A Prescrição Intercorrente na Execução Fiscal: Aspectos Teóricos e Práticos com Decisão do Resp. 1.340.553/RS

Maria Tereza Borges de Oliveira Mello. Procuradora do Município de Trindade–Go. Ex-Procuradora do Município de Araguaína-To. Pós-graduada em D. do Estado pela Faculdade Anhanguera. Pós-graduanda em D. Público pela Faculdade Legale. E-mail: [email protected]

Resumo: Os dados demonstram que a extinção imprópria dos executivos fiscais supera a extinção em razão da satisfação do crédito por meio de pagamento. Tendo em vista os vários debates jurisprudenciais e doutrinários em especial sobre a viabilidade de decretação de ofício e do termo inicial e final da contagem da suspensão de 1 (um) ano e da prescrição intercorrente, previstos no artigo 40, §§1º e 2º da Lei de Execução Fiscal aliado aos efeitos práticos do julgamento do Resp. 1.340.553 se propõe o presente trabalho. Como metodologia utilizou-se a pesquisa qualitativa e quantitativa, método empírico por meio da atuação prática na Procuradoria Fiscal com mais de 10 (dez) execuções fiscais, método dedutivo-exploratório, com busca literária, trabalhos científicos, bem como também doutrinas e jurisprudências relacionadas ao tema em tela. Em que pese a polêmico sobre a aplicação da prescrição intercorrente no processo de execução fiscal, verificou-se, por meio deste trabalho, que tal instituto deve ser interpretado a luz da utilidade e finalidade do processo executivo, respeitando o poder-dever do magistrado em conduzir o processo, o devido processo legal e a segurança jurídica.

Palavras-chave: Prescrição Intercorrente. Execução Fiscal. Jurisprudência.

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Abstract: The data shows that the improper extinction of the tax executives exceeds the extinction due to the satisfaction of the credit through payment. In view of the various jurisprudential and doctrinal debates in particular on the feasibility of decree of office and the initial and final term of the counting of the suspension of 1 (one) year and the intercurrent prescription, provided for in article 40, §§1 and 2 of the Tax Enforcement Law combined with the practical effects of Resp. 1.340.553 the present work is proposed. As a methodology, qualitative and quantitative research was used, an empirical method through practical action in the Tax Attorney with more than 10 (ten) tax executions, deductive-exploratory method, with literary search, scientific works, as well as related doctrines and jurisprudence. to the theme on screen. Despite the controversy about the application of intercurrent prescription in the tax enforcement process, it was verified, through this work, that such institute must be interpreted in the light of the usefulness and purpose of the executive process, respecting the power-duty of the magistrate in conduct the process, due process and legal certainty.

Keywords: Intercurrent prescription. Tax Enforcement. Jurisprudence.

 

Sumário: Introdução. 1. Breve explanação sobre a formação do título executivo e do início do processo de execução fiscal. 1.1. Da prescrição intercorrente na execução fiscal. 1.2. Do artigo 40 da lei de execução fiscal e da sua constitucionalidade. 1.3. Do papel do poder judiciário e da procuradoria fazendária na operacionalidade dos §1º e §2º do artigo 40 da lei de execução fiscal. 1.4. Da prescrição intercorrente antes do Resp. 1.340.553. 1.5. Da prescrição intercorrente após o Resp. 1.340.553. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Partindo da premissa que o instituto da prescrição intercorrente é recente no direito brasileiro, e, desde então há grandes controvérsias sobre a sua constitucionalidade, aplicabilidade e fixação do marco temporal para seu início e término, aliado ao recente julgamento do Recurso Especial n.º 1.340.553 em repetitivo se propõe o presente trabalho voltado à visão prática de atuação em uma Vara de Execução Fiscal.

O grande volume de ações de execução fiscal em virtude do alto índice de inadimplência que os entes públicos enfrentam em relação aos tributos sobrecarregam as varas de execução fiscal, sendo um gargalho para o Poder Judiciário, entretanto a “necessidade de equacionar a gestão no volume de processos não pode avançar os limites que respeitam a harmonia e a independência entre os Poderes, criando soluções que gerem potencial desequilíbrio de ordem social ou econômica[1]”.

Em um primeiro momento será abordado de forma sucinta à formação do título executivo extrajudicial, início do processo de execução fiscal e a prescrição intercorrente na execução fiscal, a fim de contextualizar o assunto e ressaltar a importância do instituto, mas sempre voltado ao respeito do devido processo legal, do acesso ao judiciário, da razoável duração do processo e da finalidade do processo executivo.

Ato contínuo houve destaque do papel do Poder Judiciário e da Procuradoria Fazendária em um regime de colaboração para a persecução do crédito, tendo em vista que há vários atos e diligências que são privativos ou subsidiários do judiciário o que foge ao controle da parte exequente.

Partimos, então, para aplicação dos prazos previstos nos §§1º e 2º do artigo 40 da Lei de Execução antes e depois da conclusão do Recurso Especial n.º 1.340.553 como a forma de contagem da suspensão de 1 (um) ano, do quinquênio prescricional, a legislação tributária aplicável, súmulas, doutrina e por fim o novo entendimento da Corte do Superior Tribunal de Justiça.

Finalizando, com todo respeito jurídico apresentamos críticas às teses fixadas porque automatiza a fluência dos prazos de suspensão e da prescrição intercorrente, retirando do magistrado o poder-dever de condução do processo, atribuindo punição a parte exequente por mora que não lhe pode ser atribuída, desvirtua a própria natureza do processo executivo que é a satisfação do crédito executado, além de trazer prejuízos a toda coletividade.

 

1 Breve explanação sobre a formação do título executivo e do início do processo de execução fiscal

O processo de execução fiscal é instrumento importante para a arrecadação e indispensável para Fazenda Pública para recebimento dos créditos inscritos em dívida ativa, seja de natureza tributária ou não tributária. “Conforme dispõe a Lei n.º 6.830/80 a execução fiscal seguirá o procedimento nela descrito, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, desde que não sejam incompatíveis com as normas reguladoras do procedimento especial (CHIMENTE et al, 2008, p. 37)”.

