Resumo: A ação civil pública é um instrumento processual essencial à defesa dos interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos, compreendidos como direitos transindividuais, em que responsabiliza o infrator por danos morais e patrimoniais. A Lei n. 7.437 de 24 de julho de 1985 que disciplina o instituto, sofreu severas alterações com o advento da Lei n. 11.448, de 5 de janeiro de 2007. Entre elas estáa legitimidade ativa que a lei atribuiu à Defensoria Pública, sendo a proposta central do presente artigo. O objetivo é tirar uma verdade particular de uma verdade geral na qual ela está implícita, mostrando que a instituição vem desempenhando satisfatoriamente sua missão constitucional por meio da ação civil pública.Por tratar-se de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, dando eficácia e efetividade ao art. 5. da Constituição Federal de 1988, através da defesa e proteção dos hipossuficientes, houve uma vocação constitucional da Defensoria Pública para o processo coletivo, em razão da relevância social, política e econômica dos direitos transindividuais, entendendo que não se trata de lei inconstitucional, mas de um instrumento de inclusão democrática, como ensinado por doutrinas e jurisprudências levantadas sobre o tema.
Palavras-chave: ação civil pública; direitos transindividuais; Defensoria Pública.
Abstract: The public civil action is a procedural instrument essential to the defense of individual homogeneous, diffuse and collective interests, understood as transindividual rights, in which the perpetrator is held liable for moral and property damages. Law no. 7,437 of July 24, 1985 that disciplines the institute, has undergone severe changes with the advent of Law no. 11.448, dated January 5, 2007. Among them is the active legitimacy that the law attributed to the Public Defender's Office, being the central proposal of this article. The purpose is to draw a particular truth from a general truth in which it is implied, showing that the institution has been fulfilling its constitutional mission satisfactorily through public civil action. Because it is an essential institution for the jurisdictional function of the State, giving effectiveness and effectiveness to art. 5. In the Federal Constitution of 1988, through the defense and protection of the under-served, there was a constitutional vocation of the Public Defender to the collective process, due to the social, political and economic relevance of the transindividual rights, understanding that it is not an unconstitutional law, But an instrument of democratic inclusion, as taught by doctrines and jurisprudence raised on the subject.
Keywords: public civil action; transindividual rights; Public Defense.
Sumário: Introdução. 1. Ação civil pública. 2. Defensoria pública 3. A Ação Direta de Inconstitucionalidade. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A ação civil pública para a defesa de interesses difusos e coletivos foi instituída pela Lei n. 7.347 de 1985, e em seguida veio a ser consagrada pelo art. 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Em 15 de janeiro de 2007, a Lei n. 11.448[1]modificou o artigo 5. da Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), atribuindo legitimidade ativa concorrente à Defensoria Pública.
Em princípio, mostra-se uma razoável política pública de defesa jurídica dos necessitados, compreendidos como aqueles com insuficiência de recursos. Porém, há o argumento de que tal atribuição é incompatível com a Constituição, sendo que a Defensoria Pública está incumbida, por expressa cláusula constitucional, de representar judicialmente os necessitados, e, não de atuar como substituta processual nas hipóteses de interesses ou direitos coletivos lato sensu.
Para que se chegue a uma conclusão, porém, é necessário o esclarecimentode algumas polêmicas pertinentes à ação civil pública através da exposição de assuntos como “vocação constitucional” por meio, inclusive e especialmente, de doutrinas relevantes acerca do tema, bem como compreender os mecanismos de acesso à justiça, conceituando termos como “Defensoria Pública”, “substituição processual”, “direitos transindividuais” e analisando à luz da Constituição Federal a legitimidade ativa da Defensoria para propor ação civil pública, embasando nos princípios constitucionais e nos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A ação civil pública surgiu em nosso ordenamento jurídico em 24 de julho de 1985, com a Lei n. 7.347. Com o nascimento da Constituição Federal em 1988, a referida ação recebeu status Constitucional e passou a ser função institucional do Ministério Público conforme o art. 129, inciso III[2]:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.”
