O Direito De Punir Do Estado: Exclusão Ou Ressocialização?

Lourival Mendes de Carvalho Júnior

Orientadora: Esp. Eloize Maria Oliveira Amorim dos Santos

Resumo: Os atos infracionais surgem desde os primórdios da civilização, caminhando desde a Idade Antiga, Média e tempos atuais. E foi por conta dos presentes atos que surgiu a necessidade de se penalizar os infratores afim de minimizar ou até mesmo banir ondas de crimes. Contudo ao passar das décadas os meios de pena foram ganhando modificações significativas, que versam desde a aplicação dos Tribunais Inquisidores com suas penas absurdas de morte, até aquelas restritivas de liberdade dentro das casas prisionais e restritiva de direitos, que se moldam a cada caso ou necessidade. Com isso, surgiu inerente ao detento, a necessidade de ressocialização perante a sociedade que o receberá nem sempre com “bons olhos”. A exclusão e o preconceito sofridos por esta parte da sociedade que precisam compensar um erro se tornam muitas vezes cruéis e desumanas. Busca-se com isso, as melhores políticas educacionais e sociais para que a ressocialização não se transforme em um ciclo de depreciação e exclusão do indivíduo infrator, agora já livre, e com o desejo do retorno de sua vida digna e justa, sem a perca de nenhum dos direitos ou deveres trazidos à luz da Constituição Federal e dos Direitos Humanos.

Palavras-chave: Estado; Casas Prisionais; Punir; Ressocialização; Exclusão;

Abstract: Infringement acts have arisen since the dawn of civilization, going back to the Ancient, Middle and present times. And it was because of these acts that the need arose to penalize offenders in order to minimize or even ban waves of crimes. However, over the decades, the means of punishment have gained significant changes, ranging from the application of the Inquisitorial Courts with their absurd death sentences, to those restricting freedom within prison houses and restricting rights, which are molded in each case or need. As a result, the need for re-socialization before the society that received him was not always “welcome”. The exclusion and prejudice suffered by this part of society that needs to make up for a mistake often becomes cruel and inhuman. With this, we seek the best educational and social policies so that re-socialization does not become a cycle of depreciation and exclusion of the offending individual, now free, and with the desire to return to his dignified and fair life, without losing him none of the rights or duties brought under the Federal Constitution and Human Rights.

Keywords: State; Prison Houses; To punish; Resocialization; Exclusion;

 

Sumário: Introdução. 1. Metodologia. 2. O Poder Punitivo Estatal. 3. O Sistema Prisional Brasileiro Na Busca Da Ressocialização. 4. Política Criminal E Controle Da Sociedade. 5. Considerações Finais. Referências

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo discorrer acerca do poder de punir que possui o Estado, traçando seu conceito doutrinário, com o escopo de discutir acerca não só do sistema prisional como também os meios encontrados para reorganizar aquele indivíduo, antes delituoso, agora na busca da ressocialização. Busca-se analisar e responder aos questionamentos seguintes:

I – Qual o papel do Estado quanto a necessidade de punir os casos delituosos;

II- O desenvolver dos programas educacionais prisionais e seus resultados posteriores;

III – O retorno para o meio social, sua ressocialização ou sua exclusão?;

O poder de punir, que muito antigamente nos primórdios das sociedades, era um instituto particular, onde quem detinha as maiores porções de bens seria, assim também, aquele que detinha o poder decisório e de escolha quanto aos atos delituosos ou de contra razão pública. Adquirir para si o controle sobre a ordem pública. Contudo, após as instaurações da Carta Magna, mesmo passando por modificações, até chegar ao modelo atual de 1988, traz em seu texto: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e do patrimônio”Art. 144 CF. É Neste sentido que podemos concluir que este instituto não se trata apenas de um direito, mas um dever que deve ser exercido pelo Estado, ao qual se torna legítimo quando se utiliza dos meios cabíveis à sua aplicação, neste caso, o processo.

O direito de dever-punir atribuído ao Estado e seus institutos devem ser moldados de acordo com a ordem constitucional presente, de maneira que não seja violada esta ordem, ressalvando para o indivíduo a garantia do total gozo e respeito à dignidade da pessoa humana.