“A cobrança do crédito fiscal, por meio de um procedimento próprio, foi pensado com intuito de acelerar a satisfação coativa, em prol do interesse público que se reveste a cobrança das receitas de natureza eminentemente estatal (CHIMENTE et al, 2008, 38)”.  Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e Municípios, bem como suas respectivas autarquias e fundações públicas deverão utilizar o procedimento preconizado na Lei de execução fiscal para a cobrança de dívida ativa de titularidade de cada ente.

O título que institui a execução fiscal é denominado de Certidão de Dívida Ativa (CDA)[2]. A inscrição na dívida ativa ocorre apenas depois da constituição definitiva do crédito, assim para se formalizar o crédito tributário a legislação exige que seja realizado o lançamento.

O lançamento é um ato formal realizado por meio de um processo administrativo tributário, sendo obrigatória a obediência ao previsto no artigo 142 do Código Tributário Nacional[3] para a constituição definitiva do crédito tributário.

É possível inscrever o crédito tributário em dívida ativa depois de vencido o prazo para pagamento. A referida inscrição é feita por meio de um procedimento administrativo destinado a apurar a liquidez e certeza do crédito[4], devendo ser emitida uma certidão para atestar os referidos atributos. Esse documento, denominado de certidão de dívida ativa[5], constitui o título executivo apto a legitimar a propositura da execução fiscal.

A certidão dívida ativa deve conter os mesmos requisitos formais exigidos no termo de inscrição, conforme disciplina o parágrafo único do artigo 202 do Código Tributário Nacional[6] e o § 6º do artigo 2º da Lei de Execução Fiscal[7].

Segundo o professor Anderson Madeira (MADEIRA, 2014): “podemos entender como dívida ativa tributária o título executivo extrajudicial da Fazenda Pública representativo de débito fiscal (tributo ou multa) vencido e não pago por parte do sujeito passivo”.

A partir desse momento surge o direito do ente fazendário de iniciar a cobrança judicial do crédito tributário definitivamente constituído e não pago pelo contribuinte, respeitando o prazo de 05 (cinco) anos previsto no artigo 174 do Código Tributário Nacional[8].

Caso o executivo fiscal não seja ajuizado dentro do prazo prescricional de 05 anos o próprio crédito tributário será aniquilado, mas o ajuizamento do executivo fiscal dentro do lapso temporal acarretará a interrupção da prescrição pelo despacho do juiz que ordenar a citação, retroagindo a data do protocolo da petição inicial.

Com o início da cobrança judicial por meio do rito especial previsto na Lei de Execução Fiscal a prescrição ordinária permanece interrompida, sendo que no curso do processo executivo poderá desencadear um novo prazo prescricional denominado de prescrição intercorrente.

Nesta linha, Robson Zanetti (2011, p. 65) explica que existem dois tipos de prescrição no direito tributário: “Temos duas espécies de prescrição no direito tributário: uma que ocorre antes do ajuizamento da execução fiscal, conhecida por prescrição consumativa (genérica) e outra após a execução, chamada prescrição intercorrente” (CLEMENTINO, 2019).[9]

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1.1. Da prescrição intercorrente na execução fiscal

O decurso do prazo prescricional durante o processo judicial de execução fiscal é denominado prescrição intercorrente. Em uma sucinta diferenciação temos em um primeiro momento o decurso do prazo prescricional (consumativo) para o ajuizamento da ação de execução fiscal, e, em um segundo momento a ordem jurídica estabelece um novo prazo prescricional (intercorrente) para que a demanda seja processada e finalizada, evitando a tramitação eterna de inúmeras demandas judiciais.

Nada melhor que começar a analisar esta variação sob o prisma do sentido terminológico da palavra. José da Silva Pacheco (2009) leciona que a palavra “intercorrente” é um adjetivo oriundo do latim inter (entre) e currere (correr), significando o que sobrevém, ou se mete de permeio. Da mesma sorte, o dicionário online de português (DICIO) propõe um significado semelhante: o que sobrevém no decurso de outra coisa (CLEMENTINO, 2019).[10]

É possível conceituar a prescrição intercorrente como aquela que ocorreu no curso do processo judicial de execução fiscal em virtude da não citação do devedor ou mesmo com a citação do executado, não foram localizados bens à penhora dentro do tempo previsto na legislação infraconstitucional.

“A prescrição intercorrente é um instituto criado pela tradição jurídica brasileira (sob influxo da jurisprudência e da doutrina) e positivado em lei no §4ª do art. 40 da Lei de Execução Fiscal (por força do advento da Lei n.º 11.051/04, vigente em 30/12/2004) (CHUCRI et al., 2019, p. 740)”.

O fundamento é buscado no princípio da segurança jurídica e para evitar a eternização dos processos, conforme afirmado pelo Ministro Luiz Fux em seu voto no Recurso Especial n.º 649.353/PR, Primeira Turma, DJ 28/03/2005: “Essa exegese impede que seja eternizada no Judiciário uma demanda que não consegue concluir-se por ausência dos devedores ou de bens capazes de garantir a execução”.

“Isso não significa que o processo não possa se prolongar no tempo, como é costume acontecer por motivos vários, mas que esse prolongamento se dê pela realização de atos úteis para que o processo atinja o seu termo. O escopo do processo executivo é a satisfação do crédito do exequente. Mas a busca desse fim só se justifica na medida em que se praticam atos processuais que potencialmente conduzam para esse fim (utilidade) (CHUCRI et al., 2019, p. 741)”.

Sendo assim, uma vez identificado que não há mais atos úteis para alcançar o escopo do executivo, o mesmo estará fadado ao insucesso, portanto, deverá ser extinto, alcançando ou não a sua finalidade.

 

1.2. Do art. 40 da Lei de Execução Fiscal e da sua constitucionalidade

O art. 40 da Lei 6830/80[11] traz a previsão da prescrição intercorrente para aplicação nas ações de execução fiscal.

