Resumo: Este artigo se apresenta como uma proposta original de representação gráfica das relações de direito processual existentes entre os personagens que atuam em um processo, ampliando a relação autor-juiz-réu para nela incluir o ministério público na condição de custos legis, expandindo, assim, a clássica configuração angular das relações processuais para imprimir-lhe inovadora dimensão piramidal, cuja representação gráfica sugerida será de grande valia para todos os que manejam o direito processual, direta ou indiretamente, nos autos do processo ou na sala de aula, embasando o referencial teórico dos operadores do direito de uma maneira geral. Para a concretização deste trabalho foram tomados emprestados da química os seus conhecimentos teóricos de geometria molecular, da qual podem ser extraídas algumas semelhanças com o que neste trabalho chama-se geometria processual.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Ensino jurídico. Geometria processual. Teoria Geral do Processo.
Abstract: This article presents as an original proposal of graphic representation of the procedural law relations existing between the characters that act in a process, extending the author-judge-defendant relation to include the public ministry in the condition of costs legis, expanding, thus, the classic angular configuration of procedural relations to give it an innovative pyramidal dimension, whose graphic representation will be of great value to all those who handle procedural law, directly or indirectly, in the case files or in the classroom, theoretical framework of the legal operators in general. For the accomplishment of this work were borrowed from chemistry its theoretical knowledge of molecular geometry, from which can be drawn some similarities with what in this work is called processural geometry.
Keywords: Civil Procedural Law. Legal education. Geometry of process. General Theory of the Process.
Sumário: Introdução. 1. Evolução teórica da geometria processual. 2. Geometria processual decorrente da atuação do ministério público no processo. 3. A geometria molecular da química como inspiração para a geometria processual. Conclusões. Referências.
INTRODUÇÃO
A relação jurídica estabelecida entre os atuantes em um processo judicial sempre atraiu a atenção da doutrina processualista, que lançou mão da representação gráfica para materializar o seu pensamento teórico, facilitando assim, o seu estudo, aprendizado e difusão, pois muitas vezes as palavras não são suficientes para expressar uma teoria em sua inteireza, necessitando-se então, do auxílio de desenhos, gráficos, tabelas e fluxogramas, entre outros, para tornar mais assimilável o pensamento teórico.
Na área do direito processual isso é bem visível – literalmente – pois os processualistas utilizam-se, há muito tempo, de esboços gráficos representando os vínculos jurídicos existentes entre os personagens que atuam em um processo judicial, tanto os vínculos materiais quanto os de natureza processual.
A importância teórica deste trabalho ficará mais evidente se forem dedicadas algumas linhas para percorrer, ainda que a passos largos, o caminho traçado pelos processualistas com suas propostas de representação gráfica desses vínculos, o que será feito no próximo capítulo.
1 – EVOLUÇÃO TEÓRICA DA GEOMETRIA PROCESSUAL
Tomemos como ponto de partida para o desenvolvimento deste trabalho a idade média, Século XII, quando se tornou conhecido o pensamento de um jurista italiano de nome Búlgaro, que se imortalizou na história por ter se inspirado no teatro para visualizar o processo como sendo um ato encenado por três personagens, autor, juiz e réu [judicium est actus trium personarum: actoris, judicis et rei]. (PEDRON; CAFFARATE, 2003, s/n).
A primeira proposta de representação gráfica de uma relação processual foi formulada séculos depois pelo jurista alemão Josef Köhler (¶1849, U1919), que a concebeu como uma linha reta vinculando autor (A) e réu (R), como na figura 1, dando origem assim, ao que ficou conhecido como estrutura linear da relação processual.
As localizações de autor e réu nos extremos da linha que representa o vínculo jurídico existente entre eles permite que se fale em polos, estando já sedimentado na doutrina as expressões “polo ativo” para referir-se ao autor (aquele que pede) e “polo passivo” para referir-se ao réu (aquele que impede).
A representação contida na figura 1, baseada na relação jurídica linear de direito material existente entre autor e réu foi superada por faltar-lhe um terceiro componente, que seria o Estado-jurisdição (J), pois é imprescindível a sua inclusão nesta figura, uma vez que somente assim se consegue visualizar uma relação de direito processual vinculando autor, juiz e réu.
