Gustavo Bertho Zimiani – Especialista em Direito Processual Penal. Ex-servidor do Ministério Público do Estado de São Paulo. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected].
Resumo: A discussão acerca dos métodos alternativos de resolução de conflitos intensificou-se nos últimos anos, fruto da busca incessante pela efetivação do acesso à Justiça. Em matéria penal, os reflexos destas iniciativas são notáveis, como se vê com a recente introdução do acordo de não persecução no âmbito processual penal. Não se pode olvidar, porém, que foi com a Lei 9.099/95 que se apresentou a denominada “justiça penal consensual”, materializada nos institutos da composição dos danos civis, transação penal e suspensão condicional do processo, todos previstos na Lei dos Juizados, e que são objetos do presente estudo. Assim, tendo como referência a Lei 9.099/95, que introduziu o modelo consensual penal pátrio, são apresentados os principais aspectos dos já mencionados institutos de justiça penal consensual. Ao final, conclui-se no sentido de que as alternativas fundadas no consenso são de significativa importância para o sistema jurídico, e representam um grande avanço na estrutura do Poder Judiciário na busca da concretização do direito de acesso à Justiça em matéria penal.
Palavras-chave: Lei 9.099/95. Justiça Penal Consensual. Composição dos Danos Civis. Transação Penal. Suspensão Condicional do Processo.
Abstract: The discussion about alternative methods of conflict resolution has intensified in recent years, as a result of the incessant search for effective access to Justice. In criminal matters, the reflexes of these initiatives are remarkable, as can be seen with the recent introduction of the non-persecution agreement. However, it cannot be forgotten that it was with Law 9.099/95 that the so-called “consensual criminal justice” appeared, materialized in the institutes of the composition of civil damages, criminal transaction and conditional suspension of the process, which are objects of the present study. Thus, having Law 9.099/95 as a reference, which introduced the national criminal consensual model, the main aspects of the aforementioned consensual criminal justice institutes are presented. In the end, it is concluded that the alternatives based on consensus are of significant importance to the legal system, and represent a major advance in the structure of the Judiciary in the pursuit for the realization of the justice’s access right in criminal matters.
Keywords: Law 9.099/95. Consensual Criminal Justice. Composition of Civil Damage. Criminal Transaction. Conditional Suspension of the Process.
Sumário: Introdução. 1. Da Composição dos Danos Civis. 1.1 O Instituto/Procedimento. 1.2 Efeitos: Ação Penal Privada. 1.3 Efeitos: Ação Penal Pública Condicionada à Representação. 1.4 Efeitos: Ação Penal Pública Incondicionada. 2. Da Transação Penal. 2.1 O Instituto. 2.2 Requisitos. 2.3 Procedimento. 2.3.1 Consequências: Não Oferecimento. 2.3.2 Sentença Homologatória. 2.3.3 Recurso. 2.3.4 Consequências: Descumprimento. 3. Da Suspensão Condicional do Processo. 3.1 O Instituto. 3.2 Requisitos. 3.3 Procedimento. 3.3.1 Aplicabilidade: Ação Penal Privada. 3.3.2 Consequências: Não Oferecimento. 3.3.3 Desclassificação/Procedência Parcial. 3.3.4 Aceitação da Proposta. 3.3.5 Recurso. 3.4 Condições. 3.5 Revogação. 3.5.1 Revogação Obrigatória. 3.5.2 Revogação Facultativa. 3.6 Extinção da Punibilidade. Conclusão. Referências.
Introdução
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 98, inciso I, permitiu a criação dos Juizados Especiais Criminais, com competência para julgar as “infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.
De acordo com Lima (2019), ao inserir tal previsão no texto da Carta Magna, o constituinte teve por objetivos: conferir maior celeridade e informalidade à prestação jurisdicional no tocante aos delitos de menor gravidade, evitando a prescrição; revitalizar a figura da vítima; estimular a solução consensual dos processos penais; e, ao mesmo tempo, permitir que a Justiça Criminal conte com maior disponibilidade de tempo para cuidar com mais atenção da criminalidade grave, reduzindo-se a escandalosa impunidade.
O referido art. 98, I, da Constituição Federal, foi regulamentado pela Lei 9.099, publicada em 26 de setembro de 1995, em vigor desde o dia 26 de novembro daquele ano, e que instituiu um novo modelo de justiça criminal, na qual passam a ser adotados os seguintes institutos: acordo civil, transação penal e suspensão condicional do processo.
Com efeito, com o advento da Lei 9.099/95, inaugurou-se uma nova espécie de jurisdição no processo penal: a jurisdição consensual, que estimula o acordo entre os litigantes, a reparação amigável do dano, a aplicação de pena não privativa de liberdade, e procura evitar, tanto quanto possível, a instauração de um processo penal.
A partir dela, e como alternativa ao modelo condenatório de processo, cuja característica é a imposição das penas, propõem-se novas soluções para as denominadas infrações penais de menor potencial ofensivo, já introduzidas acima, e que serão estudadas a seguir: composição dos danos civis, transação penal e suspensão condicional do processo.
- Da Composição dos Danos Civis
1.1 O Instituto/Procedimento
Um dos objetivos declarados da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95) é a reparação dos danos sofridos pela vítima, sempre que possível (art. 62). Daí a importância da composição civil dos danos, que pode ser feita nas infrações que acarretem prejuízos materiais, morais ou estéticos à vítima.
Bonfim (2019) indica que a composição civil dos danos poderá ocorrer tanto na audiência preliminar quanto no dia marcado para a audiência de instrução e julgamento, imediatamente antes de seu início, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de conciliação, e será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação (art. 73, “caput”, Lei 9.099/95).
Na composição civil dos danos, estão em jogo interesses patrimoniais e, portanto, de natureza individual disponível. Consequentemente, não há, em regra, necessidade de intervenção do Ministério Público.
Lima (2019) destaca que, na conciliação, a composição dos danos pode ocorrer entre os seguintes sujeitos: autor do fato e vítima, representante legal do autor do fato e ofendido, responsável civil e vítima, responsável civil e representante legal do ofendido.
Obtida a conciliação, será homologada pelo Juiz togado, em sentença irrecorrível, e terá eficácia de título executivo a ser executado no juízo cível competente (art. 74, “caput”, Lei 9.099/95).
Segundo Monteiro (2010), a execução da sentença homologada pelo Juiz será realizada no Juízo Cível Comum ou no Juizado Especial Cível, podendo se processar perante este último se o valor do acordo da composição dos danos for de até 40 (quarenta) salários-mínimos.
Não havendo a composição, ou se for celebrado o acordo em infrações penais de ação penal pública incondicionada, o Ministério Público ou o ofendido poderão prosseguir com a formulação de proposta de transação penal, instituto objeto de posterior aprofundamento.
Ainda, tratando-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, caso frustrada a composição dos danos, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo (art. 75, “caput”, Lei 9.099/95).
Não o fazendo, não se cogitará de decadência, uma vez que o direito de representação não se esgota na audiência, podendo ser exercido dentro do prazo decadencial de seis meses, previsto no artigo 38 do Código de Processo Penal (art. 75, parágrafo único, Lei 9.099/95).
O aludido art. 75 da Lei 9.099/95 não faz referência às hipóteses em que se deva proceder mediante ação penal privada. Apesar do silêncio da Lei, é certo que, não obtida a composição dos danos civis, pode o ofendido ou seu representante legal, por intermédio de advogado, oferecer a queixa-crime oral na própria audiência preliminar, se já dispuser dos elementos de informação necessários à instauração do processo, nos termos do art. 77, § 3°, da Lei dos Juizados.