É importante enfrentar a constitucionalidade da previsão da prescrição intercorrente em relação aos créditos de natureza tributária, diante da exigência de lei complementar para dispor sobre prescrição tributária (Artigo 146, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal de 1988[12]) (MELO FILHO, 2011).

A jurisprudência[13] declarou a inconstitucionalidade do §4º do art. 40 da LEF para, sem redução de texto, dar-lhe interpretação conforme no sentido de que a prescrição se conta desde quando determinada a suspensão do processo – e não do seu arquivamento, devendo excluir, portanto o prazo de 1 (um) ano de suspensão do §2º na contagem da prescrição intercorrente.

O primeiro argumento da decisão foi que o prazo prescricional previsto no Código Tributário Nacional do crédito tributário é de 05 (cinco) anos, e, a aplicação do prazo de 1 (um) ano da suspensão elevaria o prazo prescricional para 06 (seis) anos. Já o segundo argumento alicerça na premissa de apenas lei complementar poderia dispor sobre a suspensão do prazo prescricional, e, não uma lei ordinária como é o caso da Lei de execução fiscal.

Entretanto, é possível perceber uma aplicação seletiva a inconstitucionalidade do §4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, pois se a suspensão do prazo prescricional é inconstitucional, por óbvio a própria criação do instituto da prescrição intercorrente[14] em matéria tributária por lei ordinária também padeceria do vício de inconstitucionalidade.

É induvidoso que a prescrição intercorrente não tem assento no Código Tributário Nacional, ou seja, deve-se, explicar que o Código Tributário Nacional não prevê atos processuais praticados na execução fiscal como os eventos interruptivos da prescrição, mas regulamenta tão somente a prescrição ordinária.

Ademais, o §2º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal cuida do prazo de suspensão do processo de execução pela inexistência de bens penhoráveis ou pela não localização do devedor, tratando-se de típica disposição de natureza processual (CHUCRI, et al., 2019), portanto não há qualquer violação constitucional à reserva de lei complementar no estabelecimento, por lei ordinária processual, de regra de prazo máximo de suspensão do processo.

Não é demasiado ressaltar que o legislador foi absolutamente coerente na sua escolha, tendo em vista que para aplicação da prescrição intercorrente exige-se inércia da parte na condução do processo, e, se processo encontra-se suspenso, por determinação judicial, não poderia fluir a contagem da prescrição intercorrente por incompatibilidade lógica (§2º do art. 40, Lei de Execução Fiscal).

Em uma leitura atenta da lei de execução fiscal, é possível identificar que o legislador corretamente fixou o prazo para início da fluência da prescrição intercorrente depois de decorrido o prazo de suspensão do processo[15]. “Nessa perspectiva, o TRF4[16] acabou por declarar a inconstitucionalidade do próprio marco inicial da contagem do prazo de prescrição intercorrente definido por lei ordinária (CHUCRI et al., 2019, p. 748)”.

“Na tramitação de uma ação de execução fiscal há um evidente regime colaborativo entre a parte Exequente e o Poder Judiciário, portanto não é tarefa fácil e nem estanque delimitar-se o evento que de fato caracteriza a inércia passível de punição para a contagem da prescrição intercorrente (CHUCRI et al., 2019, p. 748)”.

Deve-se ainda refletir por que o marco inicial definido pelo Poder Judiciário deve prevalecer se o fundamento da decisão é a necessidade de previsão em Lei Complementar? “Nesse sentido, a declaração de inconstitucionalidade do marco inicial da contagem do prazo da prescrição intercorrente presta um desserviço à segurança jurídica e à operacionalidade própria do instituto, como definido em lei (CHUCRI et al., 2019, p. 749)” (DAMASCENO, 2018).

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral pelo pleno do Recurso Extraordinário n.º 636.562/SC – Tema 390, Relator Ministro Roberto Barroso, em que se discute, à luz dos art. 146, III, b, da Constituição Federal, a constitucionalidade ou não, do artigo 40, §4º, da Lei 6.830/1980, que regula a prescrição intercorrente no processo de execução fiscal, sob a alegação de que não se trata de matéria reservada à lei complementar. Ainda pendente de julgamento.

 

1.3. Do papel do Poder Judiciário e da Procuradoria Fazendária na operacionalidade dos §1º e §2º do art. 40 da Lei de Execução Fiscal

Sem adentrar as questões de excesso de carga tributária no país porque foge à proposta do presente trabalho é importante lembrar que há uma forte ligação entre o direito tributário e os direitos fundamentais, em especial o dever fundamental de pagar os impostos que reflete em toda a sociedade em especial na implantação das políticas públicas.

Os entes federativos possuem um índice de inadimplência muito alto o que reflete diretamente na quantidade de processos de execução fiscal ajuizados todos os anos, isso decorre de vários fatores, entretanto a sobrecarga de processos nas varas de execução fiscal não pode ser motivo para aplicação de prazo estanque para finalizar a execução fiscal sob pena de subverter toda sistemática do ordenamento jurídico em especial a finalidade e a utilidade do processo executivo prestigiando os devedores contumazes, desprestigiando aqueles que cumprem com seus deveres e prejudicando toda a coletividade.

Assim, é bom ressaltar que o processo executivo não tem prazo fixo para finalizar. Portanto, é absolutamente censurável a aplicação do instituto como estipulador de prazo certo para encerramento do executivo fiscal, pois para ter resultados efetivos é imprescindível um alinhamento de medidas e esforços de todos os envolvidos. Apenas haverá mudanças e resultados se todos os órgãos, Poderes e a sociedade se comprometerem em cada um cumprir o seu papel.

“A ação de execução fiscal é o meio jurídico-processual de que dispõe o credor para a satisfação de um crédito constante em um título com eficácia executiva. A finalidade da ação de execução fiscal é bem clara, qual seja, a satisfação do crédito exequendo (CHUCRI et al., 2019, p. 628)”.