A nova figura contemplando a inclusão do Estado-jurisdição poderia, em um primeiro momento, continuar a ser linear, ou seja, autor, juiz e réu ficariam em uma linha reta, como se esboça com a figura 2, destacando-se a posição intermediária do juiz entre os litigantes.
Embora esta configuração pudesse vir a ser considerada uma evolução da anterior – que continha apenas autor e réu – ainda assim careceria de ajustes, pois ao se posicionar autor, juiz e réu em uma linha reta ela não expressaria a realidade jurídica de que o Estado-jurisdição se encontra em um plano processual acima daquele em que se encontram autor e réu.
A solução para isso foi proposta por outro jurista alemão, Adolf Ludwig Eduard Gustav Wach (¶1843, U1926), que contemplou a Inclusão do Estado-jurisdição na representação gráfica das relações processuais e o seu posicionamento em um plano superior ao dos litigantes, configurando-se assim, geometricamente, um triângulo, no qual os três personagens em foco ficariam posicionados nos seus vértices, de onde cada um deles interagiria com os outros dois, diretamente, como ilustrado na figura 3.
Esse modelo teórico de configuração triangular tem a vantagem de posicionar o Estado-jurisdição de maneira equidistante em relação aos litigantes, o que simboliza a imparcialidade do julgador em relação a eles, harmonizando-se, assim, com o princípio processual constitucional da isonomia. “A igualdade processual, porém, não é a absoluta simetria formal das condições das partes, mas, sim, a paridade de armas à disposição destas: mesmos prazos, mesmos ônus, mesmos deveres para todos os que se encontrem na mesma situação, na medida da condição de cada qual.” (LIMA, 2013, p. 85).
A proposta de geometria processual triangular contém, entretanto, um erro de concepção, pois força o entendimento de que cada parte interage diretamente não apenas com o juiz, mas também com a parte contrária, o que não tem respaldo na realidade jurídica processual, uma vez que autor e réu não interagem entre si, diretamente, mas sim por meio do Estado-jurisdição, a quem são dirigidos os seus atos processuais.
Esse ponto da teoria foi objeto de debates teóricos, sendo que uns defendiam a validade da configuração triangular, afirmando que entre as partes existe o dever de lealdade, que elas estão sujeitas ao pagamento de custas, que elas convencionar a suspensão do processo e até mesmo transigir, enquanto que os defensores da teoria angular asseguram não existir nenhuma relação entre autor e réu, pois tudo é feito através do juiz. (CAVALCANTI, 2001, s/n).
Em defesa de existência de vínculo processual direto unicamente entre cada uma das partes e o juiz afirma LIMA (2013, p. 484) que eventual obrigação resultante do ato processual praticado por uma das partes não produz obrigação para a outra parte:
“Sob a ótica dessa concepção doutrinária, as partes não têm direitos subjetivos entre si: as faculdades que cada uma pode exercitar – peticionar, manifestar-se, recorrer, por exemplo – não correspondem a obrigações da outra. Cada uma tem ônus e faculdades, mas os deveres e direitos que têm apenas se relacionam ao Estado-Juiz, de modo que somente entre este e cada uma das partes é possível falar de relação jurídica processual”.
Reforçando a corrente que advoga a tese da angularidade das relações processuais cabe dizer que mesmo na hipótese de uma das partes vir a ser reputada litigante de má-fé e condenada, em consequência, a pagar muita e indenização à outra parte[1], tem-se clareza de que a conduta unfairplay terá sido praticada em deslealdade ao juiz e não à parte contrária, uma vez que todos atos praticados no processo são preparatórios para o seu ato seu final, encenado pelo juiz, que nele proferirá sentença.
A proposta de aperfeiçoamento da representação gráfica triangular dos vínculos existentes entre os participantes de um processo foi elaborada por um terceiro jurista, também alemão, de nome Konrad Hellwig (¶1856 – U1913) que contemplou a tese de inexistência de relação processual entre autor e réu e posicionou o Estado-jurisdição em um plano mais elevado que o plano dos litigantes, o que implicou, inexoravelmente, na eliminação da linha que ligava autor e réu no modelo anterior (figura 3), transformando o triângulo em um ângulo; angularizando, portanto, as relações processuais.