Com o advento da Lei n. 8.078, em 11 de setembro de 1990, a ação civil pública recebeu uma nova aparência, que, no entanto anteriormente estava vetado do texto original da Lei n. 7.347/85[3] devido às razões de interesse público dizer respeito precipuamente à insegurança jurídica, em detrimento do bem comum, que decorre da amplíssima e imprecisa abrangência da expressão "qualquer outro interesse difuso” [4]. O Código de Defesa do Consumidor, porém devolveu ao inciso IV do art. 1. da Lei de Ação Civil Pública, a defesa dos interesses difusos e coletivos estendendo a possibilidade de ajuizamento da mencionada ação, ressuscitando o dispositivo.
Com isso, podemos extrair da própria legislação o conceito de ação civil pública, entendida como um instrumento processual essencial à defesa e proteção da coletividade, que responsabiliza o infrator por danos, morais e patrimoniais, causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse, bem como ao direito difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social. A partir deste ponto, também se extrai o objeto tutelado pela ação, sendo os interesses individuais homogêneos, os interesses coletivos e os interesses difusos, também conhecidos como interesses transindividuais. Comentando sobre esse assunto, Mazzilli (2003: 46) pontua que:
“Há, pois, interesses que envolvem uma categoria determinável de pessoas (como os interesses individuais homogêneos e os interesses coletivos); outros são compartilhados por grupo indeterminável de indivíduos ou por grupo cujos integrantes são de difícil ou praticamente impossível determinação (como os interesses difusos). “
Não existe acordo doutrinário quanto à definição do que seriam os direitos transindividuais, ou seja, os direitos individuais homogêneos, os direitos coletivos e os direitos difusos, extraindo-se, portanto, da legislação o conceito de tais institutos, a partir do código de defesa do consumidor[5]:
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”
Sobre o tema, esclarece Antônio Herman V. Benjamin (2006: 974):
“Assim, uma vez que não existe acordo doutrinário sobre a definição dos chamados direitos difusos, coletivo e individuais homogêneos, o legislador do CDC optou por, ele próprio, fixar um conceito, de modo a permitir um razoável grau de previsibilidade quanto a sua utilização. Inspiram-se nas classactions do direito norte-americano e vão determinar um significativo diálogo entre as normas do Código e a Lei da Ação Civil Pública.”
Neste contexto, cabe salientar que a lei de ação civil pública não pode ser aplicada de maneira exclusiva e isolada, existindo um sistema de mútua complementariedade entre as diversas ações relativas à jurisdição coletiva, especialmente por ter cláusula de subsidiariedade expressa[6].
Ainda sobre tais direitos, Ada Pellegrini Grinover (2008: 229) apresenta as características que melhor os distinguem:
“Indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados no meio do caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capaz de transformar conceitos jurídicos estratificados, com a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos. Como a legitimação, a coisa julgada, os poderes e a responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o próprio sentido da jurisdição, da ação, do processo.”
Nas palavras de Álvaro Luiz Valery Mirra (2007: 115), ao se falar dos direitos transindividuais:
“Não se está diante, propriamente, de interesses públicos, assim entendidos aqueles que têm no Estado o titular único e exclusivo de sua tutela, já que, frequentemente, o próprio Estado aparece como o causador de lesões aos direitos individuais. Mas pouco se trata de interesses privados disponíveis, pois os direitos difusos, em suas diversas manifestações, não são jamais a soma de direitos individuais e sim direitos pertencentes indivisivelmente a todos, marcados no mais das vezes pelas características da indisponibilidade.”
Pela complexidade dos direitos tutelados pela ação civil pública, diversas alterações foram feitas na Lei n. 7.347 de 1985, adaptando esse instituto processual à realidade da sociedade atual.
Entre as modificações está a legitimidade ativa para propor a mencionada ação, em que a Lei n. 11.448 de 15 de janeiro de 2007[7] conferiu legitimidade ativa concorrente à Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública.
A legitimidade ativa da ação civil pública é considerada, e acolhida, como concorrente e disjuntiva, em razão do rol de legitimados constantes no art. 5 da Lei n. 7.347/85 e no art. 82 da Lei n. 8.078/90, em que cada um dos co-legitimados pode, sozinho, promover a ação sem que necessite a anuência ou autorização dos demais, podendo, ainda, haver litisconsórcio facultativo, desde que obedeçam as regras do Código de Defesa do Consumidor.
“Art. 5. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I – o Ministério Público,
II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.”
Marcelo Buzaglo Dantas (2009: 62) também entende que a legitimidade ativa da ação civil pública é concorrente e disjuntiva, isto é, “havendo lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio, todos os entes ali apontados, sozinhos ou em litisconsórcio, estão legitimados a ingressar com a competente ação preventiva, repressiva ou reparatória”.