Caso deixe de fazê-lo, também não se cogitará de decadência, uma vez que o direito de queixa, assim como o direito de representação, não se esgota na audiência, podendo ser exercido dentro do prazo decadencial de que trata o art. 38 do Código de Processo Penal.
Como se vê, a composição dos danos civis poderá ser celebrada independentemente do tipo de ação penal envolvida (pública incondicionada, pública condicionada ou privada). Não obstante, os efeitos provocados pela homologação do acordo serão distintos em cada uma das hipóteses, conforme apontado a seguir.
1.2 Efeitos: Ação Penal Privada
Para crimes de ação penal de iniciativa privada, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa, com a consequente extinção da punibilidade, nos termos do art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95, combinado com o art. 107, V, do Código Penal.
Ademais, por força do princípio da indivisibilidade, a renúncia decorrente da composição dos danos civis estende-se a coautores e partícipes do fato delituoso, ainda que alguns deles não estejam presentes na audiência preliminar.
1.3 Efeitos: Ação Penal Pública Condicionada à Representação
Tratando-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado também acarreta a renúncia ao direito de representação (art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95).
Apesar de a renúncia ao direito de representação não constar expressamente do rol das causas extintivas da punibilidade do art. 107 do Código Penal, Lima (2019) pontua que o inciso V do art. 107 do referido diploma normativo deve ser interpretado de forma extensiva, para abranger, também, a renúncia ao direito de representação como causa extintiva da punibilidade.
Isso porque, a partir do momento em que o art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95, indica que a composição civil dos danos acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação, infere-se que ambas as renúncias devem ter a mesma consequência jurídica, qual seja, a extinção da punibilidade.
Por fim, cabe destacar que, nas duas situações (ação penal privada e pública condicionada à representação), o não cumprimento do acordo não restitui à vítima o direito de queixa ou de representação, restando ao ofendido apenas a possibilidade de executar o título executivo judicial obtido com a homologação transitada em julgado.
1.4 Efeitos: Ação Penal Pública Incondicionada
Já nos casos de crimes de ação penal pública incondicionada, a celebração do acordo não acarretará a extinção da punibilidade. Servirá apenas para antecipar a certeza acerca do valor da indenização, e, por consequência, viabilizar imediata execução no juízo civil competente.
Logo, mesmo com a celebração da composição civil, será possível o oferecimento de proposta de transação penal ou até de denúncia por parte do legitimado para a ação penal.
- Da Transação Penal
2.1 O Instituto
Superada a fase da composição civil do dano, segue-se à da transação penal, prevista no art. 76, “caput”, da Lei 9.099/95: “Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”.
De acordo com Capez (2018), a transação penal consiste em um acordo celebrado entre o representante do Ministério Público e o autor do fato, pelo qual o primeiro propõe ao segundo uma pena alternativa (não privativa de liberdade), dispensando-se a instauração do processo. Nessa toada, a transação penal, amparada pelo princípio da discricionariedade regrada, representa uma faculdade do órgão acusatório, que pode dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la sob certas condições, atenuando o princípio da obrigatoriedade.
2.2 Requisitos
A proposta de pena alternativa somente poderá ser formulada se satisfeitas as exigências legais. Esta é a conclusão que se extrai da denominada “discricionariedade regrada” do órgão acusatório.
Os requisitos para a celebração do acordo penal estão previstos no art. 76, “caput”, e §§ 2º e 3º, da Lei 9.099/95. Exige-se, em suma:
- a) infração penal de menor potencial ofensivo;
A infração penal deve ser de menor potencial ofensivo, assim compreendidas as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial (art. 61, Lei 9.099/95).
Neste ponto, vale relembrar que a disciplina prevista na Lei 9.099/95 não se aplica aos crimes militares, pouco importando que a pena máxima cominada a tais delitos seja igual ou inferior a dois anos (art. 90-A, Lei 9.099/95).
O mesmo ocorre em relação às infrações penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, enquadradas nos arts. 5º e 7º da Lei 11.340/06. Nestes casos, qualquer que seja a pena prevista, também não serão aplicadas as regras da Lei 9.099/95 (art. 41, Lei 11.340/06).
Em consonância com a vedação legal em questão, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 536, afastando a aplicação dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo aos crimes sujeitos à Lei 11.340/06: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.”.
Resumidamente, em ambos os casos citados (crimes militares e crimes com violência doméstica e familiar contra a mulher), não se admite a aplicação de qualquer regra da Lei 9.099/95, de modo que não caberá o deferimento de transação penal, independentemente de se tratar, em tese, de infração de menor potencial ofensivo.
- b) contravenção penal, crime de ação penal pública incondicionada, ou crime de ação penal pública condicionada à representação;
De acordo a interpretação literal do texto da lei, a proposta de transação penal só poderia ser oferecida em relação aos crimes de ação penal pública incondicionada e condicionada à representação, além das contravenções penais.
Em verdade, quanto aos crimes de ação penal privada, é grande a divergência doutrinária acerca da aplicabilidade do instituto da transação penal.
Capez (2018) defende que a transação penal não é cabível em crime de ação penal de iniciativa privada, ressaltando que, por aplicação do princípio da disponibilidade, a todo tempo o ofendido poderá, por outros meios (perdão e perempção), desistir do processo, mas ele não tem autoridade para oferecer nenhuma pena, limitando-se a legitimidade que recebeu do Estado à mera propositura da ação.
A seu turno, Tourinho Filho (2012) afirma não haver óbice de ordem legal para sua aplicação nos crimes de ação privada. Para tanto, identifica que se trata de instituto benéfico ao réu, não se justificando a exclusão dos crimes de alçada privada. Explica, ainda, que, se o querelante pode exercer o direito de queixa, requerendo a condenação do querelado, também poderia formular proposta de transação penal. Com isso, rechaça a tese de que, como o ofendido visa à satisfação dos danos, e não à inflição de “pena”, estaria impedido de formular a proposta de que trata o art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais, pois tal entendimento levaria o intérprete a não admitir a ele o próprio exercício do direito de queixa.
Lima (2019) compartilha do entendimento de Tourinho Filho (2012), e aproveita para reforçar que, como a titularidade da ação penal privada é do ofendido ou de seu representante legal, a proposta de transação penal só pode ser oferecida pela vítima (querelante), sob pena de verdadeira usurpação de seu direito de queixa, do qual o Ministério Público não é o titular.
- c) não ser caso de arquivamento do termo circunstanciado;
Trata-se de requisito expressamente previsto pelo art. 76 da Lei 9.099/95, segundo o qual a proposta de transação penal só deve ser oferecida quando não for caso de arquivamento do termo circunstanciado.
Tal solução (arquivamento do termo circunstanciado) se apresenta recomendável nas seguintes hipóteses, que inadmitem, por consequência, o oferecimento de transação penal: ausência de pressuposto processual ou de condição para o exercício da ação penal; falta de justa causa para o exercício da ação penal; atipicidade da conduta; existência manifesta de causa excludente da ilicitude; existência manifesta de causa excludente da culpabilidade, salvo a inimputabilidade; existência de causa extintiva da punibilidade.
- d) não ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
O presente requisito leva à conclusão de que anterior condenação à pena restritiva de diretos ou multa pela prática de crime, ou prévia condenação pela prática de contravenção, não são óbices à concessão da transação penal.
- e) não ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, pela transação penal;
Se o agente tiver se valido anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, por outra transação penal, ficará impedido de obter nova proposta.
- f) antecedentes, conduta social, personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias do delito favoráveis ao agente;
Não será admitida a proposta se ficar comprovado não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do delito, ser necessária e suficiente a adoção da transação penal.