Quando iniciado o processo, é possível que depois da citação ocorra o pagamento imediato, o parcelamento do débito ou realização de diligências necessárias para a marcha processual até sobrevir de fato impedimentos à sua normal continuidade, provocando a sua suspensão.

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Enquanto o processo estiver tramitando, com adoção de atos, seja pelo credor ou pelo judiciário, no sentido de localizar o devedor ou bens penhoráveis, não há que se falar em contagem de prazo de suspensão e de prescrição intercorrente.

Na prática forense de uma Vara de Execução Fiscal há uma inegável sobrecarga de trabalho em virtude da quantidade de ações de execução fiscal protocoladas anualmente, e isso significa um maior lapso temporal entre o requerimento da Procuradoria Fazendária, a apreciação pelo magistrado e no cumprimento pelo cartório da vara, portanto é inconcebível atribuir inércia da parte exequente com incidência do prazo da prescrição intercorrente, enquanto há requerimento a ser apreciado ou determinação a ser cumprida pelo cartório.

“Existem diligências que são de (i) competência privativa do Poder Judiciário, como a ordem para a atuação do cartório, dos oficias de justiças nas atividades de expedição e cumprimento de mandados de penhora, avaliação, arresto e outras medidas, requisição de documentos e de informações sujeitas à reserva de jurisdição, como os que possam violar o sigilo fiscal e bancário do devedor. Há diligências que competem subsidiariamente (ii) ao Poder Judiciário, que deve requisitar por ordem para serem cumpridas, como por exemplo, recusa ao atendimento de informações ou documentos solicitados diretamente pela Procuradoria Fazendária aos cartórios de registros de imóveis, etc. Têm-se ainda aquelas diligências em que o Poder Judiciário assume por avocação, caso em que o Judiciário, voluntariamente, atende ao pedido da Procuradoria Fazendária mesmo quando se tratar de diligências que lhe competiriam executar (CHUCRI et al., 2019, p. 685)”.

“A execução, ou está em andamento regular, ou está suspensa, ou paralisada (CHUCRI et al., 2019, p. 628)”. A suspensão é o sobrestamento do processo justificado em razão de questões havidas dentro do processo (relacionadas ao crédito tributário, como por exemplo, hipóteses previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional), ou fora dele, porém com repercussão (processos incidentais, ações autônomas, processo falimentar, entre outros), que necessita ser solucionada para retornar a marcha processo da execução. Vejamos que são situações que ocorrem que não são decorrentes de qualquer inércia da parte exequente, sendo assim, não se pode falar em prescrição intercorrente.

Nos casos em que o processo está tendo regular tramitação com adoção de atos que visam a atingir o seu fim, independentemente do tempo que levar para conclusão das diligências não há ainda a suspensão do processo do §1º do art. 40, nem início da prescrição intercorrente.

Somente depois de esgotadas as diligências necessárias para localizar o devedor ou bens penhoráveis, é que poderá se determinar a suspensão de 1 (um) ano do processo, intimando a Fazenda Pública dessa suspensão pelo art. 40 da Lei de Execução Fiscal, passado esse período, sem manifestação da parte exequente, o processo, então, passa a ser arquivado sem baixa na distribuição, e a partir desse momento a Procuradoria Fazendária tem conhecimento do início da contagem do prazo da prescrição intercorrente, tudo em respeito ao princípios da não surpresa.

É que, na prática forense, há um fluxo a ser seguido de acordo com a situação processual de cada caso concreto, não sendo possível definir uma linha divisória e estanque entre a atuação do Judiciário e da Fazenda, para se estabelecer, com segurança, quando terminar uma e começa outra, porque eles atuam em regime colaborativo, havendo diligência que competem privativamente ou subsidiariamente do Poder Judiciário. “Ademais, o tempo de conclusão de diligências não está na esfera de controle da Fazenda Pública, podendo haver atraso ou ausência injustificada de resposta pelos órgãos oficiados (CHUCRI et al., 2019, p. 687)”.

“No pacto social entrega ao Estado-juiz o monopólio da administração da justiça, o que significa o monopólio do uso da força sobre a liberdade e o patrimônio de todos os cidadãos (CHUCRI et al., 2019, p. 686)”. Assim, não se mostra acertada a interpretação de fixação de prazo prescricional durante a tramitação do processo com a única finalidade de descongestionar o judiciário e colocar fim aos processos executivos, pois desvirtua o ordenamento jurídico e penaliza demasiadamente não só o erário público, mas toda a sociedade.

Na tramitação de uma execução fiscal, todos os envolvidos devem primar pela sua finalidade, qual seja o pagamento do crédito tributário, mas na tramitação dos inúmeros processos a parte exequente se depara com grandes entraves que dificulta o atingimento da sua finalidade.

“Os agentes do Estado-juiz, os juízes, precisam ter essa consciência e exercer, com dedicação e firmeza, a tarefa que lhes compete por natureza e de forma exclusiva: o monopólio do uso da força para a constrição e expropriação dos bens do devedor. O fracasso de uma execução fiscal não representa apenas o fracasso do Estado-administração; é também o fracasso do Estado-juiz (CHUCRI et al., 2019, p. 686)”.

 

1.4. Da aplicação da prescrição intercorrente antes do Resp. 1.340.553

Inicialmente o artigo 40 da Lei de Execução Fiscal foi previsto apenas com os §§1º, 2º e 3º levando a interpretação de que ação de execução fiscal poderia permanecer em arquivo provisório por um período indefinido:

Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

  • 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
  • 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
  • 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 passaram a defender que as ações judiciais executivas não poderiam ser eternas em respeito aos princípios da razoável duração do processo e da segurança jurídica.