São os fatores políticos e econômicos, a evolução da humanidade e a incumbência de disciplinar as condutas delituosas, que fazem do Estado o “órgão” fiscalizador e aplicador da ordem social. É nele que a sociedade precisa encontrar amparo para solucionar e reformular possíveis quebras de ordem e de direito, se utilizando de meios constitucionais e operantes do Código Penal para aplicação da correta e justa ordem pública. Observa-se com isso suas pretensões quanto à proteção dos bens jurídicos, bem como também aos fins que se espera na aplicação das penas.

Contudo, não se espera que o proibir ou exigir seja suficiente para que as pessoas se comportem e se enquadrem de acordo com a norma penal. É nessa esfera que aparece a aplicação do direito e da função de punir que se torna imprescindível no descumprimento de uma ordem, gerando com isso consequências que aparecem em forma de sanção para aqueles que de certa forma violaram a ordem pública, interferindo em direitos alheios ou inerentes a terceiros, sendo este cidadões ou o próprio bem jurídico estatal, municipal, federal e etc.

Dessa forma, o Direito Penal que tem como aplicador o Estado e seus servidores, tem por finalidade essencial proteger os valores mais importantes dos indivíduos que compõem uma sociedade. Valores estes, são os bens jurídicos penais, entre os quais temos: a vida, a liberdade, o lazer, a propriedade, a integridade física, honra, patrimônio, dentre outros que dão ao cidadão o status de “socialis hominem”, ou seja, a pessoa social.

É desse ponto que se trata tal estudo quanto, ao poder de punir atrelado as sanções aplicáveis e aos moldes de ressocialização do Estado. Porém, não podemos deixar de aludir aqui, o fato da discriminação social que vem atrelado ao consentimento e a concepção de muitos da sociedade quando se tem no polo oposto, aquele indivíduo delituoso que cumpriu sua pena e agora está de volta ao meio social, podendo ou não, estar sujeito ao equívoco ou a julgamentos de terceiros quanto à sua nova situação, sem deixar de lado o seu histórico pregresso, mas também dando total valor ao fato dele já ter cumprido sua pena perante o Estado.

 

1 METODOLOGIA

A proposta deste trabalho consiste em uma revisão/aplicação sistemática, que tem como objetivo esclarecer acerca do poder punitivo do Estado, como também o status atrelado ao indivíduo que cometeu o ilícito, sofreu sanção e agora está de volta ao meio social. Para isso utilizou-se relatos e teses acadêmicas, assim como relatos advindos dos poderes do Estado sobre assuntos questionados por ele quando em questão.

O estudo foi realizado a partir da análise de diversos artigos, teses, e obras literárias que tratam de maneira semelhante sobre os conceitos basilares do direito brasileiro, assim como também a maneira que a sociedade irá receber aquele cidadão que teve sua liberdade ou seus direitos cassados por alguma quebra de conduta imposta pela lei e das atribuições advindas da Constituição Federal.

Buscaremos desenvolver um breve histórico sobre o os processos aplicados para a ressocialização desses indivíduos, seja eles de maneira isolada ou em concurso de pessoas. Assim como as diversas formas de aplicação de doutrina e de sanções para que aquele que cometeu o delito possa reparar seu erro, restituir seu dano, e retornar para o convívio social de maneira digna e justa. Por fim, pretende-se perceber o grau do simbolismo do Direito e questionar (no âmbito do Direito Penal/Constitucional) em que medida a dogmática penal e constitucional são capazes de domesticar os espaços da subjetividade no processo de interpretação e aplicação do direito.

 

2 O PODER PUNITIVO ESTATAL

            O Estado é uma instituição organizada que sincretiza a política, o social e o polo jurídico, tendo um território definido, normalmente onde exista uma Constituição escrita, ocupando o ápice do ordenamento jurídico, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente, sendo escolhido democraticamente no caso da nossa federação.

Sendo assim, observa-se que para existir uma sociedade, faz-se necessário a existência de um poder que venha para disciplinar, restringindo a conduta humana e social aos moldes trazidos pela suas leis e pela Constituição Federal. Ninguém melhor então do que o Estado, a quem incumbe a preservação e conservação na manutenção do bem-estar da sociedade, e para o bom exercício de suas funções.