- g) aceitação da proposta por parte do autor da infração e de seu defensor.
Reza o art. 76, §3º, da Lei 9.099/95, que a proposta de transação penal deve ser aceita pelo autor da infração e seu defensor para ser submetida à apreciação do Juiz.
2.3 Procedimento
Presentes os requisitos acima referidos, a proposta de transação penal deve ser formulada pelo respectivo titular da ação penal. Nas hipóteses de ação penal pública, a proposta deve ser formulada exclusivamente pelo Ministério Público, sendo incabível qualquer interferência da vítima ou de seu representante legal.
Se a ação for condicionada à representação do ofendido ou de natureza privada, a existência da composição civil do dano impede a transação penal, visto que haverá extinção da punibilidade. Em se tratando de ação penal incondicionada, pouco importa tenha ou não ocorrido o acordo civil, pois este não será considerado causa extintiva da punibilidade.
A transação penal pode ser oferecida oralmente ou por escrito, e deve consistir na imediata aplicação de pena restritiva de direitos ou multas, submetendo-se a proposta à apreciação do autor do fato delituoso e de seu defensor.
Conforme já destacado, há necessidade de aceitação da proposta pelo autor da infração e seu defensor, com subsequente apreciação pelo Juiz competente.
Havendo divergência entre o autor do delito e seu defensor, deve prevalecer a vontade daquele, aplicando-se subsidiariamente o quanto disposto no art. 89, §7º, da Lei dos Juizados, que trata da suspensão condicional do processo.
Aceita a proposta, esta será submetida à apreciação do Juiz, o qual não está obrigado a homologar o acordo, devendo analisar a legalidade da proposta e da aceitação.
Caso a transação penal não seja aceita pelo acusado e por seu defensor, deve o Ministério Público ou o ofendido oferecer a inicial acusatória oralmente, com o consequente prosseguimento do feito.
Ademais, cabe consignar que, durante o curso de um processo inicialmente deflagrado sobre uma infração de médio ou maior potencial ofensivo, é possível que, em função da alteração da classificação do fato delituoso, a nova capitulação seja tida como infração de menor potencial ofensivo, passando a admitir, então, a concessão da transação penal.
2.3.1 Consequências: Não Oferecimento
Até o advento da Lei 13.694/19, conhecida como “Pacote Anticrime”, predominava o entendimento que, se o Ministério Público não oferecesse a proposta de transação penal, quando cabível, ou se o Juiz discordasse de seu conteúdo, este deveria aplicar, por analogia, o disposto no art. 28 do Código de Processo Penal.
Caberia ao magistrado, então, remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, para a adoção de uma das seguintes opções: designação de outro Promotor para formular a proposta; alteração do conteúdo daquela que tivesse sido formulada; ratificação da postura do órgão ministerial de primeiro grau, caso em que a autoridade judiciária estaria obrigada a homologar a transação.
Diversamente, Tourinho Filho (2012) defendia que, diante da inércia injustificada do titular da ação, poderia o próprio Juiz substitui-lo na formulação da proposta de transação penal ao autor da infração penal de menor potencial ofensivo:
“Pensamos que se o Promotor não formular a proposta por motivos disparatados, poderá fazê-la o Juiz, e, havendo aceitação, será a pena imposta, dando-se recurso ao interessado. E se se tratasse de crime de ação privada e o querelante não a formulasse? Impossível a aplicação da regra do art. 28 do CPP. Em face disso, não vemos razão séria e intransponível a impedir a iniciativa do Juiz quando o titular do jus persequendi, por motivo desarrazoado, ou sem justificativa fundamentada, não quiser formular a proposta. […]
Na verdade, satisfeitas as exigências legais, o autor do fato tem direito público subjetivo em relação ao benefício que lhe acarreta a transação e, por isso mesmo, não poderá ele ficar à mercê da boa ou má vontade do Ministério Público. Não se duvida seja o MP o titular da ação penal e que a iniciativa para a transação parta dele. E se ele, injustificadamente, não formular a proposta? Com a adoção do instituto da transação, pretendeu o legislador agilizar a Justiça, dar-lhe andamento célere nas infrações de pouca monta e, ao mesmo tempo, apresentar pronta resposta do Estado à criminalidade anã. Ademais, se o “processo” no Juizado Especial é orientado, dentre outros princípios, pelo da informalidade, parece-nos que não se deve levar a ferro e fogo a questão da titularidade da ação penal. O Juiz não pode requisitar instauração de inquérito, produzir provas, decretar prisão preventiva de ofício, conceder habeas corpus? Se tudo isso é possível, por que cargas d’água, num processo orientado pela informalidade, não pode o Juiz corrigir a intransigência do Promotor? Por que deveria o Juiz aplicar o art. 28 do CPP, que, em rigor, não guarda relação com a hipótese? E se se tratar de crime de ação privada? Como deveria o Juiz proceder ante a recusa injustificada do querelante? O entendimento majoritário, contudo, é no sentido de que, não sendo feita a proposta pelo Ministério Público, deve ser aplicada a regra do art. 28 do CPP.” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 120-121)
Tal posição, isolada na doutrina penal, já era rebatida por Renato Brasileiro de Lima (2019): “Sob o argumento de se tratar de direito público subjetivo do autor do fato delituoso, não se defere ao juiz a possibilidade de conceder de ofício a transação penal contra a vontade do Ministério Público ou do querelante. Não cabe ao juiz, que não é titular da ação penal, substituir-se ao órgão ministerial ou ao querelante para formular de ofício a proposta de transação penal, sob pena de evidente violação ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal.” (LIMA, 2019, p. 1502)
Ocorre que, com as modificações operadas pela Lei 13.694/19, o mecanismo previsto no aludido art. 28 do Código de Processo Penal sofreu profunda alteração, eliminando a avaliação, pelo Juiz, do arquivamento de procedimentos investigatórios, nos seguintes termos: “Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.”.
Embora a nova redação do dispositivo esteja com sua eficácia suspensa atualmente, as soluções para a indevida ausência de proposta de transação penal já estão sendo reavaliadas a nível doutrinário.
Nesse contexto, Aury Lopes Junior (2020) bem adianta as possíveis alternativas para a resolução da questão, que pouco diferem daquelas aventadas antes da inovação legislativa:
“Pensamos que poderá continuar sendo aplicado o art. 28, mas com sua nova sistemática, não mais o juiz enviando para o procurador-geral, mas sim com um pedido de revisão (prazo de 30 dias do conhecimento da recusa) por parte do imputado para o órgão revisor do MP.
[…]
Em que pese ser esse o entendimento que era prevalente antes da reforma e que arriscamos dizer que seguirá assim, não descartamos outra opção: o juiz oferecer a transação penal. Explicamos. Como se trata de direito público subjetivo do imputado, presentes os requisitos legais, ele tem direito aos benefícios da transação. Não se trata, sublinhe-se, de atribuir ao juiz um papel de autor, ou mesmo de juiz-ator, característica do sistema inquisitório e incompatível com o modelo constitucional-acusatório por nós defendido. Nada disso. A sistemática é outra. O imputado postula o reconhecimento de um direito (o direito à transação penal) que lhe está sendo negado pelo Ministério Público, e o juiz decide, mediante invocação. O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu, ou seja, sua verdadeira missão constitucional.” (LOPES JUNIOR, 2020, p. 1202-1203)
2.3.2 Sentença Homologatória
Capez (2018) elenca os seguintes requisitos da sentença homologatória da transação penal: descrição dos fatos tratados; identificação das partes envolvidas; disposição sobre a pena a ser aplicada ao autor do fato; data e assinatura do Juiz.