“Hellwig pensa que, mesmo sendo o autor e o réu sujeitos da relação processual, esta não deve ser entendida como relação trilateral, na qual existe paridade entre os três. Ao juiz pertence o poder do Estado de decidir, ordenar, tanto em relação ao autor como em relação ao réu, e tem, perante cada uma das partes, o direito, e até o dever, de empregar aquele poder, na conformidade das normas processuais e para a proteção dos bens jurídicos de cada um. O que as partes podem exigir é tão-só, o cumprimento desse dever. Sob o aspecto processual, as partes não têm umas contra as outras nenhum direito, ao contrário do que acontece na relação material”. (MANCUSO, 2002, p. 56).
A nova representação gráfica das relações processuais está ilustrada na figura 4, a qual expressa muito satisfatoriamente a realidade jurídica de direito processual – que é diferente da representação da realidade jurídica de direito material.
A figura em destaque contempla as considerações teóricas anteriormente expostas e contém apenas dois eixos de relações jurídicas processuais, sendo um deles entre autor e juiz (e vice-versa) e o outro, entre o réu e o juiz (e vice-versa).
É oportuno destacar que embora a teoria da relação jurídica processual tenha surgido e se desenvolvido no processo civil – aí se consolidando – ela é igualmente válida para o direito processual penal e para o direito processual do trabalho. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1993, p. 286).
É pacífico na doutrina que na representação gráfica adotada, seja angular ou triangular, fique a localização do Estado-jurisdição mais elevada que as posições das partes litigantes, simbolizando a sua soberania, como se transcreve abaixo:
“Ora, é exatamente a presença do Estado, acima das partes e entre elas, que confere à relação processual seu perfil próprio, distinto daquele da relação jurídica de direito material, assinalando-lhe, ademais, caráter público, contrariamente à índole privada que frequentemente marca a relação substancial”. (LIMA, 2013, p. 482).
A jurisprudência assimilou a teoria da relação angular entre esses três personagens atuantes no processo:
“No processo do trabalho, o ato pelo qual o reclamado se integra à relação processual, angularizando-a, é denominado de notificação, nos termos do artigo 841, § 1º, da CLT. Consignado pelo Regional que a relação processual angular se formou corretamente entre autor, juiz e réus, pois houve notificação válida e regular, não procede a alegação do reclamante de vício de notificação e, consequentemente, em ofensa a dispositivos de lei.” (TST-AIRR 999403120035050013 99940-31.2003.5.05.0013. Publicação: 12/12/2012).
Não há na doutrina consenso a respeito da dominância de uma de ou de outra dessas teorias – angular e triangular – pois são encontrados artigos e argumentos de autores triangularistas que afirmam ser essa a corrente teórica majoritária, o mesmo ocorrendo com os adeptos da teoria angularista, segundo os quais, esta corrente que seria dominante ou majoritária.
Fica a critério do leitor compreender os fundamentos de cada uma dessas correntes doutrinárias expostas e aderir a uma delas, ou desenvolver uma nova.
De qualquer forma, seguindo o desenvolvimento das teorias das representações gráficas processuais, pode-se afirmar que aperfeiçoada está, a teoria, com a configuração da relação angular entre os personagens que encenam o processo, ou seja, autor (polo ativo), juiz e réu (polo passivo).
Para fazer avançar ainda mais esse modelo teórico de angularização das relações processuais caberia acrescentar-lhe mais um personagem para, a partir daí, pensar a configuração gráfica que melhor representaria os vínculos processuais existentes entre esses quatro personagens em vez de três, limite até então explorado pela doutrina processualista.
O quarto personagem convidado para encenar este ato, reproduzindo a realidade processual, só poderia ser o ministério público (MP), assíduo personagem da realidade jurídico-processual.
O desafio mental de visualizar a geometria processual para esses quatro personagens é muito estimulante e está lançado no capítulo II deste trabalho.
II – GEOMETRIA PROCESSUAL DECORRENTE DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO
Dependendo do caso concreto poderá o processo transcorrer sem a participação do ministério público, mas nos casos em que sua atuação for legalmente prevista, poderá ele atuar como autor da ação ou como fiscal da ordem jurídica, conforme previsão contida no Código de Processo Civil em seus arts. 176/179.