Assim, sob o influxo da jurisprudência e da doutrina foi positivado o §4º da Lei de Execução Fiscal com o advento da Lei n.º 11.051/04. In verbis:

  • 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

Com inclusão do §4º no artigo 40 da Lei de Execução Fiscal iniciou-se os debates sobre em qual momento deveria iniciar a contagem do prazo da prescrição intercorrente. Por fim, restou consolidada, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência que determinava a contagem do prazo de prescrição intercorrente – 05 (cinco) anos para o crédito tributário – a partir do arquivamento dos autos nos termos do §2º do artigo 40, e, mesmo tendo ocorrido à prescrição intercorrente está não poderia ser decretada de ofício.[17] (SANDER, 2012)

O Superior Tribunal de Justiça acabou sumulando seu posicionamento no verbete n.º 314[18]. Restando claro por meio da súmula que a causa da prescrição intercorrente na execução fiscal é a inatividade processual, a impossibilidade de o credor agir (inércia), não por sua culpa, mas em razão da falta de bens ou do próprio devedor (execução frustrada).

É possível afirmar que o legislador não teve a intenção de padronizar o prazo para todas as execuções fiscais. O procedimento do art. 40 da Lei de Execução Fiscal começa com a impossibilidade de localizar o devedor ou encontrar seus bens, entretanto tais fatores só podem ser averiguados na constância do processo, após as diligências mínimas da Fazenda e do Judiciário.

Na prática de uma ação de execução fiscal há várias diligências possíveis a serem realizadas tanto pelo Poder Judiciário quanto pela para exequente visando à localização do devedor ou de bens penhoráveis.

Em caso de retorno de “AR” com tentativa infrutífera para citação do devedor surge várias possibilidade a depender da informação prestada pelos correios, por exemplo, é possível o ente fazendário solicitar consulta em sistemas alternativos, (SIEL, INFOJUD, CADSUS), de acesso restrito ao judiciário para buscas de novos endereços ou ainda realizar diligências internas com auxílio da Secretaria da Fazenda, assim como o requer nova tentativa de citação por oficial de justiça, e, posteriormente por edital. Já em relação a localização de bens penhoráveis, é possível requerimento de diligências de competência privativa do Poder Judiciário com buscas no sistema SISBAJUD, RENAJUD, Declaração do Imposto de Renda, dentre outros.

Todas essas diligências são mínimas, necessárias e realizadas enquanto a execução encontra-se em seu andamento regular. Depois de realizados todos os possíveis impulsos úteis que conduzam a satisfação do crédito tributário, é possível a suspensão do processo pelo prazo de 1 (um) ano, seja em razão de decisão judicial clara nesse sentido intimando a Fazenda Pública, seja em razão de pedido expresso do ente público.

Depois de operado o prazo de 1 (um) ano de suspensão sem manifestação da Procuradoria Fazendária, ocorre o arquivamento do processo, sem baixa na distribuição, de forma automática, dispensada a intimação da Fazenda Pública.

Transcorrido o prazo de 05 (cinco) anos do arquivamento provisório a Fazenda Pública deverá ser intimada para manifestar sobre a fluência do prazo da prescrição intercorrente não podendo ser decretada de ofício por envolver direito patrimonial, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça[19].

Dessa forma, o artigo 40 e seus §§ não podem ser utilizado de forma estanque e irrestrita para todas as execuções fiscais apenas com intuito de reduzir o número de ações de execuções fiscais, mas é necessário a sua aplicação de acordo com marcha processual de cada caso concreto sempre à luz de sua finalidade precípua que é a satisfação do crédito tributário aliado aos princípios da segurança jurídica, efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo.

 

1.5. Da aplicação da prescrição intercorrente após o Resp. 1.340.553

O Ministro Relator Mauro Campbell Marques converteu o Agravo em Recurso Especial nº 217.042 no Recurso Especial nº 1.340.553 para ser julgado conforme o rito dos Recursos Repetitivos que resultou na fixação das seguintes teses:

 

“4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução;

4.2.) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 – LEF, findo o  qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato;

4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromperem o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo – mesmo depois de escoados os referidos prazos -, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera[20]”.

 

Embora exista controvérsia sobre o marco inicial para a contagem da suspensão e do prazo da prescrição intercorrente a fixação das teses no Recurso Especial n.º 1.340.553/RS traz certa perplexidade, pois está na contramão do princípio processual da cooperação, da legítima confiança e da segurança jurídica, se aproximando a tese da jurisprudência defensiva com o afã de reduzir o número de processos em tramitação, causando grande prejuízo ao erário público e ocasionando a extinção de milhares de execução fiscal que tramitava em todas as varas do país.[21]

Nesse tópico iremos tratar apenas dos itens 4.1, 4.2 e 4.3 que influenciam diretamente na contagem do prazo de suspensão e da prescrição intercorrente.

A primeira tese (item 4.1 do acórdão), ao fixar que o prazo de suspensão de 1 (um) ano tem início, automaticamente, na data da ciência da fazenda pública sobre a não localização do devedor ou dos bens penhoráveis criou uma espécie de suspensão virtual, pois nesse primeiro momento em verdade a Procuradoria Fazendária providencia o impulsionamento do processo justamente com o objetivo de localizar o devedor ou bens penhoráveis.

A citação inicial nas ações de execução fiscal ocorre, preferencialmente e majoritariamente, por correio. No caso da primeira tentativa de citação, por correio, restar infrutífera a parte exequente realiza diligências internas possíveis e faz requerimentos ao Poder Judiciário para andamentar o processo, podendo inclusive, requerer a citação por oficial de justiça, para seguidamente, caso infrutífera a segunda tentativa, requerer a citação por edital.

Em relação a intimação da não localização de bens penhoráveis, temos que na prática, a primeira tentativa ocorre com o requerimento de busca de valores em dinheiro por meio do SISBAJUD ferramenta de uso privativo do Poder Judiciário, a partir desse momento há prosseguimento nas buscas por outros bens que na maioria das vezes também é privativo do judiciário, como busca de veículos por meio do RENAJUD, Bens declarados no Imposto de Rende, bens imóveis, dentre outros.