Indica, ainda, os efeitos da homologação da transação, que merecem o devido destaque: não gera reincidência; não gera efeitos civis, não podendo, portanto, servir de título executivo no juízo cível; não gera maus antecedentes, nem constará da certidão criminal; esgota o poder jurisdicional do magistrado, que não mais poderá decidir sobre o mérito do caso, a não ser em embargos declaratórios, ressalvada a hipótese de descumprimento posterior da prestação pactuada, quando a jurisdição consensual cederá lugar para a conflituosa; na hipótese de concurso de agentes, a transação efetuada com um dos coautores ou partícipes não se estende nem se comunica aos demais.
Da decisão homologatória da transação cabe apelação no prazo de dez dias (art. 76, §5º, Lei 9.099/95).
Embora a Lei 9.099/95 não se refira à sentença não homologatória, no entendimento de Capez (2018), também caberá apelação, pois se trata de decisão que encerra uma fase do procedimento sem julgamento de mérito, portanto compreendida como sentença com força de definitiva, podendo ser aplicado subsidiariamente o art. 593, II, do Código de Processo Penal.
Renato Brasileiro de Lima (2019) compartilha de tal entendimento, e aproveita para ressaltar que a apelação poderá ser julgada por turma composta de três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado, e deve ser interposta no prazo de 10 (dez) dias por meio de petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente (art. 82 da Lei 9.099/95).
Lima (2019) introduz, ainda, a existência de controvérsia quanto à legitimidade recursal do assistente de acusação para se insurgir contra a decisão homologatória da transação penal, na medida em que o titular do jus puniendi é o Estado, e não a vítima do delito. Posiciona-se, então, favoravelmente à legitimidade recursal do assistente, pelos motivos a seguir transcritos:
“Sem embargo de opiniões em sentido contrário, pensamos que o assistente tem sim interesse em impugnar eventual decisão homologatória da transação penal se acaso presente algum motivo que impeça a celebração do acordo. Ora, se o autor do fato delituoso não faz jus à transação penal, é evidente o prejuízo causado à vitima diante de um acordo indevidamente homologado pelo juiz, já que a transação penal não produz efeitos civis, do que sobressai a necessidade de o interessado propor a ação adequada no juízo cível (Lei n° 9.099/95, art. 76, § 6°). Em outras palavras, se o autor do fato delituoso não faz jus à transação penal, devia ter havido o oferecimento da peça acusatória, com a possibilidade de prolação de um decreto condenatório, e consequente formação de título executivo judicial capaz de satisfazer os interesses da vítima. No entanto, se o benefício foi indevidamente concedido ao autor do fato delituoso, ver-se-á o acusado obrigado a dar início a um processo no cível, objetivando a reparação do dano causado pelo delito.” (LIMA, 2019, p. 1507)
2.3.4 Consequências: Descumprimento
Tema que já provocou calorosos debates na doutrina e na jurisprudência refere-se às consequências do descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos imposta por via da transação penal. Hoje, a controvérsia está pacificada pela Súmula Vinculante nº 35: “A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.”.
Esse já era o entendimento de Capez (2012): “Em caso de descumprimento da pena restritiva de direitos imposta em virtude de transação penal, não cabe falar em conversão em pena privativa de liberdade, já que, se assim ocorresse, haveria ofensa ao princípio de que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). No lugar da conversão, deve o juiz determinar a abertura de vista ao Ministério Público para oferecimento da denúncia e instauração do processo-crime.” (CAPEZ, 2012, p. 616)
Por sua vez, Tourinho Filho (2012) defendia a impossibilidade de continuidade da persecução penal em face do descumprimento da transação penal: “Poder-se-ia pensar na possibilidade de, em face do inadimplemento por parte do autor do fato, serem os autos devolvidos ao Ministério público para oferta de denúncia. Não nos parece correto esse posicionamento. […] A transação é devidamente homologada por uma sentença, nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 76 da lei sob comentário. E, uma vez preclusa a via impugnativa, surge a eficácia da coisa julgada formal e material. […] Por isso, não cumprida a medida restritiva imposta, não haverá solução.” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 133).
Quando aplicada exclusivamente pena de multa, a Lei 9.099/95 autoriza que seu pagamento seja feito na Secretaria do Juizado (art. 84). Não efetuado o seu pagamento, a lei diz que será feita a conversão em pena privativa da liberdade, ou restritiva de direitos (art. 85).
Contudo, a despeito da redação do art. 85 da Lei 9.099/95, prevalece que este dispositivo legal fora revogado tacitamente pela Lei n° 9.268/96, que deu nova redação ao art. 51 do Código Penal, passando a proibir a conversão da pena de multa em prisão.
- Da Suspensão Condicional do Processo
3.1 O Instituto
Capez (2018) define, em destacável síntese, o instituto da suspensão condicional do processo: “Trata-se de instituto despenalizador, criado como alternativa à pena privativa de liberdade, pelo qual se permite a suspensão do processo, por determinado período e mediante certas condições. Decorrido esse período sem que o réu tenha dado causa à revogação do benefício, o processo será extinto, sem que tenha sido proferida nenhuma sentença.” (CAPEZ, 2018, p. 619)
A suspensão condicional do processo encontra-se prevista no art. 89, “caput”, da Lei 9.099/95. Também denominado “sursis antecipado”, o instituto surge como medida alternativa para a denominada pequena e média criminalidade, pois, cumprido o prazo de suspensão, estará extinta a punibilidade, salvo se houver revogação.
Diante desse cenário, oportunas as palavras de Tourinho Filho (2012):
“Todos sabemos que o cárcere, já se disse, é a universidade do crime. Urge, pois, deixar a penitenciária para os incorrigíveis. Ideal mesmo seriam áreas espaçosas, onde os presos pudessem locomover-se, trabalhar, presentes orientadores e psicólogos. Mas isso já é sonhar demais. No Estado mais rico da Federação, as prisões são uma vergonha. Se o espaço é reservado para 40, há 180, 200 presos. Segundo as imagens transmitidas pelos canais de televisão, com espantosa frequência, os nossos presídios não passam de depósito de centenas e centenas de farrapos humanos, castrados até à esperança. Assemelham-se aos caminhões que conduzem suínos para os frigoríficos: ficam tão juntos uns dos outros que se toma impossível qualquer movimento entre eles … Se na capital do Estado de São Paulo é assim, ficamos a imaginar o que se passa pelo interior do nosso Brasil.” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 97-98)
Com efeito, cuida-se de importante instituto despenalizador, por meio do qual se permite a suspensão do processo por um período de prova que pode variar de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que observado o cumprimento de certas condições.
3.2 Requisitos
Nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, pode propor a suspensão condicional do processo, pelo prazo de dois a quatro anos, em crimes cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, abrangidos ou não pela Lei dos Juizados, desde que o acusado preencha as seguintes exigências legais:
- a) crimes com pena mínima cominada igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidos ou não pela Lei n° 9.099/95;
O cabimento da suspensão condicional do processo tem por parâmetro a pena mínima cominada ao delito. Se esta não ultrapassar o limite de 1 (um) ano, será cabível, em tese, o oferecimento da suspensão condicional do processo.
Aqui, cabe a ressalva já feita quando do estudo da transação penal, a respeito da inaplicabilidade da Lei 9.099/95 aos crimes militares e àqueles cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher.
Para aferição do cabimento da suspensão, devem ser consideradas eventuais qualificadoras, privilégios, causas de aumento e de diminuição de pena, analisando-se sempre a pena mínima cominada ao delito.