Nesse prisma, Mirabete (1994, p. 23) afirma que “uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta dos cidadãos por meio de normas objetivas sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível”. Assim, também segundo o referido autor, são “estabelecidas regras para regulamentar a convivência entre as pessoas e as relações destas com o próprio Estado”. Com isso, destarte que a lei é a ferramenta utilizada pelo Estado na obtenção da harmonia e do equilíbrio social, trazendo à conduta humana um a limitação dos seus atos e direitos. Sua violação à luz do campo penal, significa nada mais, do que a configuração de um fato delituoso, que posteriormente será abarrotado de consequências, que surtirá na imposição de uma sanção penal, afim de reparar tal dano ou delito.

A necessidade de constituição desta autoridade funda-se na ideia de que os indivíduos são, naturalmente, distintos e estão inclinados a si próprios, ao contrário da sociedade, que possui fins e necessidades diversas, por instituir uma unidade orgânica nova. E não só por isso, mas por que a sociedade é uma forma conjunta de indivíduos que necessitam de um regimento maior para que se encontre a harmonia da convivência e do respeito que se torna imprescindível para um grupo de pessoas.

A evolução histórica desta noção de autoridade social converge para a construção do conceito de Estado, ente que, desempenhando funções políticas, sociais, econômicas e jurídicas, é responsável pela promoção do bem comum, sendo dever seu a garantia da ordem pública e do equilíbrio social e o regramento das condutas humanas, esta última mediante normas gerais e abstratas de observância obrigatória por todos os sujeitos. Nesse pólo encontram-se os códigos que trazem as leis, os direitos e os deveres inerentes ao homem social. Nesse aspecto podemos então dar ao Estado o dever de zelar pelo bem-estar e o normal funcionamento da sociedade em geral. Não só nos aspectos sociais mas como também com relação ao controle de todos os ordenamentos jurídicos que regem a concepção da dignidade humana.

Destarte aqui que a norma jurídica, nas mais diversas normas morais e/ou religiosas, dirigem-se à conduta externa do indivíduo, exigindo deste que faça ou deixe de fazer algo, lhe atribuindo responsabilidades, direitos e obrigações e tendo no seu descumprimento o fator gerador de uma sanção institucionalizada e dirigida pela autoridade competente.

Pertinente é a concepção clássica de Cesare Beccaria (2009, p. 19), a respeito da origem das penas e do direito de punir:

“Somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela da sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir.”(BECCARIA 2009, p. 19)

 

Sendo assim, aqui já podemos delinear que o direito de punir do Estado é um monopólio e constitui manifestação direta de sua soberania. Em breve síntese, o jus puniendi se ressalva em 03 (três) aspectos fundamentais que são: a) prerrogativa do ente estatal no desempenho do seu papel de garantidor da ordem pública e do equilíbrio social; b) implicação lógica da atividade de regrar condutas humanas no corpo social; c) poder sustentado na coercitividade e exercido por meio da jurisdição.

Entretanto, obriga-se salientar aqui que o Estado apenas poderá impor sanção a aquele indivíduo violador da norma penal, passando primeiramente por um processo que trará a comprovação de sua responsabilidade. Tal comprovação ocorre, num Estado de Direito, somente após a instauração de um processo e a decisão de um órgão investido de jurisdição, isso em razão da indispensabilidade do controle jurisdicional para a imposição de pena na esfera penal (nulla poena sine judicio).

Aqui se tem o poder jurisdicional, onde se impõe que a  jurisdição é uma das mais expressivas formas de manifestação do poder estatal. Torna-se a capacidade que este tem de impor suas decisões, substituindo a vontade das partes diante de pretensões resistidas. Neste dever, evidenciando seu caráter substitutivo, o Estado toma para si a responsabilidade de jurisdictio, a prerrogativa (e também encargo) de “dizer o direito”, “pronunciar o direito”. Faz-se o direito desses basilares jurídicos.

