Os artigos 1032 e 1033 do novo Código de Processo Civil e o princípio da instrumentalidade das formas e da primazia da decisão de mérito

Resumo: o presente artigo tem por fim fazer breves considerações acerca da aplicação do princípio da fungibilidade aos artigos 1.032 e 1.033 do CPC de 2015 e seus requisitos de admissibilidade.

Palavras chaves: princípio da fungibilidade, instrumentalidade das formas, primazia da decisão de mérito, admissibilidade.

Abstract: The purpose of this article is to make brief considerations about the application of the principle of fungibility to articles 1.032 and 1.033 (CPC 2015) and its admissibility requirements

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Keywords: Principle of fungibility, instrumentality of forms, primacy of the merits decision, admissibility

Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. A fungibilidade prevista nos artigos 1.032 e 1033 do CPC 2015 . 3 Considerações finais.

Considerações iniciais

A Lei nº 13.105/2015 introduziu importantes novidades no tratamento dos recursos especial e extraordinário.

Dentre elas, está a fungibilidade dos recursos especial e extraordinário, a qual, presentes determinadas condições, permite-se a conversão de um deles em outro.

O princípio recursal da fungibilidade consiste, portanto, na possibilidade de conversão de um recurso em outro.

Na anterior sistemática, já era admitida a aplicação desse princípio aos recursos, na hipótese de existir dúvida objetiva sobre a modalidade de recurso adequada e observância do prazo (o recurso deveria ser interposto no mesmo prazo daquele que seria o correto).

Todavia, como esclarece Daniel Amorim Assumpção Neves, sob a égide do CPC-73, a jurisprudência pátria não aplicava a fungibilidade entre recurso especial e extraordinário, sob o fundamento de haver erro grosseiro em ditas hipóteses:

“Os arts. 1.032 e 1.033 do Novo CPC consagram a fungibilidade entre o recurso especial e o recurso extraordinário, contrariando jurisprudência que aponta sua inviabilidade em razão de erro grosseiro (STJ, 2a Turma, AgRg no AREsp 571.026/PE, rei. Min. Mauro Campbell Marques, j. 21/10/2014, DJe 28/10/2014). Trata-se de salutar medida, em especial para aquelas hipóteses de verdadeiro limbo jurisdicional, quando o Superior Tribunal de Justiça não conhece recurso especial alegando tratar-se de decisão violadora de norma constitucional e o Supremo Tribunal Federal, não conhecer recurso extraordinário interposto contra a mesma decisão afirmando que a violação ao texto constitucional é reflexa (STJ, 2a Turma, EDcl no REsp 1.364.167/RS, rei. Min. Og Fernandes, 26/11/2013, DJe 09/12/2013 e STF, 2a Turma, RE 808.931 AgR/RS, rei. Min. Teori Zavascki, j. 05/05/2015, DJe 18/05/2015; STJ, 3a Turma, AgRg no AREsp 307.887/SC, rei. Min. Sidnei Beneti, j. 17/12/2013, DJe 04/02/2014 e STF, 2a Turma, ARE 736.569 ED/ES, rei. Min. Carmen Lúcia, j. 17/09/2013, DJe 14/10/2003)”.[i]

A novidade trazida pelo CPC-15, portanto, se refere à previsão expressa de aplicação deste princípio para os recursos especial e extraordinário.

Importa destacar, ademais, que se trata de princípio que visa o aproveitamento dos atos processuais, que no âmbito do Código de Processo Civil de 2015 obtém novos fundamentos normativos, como na propalada regra interpretativa da primazia da análise de mérito, prevista em seu artigo 4º, que busca o máximo aproveitamento da atividade processual.

A aplicação deste princípio aos recursos é uma das variantes do princípio do “maior favor”, segundo o qual o recurso é admissível tanto se corresponde à resolução que por ele se objetiva como se é o adequado para outra finalidade.

Nessa ótica, o CPC 2015, buscando a primazia do mérito e constatando a inata complexidade do sistema recursal, viabilizou normativamente hipóteses de fungibilidade.

Em verdade segundo o Enunciado 104 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, “o princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício”.

A fungibilidade prevista nos artigos 1.032 e 1033 do CPC 2015

A norma trazida no artigo 1.033 do CPC, ao igual que a norma contida no artigo 1.032, que autoriza a conversão do recurso especial em extraordinário, atende ao princípio processual da instrumentalidade das formas, ao princípio constitucional da celeridade na prestação jurisdicional e ao princípio da primazia da decisão de mérito. Por essa razão, este instituto, que podemos chamar de fungibilidade recursal, tem sido recebido com entusiasmo pela comunidade jurídica,

A oportunidade de se proceder à conversão ocorre no momento da realização do juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial.

Apesar da previsão expressa dos referidos artigos quanto à possibilidade de aplicação da fungibilidade, algumas indagações já se debruçam sobre o tema, senão vejamos.

Uma primeira questão que vem se lançando, se refere à questão intertemporal.