Hugo Nigro Mazzilli (2005: 4), sob outra perspectiva, reconhece que a legitimidade ativa da ação civil pública é predominantemente extraordinária, por meio de substituição processual:
“A nosso ver, porem, trata-se predominantemente de legitimação extraordinária, por meio de substituição processual. De um lado, o Direito brasileiro não exige, para a configuração da substituição processual, que o substituído seja pessoa determinada. Basta que alguém, em nome próprio, defenda interesse alheio, para que tenhamos hipótese de legitimação extraordinária, por substituição processual (CPC, art. 6º). Por outro lado, ainda que os co-legitimados à ação civil pública também compartilhem o interesse pela reintegração do direito violado, na verdade estão pedindo muito mais que direito próprio: estão pedindo a reintegração do direito lesado em proveito de todo o grupo lesado, tanto que, em caso de procedência, a imutabilidade da coisa julgada ultrapassará as partes (LACP, art. 16; CDC, art. 103). Em conclusão, nas ações civis públicas ou coletivas, ainda que os co-legitimados estejam compartilhando o interesse na reintegração do direito, e ainda que possam estar substituindo processualmente lesados indetermináveis, na verdade o fenômeno processual que explica sua legitimação é, predominantemente, a substituição processual: esta é o verdadeiro escopo do processo coletivo.”
Portanto, a partir deste ponto, surge a indagação da constitucionalidade da lei federal que consagrou legitimidade ativa à Defensoria Pública.
2 DEFENSORIA PÚBLICA
Por determinação constitucional, a Defensoria Pública é, nos termos do artigo 134 da Constituição Federal de 1988, “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, sendo-lhe inerente a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, de interesses dos necessitados”, dando eficácia e efetividade ao comando do art. 5. inciso LXXIV, da Carta Magna, que trata dos direitos e garantias fundamentais, determinando que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Sobre o tema, a assertiva do Ministro Celso de Mello na ADI n. 2.903[8], destacando a importância do órgão:
“Vê-se, portanto, de um lado, a enorme relevância da Defensoria Pública, enquanto Instituição permanente da República e organismo essencial à função jurisdicional do Estado, e, de outro, o papel de grande responsabilidade do Defensor Público, em sua condição de agente incumbido de viabilizar o acesso dos necessitados à ordem jurídica justa, capaz de propiciar-lhes, mediante adequado patrocínio técnico, o gozo – pleno e efetivo – de seus direitos, superando-se, desse modo, a situação de injusta desigualdade socioeconômica a que se acham lamentavelmente expostos largos segmentos de nossa sociedade.”
A atuação da Defensoria Pública é uma forma de concretização de princípios e valores constitucionais, relacionada diretamente com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Trata-se de uma instituição permanente que busca aumentar o acesso a justiça, constituindo tanto um importante meio de se chegar a um julgamento justo, quanto no sentido de acesso ao Poder Judiciário.
“Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.[9]”
Entretanto, a Defensoria Pública não é apenas um órgão patrocinador de causas judiciais. É a Instituição Democrática que promove a inclusão social, cultural e jurídica das classes historicamente marginalizadas, visando à concretização e à efetivação dos direitos humanos, no âmbito nacional e internacional, à prevenção dos conflitos, em busca de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,idade, com erradicação da pobreza e da marginalização, em atendimento aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no art. 3.da CF/1988.
Conforme doutrina majoritária, sabemos que o destacado papel dado pela Constituição Federal à instituição, houve, no plano infraconstitucional, certa letargia na regulamentação e criação das Defensorias Públicas, sobretudo em alguns Estados brasileiros. Hoje com a crescente defesa dos direitos e a busca pela justiça, contudo, pode-se dizer que a instituição já dispõe de um considerável instrumental legislativo, o qual lhe atribui uma série de mecanismos para que se desincumba de seu mister constitucional de garantir a defesa dos necessitados. É evidente a relevância sócio-política-jurídica de um órgão público destinado a proteger os hipossuficientes num país marcado pela desigualdade como é o Brasil. Não obstante todas as áreas de atuação da Defensoria Pública cabe aqui destacar seu papel na tutela dos interesses ou direitos coletivos ou transindividuais dos necessitados.