Célebre se torna a citação do renomado Cintra com relação ao poder processual do Estado ao ato de dar culpabilidade e assim consequentemente a sua punibilidade, quando traz que:

“O processo penal é indispensável para a solução da controvérsia que se estabelece  entre acusador e acusado, ou seja, entre a pretensão punitiva e a liberdade.  Isso não significa, como é óbvio, que todo processo penal conduza a uma imposição de uma pena, pois será um instrumento de garantia da liberdade  quando pronunciar a inocência do acusado. (CINTRA et al., p.45)

A jurisdição penal, portanto, é o poder-dever do Estado que, fundamentado numa pretensão punitiva aplicada, por meio do processo e comprometido com a função de pacificação social, a lei aos casos concretos com sua respectiva função de preservação do bem-estar social.

Destarte que a única entidade dotada de poder soberano é o Estado. Este se torna o titular  exclusivo do direito de punir, na denominação do Estado em seu dever estrito de poder-dever, sendo genérico e impessoal, pois se dirige ao todo e à todos em uma coletividade, podendo ser ou não aplicada a uma determinada pessoa, pois a lei e suas prerrogativas estão dispostas ao Estado para total aplicação.

Esse direito/poder de punir qualquer indivíduo que venha a praticar fato definido como delituoso é um poder abstrato. Após a incitação ou propositura do ilícito, o ato cometido transforma-se logo em pretensão individualizada, ou seja, será dirigida apenas àquele possuidor ou causador do fato ilícito, acometendo a ordem pública ou dando prejuízo ao direito de terceiros.

O Estado, por meio do poder legislativo, cria as leis que por sua vez culminam em sanções relativas ao ilícito cometido, buscando sempre resolver o problema da criminalidade, só que isso não é suficiente para sua diminuição, pois o problema não está ligando diretamente apenas a isso, mas a vários outros fatores, como por exemplo, a desigualdade social. Viggiani  Bicudo:

O modelo de Direito Penal legítimo deve estar afinado com um Estado e uma sociedade civil que promovam políticas públicas e particulares, no sentido  de minimizar a desigualdade social e favorecer a construção de uma crescentes  cidadania em que sejam asseguradas as condições de todas as pessoas  auferirem seus direitos fundamentais à subsistência,  a vida, a saúde e a educação”. (BICUDO; 2010, p. 184)

 

3 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO NA BUSCA DA RESSOCIALIZAÇÃO

            O sistema Prisional Brasileiro é alvo de muitas discussões devido a crise e às condições que atualmente se encontram. Um de seus problemas mais pertinentes são as super lotações que tornam as casas prisionais um local de quase impossibilidade de dignidade humana em busca de ressocialização.

As penas privativas de liberdade se tornaram em quase sua totalidade, a modalidade de sanção principal ao meio coercitivo, pois se ao caminhar pela linha do tempo, percebe-se que antigamente as punições eram em sua maioria penas corporais, atribuindo às prisões o papel de ser apenas local provisório para uma posterior condenação, funcionavam como uma espécie de modalidade prisão-custódia, quando as penas não chegavam ao ponto crítico e cruel da pena de morte.

Ao caminhar do tempo, as casas prisionais se tornaram o principal modelo de aplicação de sanções penais. Contudo, mesmo sendo geralmente o local de destino mais certo para o cumprimento de penalidades, esta ainda não logra sucesso quanto ao objetivo proposto de ressocialização.

Ainda ao decorrer do tempo, não pode-se esquecer e vale a pena ressaltar acerca das prisões eclesiásticas, onde a igreja ocupa um lugar primordial ao contexto histórico pois adotava o encarceramento como forma inquisidora. A igreja e seus representantes utilizavam-se das prisões como forma de reparação espiritual, ou seja uma reconciliação com Deus. Este modelo prisional era conhecido como Tribunal de Inquisição. A este modelo de sistema, dar-se inerente ao poder punitivo, a função primordial de inquirir e punir doutrinas consideradas contrárias aos dogmas da Igreja. Em um rol taxativo  os eram considerados crimes nessa época: blasfêmia, heresias, , desobediência, traição (aos pontos de vista unicamente da Igreja).

