Resumo: O presente trabalho busca analisar a antecipação dos efeitos da tutela na vigência do Código de Processo Civil de 1973, por meio de uma retrospectiva histórica da construção e aperfeiçoamento do instituto. Visa ainda examinar as principais inovações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro com a publicação da Lei 13.105, de 15 de março de 2015, o Novo Código de Processo Civil, no tocante à sistemática da tutela provisória, especialmente na tutela provisória de evidência. A metodologia adotada foi a pesquisa teórica doutrinária, não se optando por adentrar os aspectos filosóficos ou políticos que o tema possa ensejar. Assim, o trabalho apresenta uma conceituação da tutela jurisdicional, quanto à sua classificação tradicional em tutela cognitiva, executiva e cautelar, com a doutrina criticando essa segmentação, bem como a apresentação de uma nova distinção possível da prestação jurisdicional entre tutela provisória e definitiva. Em seguida, são expostas as tentativas de utilização atécnica da tutela cautelar para a plena satisfação dos direitos pleiteados, que culminaram nas alterações legislativas relativas às Leis 8.952/94 e 10.444/02 com a instituição da tutela antecipada, discriminando-se as suas características, requisitos e hipóteses de cabimento. Por fim, são apontadas as diretrizes de mudança no Novo Código de Processo Civil no que se refere às modalidades de tutela provisória, distinguindo-se a tutela de urgência e de evidência, com enfoque nas características, requisitos e hipóteses de concessão dessa última medida.
Palavras-chave: Processo Civil. Tutela Jurisdicional. Tutela Antecipada. Retrospectiva Histórica. Novo Código de Processo Civil, Tutela Provisória, Tutela de Evidência.
1 INTRODUÇÃO
Em virtude de uma série de fatores, tais como a morosidade processual, o grande número de recursos com fins meramente protelatórios, a propagação de lides repetitivas que sobrecarregam o aparato jurisdicional e a demora excessiva na satisfação plena e em tempo razoável do direito pleiteado, o Poder Judiciário vem caindo em descrédito da opinião pública.
O Código de Processo Civil de 1973 atualmente em vigor, com redação original dada ainda sob regime militar, tem contribuição significativa para essa situação. Não obstante o Código ter sido reformado por diversas vezes, ainda assim não foi adequado devidamente aos preceitos da Constituição da República de 1988 e, especialmente, aos anseios de uma sociedade em mudança constante e ávida por justiça célere, mostrando-se ainda insuficiente para tanto.
Nesse contexto, passados mais de quarenta anos de sua publicação, e com o advento de diversas minirreformas ao longo dos anos, a sistemática da lei processual se deteriorou, clamando por um novo diploma legal, mais atualizado e coeso. Por mais de cinco anos se discutiu um projeto de novo Codex, inicialmente por intermédio de uma Comissão de Juristas e em um segundo momento no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. O procedimento resultou na aprovação da Lei nº 13.105/2015, a qual revogou a Lei 5.869/73 e instituiu um novo Código de Processo Civil. Dentre outras mudanças, o referido projeto, convertido em lei, determina uma nova sistemática ao instituto da tutela antecipada, atualmente disposta no artigo 273 do Código em vigor. Nesse cenário, o novo diploma processual civil busca distinguir de forma precisa as espécies do que denomina tutela provisória, que são a tutela de urgência e a tutela de evidência, sendo que esta será objeto de análise minuciosa no presente texto.
Assim, tem por espeque o trabalho investigar as perspectivas dos efeitos decorrentes dessa alteração quanto às diferentes modalidades de tutela antecipada, notadamente no que tange aos requisitos e características da chamada tutela de evidência, visando desvendar como as alterações legislativas podem alterar a sistemática da tutela antecipada, suas características, requisitos e hipóteses de concessão na novel legislação processual. Entretanto, para melhor compreensão dos novos institutos criados pelo novo Código, é necessária um exame detido da retrospectiva histórica do contexto em que foi instituída a prática da antecipação dos efeitos da tutela, buscando a satisfação provisória de direitos, passando por uma definição e uma classificação da tutela jurisdicional como um todo.
2 A TUTELA JURISDICIONAL
Segundo o ministro Teori Zavascki (2007, p. 5), o Estado exerce a administração pública e cria as normas reguladoras da convivência social, dando efetividade à aplicação de tais normas, por meio da proteção aos indivíduos lesados ou ameaçados pela violação das regras. Para tanto, conforme ensina o ministro Luiz Fux (2008, p. 53), o Estado “dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de solucionar os […] conflitos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente concebido, ao caso concreto”, em substituição aos envolvidos no conflito, consoante lição de Chiovenda (ZAVASCKI apud CHIOVENDA, 1969, p. 11).
Em suma, é o que Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 48) considera como função estatal precípua a prestação da tutela jurisdicional adequada, no sentido de declarar e realizar, praticamente, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida. Isso se dá por meio da jurisdição, que “é uma das funções do Estado, mediante a qual este substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve” (GRINOVER; CINTRA; DINAMARCO, 2003, p. 131).
Ocorre que, pela importância da temática para o presente trabalho, é necessário melhor conceituar e compreender os fundamentos da tutela jurisdicional.
2.1 Conceito e fundamentos da tutela jurisdicional
Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 95) entende que a tutela jurisdicional se funda no princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no art. 5º, inciso XXV, do Texto Constitucional, que dispõe que nenhum obstáculo pode ser posto ao direito de acesso ao Poder Judiciário, o qual não deverá falhar na apreciação de qualquer lesão ou ameaça de direito. Assim, a tutela jurisdicional é a assistência, a defesa que o Estado, por seus órgãos jurisdicionais, presta aos direitos dos indivíduos. Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco define a tutela jurisdicional como “o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num processo” (CÂMARA apud DINAMARCO, 1996, p. 61).
Nesse cenário, percebe-se que a expressão tutela jurisdicional significa tanto o resultado da atividade quanto ela própria, que é monopolizada pelo Estado e desenvolvida imparcialmente, em substituição ao interessado, consistente na apreciação de demandas relacionadas com lesões ou ameaças a direitos e, se for o caso, na realização das providências concretas necessárias à manutenção ou à reparação de tais direitos, de acordo com o caso.
Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 97) afirma, ainda, que a tutela jurisdicional tem como características essenciais a inércia, vez que a atuação jurisdicional ocorre tão somente se houver provocação das partes, a substitutividade, pois cabe ao Estado, realizar em concreto a defesa dos interesses juridicamente relevantes, em atividade substitutiva das partes.
2.2 Classificação da tutela jurisdicional
Dentre as diversas classificações possíveis para a tutela jurisdicional, a segmentação entre tutela cognitiva, executiva e cautelar é a mais tradicional, sendo adotada pela maior parte da doutrina. Para tanto, essa distinção merece maiores considerações no presente trabalho.
2.2.1 Classificação tradicional da tutela jurisdicional: cognitiva, executiva e cautelar
Aponta o ministro Luiz Fux (2008, p. 56) que, como o processo é um conjunto de atos concatenados visando um determinado resultado útil, as tutelas jurisdicionais distinguem-se pela preponderância de atividades de cada um e de sua finalidade, havendo assim três espécies jurisdicionais segundo a doutrina tradicional: à cognição corresponderia o processo de conhecimento, à executiva o procedimento de execução e à de assecuração o processo cautelar.
Quanto à tutela cognitiva, Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 96) afirma tratar-se de atividade que declara a existência ou inexistência de um direito. É a operação de conhecer os fatos e o direito para julgar, aplicando a lei aos fatos narrados, com coerção e autoridade (FUX, 2008, p. 57). Na mesma esteira, Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 68), defende que é a função de se verificar a efetiva situação jurídica das partes envolvidas no caso sub judice.
A segunda espécie, por sua vez, seria a tutela executiva, que se caracteriza precipuamente pela prática de atos que visam a satisfazer e realizar o direito já conhecido, consoante ensina Luiz Fux (2008, p. 63). É a realização efetiva da situação jurídica já apurada previamente (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 68), por meio uma atividade que se destina a atingir o adimplemento da obrigação ou o seu resultado prático equivalente, mediante meios executivos sub-rogatórios e coercitivos, em face do executado (NUNES et al, 2011, p. 377).