Observe que é antagônico atribuir à contagem do prazo de suspensão do processo se em verdade o processo está em seu andamento regular, ou seja, não é possível que o processo esteja suspenso e prosseguindo ao mesmo tempo.

A contagem do prazo conforme fixado no repetitivo traz insegurança jurídica e prejuízo aos entes públicos, principalmente, aqueles menores, que não dispõe de meios tecnológicos para acompanhar a suspensão virtual criada pela jurisprudência e acompanhar todos os prazos de requerimentos realizados dentro do processo, pois o prazo do juiz e dos auxiliares da justiça é impróprio.

Aqui cabe a reflexão de que o advogado público atua, normalmente, com uma realidade de mais de 10 (dez) mil processos de execução fiscal.

Nesse cenário, vários processos de execução fiscal serão extintos sem ao menos esgotar todos os meios possíveis e disponíveis para localizar o devedor ou bens penhoráveis, tendo em vista que o prazo do Poder Judiciário é impróprio, e, a parte exequente não tem qualquer influência no cumprimento do mesmo.

Na sistemática anterior ao julgamento do Resp. 1.340.553, quando o processo executivo era suspenso por 1 (um) ano a Fazenda Pública era intimada e, naquele momento, no processo específico em que foi proferida a decisão determinando o início da suspensão a parte exequente, por meio do Procurador Fazendário, tem pleno conhecimento das diligências já realizadas e as possíveis medidas que devem ser tomadas durante o lapso temporal para evitar a prescrição intercorrente, já com o novo entendimento repetitivo do Superior Tribunal de Justiça inúmeras execuções podem ser extintas sem ao menos esgotarem todos os meios processuais possíveis para a satisfação do crédito tributário.

Apesar de a prescrição ter enfoque em suposta punição por inércia da parte, na sistemática anterior ao julgamento do Resp. 1.340.553, ao reconhecer a prescrição intercorrente existia uma sensação de justiça, pois havia a identificação da impossibilidade e a inutilidade do prosseguimento do processo para atingir a sua finalidade, ou seja, tanto a Fazenda Pública, quanto o Poder Judiciário em regime de colaboração, esgotaram todos os meios possíveis para a satisfação do crédito executado.

Não é justificável uma aplicação estanque do prazo para o término da ação de execução fiscal sob o argumento da existência de excesso de pedidos dilatórios, pois para evitar esse prolongamento injustificado do processo o magistrado tem meios para inibir.

Essa pressa do Poder Judiciário para fixar o prazo de início da suspensão, para logo iniciar o prazo de prescrição intercorrente ofende o principal objetivo do Judiciário que é dar justiça aos jurisdicionados, além de aumentar a sensação da sociedade que não pagar tributos compensa, desprestigia aqueles que cumprem o seu dever fundamental de pagar os tributos.

A segunda tese firmada (item 4.2 do acórdão) deliberou quanto ao termo inicial do prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Os ministros entenderam que o término do prazo de 1 (um) ano de suspensão ocorrerá independentemente de petição da Fazenda Pública ou do pronunciamento judicial. Assim, após o término do prazo de 1 (um) ano de suspensão, se iniciará automaticamente o prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Durante o período do prazo de 05 (cinco) anos, o processo deverá ficar arquivado (sem baixa na distribuição), nos termos do artigo 40, parágrafos 2º, 3º e 4º da LEF. Após o esgotamento do prazo da exigibilidade, e depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá o juiz reconhecer de ofício a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.[22]

Novamente o Superior Tribunal de Justiça criou um arquivo provisório virtual, pois na prática os processos estão em andamento, ou seja, as diligências necessárias e úteis para a satisfação do crédito executado não se esgotaram no primeiro ano de suspensão, e, não há remessa para o arquivo, mas sim regular prosseguimento da ação durante esse período de 05 (cinco) anos de contagem da prescrição intercorrente nos moldes fixados no repetitivo. Nesse ponto, aplica-se tudo que já foi argumentado em relação à suspensão virtual, pois é inconcebível a punição pela inércia da parte, se na prática o processo encontra-se ativo em marcha normal.

Se, em regra, a prescrição é indissociável da ideia de inércia do titular de uma pretensão em exercê-la, uma sanção pelo não exercício de uma pretensão no tempo, como é possível contar a prescrição intercorrente durante o andamento processual? Nesse ponto, leva-se em consideração para fins da contagem do prazo prescricional não apenas a condução processual da parte exequente, mas também a própria morosidade do Poder Judiciário, penalizando duplamente o erário, primeiro pela extinção prematura da ação executiva sem esgotar todos os meios necessários e úteis para satisfação do crédito tributário, segundo por computar o prazo impróprio do judiciário no curso do prazo da suposta suspensão e da prescrição intercorrente.

Já na terceira tese (item 4.3 do acórdão) o Superior Tribunal de Justiça inovou criando uma hipótese de causa interruptiva da prescrição intercorrente que se aplica apenas para os casos em que já houve citação, porém não foi localizados bens a penhora. Nessa situação, a Fazenda Pública deve requerer localização dos bens do devedor no prazo de seis anos (1 (um) ano de suspensão + 05 (cinco) anos de prescrição).  Após esgotado o referido prazo, não será mais permitida a juntada de petição requerendo localização de bens, mas as petições juntadas antes do prazo surtirão efeitos quando, a qualquer tempo, forem encontrados bens do devedor. Isso porque a prescrição intercorrente deve ser considerada interrompida e retroagirá à data do protocolo da petição que requereu a providência infrutífera.[23]

Essa terceira tese decorre das teses excêntricas fixadas nos itens 4.1 e 4.2 que autorizam aos magistrados extinguirem as execuções fiscais no prazo fixo de 06 (seis) anos independentemente da situação processual que se encontre, inclusive, se não fosse criada a interrupção do item 4.3 por localização de bens do devedor decorrente de requerimento realizado antes do decurso do prazo, estaríamos diante de uma exótica situação jurídica de extinção do executivo com bens penhorados, simplesmente porque decorreu o prazo estanque determinado pela jurisprudência para término do processo.