Tornava-se cruel ao ponto de qualquer indivíduo que cometesse tal crime contrário à conduta da Igreja, serviria de exemplo para todos os outros da sociedade. Um espetáculo era montado em praça pública em forma de espetáculo, onde os detentores do poder de inquirir decidiam à sua mera vontade de escolha o futuro e a punição adequada a cada caso, entre elas ocorriam amputações de membros, forca, guilhotinas, dentre outras maneiras extremamente cruéis dando vazão a um espetáculo de horrores. Traz Carvalho e Santana em suas obras:

“A edição dos Códigos (Código Criminal do Império em 1830, no ano seguinte foi a  vez do Código de Processo Criminal),  passou a valer somente para os homens livres, pois mesmo com a independência política do Brasil, em 1822, a escravidão  permaneceu. Nesse sentido, os escravos ainda eram punidos com pena  de morte e torturas, uma vez que não eram vistos como cidadãos”                 (CARVALHO, 2002; SANTANA, 2008)

Caminhando pela Idade Moderna, o sistema começou a declinar para maneiras alternativas de sanções, pois notava-se que a pena de morte não surtia mais tanto efeito moral, pois desenfreadamente o número de delitos e delinquentes crescia mais e mais. Observava-se também que a pena de morte não trazia a luz da ressocialização um retorno possível, pois como ao nome ela se trata de pena de morte, e com o aumento dos crimes chegaria o momento que faltaria até mesmo mão de obra para demais serviços, fato este que desencadeou na ideia de uma forma alternativa de pena, onde o acusado agora já não seria morto e sim penalizado em vida.

Chegando aos tempos modernos, constatamos que mais difícil ficou a ressocialização e mais fácil a exclusão, devido ao estado crítico que se encontram a grande maioria das casas prisionais brasileiras. Diversos são os problemas encontrados quando a sua estruturas as super lotações que tornam um modelo de ressocialização quase inalcançáveis.

Sobre tal perspectiva, é válido citar a seguinte opinião:

“Em que pese o fato de que vivemos em uma época de inflação punitiva e de altas taxas de encarceramento, a pena privativa de liberdade encontra-se hoje marcada pela sua total insustentabilidade como principal forma de resposta ao delito. Dentre os aspectos que nos revelam essa inequívoca constatação, podemos destacar o histórico descaso por parte do Estado com relação aos estabelecimentos prisionais, circunstância esta que, para além de todas as críticas ao encarceramento, impossibilita a satisfação de quaisquer fins a que a pena possa estar supostamente destinada, e inviabiliza a garantia da segurança na sociedade como um todo.” (CANOTILHO, MENDES, SARLET E STRECK, 2013, p. 415).

Vale ressaltar que com relação ao preso e o desenvolver de suas condutas, não se pode apontá-lo como detentor de toda responsabilidade, quanto ao passo que o Estado se exaure dessa responsabilidade. Nota-se que penas cruéis e desumanas nunca levarão à ressocialização e nem à inclusão social, tanto almejada para uma melhora no sistema carcerário.

O espaço físico, os servidores, certos tipos modelos prisionais, os tipos alternativos de pena, assim como todo escopo que faz parte do sistema carcerário, não só em âmbito físico como nos de propostas ofertadas para diminuição de penas ou mesmo pela substituição dessas, são de responsabilidade do Estado. Ou seja, o Estado com seus respectivos administradores, juntamente com os poderes do legislativo, executivo e judiciário, fazem um misto de responsabilidades e deveres quanto à sociedade, sendo ela observada ao todo como população ou na observância de apenas um ou específicos cidadãos que necessitam de especial atenção devido as infrações e delitos que cometem.

Ademais, o sistema carcerário por si só já desmotiva a melhora do preso, pois são prisões sem qualquer estrutura, sendo muito apontadas pela Criminologia Crítica: “A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. (…) a pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social.” (BITENCOURT, apud MIRABETE, 2007, p. 26).

 

4 POLÍTICA CRIMINAL E CONTROLE DA SOCIEDADE

            Na sociedade contemporânea, existe a sensação real de medo, que ganha espaço e força devido ao aumento das novas formas de criminalidade, uma espécie de “febre coletiva” que  desencadeia uma série de delitos e o aumento crescente dos criminosos. Fala-se até em progressão geométrica para a criminalidade, enquanto a justiça vem a passos de progressão aritmética.