A expressão “fiscal da ordem jurídica” é conhecida, também, como custos legis, a qual tem o significado de “guardião da lei, protetor da lei, ou fiscal da lei”.[2]
Embora o MP na condição de custos legis seja um expectador do embate processual entre autor e réu, intermediado pelo Estado-jurisdição, está ele autorizado legalmente a produzir provas, requerer as medidas processuais que entender pertinentes para o caso concreto e, também, a recorrer de decisão do pretor, o que significa que o parquet atua como fiscal dos atos não apenas das partes, mas também, do próprio juiz, contra quem pode interpor recurso.
A representação gráfica das relações processuais existentes entre os sujeitos do processo em decorrência da participação do MP tem de ser, portanto, desdobrada em duas, conforme atue ele na condição de autor ou de custos legis.
A primeira hipótese cinge-se à exposta representação da relação angular entre os três atores do processo, actoris, judicis et rei, ocupando o MP o lugar destinado ao autor da ação, ou seja, no polo ativo da relação processual.
A representação gráfica é feita, assim, com o mesmo desenho contido na figura 4, sendo que para lhe dar conotação mais didática é conveniente substituir a letra A (autor) por MP (Ministério Público) como se ilustra com a figura 5, na qual se mantém a angularidade, uma vez que essa característica não é alterada com a presença do parquet quando ocupa a cadeira destinada ao autor da ação, pois nesta posição sujeita-se o MP aos mesmos ônus e deveres inerentes à condição de parte.
A figura 5 tem o mérito de mostrar que o MP na condição de autor encontra-se situado no mesmo plano que o réu – abaixo do plano contendo o Estado-jurisdição – e que tanto o parquet quanto o réu encontram-se em posições equidistantes em relação ao Estado-jurisdição, a ele se submetendo, ambos.
Essa simbologia gráfica não pode, entretanto, dissociar-se da simbologia do mobiliário das instalações forenses, em que o MP tem assento diferenciado em relação ao advogado, induzindo ao falso entendimento de uma hierarquia entre eles.
Nesses tempos de operação Lava Jato tem a mídia mostrado gravações de depoimentos perante o juiz da causa na 13ª Vara Federal em Curitiba (PR), em que o magistrado teve de compartilhar a sua mesa de trabalho com mais três representantes do MP, enquanto que o advogado – que é essencial à administração da justiça[3] – ficou do outro lado da mesa, como se fosse um personagem coadjuvante, o que passa para o leigo uma sutil (porém falsa) presunção de veracidade da versão acusatória.
A disposição do mobiliário do plenário do Supremo Tribunal Federal também prima pela inconveniência[4], pois destina lugar para todos os ministros e para o representante do MP (que é, igual ao advogado, essencial à função jurisdicional do Estado[5]), mas não trata o advogado, isonomicamente, como se sustenta com a referência abaixo:
“A posição das partes contém uma simbologia que revela o “poder dos lugares” e o “lugar dos poderes”. A questão está ligada à colocação da acusação ao lado do juiz, permanecendo a defesa em posição de visível inferioridade ou distanciamento. Seguindo a lógica da garantia constitucional do sistema acusatório, deve ser estabelecida a paridade de armas no processo e garantida a equidistância das partes em relação ao julgador. A correta dimensão de justiça significa igualdade de possibilidades para acusação e defesa, iniciando pela estruturação cênica em que se arquiteta o ritual dos julgamentos”. (MARQUES; FLORES, 2015, s/n).
Não se quer dizer, assim, que esteja errado o esboço contido na figura 5, representando a soberania do Estado-jurisdição e sua equidistância em relação às partes litigantes; é a disposição do mobiliário do ambiente forense que precisa se adequar aos princípios constitucionais de direito processual.
É válida, portanto, a criação e o desenvolvimento de representações gráficas das relações processuais, pois a teoria está correta. As distorções acima projetadas não são de natureza teórica, são de natureza prática.
Continuando com o exercício de criar a representação gráfica para quatro personagens processuais e, partindo do esboço contido na figura 5, há que se levar em conta que o MP como custos legis não mais ocupará o lugar do autor, de quem se distinguirá, de forma que o ato agora será encenado por quatro personagens (autor, juiz, réu e ministério público), situação esta que não foi prevista pelos doutrinadores antes mencionados, daí a originalidade deste trabalho.
Para que a representação gráfica desta nova situação expresse, visualmente, algumas premissas decorrentes do direito processual, deverá o desenho mostrar, em um primeiro momento, a equidistância do custos legis em relação às partes litigantes, pois o MP não atuará agora como assistente de qualquer uma delas.