Finalmente, a terceira espécie de tutela jurisdicional seria a cautelar, a qual o ministro Luiz Fux (2008, p. 66) e o professor Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 68) entendem tratar-se de um tertium genus entre cognição plena e execução forçada. Para o primeiro autor, é a atuação capaz de assegurar e resguardar as condições de fato e de direito para que, com efetividade, a justiça possa ser prestada sem prejuízo ao resultado útil do processo, durante o tempo do seu regular curso. Já para o segundo é um remédio preventivo e provisório que visa precatar o interesse da parte do risco a que se acha exposta, de sofrer danos antes que se possa obter uma composição definitiva do litígio. Em complemento, Ovídio Araújo Baptista da Silva (2000, p. 345) defende que sua função é dar proteção a um direito da parte, enquanto perdurar um estágio perigoso que o provocou. É, assim, a tutela que visa assegurar a efetividade de outra modalidade de jurisdição que está ameaçada, sem que haja satisfação do direito material (CÂMARA, 2014, p. 96).
Em síntese, Teori Zavascki explica a classificação tripartite da tutela jurisdicional:
“Tradicionalmente, classifica-se a tutela jurisdicional como de conhecimento, de execução e cautelar, sendo que, com a primeira, fixa-se a regra jurídica individualizada que deve regular o caso concreto, formulando-se juízo sobre o direito afirmado; na segunda, tomam-se as providências práticas para a realização, no plano fático, do direito reconhecido ou presumidamente existente; e na terceira, adotam-se medidas para assegurar o resultado útil das duas primeiras, sempre que a demora em sua prestação possa acarretar alguma espécie de dano à efetividade do processo” (ZAVASCKI, 2007, p. 17)
2.2.2 Relatividade da segmentação e um novo critério de classificação: tutela definitiva e tutela provisória
No entanto, essa classificação tradicional adotada pela maior parte da doutrina pátria entende que há apenas preponderância, e não exclusividade, da atividade jurisdicional típica de cada espécie de tutela, já que os processos não são absolutamente puros, havendo atividades típicas de outros procedimentos em cada um deles, segundo o ministro Luiz Fux (2008, p. 56). Como exemplo, cita o jurista citado que no processo de conhecimento não se praticam somente atos intelectivos, nem mesmo se cogita que no processo de execução não há qualquer cognição.
De modo similar é o entendimento de Teori Zavascki (2007, p. 9) o qual aponta que, embora o processo de conhecimento tenha por objetivo a certificação e declaração do direito da parte, nada impede que ele seja compatível com a outorga de uma tutela jurisdicional de outra espécie, valendo o mesmo para o processo de execução e o cautelar.
Em verdade, percebe-se que a segmentação das atividades cognitivas e executivas em processos distintos, que era a regra na sistemática original da lei processual civil, se tornou exceção após as reformas que ocorreram após 1994, como adiante se demonstra. Por esse motivo, o ministro Zavascki (2007, p. 14) sustenta que a classificação tripartite tem relevância prática relativa, sustentando que a escolha de haver separação das ações de natureza cognitiva, executiva ou cautelar em distintos processos, ou a junção em um único procedimento, é confiada exclusivamente à conveniência do legislador.
Nessa esteira, a própria evolução do sistema do Código de Processo Civil demonstra que, com as reformas que foram paulatinamente adotadas no diploma processual, o que era em princípio a regra, a dispersão das distintas atividades de tutela jurisdicional em diversos processos, é atualmente a exceção, ocorrendo a reunião das atividades num único processo.
Assim, a política legislativa já sinalizava a insuficiência da classificação tradicional da tutela jurisdicional com as mudanças na lei processual civil em 1994 e 2002, com a instituição da tutela antecipada que satisfaz o direito pleiteado ainda em sede cognitiva, e com a execução nos próprios autos, sem a necessidade de formação de novo processo. Veja-se, nesse contexto, que ocorre um verdadeiro sincretismo procedimental com a difusão de atividades cognitivas, executivas e cautelares num mesmo processo no Código de Processo Civil reformado de 1973.
Ademais, a instituição do novo Código de Processo Civil em 2015 também reforça essa diminuição da importância prática da classificação tripartite, com alterações como o desaparecimento do Livro que tratava exclusivamente das cautelares típicas ou nominadas, a criação de um Título exclusivo para as denominadas tutelas provisórias e a delimitação precisa dos seus tipos, quais sejam, a tutela de urgência e a tutela de evidência, as quais serão objeto de estudo mais detalhado a seguir.
Para tanto, visando complementar o conceito, mas sem menosprezar a classificação tradicional tripartite, Teori Zavascki (2007, p. 19) propõe a valorização de uma segmentação da tutela entre definitiva e provisória, distinção essa que já era anteriormente abordada pela doutrina. Conforme o autor supracitado, a primeira delas tem por fundamento o valor constitucional da segurança jurídica, enquanto a segunda se baseia no valor igualmente importante da efetividade, sendo possível e frequente um conflito de valores.
O ministro Teori Zavascki (2007, p. 39) sustenta que a tutela definitiva é aquela formada em procedimentos nos quais há cognição exauriente da lide, em que são oferecidos às partes os meios adequados ao contraditório e à defesa de suas posições jurídicas. Além disso, segundo Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2013, p. 511), essa modalidade de tutela busca garantir o tempestivo devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e o profundo debate acerca do objeto do processo na instrução do feito, para que possam ser formados resultados imutáveis, cristalizados pela autoridade da coisa julgada material do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988.
De forma diversa, a tutela provisória é fundada tão somente em cognição sumária, o que KazuoWatanabe define como “uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical” (ZAVASCKI apud WATANABE, 1987, p. 95), assim considerada em relação à cognição exauriente própria da tutela definitiva a que se acha referenciada. Isso ocorre por essa espécie jurisdicional ter eficácia limitada no tempo, não perdurando por prazo maior que o da concretização de sua finalidade ou o da duração do processo no qual é buscada a tutela definitiva correspondente (ZAVASCKI, 2007, p. 32-34).
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 222-223) defendem que a tutela provisória se distingue pela característica da precariedade, não sendo submetida à imutabilidade da coisa julgada e podendo ser modificada ou revogada a qualquer tempo, desde que haja mudança no estado de fato que acarrete nova compreensão sobre os fatos e o direito afirmado. Essa espécie jurisdicional se refere, necessariamente, a um pedido de tutela definitiva, sem o qual perde sua razão de ser, e fundamenta-se, principalmente, em uma situação de urgência, entendida em sentido amplo, compreendendo-se como tal a situação fática que, de alguma forma, compromete a regular prestação da tutela definitiva.
Ante o exposto, dentre as diversas classificações possíveis para a tutela jurisdicional, escolheu-se para a presente monografia dar ênfase à segmentação entre tutela definitiva e provisória, de acordo com a natureza e o conteúdo dos provimentos judiciais. Isso porque o objeto do próximo capítulo desse trabalho, a antecipação dos efeitos da tutela no Código de Processo Civil 1973, é uma subespécie de tutela provisória conforme a distinção proposta por Teori Zavascki (2007, p. 18). Ademais, o novo diploma processual civil também valoriza essa segmentação mencionada, com a criação de um Livro próprio para as tutelas provisórias, as quais serão analisadas de forma mais detida no quarto capítulo do texto.
3 A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
Tomando como base a classificação acima adotada, o Código de Processo Civil de 1973 previa como regra a tutela definitiva, com apenas uma forma de tutela provisória em sua redação original, que é a medida cautelar. Consoante já exposto, a tutela de natureza cautelar é aquela que, sem satisfazer o direito pleiteado pelo autor, visa a “preservar os efeitos úteis da tutela definitiva satisfativa” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 518), desde que presentes os seus pressupostos, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora (MARINONI, 2010, p. 68). Ademais, a cautelar pode ser típica ou atípica, sendo a primeira aquela prevista expressamente na lei processual e a segunda fundada no poder geral de cautela do juiz, na dicção do artigo 798 do Codex.