Nesse tocante, e correlacionado com o esboço explicativo sobre os direitos transindividuais e suas complexidades, entende-se a necessidade da Lei n. 11.448/07 ter conferido legitimidade ativa à Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública, mostrando-se como uma razoável política pública de defesa jurídica dos necessitados, ainda que não se possa individualizar os titulares do direito, comprovando a insuficiência de recursos.
3 A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Nas palavras de Aluísio Gonçalves de Castro Mendes (2012: 255-256):
“É de salientar a função essencial à Justiça exercida pela Defensoria Pública e que esta deve ser interpretada de modo amplo e condizente com a sua plena atuação. Não há nada que justifique a limitação do seu desempenho ao mero patrocínio de causas individuais. Pelo contrário, a potencialização do seu agir será de maior eficiência se as suas atividades corresponderem de modo reflexo à natureza dos conflitos pertinentes. Portanto, a Defensoria Pública deverá atuar de modo individual quando estiver diante de casos individuais de hipossuficiência, mas, naturalmente, haverá pouca eficácia se oferecer um patrocínio meramente particularizado para fazer frente a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes a necessitados.”
Alguns doutrinadores defendem que não se estabeleceu legitimidade ativa à Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública, mas, na realidade, trata-se de vocação constitucional para o processo coletivo, em face da relevância social, política e econômica dos direitos transindividuais relacionada com a função constitucional do órgão. Sobre esse aspecto, José Augusto Garcia de Sousa (2008: 239-240):
“Como é fartamente sabido, vivemos em um país repleto de graves carências em setores básicos, como educação, saúde e segurança. Temos índices sociais que teimam em permanecer vergonhosos. Há tarefas demais para executar em prol da nação e especialmente dos carentes, mas faltam os recursos indispensáveis. Em um país assim, os questionamentos sobre a legitimidade da Defensoria Pública, antes até da Lei 11.448/07, já se afiguravam impertinentes na maioria das vezes. Iniciativas visando aos necessitados devem ser estimuladas sempre que possível, e não recebidas com obstáculos formais. Esse luxo, positivamente, o país não pode se dar se uma extinção sem julgamento de mérito é algo a lamentar até mesmo na Escandinávia, mais deprimente ainda é o encerramento prematuro de uma ação coletiva proposta em chão brasileiro pela Defensoria. É de se notar, demais, que o silêncio legislativo quanto à legitimidade da Defensoria reproduzia sutilmente, no campo específico da legitimação processual, o secular desprezo que devotamos às classes sociais desfavorecidas. Logo a instituição voltada especificamente para os necessitados não tinha a legitimidade, ao mesmo tempo que esta era fornecida, generosamente, para entidades as mais diversas.”
A partir do momento em que conferiu legitimidade ativa à Defensoria Pública, surgiram inúmeros conflitos sobre a inconstitucionalidade da Lei n. 11.448/07, com argumentos de que, por se tratar de direitos transindividuais, uma vez que não seria possível individualizar os titulares dos direitos, não ficaria comprovada a insuficiência de recursos, fugindo da função constitucional atribuída ao órgão, que seria de promover os direitos humanos e defender os necessitados. Apesar de terem sido levantados questionamentos acerca deste assunto, notou-se efetiva atuação da Defensoria Pública, o que ensejou no Projeto de Lei n. 5.139/09.
A partir deste momento, outro motivo foi questionado, em que o Ministério Público entendeu que tornar a Defensoria Pública legitima ativa na ação civil publica, seria uma forma de invasão no campo institucional do Ministério, uma vez, que apesar da lei conferir legitimidade, anterior à Lei n. 11.448/07, a órgãos públicos e associações, o Ministério Público sempre foi o legitimado com maior destaque nas ações coletivas. E por atribuição do art. 5. § 1. da Lei n. 7.347/85, o Ministério Público atua na qualidade de custos legis, nas demandas coletivas em que ele não é o autor, notando-se, com isso, a centralidade desse órgão público nas ações que tutelam direitos coletivos.
A doutrina nos traz outra preocupação do Ministério Público, quanto à legitimidade da Defensoria Pública, em que Tiago Fensterseifer (2011: 91) explica que ora teremos ambos atuando em um mesmo processo, como partes contrárias, defendendo tutela coletiva:
“É certo que, por vezes, o Ministério Público e a Defensoria Pública estarão em polos antagônicos nas relações jurídicas socioambientais como, por exemplo, em ação civil pública promovida pelo Parquet para retirar grupos de famílias pobres que ocupam área de preservação permanente.”