Neste sentido, poderá em algum ato do procedimento manifestar-se o MP a favor de uma das partes e em ato posterior, manifestar-se a favor da outra parte, conforme o seu entendimento nos casos concretos.
Outra premissa que deve estar representada no desenho é que esses três personagens (autor, réu e MP) deverão estar posicionados de maneira equidistante em relação ao Estado-jurisdição, além de conservar a premissa já incorporada ao modelo da configuração angular, de posicionamento do Estado-jurisdição em um plano acima daquele em que estiverem os outros três personagens processuais presentemente enfocados.
A representação gráfica agora já não é tão simples quanto a angular, eis que ela deverá contemplar quatro personagens com performances próprias e distintas no processo.
Para criar essa representação pode o direito tomar emprestado os conhecimentos existentes em outras áreas do saber, cabendo aqui destacar a química, pois nela há amplos estudos desenvolvidos sobre a geometria molecular, da qual podem ser extraídas algumas semelhanças estruturais com a geometria processual, como se discorrerá no ponto seguinte.
3 – A GEOMETRIA MOLECULAR DA QUÍMICA COMO INSPIRAÇÃO PARA A GEOMETRIA PROCESSUAL
Para facilitar a sua difusão e o seu aprendizado, utiliza-se a química de representações gráficas de átomos, moléculas e ligações, sendo aqui oportuno mencionar a molécula de água (H2O), pois ela tem três componentes (2 átomos de hidrogênio e 1 átomo de oxigênio) ligados entre si, tal qual o processo judicial, que também tem três componentes ligados entre si (actoris, judicis et rei).
A representação gráfica da relação processual proposta por Hellwig é idêntica à representação gráfica da molécula de água, que tem geometria molecular angular. (CHANG, 2006, p. 305).
Isto significa que ambas têm estruturas angulares, sendo que esta angularização no processo decorre da soberania do Estado-jurisdição sobre as partes litigantes, enquanto que na química ela decorre da repulsão das nuvens eletrônicas dos átomos componentes da molécula. (BROWN, 2005, p. 290).
Essas duas representações gráficas – da molécula de água e das relações processuais – são conversíveis entre si, bastando para isso utilizar as letras próprias indicativas de cada componente, como se ilustra com a figura 6, a qual patenteia a semelhança entre essas duas estruturas, aproximando a geometria processual da geometria molecular.
Embora se desconheça registros a respeito, não seria surpresa vir a saber que o modelo angular proposto por Hellwig para o processo tenha se inspirado na geometria molecular da água, eis que esta é anterior à teoria processual.
A configuração mais simples que se apresenta para vincular quatro pontos não lineares é a de um quadrado planar, com cada átomo ou personagem posicionado em cada um de seus vértices, o que tem previsão de existência real na geometria molecular.
Entretanto, embora existam na química moléculas com essa configuração, ela não é adequada para simbolizar as relações processuais no momento, representando os quatro personagens propostos (autor, juiz, réu e ministério público), pois a sua configuração planar descaracterizaria a simbologia da soberania do Estado-jurisdição, inviabilizando, assim, a utilização do quadrado para esta finalidade.
O modelo gráfico que se busca terá, portanto, que sair da representação bidimensional (planar) para alcançar a tridimensionalidade.
A geometria molecular mais simples para este propósito é a da molécula de amônia (NH3), a qual também tem quatro componentes, sendo um átomo de nitrogênio e três átomos de hidrogênio, situados os três últimos (cujos correspondentes no processo serão autor, réu e MP) em um mesmo plano, formando entre si um triângulo, que é a base de uma pirâmide em cujo ápice se encontra localizado o átomo de nitrogênio (juiz).
A figura 7 ilustra a geometria resultante para a molécula de amônia, conhecida como pirâmide de base triangular ou pirâmide trigonal. (CHANG, 2006, p. 305).
Figura 7 – Representação gráfica de uma molécula de amônia (NH3), onde os três átomos de hidrogênio (H) formam a base triangular de uma pirâmide na qual o átomo de nitrogênio (N) está posicionado no seu ápice.