Todavia, exsurge o problema de inexistirem, na redação original da lei processual civil pátria, instrumentos legais que permitissem a satisfação do direito pleiteado em situações excepcionais, de forma provisória ou sumária, como as que envolvem risco ao bem da vida pleiteado judicialmente. Nessas situações, não era possível aguardar o tempo necessário à formação de juízo de certeza exigido para tutela definitiva, sendo necessária a prestação de uma tutela jurisdicional mais célere para tutelar adequadamente o direito material ameaçado, consoante precisa lição de Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 98). Desse modo, a prática forense se encarregou de tentar contornar a questão por meio de um artifício processual, que é a utilização distorcida da tutela cautelar atípica ou inominada.
3.1 A utilização atécnica da tutela cautelar para a satisfação do direito material
A tutela cautelar não foi concebida para satisfazer o direito material pleiteado, o que se infere da sua principal característica, que é a instrumentalidade, o fato de estar sempre relacionado a um processo principal da qual depende. Contudo, diante da inidoneidade do processo civil clássico para atender às novas situações de direito substancial existentes, a ação cautelar inominada, com base no artigo 789 do diploma processual de 1973, começou a ser utilizada de forma atécnica na prática forense para dar efetividade à tutela dos direitos, em um uso satisfativo e com caráter não cautelar desse procedimento (MARINONI, 2010, p. 68-69).
Merece destaque que se trata de um uso distorcido da medida cautelar, não adequado à finalidade típica dessa espécie de tutela. Nas palavras do ministro Luiz Fux (2008, p. 76), é a “utilização promíscua do processo cautelar antecedente ao processo principal, onde se pleiteava a defesa de interesses substanciais a pretexto de promover-se cautelares inominadas”.
Luiz Guilherme Marinoni (2010, p. 68) alega que isso ocorreu pois a ação cautelar inominada pode propiciar tutela rápida e preventiva para qualquer situação de direito substancial, desde que presentes os seus requisitos genéricos já mencionados, quais sejam, a fumaça do bom direito e o perigo da demora. Trata-se, evidentemente, de uma forma de “distorção da fisionomia original da tutela cautelar” (MARINONI apud ZANUTTIGH, 1983, p. 281), já que inibe sua principal característica, que é a instrumentalidade, bem como afasta seu caráter acessório e assecuratório. Para Marinoni, a prática em questão visa a preencher a necessidade fática ante a lacuna legal existente:
“A legislação processual não pode obstaculizar a efetividade da tutela dos direitos. Como o juiz tem o dever de interpretar as regras processuais sempre a partir das necessidades do direito material e do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, cabe a ele encontrar a técnica processual adequada à situação conflitiva concreta.
Foi em razão do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, o qual obviamente não pode ser calado pela impropriedade da técnica processual, que a ação cautelar inominada, diante das pressões sociais por tutela jurisdicional adequada, passou a ser utilizada como ação autônoma e satisfativa”. (MARINONI, 2010, p. 70)
O renomado jurista citado salienta, todavia, que a utilização distorcida da técnica cautelar sofreu críticas ferrenhas da doutrina e da jurisprudência, com forte resistência em admitir uma tutela cautelar satisfativa ou antecipatória (MARINONI, 2010, p. 82). No mesmo sentido, Adroaldo Furtado Fabrício, alega que “falar de cautelar satisfativa é tão desarrazoado e inaceitável quando a ideia de gelo quente. Ou bem se fica com o substantivo ou com o adjetivo; ou se trata de cautela e não satisfaz, ou a medida é satisfativa e não pertence ao universo das cautelas” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA apud FABRÍCIO, 1999, p. 23).
Nesse sentido, vez que no Brasil nunca se admitiu uma medida cautelar de natureza satisfativa, o legislador optou por criar um novo instituto que permitisse a satisfação do direito em sede liminar, com a instituição da tutela antecipada a partir de 1994.
3.2 A instituição da tutela antecipada
Com o decurso do tempo e as pressões sociais por tutela jurisdicional adequada e tempestiva, aliados ao consequente uso atécnico da ação cautelar inominada visando a sumarização do processo de conhecimento, foi positivado no ordenamento jurídico pátrio a técnica antecipatória no final de 1994, com a publicação da Lei 8.952/1994, a qual foi complementada pela Lei 10.444/2002 (MARINONI, 2010, p. 81), consoante se aborda a seguir.
3.2.1 As alterações legislativas em 1994 e 2002
A principal alteração trazida com a Lei nº 8.952/1994, ao menos para fins da presente monografia, ocorreu no art. 273 do Codex, com a instituição da tutela antecipada de caráter satisfativa, positivando o que já se buscava na prática forense. Veja-se:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado
§ 3o A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588.
§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.” (BRASIL, 1973)
Por sua vez, a Lei nº 10.44/02 alterou o parágrafo terceiro do dispositivo legal mencionado e ainda acrescentou os parágrafos sexto e sétimo, in verbis:
“§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. (BRASIL, 1973)
Dessa forma, surgiu a tutela antecipada, também chamada de antecipação dos efeitos da tutela, no ordenamento jurídico. A técnica antecipatória criada se assemelha de certo modo à medida cautelar, já que é o receio de perecimento de direito que permite a concessão de ambas, tratando-se de um traço em comum na sistemática do Código de Processo Civil em vigor. Na precisa lição de Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 267), há “identificação entre as tutelas antecipada e cautelar. É que no direito estrangeiro não se distinguem, ambas são inseridas na rubrica comum da tutela cautelar […]. Lá, o que mais importa, é conter o perigo da demora”. Não obstante, autor referido adverte que há distinção entre as medidas, vez que a cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipada a realiza de imediato (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 412). Assim, para compreensão adequada do instituto, é necessária análise mais aprofundada das suas características, requisitos e hipóteses de concessão.
3.2.2 Conceito, características e efeitos
Segundo o ministro Luiz Fux (2008, p. 72-77) tutela antecipada é a possibilidade de o juiz conceder ao demandante, a seu requerimento, proteção jurisdicional equivalente ao que obteria se a conduta devida fosse voluntariamente cumprida pela outra parte, se não houvesse pretensão resistida. Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 98-99) defende que a tutela antecipada tem natureza satisfativa e é prestada com caráter provisório, já que pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo por decisão fundamentada, à luz do que dispõe o § 4º do artigo 273 do Codex de 1973. Por ser concedida com base em juízo de probabilidade, é baseada em cognição sumária, mas independente de processo autônomo para sua concessão. Nesse contexto, esse instituto promove a satisfação do próprio direito da parte autora, antecipando a eficácia executiva da futura decisão a ser proferida (NUNES et al, 2011, p.187).
Merece destaque o ensinamento de Ovídio Araújo Baptista da Silva, que entende que as tutelas antecipadas são “remédios extraordinários, para situações especiais, quando os meios jurisdicionais comuns se mostrem incapazes de tutelar adequadamente o direito eventual.” (ZAVASCKI apud SILVA, 1996, p. 89). Por essa razão, a excepcionalidade da situação no processo judicial pode permitir até mesmo a concessão da medida in limine litis, ou seja, ainda no início do processo, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Contudo, o autor mencionado ressalta que se não houver urgência “que impeça a observância da bilateralidade da audiência, não será legítima a concessão de liminares satisfativas […] sem que se estabeleça o contraditório regular” (MORAIS apud SILVA, 1998, p. 75). Aliás, é esse o fundamento do §2º do artigo 273, em que a lei não admite a concessão da tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento, visando assegurar o contraditório pleno, ainda que a posteriori (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 413).