Mas quaisquer formas de punição, além de não estarem surtindo o efeito desejado, não estão cumprindo com suas finalidades de forma correta, que deveriam ser o objeto almejado com as penas, cumprindo também sua função social. Diante disso, a única finalidade da pena que traz a inclusão social do preso na vida social é a ressocialização, que se torna o objetivo comum à sociedade, estando alinhada juntamente com a conscientização da própria sociedade, seria a alternativa mais eficaz de abaixar os índices de criminalidade.

Cometer um crime, muitas vezes, é assinar uma “sentença” para viver  durante o resto da vida à margem da rejeição da sociedade, pois além da violência vivida  dentro dos presídios, o indivíduo  vai enfrentar a violência direta como também a velada, que marginaliza e retira as oportunidades de uma independência financeira, ética e moral.

O Sistema Brasileiro quase em geral, são desprovidos de programas que viabilizem a reabilitação e a inserção do preso ao convívio social sociedade. A convivência dentro dos presídios, na sua maioria, aumenta a descrença e a falta de vontade de se reinventar na busca da construção da cidadania. O tempo ocioso, a falta de perspectiva no amanhã, a descrença e o preconceito advindo da própria sociedade para com o indivíduo,  se torna um campo fértil para o desenvolvimento de uma consciência destrutiva e muitas vezes irrecuperáveis.

Nesse aspecto, poucos são os infratores que conseguem a reabilitação e inserção social. A  sociedade, vítima outrora de seus crimes, penaliza e exclui por medo, precaução, ou simplesmente por  ideais de  preconceitos tanto com o ex-presidiário como também toda a sua família. A esperança de um emprego, de uma nova chance, se torna um caminho para o recomeçar, que quando dar certo, fortalece e incentiva a mudanças de atitudes, de comportamento e de construção positiva. Outras vezes, essa oportunidade  não se concretiza, pois o conhecimento do passado social do indivíduo se transforma em uma barreira quase intransponível, o que o coloca à margem de toda a sociedade tirando-lhe as chances de uma nova vida com direitos e deveres.

De volta ao convívio social no “saidão”, no regime semiaberto ou aberto ou então em liberdade, o transgressor encontra o preconceito. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 57% da população brasileira em 2015 concordava com a frase “bandido bom é bandido morto”. (Retirado do link-https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/desconfianca-e-preconceito-da-sociedade-dificultam-ressocializacao-de-presos)

O sistema funciona como um catalisador, aprofundando as vulnerabilidades sociais e muitas vezes motivando as dinâmicas criminais de maneira cíclica e repetitiva. Nada impede para que o infrator retorne ou mesmo nem saia, do mundo do crime.

Conforme destaca Rogério Greco (2011, p. 443): “Parece-nos que a sociedade não concorda, infelizmente, pelo menos à primeira vista, com a ressocialização do condenado. O estigma da condenação, carregado pelo egresso, o impede de retornar ao normal convívio em sociedade”.

Trabalhos desenvolvidos dentro das casas prisionais, além de serem um importante no mecanismo ressocializador, evita os posteriores efeitos corruptores do ócio, contribuindo para a formação da personalidade do indivíduo, permitindo ao recluso dispor de algum dinheiro para ajudar na sobrevivência de sua família e de suas necessidades, não tirando sua dignidade, e lhe propiciando uma maior oportunidade de ganhar sua vida de forma digna após adquirir liberdade.

Conforme afirma Maurício Kuehne (2013, p. 32):

O trabalho, sem dúvida, além de outros tantos fatores apresenta um instrumento de relevante importância para o objetivo maior da Lei de Execução Penal, que é devolver a Sociedade uma pessoa em condições de ser útil. É lamentável ver e saber que estamos no campo eminentemente pragmático,  haja vista que as unidades da federação não têm aproveitado o potencial da mão de  obra que os cárceres disponibilizam.” (KUEHNE, 2013)

Infelizmente a história da evolução do homem está cheia de casos absurdos de tortura e tratamentos degradantes. Quer dizer, o próprio homem, enquanto espécie, não se respeita. Um fato trágico no desenvolvimento histórico das relações sociais, e mais fatídico se torna quando a reinserção não obtém êxito perante toda a sociedade.