O mesmo pode ser dito quanto às hipóteses de concursos de crimes. Nestes casos, para fins de cabimento de suspensão condicional do processo, são levadas em consideração a somatória das penas ou a fração decorrente da majoração da pena, em seu patamar mínimo.
Nos termos da Súmula nº 723 do Supremo Tribunal Federal, “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.”.
E, conforme enunciado da Súmula nº 243 do Superior Tribunal de Justiça: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.”.
Apesar de a suspensão condicional do processo estar prevista na Lei 9.099/95, seu próprio art. 89, “caput”, deixa claro que sua aplicação não está restrita apenas às infrações de menor potencial ofensivo.
Sobre a questão, pertinente a transcrição do escólio de Távora e Alencar (2017):
“A suspensão condicional do processo não ficou restrita ao âmbito dos juizados especiais. Ela tem aplicação junto aos processos de todos os outros juízos, a exceção daqueles que tramitam na Justiça Militar, mercê de vedação expressa no art. 90-A, da Lei n. 9.099/1995. Desse modo, mesmo em processo-crime eleitoral, sendo a pena mínima do crime imputado igualou inferior a um ano, é cabível o oferecimento da suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos legais.” (TÁVORA e ALENCAR, 2017, p. 1206)
Tourinho Filho (2012) complementa o raciocínio:
“A suspensão condicional do processo não ocorre, apenas, no procedimento-regra para os crimes apenados com reclusão, mas em toda e qualquer infração penal, sujeita ou não a procedimento especial, conquanto a pena mínima não ultrapasse um ano. Assim, no estudo das formas procedimentais, não se pode olvidar essa grande novidade introduzida no nosso ordenamento.” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 98)
Ademais, em que pese o aludido dispositivo fazer menção apenas aos crimes com pena mínima igual ou inferior a 1 (um) ano, entende-se que também deve se admitir a incidência do referido instituto despenalizador no caso de contravenções penais. A justificativa para tal conclusão reside no fato de que se cabe a suspensão para o mais (crime), tem que ser admitida para o menos (contravenção penal), sob pena de violação ao princípio da isonomia.
- b) acusado não estar sendo processado ou não ter sido condenado por outro crime;
Para que o acusado possa se valer da suspensão condicional do processo, exige-se que ele não esteja sendo processado, nem tenha sido condenado por outro crime, nos exatos termos do art. 89, “caput”, da Lei 9.099/95.
Quanto à exigência de “não ter sido condenado por outro crime”, é imprescindível a existência de sentença condenatória com trânsito em julgado para afastamento do benefício, de tal sorte que é o acusado reincidente na prática de crime quem não faz jus à suspensão condicional do processo.
A propósito, a condenação criminal já alcançada pelo período depurador de 5 (cinco) anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, não impede a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, assim como não pode ser considerada para efeito de reincidência.
- c) presença dos demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena;
Os requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena, reclamados pelo art. 89, “caput”, da Lei 9.099/95, estão previstos no art. 77 do Código Penal.
No mais, insta ressaltar que, embora o legislador não tenha estabelecido qualquer requisito temporal para a formulação de nova proposta de suspensão condicional do processo (diferente do observado quanto ao instituto da transação penal), enquanto em curso o período de prova de 2 (dois) a 4 (quatro) anos referente a uma primeira suspensão condicional do processo, o acusado não poderá ser beneficiado por outra suspensão, pois, enquanto não houver a extinção da punibilidade pelo decurso do prazo sem revogação (art. 89, §5°, Lei 9.099/95), estará sendo processado por outro crime, o que configura óbice à concessão do beneficio em análise (LIMA, 2019).
3.3 Procedimento
Uma vez ofertada a denúncia, o Ministério Público, se satisfeitos os requisitos legais acima expostos, tem o dever de propor a suspensão condicional do processo.
Em seguida, se o Juiz não rejeitar a denúncia liminarmente ou absolver o réu sumariamente, receberá a inicial acusatória e, oportunamente, em audiência, presentes o órgão da acusação, réu e seu defensor, transmitirá a proposta do órgão da acusação.
Uma vez aceita a proposta de suspensão condicional do processo pelo acusado e seu defensor, o Juiz poderá suspender o processo por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, submetendo o acusado a período de prova, tudo na forma do art. 89, §1º, da Lei 9.099/95.
De acordo com Capez (2018), o magistrado deve, antes de denegar ou homologar a transação processual, fazer um juízo prelibatório da classificação jurídica do fato imputado ao acusado.
Em suma, sendo explícita a denúncia quanto à classificação do crime, cuja pena mínima estiver fora do alcance do benefício, o Juiz não poderá aplicar a suspensão, a menos que discorde da imputação feita na inicial, e desde que o faça fundamentadamente.
Por outro lado, se o Ministério Público propõe a suspensão do processo, mas pela narrativa dos fatos constantes da exordial se possa dar tipificação jurídica diversa que não permitiria a suspensão, o Juiz não está obrigado a homologá-la.
Assim é, também, o entendimento de Tourinho Filho (2012):
“Feita a proposta pelo Ministério Público ou querelante, e aceita pela Defesa, o Juiz é obrigado a suspender o processo? Obviamente não. O §1º do art. 89 da Lei dos Juizados diz que, aceita a proposta, o Juiz poderá suspender o processo. Como salientamos, nessas audiências, como em qualquer outra, o Juiz não é uma figura decorativa; é o órgão superpartes. Ele pode entender não estar presente algum requisito. Nesse caso, cumprir-lhe-á, justificadamente, indeferir a proposta.” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 113-114)
Távora e Alencar (2017) complementam dizendo que, se aceita a suspensão condicional do processo, com o estabelecimento das condições legais e extralegais, o processo ficará suspenso pelo período de prova (de dois a quatro anos), findo o qual, sem revogação, será declarada extinta a punibilidade do acusado.
Durante o prazo de suspensão do processo, não correrá a prescrição. Trata-se de causa suspensiva da prescrição (art. 89, §6°, Lei 9.099/95).
3.3.1 Aplicabilidade: Ação Penal Privada
Tal como ocorre com o instituto da transação penal, há divergência doutrinária acerca da aplicabilidade da suspensão condicional do processo aos crimes de ação penal privada.
Capez (2018) é categórico ao afirmar que não cabe a suspensão condicional do processo em ação penal exclusivamente privada, pois nessa já vigoraria o princípio da disponibilidade, existindo outros mecanismos de disposição do processo.
Nesse ponto, diverge Tourinho Filho (2012), que defende ser absolutamente possível a aplicação do instituto da suspensão condicional do processo à ação penal privada:
“Dir-se-á que o instituto da ação privada confere ao querelante uma série de poderes, como os de renúncia, perdão, perempção e até mesmo desistência. Ninguém duvida. Mas, e isto é importante, se o querelante tem todos esses poderes, com muito mais razão o de propor a suspensão condicional do processo.” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 112)
O autor vai mais além ao sustentar que, caso o querelante não formule a proposta de suspensão, quando preenchidos os requisitos legais, pode o próprio querelado requerer ao Juiz que o faça, e ao magistrado não será admitido negar-lhe o pedido:
“Ademais, conforme assinalamos, a norma permissiva da suspensão é híbrida, com acentuada força penal, como se constata pelo § 5º do art. 89 do citado diploma, e, na hipótese de o querelante não a formular, o querelado poderá requerer e, a toda evidência, o Juiz não poderá negar-lhe. Se o fizer, haverá abuso corrigível via correição parcial, à míngua de recurso próprio.” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 112)
Lima (2019) também entende que não se justifica a não aplicação da suspensão condicional do processo em crimes de ação penal de iniciativa privada. Para tanto, parte do princípio de que se ao ofendido se defere a possibilidade de escolher entre nenhuma punição (decadência, renúncia, perdão ou perempção) ou punição total (queixa-crime), a ele deve ser reconhecida também a faculdade de oferecer a proposta de suspensão condicional do processo, por meio da qual buscará uma solução consensual para o conflito.