Por outro lado, quanto às suas características, além da natureza satisfativa já exposta, o caráter provisório é marcante nessa modalidade de tutela, tendo em vista que o pleno atendimento à pretensão do autor não é totalmente garantido com ela. Isso porque é necessário que o processo prossiga até a prolação de sentença, em que será concedida tutela definitiva, na esteira do que dispõe o § 5º do artigo 273 (CÂMARA, 2014, p. 99). O professor Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 414) enfatiza essa provisoriedade, ao salientar que a medida antecipada pode ser revertida até mesmo de ofício caso o resultado da ação venha a ser contrário à pretensão da parte que requereu a antecipação satisfativa.
Ademais, somente podem ser antecipados os efeitos da tutela que podem ser produzidos pela sentença de procedência do pedido, de modo que antecipá-los seria adiantá-los no tempo, concedê-los antes do tempo previsto. Assim, os efeitos passíveis de antecipação são os potencialmente decorrentes do conteúdo da sentença de mérito, que varia segundo a natureza do pedido e, consequentemente, da sentença que o acolher, em conformidade com o Princípio da Congruência, previsto no artigo 460 da lei processual civil atual (ZAVASCKI, 2007, p. 87).
Quanto ao momento processual para requerer a medida antecipada, Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 413) entente que o mais adequado seria pleiteá-la na própria petição inicial, mas adverte que nada impede à parte que postule a antecipação de tutela em outros estágios do processo. Por isso, caso o juiz não defira essa medida provisória ou não aprecie seu cabimento in limine litis, pode concedê-la mais tarde, desde que considere presentes os seus pressupostos.
De modo similar, Teori Zavascki (2007, p. 105) afirma que, tão logo estejam preenchidos os seus pressupostos, a medida antecipatória pode ser requerida, seja antes da citação do réu ou no curso da execução. É que não na legislação um momento único e inflexível para o incidente autorizado pela Lei nº 8.952/94, de modo que é possível deduzir essa pretensão até mesmo em grau de recurso (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 413).
Ademais, conforme lição de Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 419), a decisão que concede ou denega a tutela antecipada corresponde ao ato do juiz que, no curso do processo, resolve questão incidental, o que configura decisão interlocutória, nos termos do § 2º do artigo 162 do Codex. Dessa maneira, constata-se que o recurso cabível é o agravo, previsto no artigo 522, meio impugnativo concebido para não prejudicar o regular andamento do feito.
3.2.3 Requisitos cumulativos: prova inequívoca do direito e verossimilhança da alegação
Ante ao impacto causado pela antecipação dos efeitos da tutela, a qual pode ser concedida até mesmo sem prévio contraditório, o legislador estabeleceu no caput do artigo 273 pressupostos genéricos de cabimento da medida, que são os requisitos cumulativos necessários da prova inequívoca do direito e da verossimilhança da alegação (ZAVASCKI, 2007, p. 79).
No que se refere ao primeiro requisito, Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2013, p. 548-549) aduzem que a prova inequívoca não é aquela que conduta a uma verdade absoluta, sendo apenas a prova robusta, idônea, a qual detenha elementos suficientes a conduzir o magistrado a um juízo de probabilidade no contexto da cognição sumária. É a prova estreme de dúvidas, em que não restam alternativas ao juiz senão a concessão da tutela antecipada. Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 414) assevera que a prova inequívoca possui tamanha clareza e precisão que autoriza, desde logo, um julgamento de acolhida do pedido formulado pelo autor se o litígio, hipoteticamente, devesse ser julgado naquele instante.
Como exemplo, o ministro Luiz Fux cita que a alegação baseada em fatos notórios, incontroversos ou confessados noutro feito entre as partes também caracteriza a prova inequívoca, tal como aquela fundada em presunção absoluta. É que para a concessão da medida, deve ser avaliada a inequivocidade da prova produzida em cotejo com a urgência requerida, por meio de um juízo de probabilidade que o autorize a conceder a antecipação. Ademais, quanto ao momento de apresentação dessa prova, para a concessão da medida liminarmente, no início da lide, deve ser pré-constituída, caso contrário pode ser produzida em qualquer momento no curso do processo, desde que seja por meio moralmente legítimo (FUX, 2008, p. 80).
Lado outro, no que tange à verossimilhança da alegação, diferentemente do que ocorre com a cautelar, em que há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade para os fatos alegados, na tutela antecipada o requisito do fumus boni iuris deverá estar especialmente qualificado, devendo-se demonstrar que os fatos narrados possam ser tidos como certos, com base na prova já trazida aos autos, consoante os ensinamentos de Teori Zavaskci (2007, p. 79).
Nas palavras de José Roberto dos Santos Bedaque, deve haver verossimilhança do fundamento de direito, com um juízo de “elevado grau de probabilidade da versão apresentada pelo autor” (BEDAQUE, 2003, p. 25). Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2013, p. 550-552) sustentam, nessa esteira, que a verossimilhança não se refere apenas à matéria de fato, mas também à plausibilidade jurídica de subsunção dos fatos à norma invocada, de forma a conduzir incontinenti aos efeitos pretendidos com a medida pleiteada.
Athos Gusmão Carneiro (2004, p. 25-28) sintetiza os pressupostos listados, apontando que a prova inequívoca é a que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade, sobre os fatos narrados, enquanto juízo de verossimilhança é aquele que permite chegar a uma verdade provável sobre os fatos, a um grau de plausibilidade elevado da versão narrada pelo autor.
3.2.4 Hipóteses de concessão
Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 98-99) ensina que, presentes os requisitos concorrentes do caput do artigo 273, a tutela antecipada pode ser concedida em três diferentes hipóteses: a do inciso I, a do inciso II, ou a do § 6º, ou seja, quando presentes um dos seguintes pressupostos alternativos: dano irreparável ou de difícil reparação; abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu; ou incontrovérsia de um dos pedidos formulados.
Para tanto, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 196) apontam que a medida antecipada pode ser concedida visando impedir a ocorrência dos males que podem ser acarretados pelo tempo do processo, sendo viável não apenas para evitar um dano irreparável ou de difícil reparação, nos termos do artigo 273, inciso I, como também para evitar que o tempo do processo seja distribuído entre as partes litigantes na proporção da evidência do direito do autor e da fragilidade de defesa do réu, como ocorre atualmente no inciso II e no §6º do dispositivo legal aludido.
No que concerne à primeira hipótese, prevista no inciso I do artigo 273, Teori Zavascki (2007, p. 77) e Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2013, p. 547) convergem em denominá-la de antecipação assecuratória, no sentido de que antecipa a tutela por haver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, visando segurança. Para o primeiro autor citado, trata-se de “situação que põe em xeque a utilidade prática da futura sentença ante o possível comprometimento do próprio direito afirmado na inicial”, de modo que antecipa-se assim a tutela em caráter provisório para preservar a possibilidade de concessão definitiva, se for o caso (ZAVASCKI, 2007, p. 77). Já para os demais juristas mencionados, a antecipação ocorre com fins de impedir que, no curso do procedimento, o bem da vida vindicado sofra um dano irreversível (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 547).
Para o ministro Luiz Fux (2008, p. 77), o dano irreparável necessário se manifesta na situação em que há impossibilidade de cumprimento da obrigação em outro momento, ou mesmo na inutilidade da procedência do pedido, exceto se antecipadamente satisfeito o direito material, ante o receio do estado de periclitação do direito. Segundo Teori Zavascki (2007, p. 80), o risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que enseja antecipação assecuratória é o risco concreto, e não o hipotético, atual e iminente no curso do processo com gravidade tal que é potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte.
Por sua vez, quanto à segunda hipótese, prevista no inciso II do artigo 273, tanto o ministro Teori Zavascki (2007, p. 78) quanto Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2013, p. 547) a caracterizam como antecipação punitiva. Ressaltam os autores, entretanto, que não se trata, propriamente, de punição, mas de instrumento que tem por sentido prestar jurisdição sem protelações indevidas. É tão somente uma sanção processual em face daquele que age de má-fé, comprometendo a celeridade na marcha regular do processo e a lealdade à que estão adstritas as partes. É, nas palavras de Carlos Augusto de Assis, a “tutela da seriedade da função jurisdicional” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA apud ASSIS, 2001, p. 176), em que se desprestigia uma conduta temerária e ilícita da parte adversa com a antecipação da tutela por fatos que comprometem, injustificadamente, a celeridade da prestação.
