. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE E REQUISITOS DO ART. 1.016, III, DO CPC/15. Razões recursais dissociadas, sem infirmar concretamente o decidido pela instância de origem e apresentando questões divorciadas do contexto fático-processual, ferem o princípio da dialeticidade e acarretam a inépcia da pretensão recursal. PRESCRIÇÃO. O prazo prescricional da execução individual de sentença coletiva é de cinco anos, a contar do seu trânsito em julgado, nos termos do REsp nº 1.273.643/PR, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos. Transitada em julgado a aludida decisao em 27/10/2009 e proposto o presente cumprimento antes do transcurso do qüinqüênio legal, não há falar em prescrição da pretensão executória. ILEGITIMIDADE ATIVA. LIMITES TERRITORIAIS DA COISA JULGADA. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. 1. Resta pacificado, no âmbito da… jurisprudência nacional, o entendimento de que (a) a sentença proferida pelo juízo da 12ª vara cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF, na ação civil coletiva nº 1998.01.1.016798-9, é aplicável, por força da coisa julgada, indistintamente a todos os detentores de caderneta de poupança do Banco do Brasil, independentemente de sua residência ou domicílio no Distrito Federal, reconhecendo-se ao beneficiário o direito de ajuizar o cumprimento individual da sentença coletiva no juízo de seu domicílio ou no distrito federal; (b) os poupadores ou seus sucessores detêm legitimidade ativa – também por força da coisa julgada -, independentemente de fazerem parte ou não dos quadros associativos do IDEC, de ajuizarem o cumprimento individual da aludida sentença coletiva. Recurso Especial Repetitivo 1.391.198/RS. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE nº 920.090/RS, rejeitou expressamente a repercussão geral das matérias atreladas aos paradigmas supramencionados, porquanto atinentes à interpretação de normas infraconstitucionais, motivo pelo qual o julgamento do Recurso Extraordinário nº 573.232/SC, que sobre outro tema versa, não tem o condão de modificar o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça na hipótese. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO.” (Agravo de Instrumento Nº 70071585251, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tri… Paula Dalbosco, Julgado em 11/11/2016).(TJ-RS – AI: 70071585251 RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Data de Julgamento: 11/11/2016, Vigésima Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/11/2016)
Observa-se, que o não enfretamento das questões postas na decisão de primeiro grau impede o enfretamento do mérito pela segunda instância, sendo o princípio da dialeticidade recursal um filtro necessário para impedir-se os recurso de caráter meramente protelatórios, permitir o manuseio de forma demasiada dos recursos postergaria a efetividade do Poder Judiciário, logo, não há que se falar em negativa ao acesso da justiça pela aplicabilidade de requisitos formais postos na legislação.
CONCLUSÃO
Extrai-se da presente pesquisa que, em que pese o princípio do duplo grau de jurisdição possibilitar o reexame da matéria, este sofre limitações ao seu exercício, pois em contraponto a sua efetivação há que se analisar o princípio da dialeticidade recursal, o qual pode-se afirma que funciona como um verdadeiro dosador do manuseio recursal.
O princípio da dialeticidade recursal, em uma análise perfunctória, poderia considerar sua aplicação inconstitucional, pois como fora amplamente aludido é um limitador do princípio do duplo grau de jurisdição, com tudo ao aprofundar-se na matéria, é possível a verificação de que sua aplicação protege outros princípios consagrados na Constituição Federal, quais sejam, os princípios da ampla defesa do devido processo legal, haja vista, que ao limitar um recurso que apenas reproduz peças já utilizadas em primeira instância, as quais não confrontam a decisão/sentença, inviabiliza a manifestação do recorrido nos autos, bem como a devolução da matéria pelo pelo juiz ad quem para juiz a quo.
Desta forma, pode-se afirmar que ambos os princípios que foram singelamente explanados neste artigo, são de imensa importância para ordenamento jurídico, desde que estejam em perfeita consonância, evitando-se que um seja limitar do outro.
Informações Sobre o Autor
Jorge Augusto da Conceição Moreira
Advogado pós graduando em Direito Civil e Processo Civil Faculdade Legale pós graduando em Direito Administrativo Puc/MG