A geometria molecular da pirâmide trigonal serve como uma luva para o objetivo aqui buscado, pois a sua conversão para a geometria processual contempla os aspectos jurídicos antes mencionados, os quais já se encontram sedimentados na doutrina, na jurisprudência e na lei processual.
Assim, posicionando-se o Estado-jurisdição no ápice da pirâmide representada graficamente na figura 8, está-se contemplando a simbolização da sua soberania em relação aos demais personagens participantes do processo – autor, réu e ministério público – ocupantes dos vértices da base planar da pirâmide.
Um detalhe importante é que a base planar da pirâmide evidencia tanto a equidistância entre autor, réu e ministério público, quanto a equidistância deles em relação ao juiz, o que embora não seja uma realidade da mobília forense, é uma realidade do direito processual.
Atingido, assim, o objetivo deste trabalho, de enriquecer a doutrina processual ao expandir a representação gráfica angular planar da relação processual autor-juiz-réu para imprimir-lhe estrutura tridimensional piramidal quando da atuação do ministério público no processo na condição de custos legis.
CONCLUSÕES
A geometria processual aqui proposta – pirâmide trigonal – configura-se como uma ampliação da representação angular da relação autor-juiz-réu, de autoria de Konrad Hellwig, pois contempla a entrada em cena do parquet como fiscal da ordem jurídica no processo.
A pirâmide em foco tem base triangular, em cujos vértices estão localizados autor, réu e ministério público, equidistantes entre si quando considerados individualmente e também em relação ao Estado-jurisdição, posicionado no ápice da pirâmide, simbolizando a sua soberania ante os outros participantes do processo.
Esta representação, de ordem tridimensional, tem aplicação imediata no ensino jurídico, facilitando a tarefa do professor em seu mister de transmitir ao estudante as primeiras lições de direito processual e, além disso, também ajudando os operadores do direito, de uma maneira, geral a visualizar o complexo de vínculos jurídicos existentes quando o processo for um ato encenado por quatro personagens: autor, juiz, réu e ministério público, sendo o último deles na condição de custos legis.
Referências
BROWN, Theodore L.; LeMAY Jr., H. Eugene; BURSTEN, Bruce E. Química – a ciência central. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.
CAVALCANTI, Bruno Novaes Bezerra. 2001. A relação jurídica processual (conceito, características, estrutura). Disponível em:
CHANG, Raymond. Química geral. 4. ed. São Paulo: McGraw -Hill, 2006.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
LIMA, Fernando Antônio Negreiros. Teoria geral do processo judicial. São Paulo: Atlas, 2013.
MANCUSO, Sandra Regina. O processo como relação jurídica. Revista dos Tribunais. v. 682, ago. 1992. p. 56-61.
MARQUES, Jader; FLORES, Marcelo Marcante. O poder do lugar e o lugar do poder. 2015. Disponível em:
PEDRON, Flávio Quinaud; CAFFARATE, Viviane Machado. Apontamentos
para uma compreensão adequada do processo no Estado Democrático de Direito. 2003. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/4317/apontamentos-para-uma-compreensao-adequada-do-processo-no-estado-democratico-de-direito>. Acesso em: 3 out. 2017.
Notas
[1] Arts. 79/81 do Código de Processo Civil.
[2] “O vocábulo latino custos é substantivo masculino e feminino e significa guardião, guarda, guardiã, protetor, protetora, defensor, defensora. O genitivo (adjunto adnominal) de custos (= guardião, guarda) é custodis (do guardião, da guarda), daí advém a palavra custódia = guarda, proteção; do verbo custodiar = guardar, proteger. Por sua vez, legis é genitivo (adjunto adnominal) de lex (=lei) e quer dizer da lei. Dessa forma, Custos legis tem o significado de guardião da lei, protetor da lei, fiscal da lei.” (BOAVENTURA, Bonfim. < http://juniorbonfim.blogspot.com.br/2012/11/custus-legis-ou-custos-legis.html>. Acesso em 7 out. 2017).
[3] Art. 133 da Constituição Federal.
[4] Sem falar das becas dos ministros, que além de parecerem incômodas, os deixam deselegantes porque estão sempre caídas de lado, dando a sensação de enforcamento.
[5] Art. 127 da Constituição Federal.
Informações Sobre o Autor
Luiz Caetano de Salles
Advogado, Bacharel em Química, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em Química e em Educação, Doutor em Educação, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (MG)