Nesse contexto, a defesa abusiva é aquela inconsistente, a que não apresentar objeções, defesa direta ou exceções materiais à pretensão deduzida. Também são abusivos os atos ou omissões protelatórios praticados no processo ou, ainda, fora dele, com repercussões negativas no regular andamento do feito, tais como a ocultação de prova, o não atendimento reiterado de diligência e a simulação de doença, segundo Teori Zavascki (2007, p. 81). Todavia, na lição precisa do ministro referido, o inciso II do artigo 273 encontra campo mais propício por ocasião da prolação da sentença, ou quando o processo chegar ao juízo de apelação, momentos em que se pode aferir se está havendo abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte ré.
Ademais, Luiz Fux (2008, p. 79) ressalta que o exame do juiz para concessão dessa medida se baseia essencialmente na evidência do direito, já que é injustificável esperar a decisão final após longo e oneroso procedimento nesse caso, por não se tratar de direito em estado de periclitação, em que não é necessária a análise de existência de periculum in mora.
Finalmente, no que tange à hipótese do §6º do art. 273 é, em verdade, uma espécie de tutela definitiva antecipada, baseada em juízo de certeza. Nesse caso, será concedida a medida antecipada sobre o objeto incontroverso do pedido, sobre o próprio mérito da causa, ainda que por decisão interlocutória, tratando-se de cisão do julgamento da causa com formação de coisa julgada material. Segundo Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 100), diferentemente do que ocorre nas demais hipóteses, a tutela antecipada é concedida com caráter de definitividade nessa situação, não podendo ser revogada nem modificada posteriormente pelo juiz, sendo possível apenas ao tribunal, em julgamento de recurso, cassar ou reformar a decisão que a concedeu.
Diante de todo esse contexto, percebe-se que a tutela provisória foi se diversificando pelas diversas alterações na prática forense e na legislação pátria, com requisitos, efeitos e características próprias da tutela antecipada, se comparada com a medida cautelar. Ademais, o acréscimo de hipóteses de concessão e de procedimentos diferenciados para a satisfação da tutela com base em cognição sumária se tornou complexo e desatualizado, com imprecisões terminológicas e impropriedades técnicas, de modo que a necessidade de mudanças na sistemática da lei processual resultou na elaboração do Novo Código de Processo Civil, o qual foi publicado em 2015.
4 AS MUDANÇAS NA TUTELA ANTECIPADA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A TUTELA PROVISÓRIA
Consoante já exposto, a tutela antecipada foi criada em 1994 e aprimorada em 2002, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista as demandas da sociedade por prestação jurisdicional provisória e satisfativa, em busca de celeridade judicial.
Não obstante, essa medida antecipada foi por diversas vezes desvirtuada ou mal interpretada na prática forense, com confusões quanto à sua aplicação em cotejo com a medida cautelar e a concessão de medida liminar. Dessa forma, o novo Código de Processo Civil buscou definir com precisão os elementos técnicos de cada instituto, trazendo novas nomenclaturas, pressupostos e hipóteses de cabimento para as espécies de antecipação dos efeitos da tutela.
A primeira mudança significativa é a definição de uma modalidade de tutela que abarcasse outras subespécies, o que se chamou de tutela provisória, prevista nos artigos 294 a 311 e que formam o Livro IV do novo Codex, em substituição ao que atualmente se denomina tutela antecipada. Na nova sistemática, tutela provisória é gênero, do qual são espécies a tutela de urgência, prevista no Título II do Livro IV, e a tutela de evidência, exposta no Título III do Livro IV, sendo que a tutela de urgência se subdivide ainda em sua forma antecipada e cautelar.
No entanto, para melhor conceituar essa prestação jurisdicional, bem como determinar detalhadamente as características, hipóteses de concessão e requisitos oriundos dessa alteração legislativa, é necessária análise sistemática dos dispositivos do novo Código de Processo Civil, especialmente no que concerne à tutela de evidência.
4.1 As diferenças e semelhanças entre tutela de urgência e evidência
Segundo Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2015, p. 568), três são as principais características da tutela provisória criada pela nova legislação processual, incluindo tanto a tutela de urgência quanto a de evidência: a cognição é sumária, a prestação jurisdicional é precária e a decisão prolatada é inapta a permitir a autoridade da coisa julgada material.
Ademais, a tutela provisória pode ser satisfativa ou cautelar, antecipando provisoriamente a satisfação do direito afirmado no primeiro caso ou acautelando o direito pleiteado no segundo. A primeira situação é a que o legislador de 2015 resolveu denominar tutela antecipada, cabível tanto em hipóteses de urgência ou de evidência, enquanto a segunda é a cautelar, somente em caso de urgência, na forma do art. 294 do novo Codex. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 569).
Em comum, ambas as tutelas, se concedidas, conservam sua eficácia durante o processo, mesmo que suspenso, embora possam a qualquer tempo serem revogadas ou modificadas, a teor do que dispõe o art. 296 da nova lei processual. Nos dois institutos, a tutela provisória será substituída, posteriormente, por uma decisão definitiva, que deve confirma-la ou modifica-la, por meio de sentença. Ademais, a legitimidade para requerer essas medidas é somente do autor, o qual deduz uma pretensão resistida em juízo, tal como na lei de 1973 (DIDER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 572).
Embora a nova legislação processual tenha inovado em grande parte quanto ao regime recursal, abolindo alguns recursos e dando nova feição a outros, a concessão ou o indeferimento das tutelas provisórias continua sendo impugnável pelo agravo de instrumento, conforme o artigo 1.015, inciso I, do novo Codex. Todavia, a sentença que confirma, concede ou modifica essa tutela passa a ser atacada por apelação sem efeito suspensivo, somente devolutivo.
Quanto a esse ponto, houve grande discussão no parlamento nacional acerca da manutenção do efeito suspensivo e devolutivo da apelação, em regra, no ordenamento jurídico. A vertente mantida no novo diploma processual foi de que esse recurso mantém seu duplo efeito usualmente, mas sem uma repetição idêntica da regra atual do Código de Processo Civil de 1973. Como exemplo, Humberto Theodoro Júnior et al (2015, p. 367) afirmam que é necessário conferir exequibilidade imediata às sentenças proferidas com base em entendimentos firmados em casos repetitivos ou súmulas vinculantes.
Além disso, uma diferença entre as tutelas é que em uma a concessão da medida baseia-se em urgência, enquanto a segunda se funda em evidência, de modo que a primeira medida pode ser cautelar ou antecipada, em caráter antecedente ou incidental, à luz do artigo 294 do novo diploma processual, mas a segunda não pode ser requerida em caráter antecedente.
É que o novel diploma processual ressalta a tendência de instituir a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela de evidência, com fundamento na necessidade de que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito, mas também nas hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva.
4.2 A tutela de urgência
A tutela de urgência, prevista nos artigos 300 a 310 da novel legislação processual civil, pode ser requerida em caráter antecedente ou incidental, seja com a satisfação do direito, hipótese que recebeu a denominação de tutela antecipada, ou somente com sua assecuração, medida de natureza cautelar.
Como requisitos, em ambos os casos, deve-se demonstrar a probabilidade do direito, o fumus boni iuris, e o perigo de dano ou de ilícito que possa comprometer o resultado útil do processo, o periculum in mora, consoante o artigo 300 do novo diploma processual. Nesse sentido, o legislador inovou ao romper as diferenças de requisitos para a medida cautelar e a tutela antecipada que existiam na sistemática do Código anterior. Ressalte-se, contudo, que embora a lei requeira a conjugação dos dois pressupostos citados para a concessão da medida, a prática não é tão rigorosa, já que “no dia a dia do foro, quanto mais ‘denso’ é o fumus boni iuris, com menor rigor se exige o periculum in mora; por outro lado, quanto mais ‘denso’ é o periculum in mora, exige-se com menor rigor o fumus boni iuris” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA apud COSTA, 2011, p. 166).
