Polêmica
se formou, quando a lei 9.271/96, que traz a nova redação dada ao artigo 366 do
Código de Processo Penal, passou a vigorar. A redação dada ao artigo, se
notabilizou pela confusão e insegurança que trouxe aos aplicadores das leis,
visto que o dispositivo misturou norma de Direito Processual e Direito Material
Penal.
É
certo que a norma teve por objetivo privilegiar o Princípio da Informação, que
intimamente se coaduna com o da Ampla Defesa e da Presunção do Estado de
Inocência, ambos elevados ao nível constitucional. No entanto, quis o
Legislador pátrio, evitar a impunidade, prevendo, na mesma norma, “infiltrada a
porretes”, a suspensão do curso prescricional. Assim, ao réu citado por edital,
que não comparece ao interrogatório, é dada a oportunidade de conhecer
pessoalmente da acusação que lhe é feita, suspendendo-se por isso, o curso do
processo criminal. Outrossim, para evitar que o foragido ou desavisado réu, se
beneficie com a extinção do processo, pela perda do direito de agir do Estado,
deve ser suspensa a contagem do prazo prescricional.
Desta forma, o legislador misturou duas classes de normas penais: uma
processual e outra material.
Essa
mistura “brasileira” importou em uma polêmica deveras empolgante. Enquanto
alguns juristas criticam o Legislador pela falta de senso lógico jurídico, que
com certeza exigiria uma norma mais bem elaborada. Outros, como nós, estão
preocupados em tentar consertar a quase irremediável asneira legislativa.
Um
grande problema deve ser resolvido. É caso de aplicar-se a norma nos feitos
criminais em andamento? Aqueles processos que se encontram, muitos deles, na
fase de alegações finais, ou conclusos para sentença, onde o réu foi citado por
edital e não compareceu ao interrogatório, são o alvo
da maior e empolgante discussão surgida nos últimos tempos, em termos de
Direito Processual Penal, depois é claro, da lei que instituiu os Juizados
Especiais Criminais.
Seria
impossível sua aplicação, face a impossibilidade jurídica de se fazer uma
cisão, separando o que se refere a norma processual e
norma penal?
Seria
perdoável aplicar a suspensão do processo e não fazê-lo com a prescrição, face
ser esta a melhor interpretação dada para o benefício do réu?
Seria
incorreto aplicar o princípio da irretroatividade da lei in pejus,
no que se referir a norma, ao Direito Material (prescrição) e o princípio do tempus regit actum,
no que se referir ao Direito Objetivo?
Ora,
estamos diante de um atropelo jurídico, seja aplicando ou não, a retroatividade
da norma. Assim sendo, é inadmissível deixar de fazer a seguinte
pergunta: O QUE É MELHOR PARA O RÉU?
Para
ela não deixaria de se encontrar uma única resposta: SUSPENDER O PROCESSO E
DEIXAR FLUIR O PRAZO PRESCRICIONAL.
Os
mais perfeccionistas, como já lemos, têm opiniões
divergentes. Diriam que “TALVEZ O RÉU, FOSSE ABSOLVIDO DA ACUSAÇÃO QUE LHE É
IMPUTADA, DESTA FORMA, NÃO SERIA PARA ELE, VANTAGEM O PRAZO PRECRICIONAL
FLUIR, MUITO MENOS O FEITO SER SUSPENSO”. Neste ponto é de se indagar: como
poderia o réu, sem ter sequer, ciência da acusação feita contra sua pessoa;
sendo-lhe nomeado um profissional mais acessível ao Magistrado, sem que este
tenha qualquer referência fática, ou outra versão do fato, providenciar em seu
prol, uma defesa de qualidade? Nesse particular, é de bom termo esclarecer, que
o Legislador, mal ou bem, quis que o réu soubesse da acusação e tivesse um
advogado para defendê-lo, só resultando uma má defesa de sua própria desídia.
Outros
diriam que a norma não pode ser partida, e por isso não se deve aplicar o
artigo aos processos em
andamento. Isso significaria desprezar o texto
constitucional, principalmente no que diz respeito ao princípio da
retroatividade da lei mais benéfica.
Se
as recentes normas penais que são modificadoras, trazem um benefício para o
réu, estas retroagem no tempo, para alcançar os fatos ocorridos, trazendo
proveito ao acusado ou mesmo ao sentenciado. É impossível deixar de observar
tal princípio, particularmente quando, para o caso sob análise, isso significa
a possibilidade de se rever uma falta para com os direitos do réu,
representados pelo pleno conhecimento da acusação feita contra a sua
pessoa.
Anteriormente
lhe era negada tal vantagem, pois o Princípio da Informação não era relevado ao
plano do absolutismo, sendo hoje patente, a necessidade de oferecer aos réus
revéis citados por edital, no curso do processo, a oportunidade de conhecer da
acusação.
Ou seja, hoje o réu tem direito de saber dos
limites de sua acusação e não seria justo aos acusados (que tiveram o
desconforto de serem citados por edital, quando o Direito Processual pátrio não
tinha ainda ascendido a este nível de consciência jurídica criminal), não terem
direito ao benefício que ora traz o Princípio da Informação, quando, ainda, não
é tarde. É uma questão de justiça, de boa justiça. Por
isso, não é maior aberração, a cisão da norma, se comparada com a não aplicação
do dispositivo ora em estudo, ou mesmo, com a falta de senso lógico jurídico do
Legislador.
É
fato, que a norma penal ou processual penal mista, deve seguir a regra da retroatividade
in mellius, assim como a lei processual deve ser
aplicada imediatamente, e no momento em que se encontra o procedimento,
resguardados os atos processuais já praticados.
Assim,
sendo a prescrição instituto de Direito Penal, visto que põe termo à
punibilidade, à norma, é imposta a retroatividade,
desde que seja para beneficiar o réu. Por certo, que a suspensão do processo
não poderia ocorrer no tempo passado, porque neste caso, não se pode desprezar
os atos processuais já praticados. Por este motivo, o feito deve ser suspenso
na fase em que se encontra. Já a suspensão da contagem do prazo prescricional,
não pode ser aplicada, pois haveria prejuízo para o réu, visto que esta
suspensão, importaria na impossibilidade de extinção
da punibilidade.
A
mais, se é possível entender-se a junção de uma nova norma penal, com outra
antiga, para beneficiar o réu,1 por que não
seria possível cindir o artigo 366 do Código de Processo Penal, para alcançar o
mesmo objetivo? Afinal o Magistrado não estará criando uma norma, apenas estará
se movimentando dentro do que permite os Princípios de Direito Penal.2
Por
fim, deixar de aplicar a suspensão da prescrição nos feitos em andamento, que
se coadunam com as circunstâncias previstas no artigo 366, bem como aplicá-la
no que pertine ao andamento do processo, é mais que
lógico jurídico, é fazer, em relação ao réu citado por edital e revel, que não
teve oportunidade de se defender a contento, justiça. E como já foi dito, estamos diante de um atropelo jurídico, aplicando-se, ou não
a norma do referido artigo em vigor, se assim o é, que se interprete de maneira
mais favorável ao réu.
Notas:
1. Jesus, Damásio E. de – Direito Penal – 1º Volume – Parte geral
Editora Saraiva – pág. 82.
2. Costa Jr., Paulo José da – Comentários ao Código Penal – Editora
Saraiva – pág. 5, citando Antônio José Fabrício Leiria,
em sua monografia Teoria e Aplicação da Lei Penal, p. 82.
Informações Sobre o Autor
Humberto Ibiapina
Promotor de Justiça no Ceará