O autor conclui seu posicionamento argumentando a respeito da legitimidade para oferecer a proposta de suspensão no âmbito da ação penal privada:
“Admitida a possibilidade de suspensão condicional do processo em crimes de ação penal privada, há certa controvérsia na doutrina acerca da legitimidade para oferecer a proposta. Uma primeira corrente entende que, diante da recusa injustificada do querelante, defere-se ao juiz a possibilidade de formular a proposta de ofício. Uma segunda corrente entende que, na condição de custos legis, e a fim de preservar a legalidade da persecução penal, deve o MP intervir para formular a proposta de suspensão condicional do processo. Aliás, é exatamente nesse sentido o teor do enunciado n° 112, aprovado no XXVII FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais -, realizado em Palmas/TO: “Na ação penal de iniciativa privada, cabem transação penal e a suspensão condicional do processo, mediante proposta do Ministério Público”. Prepondera, todavia, o entendimento segundo o qual a iniciativa para o oferecimento da proposta é do querelante, como consectário lógico de sua legitimidade ad causam ativa, já que o poder de oferecer a suspensão do processo decorre naturalmente do poder de propor a ação penal.” (LIMA, 2019, p. 1524-1525)
3.3.2 Consequências: Não Oferecimento
Assim como pontuado anteriormente, por ocasião do estudo da transação penal, até o advento da Lei 13.694/19, conhecida como “Pacote Anticrime”, entendia-se que, na hipótese de o Ministério Público se recusar a fazer a proposta, o Juiz, verificando presentes os requisitos objetivos para a suspensão do processo, deveria aplicar, por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal, encaminhando os autos ao Procurador-Geral de Justiça, que se pronunciaria sobre o oferecimento ou não da proposta.
Este, aliás, é o teor da Súmula nº 696 do STF: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.”.
No entanto, conforme mencionado alhures, com as modificações operadas pela Lei 13.694/19, o mecanismo previsto no aludido art. 28 do Código de Processo Penal sofreu profunda alteração, e, embora a nova redação do dispositivo esteja com sua eficácia suspensa atualmente, as soluções para a indevida ausência de proposta de suspensão condicional do processo penal também já estão sendo reavaliadas a nível doutrinário.
Aqui, mais uma vez, Aury Lopes Junior (2020) bem adianta as possíveis alternativas para a resolução da questão, que pouco diferem daquelas aventadas em relação à transação penal:
“Pensamos que poderá continuar sendo aplicado o art. 28, mas com sua nova sistemática, não mais o juiz enviando para o procurador-geral, mas sim com um pedido de revisão (prazo de 30 dias do conhecimento da recusa) por parte do imputado para o órgão revisor do MP.
[…]
Em que pese ser esse o entendimento que era prevalente antes da reforma e que arriscamos dizer que seguirá assim, não descartamos outra opção: o juiz oferecer a suspensão condicional do processo. A aplicação do art. 28 (com sua nova redação) é uma solução excessivamente burocrática e fora da realidade diuturna dos foros brasileiros. Ademais, atribui a última palavra ao próprio Ministério Público, retirando a eficácia do direito subjetivo do acusado. Dessarte, presentes os pressupostos legais e insistindo o Ministério Público na recusa em oferecer a suspensão condicional, pensamos que a melhor solução é permitir que o juiz o faça, acolhendo o pedido do imputado, concedendo o direito postulado. Novamente afirmamos que o fato de atribuir-se ao juiz esse poder em nada viola o modelo constitucional acusatório por nós defendido. A sistemática é outra. O imputado postula o reconhecimento de um direito (suspensão condicional do processo) que lhe está sendo negado pelo Ministério Público, e o juiz decide, mediante invocação. O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu, ou seja, sua verdadeira missão constitucional.” (LOPES JUNIOR, 2020, p. 1210-1211)
3.3.3 Desclassificação/Procedência Parcial
Nos casos de desclassificação da qualificação jurídica do crime, ou de procedência parcial da pretensão punitiva, se a nova capitulação do fato delituoso referir-se à infração penal com pena mínima igual ou inferior a 1 (um) ano, será cabível o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo (art. 383, §1º, Código de Processo Penal).
Melhor dizendo, desclassificado o crime para outro que se amolde aos requisitos previstos no art. 89 da Lei 9.099/95, deve ser dada ao Ministério Público a oportunidade de se manifestar acerca do oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo.
De outro lado, caso o acusado tenha sido processado pela prática de infrações penais em concurso, e ao final seja absolvido em relação a uma infração que estava a inviabilizar a proposta de suspensão condicional do processo (Súmula nº 723 do STF), esta procedência parcial da pretensão punitiva também não obstará a concessão do benefício.
Ou seja, uma vez desfeito o concurso de crimes e o consequente cúmulo ou exasperação de pena, deve ser aplicada a solução consensual se a pena mínima cominada à infração penal remanescente for igual ou inferior a 1 (um) ano.
Nesse sentido é o enunciado da Súmula n.º 337 do STJ: “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.”.
Assim, resta evidente que o fato de o processo já estar em andamento não impede a efetivação dos institutos consensuais do processo.
3.3.4 Aceitação da Proposta
A suspensão condicional do processo, assim como os institutos já analisados, é ato bilateral. Logo, pressupõe a concordância clara e inequívoca do acusado.
Nos casos de concurso de agentes, é possível que a proposta de suspensão seja oferecida apenas em relação a um dos coautores ou partícipes, e eventual aceitação de um não se estende aos demais, o que pode ensejar, em tal situação, a separação dos processos.
Apresentada a proposta pelo titular da ação penal, esta será submetida à apreciação do autor do fato delituoso e de seu defensor. A lei prevê a necessidade de aceitação da proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz (art. 89, §1°, da Lei 9.099/95). Portanto, a presença de defesa técnica é indispensável à suspensão condicional do processo.
Em caso de divergência entre o acusado e seu defensor, deve prevalecer a vontade daquele. Isso porque se o acusado não aceitar a proposta, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos. É o que dispõe o art. 89, §7°, da Lei 9.099/95.
Como a suspensão condicional do processo depende da manifestação da vontade do acusado, em caso de não comparecimento pessoal do acusado, a aceitação da proposta não pode ser aperfeiçoada, pois se trata de ato personalíssimo e irretratável, que em hipótese nenhuma pode ser realizado por procurador.
Uma vez aceita a proposta, esta será submetida à apreciação do Juiz, o qual não está obrigado a homologar o acordo penal, devendo analisar a legalidade da proposta e da aceitação. Quando positivo este juízo, deve o magistrado receber a inicial acusatória e, em seguida, suspender o processo, submetendo o acusado a um período de prova, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, sob as condições elencadas na lei, e outras que o Juiz entender adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
Finalmente, na hipótese de não aceitação da proposta de suspensão condicional do processo pelo acusado e por seu defensor, o processo retomará seu curso normal, com a designação de audiência de instrução e julgamento.
3.3.5 Recurso
É grande a controvérsia doutrinária acerca do recurso cabível contra a decisão que homologa/concede a suspensão condicional do processo.
Não há consenso, inclusive, a respeito do efetivo cabimento, ou não, de recurso contra tal decisão.