Além disso, consoante Sérgio Murilo Diniz Braga (2015, p. 15), essa tutela pode ser requerida pela parte em qualquer momento processual, podendo ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. Mas o jurista mencionado ressalta que pode o juiz, de acordo com as circunstâncias do caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para concessão da medida.
Uma novidade trazida pelo Código processual é a estabilização da tutela antecipada quando é concedida em caráter antecedente e não é impugnada pelo réu, litisconsorte ou assistente simples, por recurso ou outro meio de impugnação cabível. Se isso ocorrer, o processo é extinto e a decisão antecipatória mantém seus efeitos, enquanto não for ajuizada ação autônoma para revisá-la, reforma-la ou invalida-la, no prazo de dois anos.
Assim, na esteira do que ensinam de Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2015, p. 604), a inércia do réu diante do direito do autor verificado em cognição sumária autoriza a imediata e rápida efetivação de seu direito. É uma ampliação do procedimento monitório ao processo de conhecimento em geral, como por exemplo a uma prestação de fazer e não fazer, em uma generalização da técnica monitória.
No que tange à tutela de urgência antecedente, com caráter cautelar, tal como ocorre no âmbito do Código de Processo Civil de 1973 com as cautelares antecedentes, a exordial deverá indicar a lide, seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo para concessão da medida, de natureza não satisfativa. Nesse ponto, interessante ressaltar que foi mantida a sistemática do Código anterior no que tange à necessidade de, após concedida a tutela de urgência antecedente, formular pedido principal, sob pena de cessação da eficácia da medida, tendo como diferença o fato de que este pedido passa a ser formulado nos próprios autos do pedido liminar.
Em suma, no que concerne à tutela provisória de urgência, se esta for requerida como tutela antecipada, o autor somente deve indicar o pedido definitivo e expor sumariamente a causa de pedir, o direito pleiteado e o perigo de dano ou resultado útil ao processo. De modo diverso, caso seja requerida com caráter cautelar, é necessária a exposição sumária da causa de pedir, do perigo de dano e do direito que se buscar acautelar.
4.3 A tutela de evidência
Embora a nova lei processual preveja hipóteses de tutela de evidência em procedimentos especiais como a ação possessória, os embargos de terceiro e a ação monitória em seus artigos 562, 678 e 700, respectivamente, este trabalho terá enfoque somente à tutela de evidência genérica, prevista no art. 311 do novel diploma processual, o qual preceitua:
“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.” (BRASIL, 2015)
Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2015, p. 617-618) afirmam que a tutela de evidência, nos termos estabelecidos pelo legislador, pode ser concedida antecipadamente, de forma parcial ou total, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, já que a demora do processo gera agravamento do dano. Os autores referidos defendem, ainda, que a criação desse instituto visa à valorização e proteção do direito evidente, tendo em conta que o tempo necessário para a obtenção da tutela definitiva não deve ser suportado pelo titular de direito assentado em afirmações de fato comprovadas, que se possam dizer evidentes, sob pena de violação ao princípio da igualdade.
Para justificar esses efeitos, Tereza Arruda Alvim Wambier et al (2015, p.523) alegam que, em certas ocasiões, o direito invocado pelo autor detém tamanho grau de probabilidade que há evidência concreta desse direito, de modo que não se pode conceber outra hipótese que não um uma tutela excepcional para tal situação, sob pena de ocorrer verdadeira denegação de justiça e, até mesmo, acarretar sacrifício do direito da parte diante do tempo do processo.
Não obstante, os juristas referidos salientam que a tutela de evidência se trata de decisão pautada em cognição sumária, de caráter revogável ao longo do processo, não se confundindo com a faculdade que é dada ao juiz de julgar antecipadamente o mérito, consoante dispõe os artigos 355 e 356 do novo Codex. Sustentam, nesse sentido, que é possível à parte, se demonstrada a evidência de seu direito, a antecipação dos efeitos da tutela final ou mesmo uma tutela conservativa, sendo plenamente cabível uma tutela satisfativa fundada na evidência.
4.3.1 Conceito, características e requisitos
A tutela de evidência é uma técnica processual diferenciada, cabível se as afirmações de fato alegadas pela parte restarem suficientemente demonstradas, tratando-se do “direito evidenciado por provas” (FUX, 1996, P. 311 e 313). Esse novo instituto decorre do direito fundamental à duração razoável do processo, disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal de 1988, conforme lição de Bruno Vinícius Bodart (2014, p. 132-133).
Para Sérgio Murilo Diniz Braga (2015, p. 16), o ponto mais relevante da denominada tutela de evidência é que a sua concessão independe da demonstração de perigo de dano ou mesmo de risco ao resultado útil ao processo. Essa importante característica encontra fundamento, segundo o autor aludido, na busca pela satisfação dos direitos em tempo razoável, virtude pela qual anseia o jurisdicionado. O entendimento exposto coaduna com a exposição de motivos apresentada pela Comissão de Juristas encarregada de elaborar o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, in verbis:
“Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque [..], a demora do processo gera agravamento do dano”. (SENADO FEDERAL, 2010, p.25)
Noutro norte, no que tange aos requisitos para concessão dessa medida, Tereza Arruda Alvim Wambier et al (2015, p. 525) ensinam que, por ser uma tutela fundada exclusivamente na evidência do direito, não se cogita de periculum in mora como requisito para a sua concessão, consoante expressamente exposto no caput do art. 311 do novo Código de Processo Civil. Nesse sentido, Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2015, p. 618) sustentam que a evidência depende apenas de dois requisitos, quais sejam, a prova das alegações de fato e a probabilidade de acolhimento da pretensão processual. Assim, dispensa-se, por desnecessária, a demonstração de urgência ou perigo, já que o elevado grau de probabilidade das alegações, suficientemente provas, em detrimento da parte adversa e antevendo uma improbabilidade de êxito na resistência da pretensão, autorizam anteciparem-se os efeitos da tutela ao autor.
Ademais, quanto ao momento adequado para pleitear essa espécie de tutela provisória, a parte pode fazê-lo em diversos momentos do processo, desde que preenchidos os pressupostos necessários. Como exemplo, o enunciado nº 423 do Fórum Permanente de Processualistas Civis cita que, no novo Codex, cabe até mesmo “tutela de evidência recursal” (PORTAL PROCESSUAL, 2015, p. 59).
Nesse contexto, o parágrafo único do artigo 311 do novo diploma processual civil permite ao juiz lícito decidir liminarmente a tutela de evidência, initio litis e antes da apresentação da contestação, tão somente nas hipóteses previstas nos incisos II e III, quais sejam, quando houver prova exclusivamente documental apresentada pelo autor, acompanhada de tese firmada em casos repetitivos ou súmula vinculante, ou quando se tratar de pedido reipersecutório, fundado em prova documental do contrato de depósito. De forma diversa, nas demais hipóteses, referentes à defesa abusiva e/ou procrastinatória e à defesa inconsistente, somente após o exame da defesa apresentada pelo réu a providência pode ser adotada, até mesmo porque não cabe ao juiz intuir ou pressupor qual será a qualidade da defesa a ser apresentada pelo demandado (WAMBIER et al, 2015, p. 524).
Finamente, percebe-se da análise do novo Código de Processo Civil que, mesmo que preenchidos os requisitos necessários para a concessão da tutela de evidência, esta só pode ser concedida, em sua forma genérica, nas quatro hipóteses dos incisos I a IV do artigo 311 do novel diploma processual civil. Quanto a essas hipóteses, Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2015, p. 617-618) as dividem apenas em duas: a de abuso de direito de defesa do réu ou seu manifesto propósito protelatório, prevista no inciso I, e a documentada, quando há prova documental das alegações de fato da parte, que são aquelas previstas nos incisos II a IV. Não obstante, para o presente trabalho, serão examinadas especificamente cada uma das quatro hipóteses de cabimento da tutela provisória de urgência de forma separada.