Na prática de uma vara de execução fiscal após a penhora dos bens pode existir um longo caminho a ser percorrido em virtude do sistema processual brasileiro que, na maioria das vezes, não é possível cumprir dentro do prazo de 06 (seis) anos fixado pelo Superior Tribunal de Justiça.

No item 4.3 do acórdão ainda cabe à discussão sobre a reserva de lei complementar para tratar sobre hipótese de interrupção de prescrição em matéria tributária.

Essa tese também desconsidera os poderes do Juiz para gerir o processo. De fato, nem a Procuradoria da Fazenda Pública nem o Juiz são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão, mas é o próprio artigo 40 que estabelece que o Juiz proferirá o despacho para iniciar a suspensão. O entendimento de que a suspensão é automática exclui da possibilidade de apreciação do Juiz o caso concreto, avaliando se, de fato, não é possível localizar o devedor ou os bens penhoráveis. É o Juiz quem deve compulsar os autos e fazer a análise a respeito das tentativas de citação do devedor (HOFF, 2018).

A Ministra Assusete Magalhães também revelou sua preocupação com a tese 4.1 estabelecida pelo Min. Relator (HOFF, 2018, p. 54). “Não se pode retirar do Juiz da execução o poder-dever de dirigir o processo. Na suspensão automática, o magistrado sequer teria conhecimento de que se mostrou desprovida de êxito a tentativa de citação ou de localização de bens do executado. O feito voltaria para o cartório e repousaria inalterado no escaninho, até posterior impulso do exequente, se fosse o caso. Seria autorizar uma espécie de automatização indesejável do processo de execução fiscal, à revelia da disposição do caput do art. 40 da Lei 6.830/80, que restaria violado. A observância desse comando legal não torna o juiz senhor do início do prazo prescricional, notadamente se fixadas as teses ora propostas. Não me parece ser esse o enfoque da LEF, que apenas lhe confere o poder, que se mostra inerente ao exercício da atividade jurisdicional, de bem proceder à condução do processo”.

Nessa senda, a tese sustentada pelo Ministro Hermann Benjamin revela-se muito mais adequada à teleologia do processo de execução fiscal: “Assim, para os fins do art. 40 da Lei 6.830/1980, a exegese mais adequada é aquela segundo a qual a suspensão da Execução Fiscal não é automática, mas depende da constatação, pelo magistrado responsável pela condução do processo, de situação de crise (suspensão-crise), isto é, de que o processo não possui condições regulares de prosseguimento, uma vez que tanto o Poder Judiciário quanto a parte interessada (Fazenda Pública credora) não obtiveram meios para localizar o devedor ou os bens passíveis de constrição”.

Não é difícil encontrar processos executivos com requerimentos da Fazenda Pública para serem apreciados a mais de ano, portanto levar em consideração esse prazo para finalização do processo ofende o próprio direito de acesso à justiça, prejudica o erário, desprestigia os contribuintes que pagam os tributos, incentiva a inadimplência e desvirtua o objetivo da execução fiscal.

Com todo respeito jurídico, não comungamos do posicionamento dos Ilustres Ministros do Superior Tribunal de Justiça no Resp. 1.340.553/RS. A prescrição intercorrente está vinculada a um implícito dever de natureza processual de dar impulso útil ao processo executivo, assim à fixação de um prazo estanque durante o andamento regular do processo descaracteriza a própria natureza jurídica do instituto, pois estão atribuindo todas as intercorrências processuais como se fossem responsabilidades exclusivamente da parte exequente, como por exemplo, o prazo impróprio do magistrado e dos auxiliares da justiça e as diligências privativas do Poder Judiciário, além de esvaziar o poder-dever de condução do processo pelo magistrado.

Aqui não se defende a perpetuação ad eternum dos executivos fiscais, mas o respeito ao devido processo legal e as peculiaridades de cada caso concreto.

 

Conclusão

A prescrição intercorrente na execução fiscal, é um tema que gera controvérsias no sentido de fixação do marco inicial e final para a contagem do prazo e o julgamento do Recurso Especial 1.340.553/RS em sede de recursos repetitivos, teve a intenção de solucionar essa situação.

Inicialmente realizamos um breve relato sobre a formação do título executivo extrajudicial e do início do processo de execução fiscal, posteriormente adentramos na teoria e na prática da prescrição intercorrente dando enfoque na aplicação do instituto antes e depois do Recurso Especial 1.340.553/RS, assim como o papel do Poder Judiciário e da Procuradoria Fazendária para o atingimento da finalidade do executivo que é a satisfação do crédito tributário.

Vimos que a operacionalização do artigo 40 §§ 1º e 2º da Lei de Execução Fiscal, depende muito mais de uma atuação colaborativa entre o Poder Judiciário e a parte exequente do que apenas da Fazenda Pública, tendo em vista os inúmeros atos processuais e diligências que são de competência privativa ou subsidiária do judiciário.

Outrossim, automatizar o prazo recursal desconstrói toda a finalidade da ação de execução fiscal retirando do juiz o poder-dever de dirigir o processo, atribuindo penalidade excessiva a parte exequente que suportará o escoamento do seu prazo para a busca da satisfação do crédito executado por mora que não lhe é imputável, além de tornar o executivo pró-contribuinte, prejudicando o erário.

Ademais, ao automatizar o prazo da suspensão do processo e da prescrição intercorrente criando a figura da suspensão virtual, do arquivo provisório virtual e de uma nova hipótese de interrupção da prescrição, a decisão se aproxima de uma jurisprudência defensiva mais preocupada com a gestão processual voltada à redução de processos em tramitação, beneficiando o devedor mal-intencionado, a ocultação de bens, desprestigiando o contribuinte que se esforça para pagar seus tributos, avançando os limites que respeitam a harmonia e a independência entre os Poderes, criando soluções que geram potencial desequilíbrio de ordem social e econômica[24].