A fim de contribuir com a interpretação e aplicação dos artigos 1032 e 1033 do CPC, foi editado o enunciado nº 564 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, que dispõe: Os arts. 1.032 e 1.033 devem ser aplicados aos recursos interpostos antes da entrada em vigor do CPC de 2015 e ainda pendentes de julgamento”.

Todavia, não parece ser este o entendimento adotado pelo STF[ii], nem pelo STJ[iii], que, em recentes decisões, vêm sustentando que aos recursos interpostos na vigência do CPC-73, não se aplica a regra presente nos artigos 1032 e 1033 do CPC-15.

Outra das questões se refere aos requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário convertido em recurso especial.

O artigo 1.033 do Código de Processo Civil prevê a conversão do recurso extraordinário em especial quando o Supremo Tribunal Federal considerar que a alegada ofensa à Constituição Federal é reflexa, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado.

Cabe questionar, se a decisão do STF que converte o recurso extraordinário em especial é suficiente para que o recurso, agora especial, seja admitido pelo Superior Tribunal de Justiça.

A resposta parece ser negativa: a conversão do recurso extraordinário em especial não priva o STJ de sua faculdade de exercer o juízo de admissibilidade do recurso especial.

Nesse sentido posicionam-se Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery[iv], para quem, na hipótese do artigo 1.033, CPC, o STF deve deixar de apreciar a admissibilidade do RE, para que o STJ profira juízo de admissibilidade.

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Ademais, a partir de pesquisa feita na jurisprudência percebeu-se que os tribunais superiores já se depararam com questão similar quando da transição da Constituição de 1967 para a Constituição de 1988.

Sabe-se que o STJ é fruto da Constituição de 1988 e, a partir de sua efetiva criação, passou esta Corte a ser competente para o julgamento dos recursos especiais.

Assim, com advento da nova ordem constitucional, o STF converteu diversos recursos extraordinários, que versavam sobre questões infraconstitucionais, em recursos especiais. [v]

Todavia, não obstante tal conversão, tais recursos se submeteram a juízo de admissibilidade pelo STJ.

É o que se conclui, a título de exemplo, do julgamento do Recurso Especial REsp 6428 / RJ 1990/0012372-0, resultante da conversão de recurso extraordinário, em que o STJ apreciou requisitos de admissibilidade em seu bojo.

De especial importância é que não pode o recorrente extrapolar os limites do recurso inicialmente interposto. Quer dizer, não pode o recorrente inovar alegando violação a dispositivo da legislação federal que não fora alegada no recurso extraordinário.

No mais, o STJ realizará o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário convertido em especial de acordo com os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade de todo recurso especial, como tempestividade e existência de pré-questionamento.

Assim, se espera que o aproveitamento da jurisprudência formada no passado, relativamente a uma forma processual que já existiu em nosso ordenamento jurídico, auxilie na formação de uma nova jurisprudência sobre este tema, sempre com o objetivo da melhor prestação jurisdicional para as partes envolvidas na lide.

No que diz respeito à conversão do recurso especial em extraordinário, prevista no artigo 1.033 do CPC 2015, cabe destacar que o legislador inspirou-se na Súmula 636 do STF, a qual dispõe: “não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.

Desse modo, infere-se: assim como já dispunha o entendimento sumulado do STF, o Art. 1.033 do CPC-15 consagra que, para a admissibilidade do recurso extraordinário, faz-se necessário haver ofensa direta ao texto constitucional,

Considerações finais

Diante das situações problematizadas, não se duvida que a questão dos requisitos de admissibilidade do recurso resultante das alterações realizadas pelo Novo Código de Processo Civil, com base no disposto nos artigos 1.032 e 1.033 do CPC, será, no futuro, objeto de formação de jurisprudência no âmbito do STJ e do STF, o que ainda não ocorreu devido à extrema novidade da alteração legislativa.

 Será, sem dúvida, objeto, também, de amplas reflexões doutrinárias as quais se espera, modestamente, contribuir com estas breves considerações.

 

Referências
NEVES, Daniel de Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016.
JUNIOR, Fredie Didier; CUNHA, Leonardo Carneiro Cunha. Curso de Direito Processual Civil. Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016.
JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015.
 
Notas:
[i] NEVES. 2015, pg. 1746

[ii] ARE 957268 AgRg, Relator: Min. Fux, 1ª Turma, julgado em 26/08/2016

[iii] EDlc no AgRg no Resp 1316890/PR, Relator Min, Mauro Campbell, 2ª Turma, julgado em 01/09/2016. Publicado em DJe 14/09/2016

[iv] NERY. 2015. Pg. 2173

[v] (RE 106157 QO/SP-São Paulo. Relator Min. Sydney Sanches; AI 138876 AgR/RJ- Rio de Janeiro. Relator Min. Celio Borja; AI 134793 AgR/DF- Distrito Federal)


Informações Sobre o Autor

Ana Carolina San Martin Araújo

Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


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