Conforme previsão do art. 6, § 2. do PL n. 5.139/09, poderá haver litisconsórcio entre o Ministério Público e a Defensoria Pública, e caso aquele, se não intervir no processo como parte, atuará como fiscal da lei. Porém não surgiu nada novo, pois o art. 5. parágrafos 1 e 2, da lei n. 7347/85 já faz menção a este ditame. Outro aspecto que incidiu para a indagação, quanto à constitucionalidade da lei, foi o fato de que em caso de desistência ou abandono da ação civil pública por um dos legitimados ativos, o Ministério Público e a Defensoria Pública serão intimados para que seja dado andamento ao processo.
Sobre o assunto, nas palavras de Camilo Zufelato (2016):
“A inovação legislativa que atribuiu legitimidade ativa à Defensoria Pública é uma grande contribuição rumo à ampliação dos canais de defesa dos direitos dos hipossuficientes. Conforme se notou, além da legitimidade, a intervenção ad coadjuvandum também deve ser admitida em nome da defesa substancial dos vulneráveis. Essa é a solução que melhor se alinha à ideia de acesso à ordem jurídica justa e busca implementar os escopos do Estado Democrático de Direito que a Constituição Federal impõe.”
Por fim, entende-se que não se trata de lei inconstitucional, uma vez que o que interessa é a efetiva tutela dos direitos transindividuais, e como a Defensoria Pública é uma instituição independente e permanente, incumbida de incluir juridicamente e, reflexamente, ideológica e social, as pessoas necessitadas ou os grupos por elas formados, viabilizando um acesso qualificado à Justiça, que não se resume ao simples patrocínio ou defesa processual, a legitimidade conferida a tal é um instrumento de inclusão democrática.
CONCLUSÃO
A evolução dos tipos de conflitos e a forma como inferi-los processualmente em juízo, bem como a adaptação constitucional e infraconstitucional da Defensoria Pública a tais mecanismos processuais, culminou na edição da Lei n. 11.448/07 que introduziu o inciso II a Lei n. 7.347/85, atribuindo legitimidade ativa à instituição para a propositura da ação civil pública. Após a edição da norma, a legitimidade ativa do órgão foi contestada em ADI, perante o STF, que julgou improcedente, mostrando que o pedido que visava à declaração de inconstitucionalidade da legitimidade ativa da Defensoria Pública é descabido e irrazoável, assim também apontado de forma unanime pela doutrina.
A Defensoria Pública, do ponto de vista institucional e organizacional, tem-se adaptado às novas atribuições do processo coletivo na defesa dos hipossuficientes, referentes aos direitos transindividuais, que lhe impõe a Constituição Federal e a lei ordinária no âmbito da tutela jurisdicional coletiva, revelando a verdadeira função institucional de defesa da Defensoria.
O controle da atuação da Defensoria Pública na seara coletiva dá-se pela pertinência temática, quesito informador do direito de agir, ou seja, a individualização dos hipossuficientes. Com tudo, em razão da crescente demanda coletiva, é possível extrair que o processo coletivo possui relevância social, politica e econômica e altos índices de exclusão social, tornando, portanto, a legitimidade ativa da Defensoria Pública, uma vocação constitucional para a defesa dos interesses transindividuais. Então, apesar de não ser possível individualizar os titulares dos direitos coletivos, o resultado da demanda coletiva atinge parcela de sujeitos hipossuficientes, mostrando que a ampliação da legitimidade ativa à Defensoria está intimamente ligada à garantia constitucional de acesso à justiça dos necessitados.
Enfim, entendendo ser o tema ainda recente, não é possível se esgotar o tema em estudo, mas o esboçado nas linhas pretéritas é suficiente à abordagem saudável do tema para compreender que a ampliação do rol de legitimados ativos para propositura de ação coletiva condiz com a realidade atual do país, mostrando-se relevante e pertinente a constitucionalidade da Lei n. 11.448/07.
Informações Sobre os Autores
Denise Oliveira Dias
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade (PPGAS) pela Universidade Estadual de Goiás (UEG/Morrinhos).Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira,UNIVERSO. Participante do projeto de extensão do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos da UFG. Advogada
Thaynara Santana Marinho
Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira
Daniel Oliveira Dias