Aos fatos que permeiam o ex-detento, um dos principais é a busca da dignidade fora das “celas”. A esperança de novamente adquirir a confiança de quem acredita na mudança, e a esperança de radicalizar os pensamentos daqueles que encontram nas pessoas delituosas a desculpa “certa”, para a disseminação do preconceito e descaso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ao ponto de toda a construção e debate acerca das considerações sobre o poder punitivo do Estado e suas vertentes de ressocialização, ficou claro que ele tem o dever constitucional de assegurar uma sentença justa e imparcial, um cuidado específico pelo poder administrador, algumas vezes, manipulados pela opinião e o preconceito social.

O Sistema ao preparar o indivíduo para retornar à sociedade, cria nele expectativas que algumas vezes não serão alcançadas ou por falta de oportunidades, ou por índole e moral questionável do próprio indivíduo. Existem casos que viver na marginalidade é uma opção e não uma condição social. A esses, o sistema falha tanto na inserção social como na reconstrução do  cidadão, pois se torna apenas um lugar de  prisão, reclusão, não teve o valor de transformação e de mudanças, apenas retirou do convívio social um “marginal” durante um espaço de tempo.

Nesses casos, a violência vivida dentro das prisões aprimora e instiga a vida marginal fazendo das casas prisionais, lugares de construções de redes criminosas onde planos são criados e estruturados para serem colocados em prática ao retorno à sociedade, ou até mesmo o comando interno para ações fora da prisão.

Apesar de o ordenamento jurídico prevê o respeito e a proteção à dignidade e à integridade física e moral dos encarcerados, podemos concordar que o Estado ainda mantém um sistema cruel e desumano quanto a maneira e ao local onde os “detentos” são colocados. Sendo que, os efeitos produzidos pela prisão são devastadores à personalidade humana, levando-se em conta que o direito de ter uma vida digna se desfaz no momento em que um indivíduo adentra num dos estabelecimentos prisionais brasileiros, se adequando ao que é proposto lá dentro, e obtendo o “choque social” ao reiterar a sociedade, como um homem livre fisicamente e emocionalmente.

Assim, o Estado-Juiz, no caso da lide penal, deverá dizer se o direito de punir procede ou não. Trata-se, pois, de jurisdição necessária, já que o ordenamento jurídico não confere aos titulares dos interesses em conflito a possibilidade, outorgada pelo direito privado, de aplicar espontaneamente o direito material na solução das controvérsias oriundas das relações da vida.

Deste modo, é salutar uma aplicação que garanta a execução penal, concluindo-se pela extinção do tratamento cruel, deprimente e humilhante que vem sendo dispensado aos presos. É necessário que se façam cumprir as normas constitucionais para que haja uma humanização da execução na pena privativa de liberdade, e, consequentemente, os efeitos da ressocialização possam ser alcançados com êxito, abstendo esse indivíduo do preconceito escancarado de uma boa parte da sociedade.

 

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução por Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2007.

 

BICUDO, Tatiana Viggiani. Por que punir? Teoria geral da pena. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

CANOTILHO, J. J. G.; MENDES, G. F.; SARLET, I. W.; STRECK, L. L. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

CAPEZ, Fernando.Curso de Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva.

 

CARVALHO, J. Murilo de. Cidadania no Brasil:o longo caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

 

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido RangelTeoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

 

GRECO, Rogério. Direitos Humanos, Sistema Prisional e Alternativa à Privação de Liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Niterói: Impetus, 2008.

 

JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 8 ed. V 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

 

KUHENE, Maurício. Lei de Execução Penal Anotada. 11. ed. rev. e atual. Curitiba: Jaruá , 2013.

 

MIRABETE, J. F. Manual de direito penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

SANTANA, E. Crime e Castigo. São Paulo: Editora Golden Books, 2008.

 

[1]Lourival Mendes de Carvalho Júnior. Acadêmico 10° Período do Curso de Direito. Instituto de Educação Superior Raimundo Sá. [email protected]. Orientadora: Esp. Eloize Maria Oliveira Amorim dos Santos.

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