Capez (2018) aponta a existência de três posições a respeito, adotando a terceira delas: cabe recurso em sentido estrito, por analogia à suspensão condicional da pena; cabe apelação; não cabe qualquer recurso.
Defende o não cabimento de qualquer recurso, primeiro, por entender que a suspensão condicional do processo não possui a mesma natureza jurídica do instituto da suspensão condicional da pena (“sursis”), de forma que não caberia falar em aplicação analógica do inciso XI do art. 581 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
Segundo, porque não seria possível sustentar o cabimento do recurso de apelação, pois a decisão que determina a suspensão do processo tem a natureza de uma decisão interlocutória simples, na medida em que não põe fim ao processo, nem a uma fase do procedimento.
Terceiro, porque a Lei 9.099/95, ao prever as hipóteses de cabimento de recurso, nada falou sobre a suspensão condicional do processo. Por isso, a decisão que concede o instituto em análise seria irrecorrível.
Por sua vez, Tourinho Filho (2012) sustenta que o recurso em sentido estrito é apto a atacar a decisão que homologa/concede a suspensão condicional do processo, admitindo a aplicação analógica do supratranscrito art. 581, do Código de Processo Penal:
“É bem verdade que a doutrina entende — e com razão — que o recurso em sentido estrito não admite analogia, mesmo porque as hipóteses que o comportam foram taxativamente elencadas nos seus vários incisos. De observar, contudo, que as decisões que comportam esse recurso são interlocutórias, e como o ato do Juiz determinando a suspensão condicional do processo é decisão interlocutória, não haverá inconveniente em admitir a analogia. Note-se que o Código é de 1942 e, àquela época, nem se pensava em suspensão condicional do processo. Trata-se de um instituto novo, surgido em 1995. Assim, como o legislador nem sequer imaginava que um dia surgisse essa novidade, dela não cuidou. Mas como nada impede se proceda a uma interpretação progressiva, podemos encartar a decisão que determina a suspensão condicional do processo no corpo do art. 581, XVI.” (TOURINHO FILHO, 2012, P. 109)
Lima (2019) reconhece a existência de controvérsia na doutrina em relação ao recurso cabível contra a decisão que homologa a suspensão condicional do processo, e acompanha o entendimento de Tourinho Filho (2012), asseverando o cabimento do recurso em sentido estrito, por aplicação subsidiária do disposto no art. 581, incisos XI ou XVI, do Código de Processo Penal, que preveem o cabimento do referido recurso contra a decisão que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena ou que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial, respectivamente:
“Não há falar em impossibilidade de interpretação extensiva em relação às hipóteses de cabimento do Recurso em Sentido Estrito. Na verdade, o que não se admite é a ampliação para casos em que a lei evidentemente quis excluir.” (LIMA, 2019, p. 1530)
Apesar dos entendimentos divergentes, há consenso na doutrina de que, ainda que se entenda não haver previsão legal de recurso cabível contra a homologação da suspensão, havendo ofensa a direito líquido e certo, nada impede a impetração de mandado de segurança pela acusação, ou habeas corpus em favor do acusado, além de correição parcial.
3.4 Condições
Nos termos do art. 89, §§ 1º e 2º, da Lei 9.099/95, aceita a proposta de suspensão condicional do processo, e verificada sua legalidade, deve o magistrado receber a peça acusatória e, na sequência, suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob certas condições que serão fiscalizadas pelo juízo processante.
Caso o acusado resida em outra comarca, é plenamente possível a expedição de carta precatória para a fiscalização do cumprimento das condições, que devem ser fixadas pelo juízo deprecante, após oferecimento da proposta de suspensão pelo titular da ação penal especificando as respectivas condições.
A incumbência de fiscalizar o cumprimento das condições por carta precatória não permite, porém, que o Juízo deprecado declare a extinção da punibilidade, o que deve ser feito pelo deprecante, Juízo natural da causa.
Prossegue-se, então, à análise detalhada de cada uma das condições que podem ser impostas para cumprimento durante o período de prova da suspensão condicional do processo:
- a) reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
Conforme mencionado no início do presente estudo, um dos objetivos dos Juizados Especiais Criminais é a busca da reparação dos danos à vítima, delineado pelo art. 62 da Lei 9.099/95.
Em conformidade com o objetivo em questão, o art. 89, § 1º, I, da Lei dos Juizados, estabelece como condição obrigatória da suspensão condicional do processo a reparação do dano provocado pelo acusado.
Esta reparação deve ser providenciada imediatamente após a homologação da proposta, ou em prazo fixado pelo magistrado.
O descumprimento injustificado da obrigação de reparar o dano, vale dizer, é causa de revogação obrigatória da suspensão condicional do processo (art. 89, § 3°, Lei 9.099/95), que será analisada mais adiante.
- b) proibição de frequentar determinados lugares;
Esta condição parte do pressuposto que certos locais, por sua natureza, finalidade, localização ou tipo de frequência, acabam favorecendo a prática de infrações penais.
Assim, deve ser utilizada quando a vedação se mostrar necessária ou conveniente para prevenir a prática de novos ilícitos.
Ao aplicar esta condição, o Juiz deve especificar quais lugares não poderão ser frequentados pelo acusado, não se admitindo a proibição de frequência a determinados locais de forma genérica.
- c) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
Por esta condição, impõe-se ao acusado o dever de comunicar ao Juízo sua ausência ou a mudança de sua residência.
Não deve ser interpretada como uma proibição definitiva imposta ao acusado, que o impediria, de forma absoluta, de se ausentar da comarca onde reside ou mudar de residência, uma vez que não é dado ao Juiz poder de tamanha ingerência na liberdade do acusado.
- d) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades;
Lima (2019) atenta para o fato de que a periodicidade mensal constante nesta condição foi prevista apenas como limite mínimo, com o objetivo de não prejudicar o beneficiário da suspensão condicional do processo em sua rotina de trabalho ou estudo.
Nada obsta, por conseguinte, que esse prazo seja dilatado, especialmente para preservar o objetivo de não prejudicar o acusado em suas atividades diárias.
- e) não instauração de outro processo em virtude da prática de crime ou de contravenção penal;
Apesar de não constar expressamente do art. 89, § 1º, da Lei 9.099/95, o fato de o acusado não vir a ser processado por outra infração penal também figura como condição legal implícita da suspensão condicional do processo.
Isso porque a Lei dos Juizados prevê tais circunstâncias como causas para a revogação do beneficio da suspensão condicional do processo (art. 89, §§ 3° e 4°, Lei 9.099/95).
- f) outras condições, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado;
O art. 89, § 2°, da Lei 9.099/95, reserva a possibilidade de o Juiz especificar outras condições a que ficará subordinada à suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado, por aplicação do princípio da proporcionalidade.
Lima (2019) apresenta alguns exemplos de condições que podem ser especificadas pelo Juiz, além daquelas previstas na Lei dos Juizados: submissão a tratamento de desintoxicação, frequência em cursos de reabilitação de alcoolismo, frequência em curso de habilitação profissional ou de instrução escolar.
De outro lado, o autor adverte que tais condições não podem excluir ou restringir direitos constitucionais, nem prestar-se à imposição de condições vexatórias ou que atinjam a integridade física ou a dignidade da pessoa humana.
Por fim, importante destacar que o art. 89, § 2°, da Lei 9.099/95 estabelece a possibilidade de especificação de outras condições, e não de outras penas. Por essa razão, inviável a fixação de penas restritivas de direitos (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana) como condições a serem cumpridas durante o período de prova da suspensão condicional do processo.