4.3.2 Primeira hipótese de concessão: inciso I do artigo 311
O inciso I do artigo 311 determina a situação em que fica caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte. Para que se configure essa situação, deve haver um mau comportamento do réu, com consequente abuso do direito de defesa ou em propósito protelatório.
Cândido Rangel Dinamarco (2014, p. 47) define o abuso de direito como “a realização de atos aparentemente inerentes ao exercício de um direito subjetivo mas na realidade excedente aos poderes ou faculdades que esse direito legitimamente autoriza exercer”. Nesse sentido, a defesa deve ser abusiva, excessiva, anormal, inadequada, com o propósito de frustrar e/ou atrasar a prestação jurisdicional, mesmo que o réu apresente defesa técnica adequada, abarcando não só as peças confeccionadas a esse pretexto, como a contestação e a reconvenção, como também a conduta do réu na defesa de seus interesses (WAMBIER et al, 2015, p. 524-526).
Nesse contexto, a defesa stricto sensu pode até mesmo ser adequada tecnicamente, mas é possível se caracterizar o manifesto propósito protelatório pela conduta do demandado, por meio de artifícios processuais como insistir em discutir matéria já preclusa, repetir alegações indeferidas, fazer reiteradas cargas ou repetir recursos que foram inadmitidos, Por defesa, deve-se entender ainda qualquer manifestação abusiva da parte ré, tal como o recurso protelatório, a provocação de incidente processual infundado, a solicitação desnecessária de testemunha e a reiterada retenção dos autos por tempo delongado.
Ainda se mostra atual na sistemática do novo Codex o ensinamento do ministro Luiz Fux (2008, p. 78), segundo o qual “a ideia central da lei é demonstrar a expressiva evidência do direito do autor, de tal maneira que à defesa resta abusiva ou protelatória, porquanto ter como único escopo, postergar a satisfação dos interesses do titular do direito líquido e certo”. Ressalta o renomado autor, todavia, que nesse caso o juiz precisará conhecer a defesa do réu para concluir pela sua inconsistência em face do direito afirmado pelo demandante.
Essa hipótese é fundada na maior probabilidade de veracidade da posição jurídica do demandante, vez que a parte adversa exerce sua defesa sem seriedade ou consistência, sendo por isso apenada processualmente com o ônus da antecipação dos efeitos da tutela. Pune-se com ela a conduta temerária e ilícita do réu que visa procrastinar o feito e não cooperar com o deslinde da controvérsia (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 620-621).
Não obstante, ressalte-se que deve se tratar de caso protelatório que consiste em empecilho ao andamento do feito e que comprometa a celeridade do procedimento. Por isso, na sistemática do Codex anterior, mas com aplicação ainda atual, o ministro Teori Zavascki (2007, p. 78) ensina que, se o ato do réu for abusivo, mas não proporcionar retardamento ou impedimento dos atos processuais subsequentes, a medida antecipatória não se legitima.
Entretanto, ante a dificuldade em se estabelecer esses procedimentos, e a possibilidade que normalmente ocorre de que haja julgamento antecipado do mérito ante a dispensabilidade de outras provas a produzir, com base no art. 355, inciso I, essa hipótese de tutela provisória ganha mais relevância no campo de antecipação de tutela recursal, como exemplo ao permitir afastar o efeito suspensivo da apelação ao conferir eficácia imediata à sentença.
4.3.3 Segunda hipótese de concessão: inciso II do artigo 311
A segunda hipótese de concessão da tutela antecipada, disposta no inciso II do artigo 311, diz respeito à situação em que as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Nesse caso, a tutela de evidência é cabível com base na jurisprudência consolidada nos tribunais, podendo ser concedida initio litis ou em qualquer fase processual, pouco importando para a concessão da medida a atitude do réu (WAMBIER et al, 2015, p. 524).
São imprescindíveis, nesse contexto, um pressuposto fático e outro jurídico, que são a apresentação de prova documental ou documentada, como prova emprestada ou produzida antecipadamente, das alegações de fato da parte, e a existência de probabilidade de acolhimento da pretensão processual, fundada em tese jurídica já firmada em precedente obrigatório, tais como o enunciado de súmula vinculante, exposto no artigo 927, inciso II e o julgamento de recursos repetitivos disposto no artigo 927, inciso III, os quais vinculam o julgador.
Segundo Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2015, p. 626), inclusive teses firmadas em decisão de controle concentrado de constitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal podem embasar o requerimento de concessão da tutela de evidência, já que a razão de decidir que levou a uma decisão nesse sentido já abarcou amplo debate dos princípio argumentos possíveis acerca da temática. Humberto Theodoro Júnior et al (2015, p. 355) concordam com os autores supracitados, ao reforçar o caráter vinculante dessas decisões, convergindo com os juristas citados ao defenderem que essa tutela pode ser concedida com base em teses firmadas em súmulas vinculantes, em resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos, bem como em relação às súmulas do Pretório Excelso em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, em uma interpretação extensiva do art. 927, incisos I a IV.
Essa medida provisória tem razão pois a postulação fundada em fatos provados por prova pré-constituída, com fundamentação jurídica semelhante à tese já firmada em tribunais superiores, encontra-se em estado de evidência, não sendo razoável impor-lhe o ônus de suportar o tempo do processo. A decisão concessiva ainda deve ser fundamentada, com base no inciso V do § 1º do artigo 489 do novo Codex, e somente poderá deixar de seguir o precedente invocado pela parte se for demonstrada a existência de distinção no caso em julgamento ou mesmo a superação do entendimento jurisprudencial, vide o inciso VI do dispositivo citado (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015).
A inovação do novo Código de Processo Civil quanto à sistemática de precedentes obrigatórios e a tutela de evidência ocorreu tendo por base as paulatinas reformas que o diploma processual de 1973 sofreu, passando a adotar padrões decisórios liminares, como a técnica de julgamento liminar de improcedência de ações repetitivas do artigo 285-A, ou como os padrões de julgamento dos tribunais superiores na repercussão geral e no recurso especial repetitivo dos artigos 543-A, 543-B e 543-C daquele Codex (THEODORO JÚNIOR et al, 2015, p. 326).
No novel diploma processual essas técnicas são mantidas e aprimoradas, dimensionando-se e estruturando esse modelo jurisprudencial. Para tanto, devem ser escolhidos recursos que contenham todos os argumentos relevantes do caso para julgamento de recursos repetitivos, visando reforço da importância dos precedentes como fonte da aplicação do direito, “uma vez que um de seus principais instrumentos para viabilizar a formação destes padrões decisórios é o recurso” (THEODORO JÚNIOR et al apud BAHIA, 2012, p. 359-379).
Esses mecanismos, utilizados tanto na lei processual anterior quanto no novo diploma legal, se fundam na ideia de que não é mais possível um julgamento pontual, caso a caso, para demandas repetitivas, com a quantidade de procedimentos em tramitação atualmente no Brasil, com altas taxas de congestionamento. Humberto Theodoro Júnior et at (2015, p. 333) advertem que isso se dá, especialmente, “quando se percebe que alguns processos, da inicial ao último acórdão, são uma reprodução mecânica de peças, diante de sua quase completa identidade”.
Por fim, quanto ao incidente de resolução de demandas repetitivas, o novel diploma processual inseriu a possibilidade de sua instauração quando houver, simultaneamente, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e haja risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, com fundamento no Princípio da Previsibilidade. Sérgio Murilo Diniz Braga aponta como o incidente citado ocorrerá:
“A tese jurídica adotada no incidente será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive aqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região, bem como aos casos futuros que versem sobre idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, cabendo reclamação, em caso de inobservância da tese jurídica”. (BRAGA, 2015, p. 19)
4.3.4 Terceira hipótese de concessão: inciso III do artigo 311
O inciso III do artigo 311 preceitua que a tutela de evidência é cabível em face de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob pena de multa. Exige-se, com o novo Código de Processo Civil, prova adequada do contrato de depósito, além da mora do devedor ou o advento do termo certo. Além disso, caso concedida a tutela, permite-se apenas a entrega do objeto custodiado, a tutela específica da obrigação, e não a tutela genérica pelo seu equivalente em dinheiro, já que se trata-se de pedido reipersecutório, ou seja, de entrega de coisa, e não pedido de condenação em quantia. A conversão em perdas e danos pressupõe cognição mais aprofundada, não sendo cabível sob a técnica de tutela provisória.