Com todo respeito jurídico, não compartilhamos com o entendimento dos Ministros em relação à fixação de prazos estanques sem levar em consideração o espírito legislativo, a prática forense das Varas da Fazenda Pública de inúmeros Municípios do país, retirando o poder de condução do processo do magistrado e punindo excessivamente a parte exequente, e reflexamente toda a coletividade.

 

Referências

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CHUCRI, Augusto Newton; GONÇALVES, Eduardo Rauber; FILHO, João Aurino de Melo; BAJERSKI, Leonardo Muraneto; DA SILVA Luiz Henrique Teixeira; POLO, Marcelo; SANDRI, Marcos Paulo; GODOI, Marilei Fortuna. Execução Fiscal Aplicada: análise pragmática do processo de execução fiscal. 7. ed. Salvador: Editora JusPodium, 2019.

 

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[1] Trecho do Voto do Min. Hermann Benjamin no Resp. 1.340.553.

[2] Art. 784 do CPC: “São títulos executivos extrajudiciais: (…) IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondentes aos créditos inscritos na forma da lei”.

[3] Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

[4] Art. 3º. CTN – A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez. Parágrafo Único – A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.

[5] Art. 201. CTN – Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito.

[6] Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente: I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos corresponsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros; II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado; IV – a data em que foi inscrita; V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito. Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição.

[7] Art.2º. LEF § – A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.

[8]Art. 174 do Código Tributário Nacional. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 05 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva”.

[9] CLEMENTINO, Isabella Gonçalves de Queiroz. A aplicação da prescrição intercorrente no direito tributário e os novos precedentes judiciais do STJ. Revista Direito Diário, Fortaleza, 5. ed., v. 1, n. 1, jul./set. 2019

[10] CLEMENTINO, Isabella Gonçalves de Queiroz. A aplicação da prescrição intercorrente no direito tributário e os novos precedentes judiciais do STJ. Revista Direito Diário, Fortaleza, 5. ed., v. 1, n. 1, jul./set. 2019

[11] Art. 40 da Lei 6830/80 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

  • 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
  • 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
  • 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
  • 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
  • 5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4º deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.

[12] MARQUES, Renata Elaine Silva Ricetti. Nova Interpretação do STJ sobre prescrição intercorrente em matéria tributária. Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2018, 7h29. https://www.conjur.com.br/2018-nov-28/renata-elaine-prescricao-intercorrente-matéria-tributária.

[13] Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Corte Especial. Arguição de Inconstitucionalidade n.º 0004671-46.2003.404.7200. Relatora Desembargadora Federal Luciane Amaral Corrêa Münch. Porto Alegre, 27 de Agosto de 2010, publicação em 14/09/2010.

[14] SANDER, Annelise Cristine Emidio; BARANDAS, Aline. Aspectos práticos e teóricos da prescrição intercorrente nos processos executivos fiscais. REVISTA DE DIREITO PÚBLICO, LONDRINA, V. 7, N. 3, P. 125-146, SET./DEZ. 2012.

[15] DAMASCENO, Marina. A Prescrição Intercorrente e a Extinção do Processo de Execução; Um Diálogo entre o Direito Material e o Direito Processual. https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2018/09/marina_damasceno.pdf

[16] Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Corte Especial. Arguição de Inconstitucionalidade n.º 0004671-46.2003.404.7200. Relatora Desembargadora Federal Luciane Amaral Corrêa Münch. Porto Alegre, 27 de Agosto de 2010, publicação em 14/09/2010.

[17] Processo Civil. Execução Fiscal – Violação aos Arts. 485, III, e 535, II, do CPC – Fundamentação Deficiente (Súmula 284/STF) Prescrição Intercorrente. Impossibilidade.

  1. Em execução fiscal, o art. 8º, § 2º, da LEF deve ser examinado com cautela, pelos limites impostos no art. 174 do CTN, de tal forma que só a citação regular tem o condão de interromper a prescrição.
  2. Interrompida a prescrição, com a citação pessoal, não havendo bens a penhorar, pode o exequente valer-se do art. 40 da LEF, restando suspenso o processo e, consequentemente, o prazo prescricional por 1 (um) ano, ao término do qual recomeça a fluir a contagem até que se complete cinco anos.
  3. Enquanto não forem encontrados bens para a satisfação do crédito tributário, a execução deve permanecer arquivada provisoriamente (arquivo sem baixa).
  4. Mesmo ocorrida a prescrição intercorrente, esta não pode ser decretada de ofício.
  5. Recurso especial parcialmente provido. (Resp 529.385/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 21/06/2005, DJ 15/08/2005, p. 239).

[18] Súmula 314 do STJ: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por 1 (um) ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”

[19] Resp n. 231.415/RO, DJ de 07/02/2000, REsp n. 151.878/MA, DJ de 06/04/98, REsp n. 49.631/RS, DJ de 26/02/96, REsp n. 51.514/RS, DJ de 16/12/96.

[20] (Resp. 1340553/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 16/10/2018).

[21] Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, a decisão do STJ nessa matéria pode gerar reflexos em mais de 27 milhões de processos de execução fiscal em curso no país. https://www.migalhas.com.br/quentes/287404/stj-define-tese-sobre-prescricao-intercorrente-que-afetara-mais-de-27-milhoes-de-processos.

[22] Renata Elaine Silva Ricetti Marques é doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e professora na Escola Paulista de Direito, na Atame (Brasília e Cuiabá), na Universidade São Judas Tadeu, no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e na PUC. Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2018, 7h29. https://www.conjur.com.br/2018-nov-28/renata-elaine-prescricao-intercorrente-materia-tributaria

[23] Renata Elaine Silva Ricetti Marques é doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e professora na Escola Paulista de Direito, na Atame (Brasília e Cuiabá), na Universidade São Judas Tadeu, no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e na PUC. Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2018, 7h29. https://www.conjur.com.br/2018-nov-28/renata-elaine-prescricao-intercorrente-matéria-tributária.

[24] Resp. 1.340.553/RS

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