3.5 Revogação
A suspensão condicional do processo poderá ser revogada, caso em que o processo deve retomar seu andamento normal. Expirado o prazo sem revogação, estará extinta a punibilidade.
As causas de revogação do benefício encontram-se previstas no art. 89, §§ 3º e 4º da Lei 9.099/95.
3.5.1 Revogação Obrigatória
No termos do art. 89, §3º, da Lei 9.099/95, são causas de revogação obrigatória da suspensão condicional do processo:
- a) se o acusado vier a ser processado por outro crime;
A revogação, neste caso, pode encontrar resistência diante do princípio da presunção de inocência. Assim sendo, havendo notícia de novo processo pela prática de crime, deve haver a prorrogação automática do período de prova da suspensão condicional do processo, por aplicação subsidiária do art. 81, §2°, do Código Penal, com base no art. 92 da Lei 9.099/95 (LIMA, 2019).
- b) se o acusado não efetuar a reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
Conforme já destacado, a reparação dos danos causados pelo acusado à vítima figura como uma das condições da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89, §1º, I, da Lei 9.099/95, e segue um dos objetivos dos Juizados Especiais Criminais, delineados pelo art. 62 da Lei.
Tão destacável o apego da Lei 9.099/95 à reparação dos danos sofridos pela vítima, que o fato de o autor da infração penal não efetuar a reparação do dano configura causa de revogação obrigatória da suspensão condicional do processo.
Todavia, se restar comprovado que o autor do fato encontra-se em situação de penúria, não há falar em revogação obrigatória do benefício em virtude de não ter efetuado a reparação do dano, pois ele estará albergado pela ressalva contida no art. 89, §1°, I, da Lei dos Juizados (“salvo impossibilidade de fazê-lo”).
3.5.2 Revogação Facultativa
No termos do art. 89, §4º, da Lei 9.099/95, são causas de revogação facultativa da suspensão condicional do processo:
- a) se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção penal;
Diferentemente do fato de o acusado vir a ser processado por outro crime, que dá ensejo à revogação obrigatória do benefício, a superveniência de outro processo criminal pela prática de contravenção penal figura como causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo.
- b) se o acusado descumprir qualquer outra condição imposta;
Havendo descumprimento de quaisquer das condições previstas no art. 89, §1º, bem como daquelas impostas com base no art. 89, §2º, da Lei 9.099/95, excetuadas as hipóteses de revogação obrigatória (art. 89, §3º, Lei 9.099/95), afigura-se possível a revogação do benefício.
3.6 Extinção da Punibilidade
Expirado o período de prova da suspensão condicional do processo sem que o benefício tenha sido revogado, o Juiz declarará extinta a punibilidade (art. 89, §5°, Lei 9.099/95), mediante sentença terminativa de mérito, que pode ser impugnada pela acusação mediante interposição de recurso em sentido estrito (art. 581, VIII, do Código de Processo Penal, aplicável no âmbito dos Juizados com base no art. 92 da Lei 9.099/95).
Mossin (2010) explica o cabimento do recurso em sentido estrito contra a decisão que declarar extinta a punibilidade face à expiração do período de prova da suspensão condicional do processo:
“Em sede de Juizado Especial Criminal, a jurisprudência tem lavrado entendimento no sentido de que, havendo a extinção da punibilidade do agente que praticou infração penal de menor potencial ofensivo, dessa decisão tem cabimento o recurso em sentido estrito. […] O art. 92 dessa Lei extravagante contém o seguinte comando normativo: “Aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei”. Observa-se, ex abundantia, que o meio de impugnação tratado não se conflita normativamente com regramento jurídico algum contido na Lei do Juizado Especial Criminal. De outro lado, se o preceito reproduzido permite que se aplique indistintamente normas do Código de Processo Penal, nada mais lógico e evidente do que poder ser interposto recurso em sentido estrito de decisão do Juizado Especial Criminal que declarar extinta a punibilidade, com amparo no art. 581, VIII, do predito Diploma sem que com isso se tenha por quebrado o princípio da taxatividade.” (MOSSIN, 2010, p. 762)
É discutível se pode ser declarada a extinção da punibilidade nas hipóteses em que a causa de revogação do benefício ocorre durante o período de prova, mas é descoberta somente após o seu fim. Nestes casos, questiona-se se ainda seria possível a revogação do benefício ou se o mero decurso do período de prova, por si, daria ensejo à declaração da extinção da punibilidade.
Lima (2019) assegura que prevalece o entendimento segundo o qual a suspensão condicional do processo pode ser revogada mesmo após o encerramento do período de prova, caso verificado o descumprimento de alguma condição durante o curso do benefício, que tenha sido conhecido somente após o período de prova, e desde que não tenha sido proferida anterior decisão declaratória extintiva da punibilidade:
“Entende-se, portanto, que a suspensão condicional do processo é automaticamente revogada se, no período probatório, o acusado vem a descumprir as condições impostas pelo Juízo. Sendo a decisão revogatória do sursis meramente declaratória, não importa que a mesma venha a ser proferida somente depois de expirado o prazo de prova.” (LIMA, 2019, p. 1534)
Conclusão
Nos dizeres de Silva (2001), o direito ao acesso à Justiça consiste no direito ao acesso a uma Justiça adequada e organizada para a realidade social que se aplica. Isto se traduz na remoção dos obstáculos que impeçam aquele acesso, sejam de natureza econômica, social, cultural, estrutural ou técnico-processual.
Nesse passo, os Juizados Especiais Criminais, com seus institutos de Justiça Penal Consensual (composição dos danos civis, transação penal, suspensão condicional do processo), representaram um grande avanço na estrutura do Poder Judiciário na busca da concretização do direito de acesso à Justiça em matéria penal.
Com efeito, a Lei 9.099/95 avançou para a responsabilização do autor de infração de menor porte, afastando o sentimento generalizado de impunidade, contribuindo com o desafogamento da Justiça Criminal, e desonerando o sistema carcerário. Neste último ponto, evidenciou a possibilidade de recuperação de infratores tão somente com a aplicação de seus novéis institutos despenalizadores.
A necessidade da criação dos Juizados Especiais Criminais revelou que a intensificação na persecução penal, a majoração das penas e a severidade de seu cumprimento não são as melhores soluções para o combate à criminalidade, especialmente a de pequena monta (infrações penais de menor potencial ofensivo).
Nasceu, então, a chamada justiça consensual, concebida em oposição à já desgastada justiça rigorosa. Esta nova corrente foi indispensável para que se obtivesse mais sucesso em produzir a efetiva resposta judicial ao delito, buscar a reparação de danos à vítima, alcançar a ressocialização do infrator e, ainda, diminuir o volume de processos, tudo a partir do consenso.
Em suma, a criação dos Juizados Especiais Criminais, com a instituição de uma política de despenalização e de descarcerização, voltada às infrações penais de menor potencial ofensivo, constituiu importante avanço legislativo, desonerando o Estado do processo e da aplicação de sanção ao infrator, seja pelos princípios que a norteiam, seja pela introdução das medidas despenalizadoras analisadas no presente trabalho, quais sejam: composição dos danos civis, transação penal e suspensão condicional do processo.
Referências
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 7. ed. Salvador: Jus Podivm, 2019.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
MONTEIRO, Rita Borges Leão. Juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. Bahia: Jus Podivm, 2010.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Compêndio de processo penal: curso completo. 1. ed. São Paulo: Manole, 2010.
SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e estado democrático de direito. 1. ed. São Paulo, Juarez de Oliveira, 2001.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. Salvador: Jus Podivm, 2017.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal – Volume 4. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.