Para essa hipótese de tutela de evidência, o legislador extinguiu o procedimento especial de depósito, antes previsto nos artigos 901 a 906 da legislação processual de 1973, para admitir a obrigação de restituir coisa decorrente de contrato de depósito via procedimento comum. Mas preservou-se a técnica especial de tutela provisória do artigo 902 daquela lei, que permitia que se o contrato de depósito fosse objeto de prova literal se admitisse a tutela provisória da obrigação correspondente (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 427-428).
Em verdade, na sistemática processual anterior, caso houvesse negativa da devolução de bem e de prova literal do depósito, o depositante poderia ingressar com ação de depósito buscando compelir o depositário a lhe devolver o bem, nos termos do artigo 902 daquela lei. O novo Codex previu essa mesma situação como uma espécie de tutela de evidência, eliminando o procedimento específico para obter a tutela jurisdicional consistente na entrega do bem e prevendo a possibilidade de cominação de multa para a não entrega, devendo o depositante apresentar prova documental do contrato de depósito, segundo Tereza Arruda Alvim Wambier et al (2015, p. 526). Ademais, o contrato de depósito continua regido pelas disposições dos artigos 627 e seguintes do Código Civil, em que o depositário tem por obrigação guardar o bem e conservá-lo, como se seu fosse, obrigando-se a restituí-lo, com seus respectivos frutos, ao depositante.
4.3.5 Quarta hipótese de concessão: inciso IV do artigo 311
Finalmente, a hipótese de concessão prevista no inciso IV do artigo 311 do novo Código de Processo Civil é aquela em que a petição inicial é instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Essa medida requer do autor prova documental suficiente e idônea para a comprovação dos fatos constitutivos por ele alegados e, cumulativamente, necessita que o réu não apresente prova capaz de gerar dúvida razoável, ou seja, não pode haver prova consistente do réu diante de prova literal do autor. Desse modo, o juiz deve constatar, pelas circunstâncias do caso, a inconsistência da defesa, a falta de argumentos verossímeis que desconstituam a comprovação documental do autor (WAMBIER et al, 2015).
Trata-se de hipótese diversa da intenção procrastinatória ou do abuso do direito de defesa previstos no inciso I do dispositivo em comento. Tereza Arruda Alvim Wambier et al (2015, p. 526) sustentam que é situação em que se pode admitir a prova emprestada, produzida noutro processo sob o crivo do contraditório, para demonstrar documentalmente o fato constitutivo do seu direito. Também não há dúvidas de que essa hipótese é diferente do pedido incontroverso, a qual o novo Código de Processo Civil trata como julgamento antecipado parcial de mérito, nos termos do art. 356. Nesse sentido, a nova sistemática processual entende que a incontrovérsia, ao contrário do que ocorrida no §6º do artigo 273 do Codex anterior, não mais é hipótese de antecipação dos efeitos da tutela, de natureza provisória, e sim de julgamento desde já do próprio mérito da questão, ainda que seja por meio de decisão interlocutória.
Interessante ressaltar o entendimento de Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael de Oliveira (2015, p. 628-629), os quais entendem que essa situação necessariamente ocasionará o julgamento antecipado de mérito, de modo que o dispositivo somente teria utilidade para eliminar o efeito suspensivo da apelação que vier a ser interposta ante a sentença que concede, revoga ou confirma essa tutela.
5 CONCLUSÃO
O legislador de 2015 buscou com as alterações nos regimes das tutelas provisórias dar maior efetividade ao inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que preceitua que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, inclusive com a importância crescente na sociedade brasileira de efetividade no provimento jurisdicional.
Com a extinção de um livro de medidas cautelares típicas, unindo essa forma de tutela baseada em cognição sumária a hipóteses de tutela antecipada que garantem a plena satisfação do direito pleiteado, o novo diploma processual inova também ao romper as diferenças de requisitos para a medida cautelar e a tutela antecipada do artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973, sob a forma do novo instituto da tutela provisória de urgência.
Mais importante que essa distinção teórica e legislativa, contudo, é a instituição de novas hipóteses de antecipação dos efeitos da tutela com base em requisitos que demonstram tão somente a evidência do direito, prescindindo assim da necessidade de comprovação de periculum in mora para a prestação jurisdicional célere em situações que permitem a efetividade da pretensão deduzida, como as que permitem a concessão de tutela provisória de evidência.
Merece destaque, dentre as hipóteses concessivas dessa espécie de tutela jurisdicional, a que permite o deferimento até mesmo liminar de medida satisfativa, em casos de comprovação documental do direito alegado pelo autor com base em tese jurídica firmada em jurisprudência consolidada em demandas repetitivas julgadas ou súmulas vinculantes, com fulcro no inciso II do artigo 311 do novo Código de Processo Civil.
Ademais, a nova disposição do procedimento comum ordinário traz o fortalecimento da executividade imediata das sentenças proferidas após a concessão de tutela provisória, ao conferir apenas o efeito devolutivo ao recurso cabível para impugnar esse decisum, que continua sendo a apelação, dentre diversas outras novidades, tal como o incentivo às formas de resolução alternativas de resolução de conflitos em todas as fases processuais.
Analisando-se as novas disposições da nova legislação processual, não se pode afirmar, desde já, que as inovações trazidas poderão de fato acelerar a prestação jurisdicional e promover a tutela do bem da vida vindicado de modo menos moroso, cabendo ainda à doutrina o pleno entendimento do novel diploma processual civil e, especialmente, à jurisprudência definir na prática a forma de aplicação dos novos institutos, após o período de vacatio legis definido pelo legislador.
Não obstante, em uma análise prefacial vislumbra-se que os longos debates em torno do novo Codex, que ocorreram por pelo menos cinco anos e que estão ainda em fase inicial, foram profícuos para produzir uma sistemática mais coesa e atualizada dos institutos de tutela baseada em cognição sumária, especialmente quando se analisa a partir de uma retrospectiva histórica de como se iniciou o instituto da antecipação dos efeitos da tutela.
Nesse sentido, parece razoável supor que a delimitação mais precisa dos instrumentos e medidas hábeis para a assecuração e a satisfação dos direitos de forma mais ágil, com distinção clara entre os requisitos, características e hipóteses de cabimento, tende a trazer benefícios para o jurisdicionado e para os envolvidos na utilização diária do processo civil pátrio.
Saliente-se, por oportuno, que somente o decurso do tempo, com novas obras sobre o novo Código de Processo Civil e com julgamentos proferidos com base nele, estabelecendo paradigmas e entendimentos a serem seguidos, permitirá apontar se essa importante inovação legislativa de fato teve efeitos práticos benéficos para a prestação jurisdicional efetiva, notadamente a que se utiliza das técnicas de tutela provisória, como a tutela da evidência.
Informações Sobre os Autores
Marcelo Cardoso dos Santos
Advogado graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e especializado em Direito pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG
Camilli Barcelos Fernandes
Possui graduação em Administração Pública na Escola de Governo da Fundação João Pinheiro 2015 e é servidora estatutária na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado de Minas Gerais. Atuou na Superintendência Central de Coordenação Geral da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão junto à Diretoria Central de Avaliação de Projetos e Captação de Recursos e atualmente integra a Secretaria Executiva da Câmara de Orçamento e do Estado de Minas Gerais
Paulo Sérgio Mendes César
Doutorando em Ciência Política pela UFMG mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro especializado em Direito Público pela UCDB Graduado em Direito pela UFMG e em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor universitário advogado e servidor público estadual na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais