Resumo: Através deste texto trazemos elementos jurídicos econômicos e sociais a fim de entendermos a norma tributária enquanto instrumento de política pública no Brasil. Tentamos com a ajuda de pesquisas realizadas na internet órgãos especializados índices econômicos e sociais compreender como a manipulação de um tributo efetivamente traz concretude à vida social dos cidadãos efetivos contribuintes desta exação quando adotam a qualificação de consumidores. Buscamos aqui converter inúmeras capas de jornais debates políticos mesas redondas sobre economia enfim toda esta repercussão gerada pela alíquota 0 do IPI em uma explicação jurídica do que efetivamente significa esta exoneração fiscal seu caráter isentivo a anulação de um elemento da norma jurídico-tributária sem esquecer o contexto socioeconômico no qual ele foi inserido.A partir disto procuramos ainda analisar que quando o Governo de uma forma repentina e supostamente aleatória reduz a carga tributária como no caso em questão o faz com respaldo da própria Constituição Federal nossa Carta Maior.
Palavras-chave: crise econômica; política fiscal; norma tributária; IPI;
Sumário: 1. Introdução. 2. A crise econômica que motivou o governo a alterar a alíquota do IPI. 3.IPI – histórico características e incidência. 4. A extrafiscalidade do IPI. 5. A seletividade e essencialidade do IPI. 6. A alteração da alíquota do IPI enquanto norma de isenção. 7. Conclusão. Referências
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo foi pensado a fim de investigarmos e entendermos as razões jurídicas e tributárias referentes a um tema que, desde 2008, vimos nas capas dos jornais, sites de Internet e periódicos especializados: a redução do IPI para combater a crise mundial.
Este tema é relevante para toda a sociedade, principalmente para a comunidade jurídica. Primeiro porque significa redução do imposto pago por nós, cidadãos, e segundo porque precisamos compreender o custo deste “benefício” para o Governo e para os cofres públicos, o que efetivamente, todos nós na qualidade de eleitores e cidadãos temos obrigação de conhecer.
Por outro lado, para a comunidade jurídica tal tema mostra-se pertinente porque nós que conhecemos o Direito Tributário, precisamos ter uma visão crítica e analítica sobre o fato de a Administração Pública utilizar um imposto como instrumento regulatório da economia brasileira. Tal conhecimento é fundamental para verificarmos a existência de lesão de direitos e porque somos também responsáveis pela manutenção e perpetuação de um Estado Democrático e de Direito. Portanto, precisamos estar a par sobre a devida utilização dos instrumentos jurídicos utilizados pela Administração Pública que traz consequências à sociedade, principalmente aquelas de natureza tributária, que mexem efetivamente com o bolso do contribuinte.
A fim de efetuarmos esta pesquisa, utilizamos basicamente jornais, matérias, sites e reportagens que noticiaram sobre as constantes alterações da alíquota do IPI, desde o final de 2008, bem como de revistas, livros e artigos especializados sobre economia, indústria automobilística, Direito do Consumidor e, claro, sobre o IPI, suas características e funções, como o tema da extrafiscalidade e seletividade. Ademais, foram pesquisados ainda os índices da economia nacional, através do IBGE e do IPEA, pois, efetivamente, os mesmos foram medidores sobre o impacto positivo ou não pela postura do Governo em reduzir a alíquota do IPI, bem como se tal política fiscal trouxe resultados positivos.
Desta feita, com base nas informações colhidas procuramos trazer uma análise sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), principalmente no que se refere às suas características e princípios que o levaram a ser a opção do Governo Federal de combate aos efeitos da crise econômica mundial para gerar maior consumo e concessão de crédito no mercado, e enfrentar o perigo do desemprego industrial em virtude da ameaça na redução da produção.
2 A CRISE ECONÔMICA QUE MOTIVOU O GOVERNO A ALTERAR A ALÍQUOTA DO IPI
A partir de 2008, ainda na época do Governo Lula, o Estado Brasileiro adotou uma série de medidas, de caráter tributário e econômico, a fim de proteger a economia nacional da crise mundial iniciada naquele ano nos Estados Unidos da América, centro financeiro global.
Tal crise norte-americana foi precedida por um boom imobiliário que ocorreu nos EUA em 2005, pois, naquela época, em virtude da enorme procura por casa própria e a aquisição de novas hipotecas para saldar dívidas e conseguir crédito para consumo. Nesta conjuntura, houve uma valorização no mercado imobiliário e os investidores abriram também tal possibilidade para as classes desfavorecidas, denominadas subprime. Porém os contratos destinados a este público alvo possuíam um maior risco de liquidez, e, por consequência, um maior índice de lucro, pois, como eram classe menos favorecidas, tinham um alto índice de inadimplência, além de adquirirem crédito sem comprovar renda.
Conforme noticiado na Folha de São Paulo[1], esta nova forma de crédito tornou-se uma bolha, pois, apesar do risco de inadimplência do subprime, possuía um alto índice de lucro, o que demandou maiores investidores que assim adquiriram os títulos imobiliários relativos a estes contratos de mútuo que, por sua vez, repassaram para outros, terceiros, também investidores. Entretanto, a partir de 2006, houve uma perda significativa na valorização destes imóveis, e, por sua vez, o FED (Banco Central norte-americano) aumentou a taxa de juros, o que gerou o encarecimento do crédito e, por conseguinte, a queda de consumo, além de acarretar a inadimplência nos contratos e acarretando assim um temor de calotes generalizados.
Dessa forma, ocorreu um desaquecimento generalizado na economia estadunidense, que, por sua vez, teve desdobramentos na economia mundial, pois os títulos de crédito norte-americanos, que eram adquiridos por investidores de todo o globo, agora não possuíam qualquer liquidez.
No Brasil, as consequências desta crise econômica foram inicialmente a rápida valorização do Dólar americano e, consequentemente, a desvalorização do Real, o que causou grande impacto no fluxo de importação e exportação de mercadorias. Ademais, as pequenas instituições financeiras que realizaram, sumariamente, contratos de mútuo também foram prejudicadas, em virtude da falta de crédito externo e abalo na confiança pelo temor de mais calotes.
Com a baixa política de crédito no Brasil, a atuação de pequenas e médias empresas, além do empreendedor do campo etc., ficou prejudicada, pois não teve como buscar financiamento em curto prazo. Assim, o Governo Brasileiro autorizou o BC a comprar carteira de crédito de bancos em dificuldades no Brasil, além de aumentar o limite de crédito do BNDES, destinado às exportações. Em 08 de outubro, o preço do dólar alcança o patamar de R$ 2,48.
Em 11 de dezembro de 2008, o Governo Brasileiro reduziu a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) a fim de promover o consumo interno, e também do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para, naquele momento, favorecer as montadoras, e assim não termos desemprego em massa no setor automobilístico[2]. A medida de reduzir a alíquota do IPI, que é o nosso objeto de estudo, foi inicialmente para carros e caminhões, e, após 04 anos, é utilizada como política de Estado até hoje.
A referida medida sobre o IOF se deu através do Decreto de nº 6691/2008, o qual baixou para 0041% a alíquota do aludido imposto para os casos de mutuários pessoas físicas, justamente aquelas pessoas que buscam linhas de crédito na praça. Da mesma forma, foi publicado o Decreto de nº 6687/2008, que alterou a tabela TIPI no tocante às alíquotas do IPI, para carros de até mil cilindradas (alíquota de 0%), entre outras reduções referentes aos veículos flex e para aqueles com mais de mil cilindradas.
Com tais medidas, buscou o Governo Brasileiro evitar o desaquecimento da economia, manter o nível do PIB em patamar razoável, bem como continuar tendo receita tributária decorrente das atividades financeiras relacionadas à publicação dos mencionados decretos[3].
Entretanto, ainda em 2009, a crise econômica ficou ainda mais agravada no Brasil. A expectativa de crescimento do PIB era de apenas 1,8%, e, de acordo com o IBGE[4], já em dezembro de 2008 foi vislumbrado uma redução da produção automobilística em 40% referente ao mês anterior, o que gerou uma queda na produção industrial de 12,4%, o que decerto geraria desemprego e queda no nível de consumo da população. Porém, já em fevereiro de 2009, foi identificado um crescimento nas vendas de automóveis, o que motivou o Governo a manter e prorrogar a isenção do IPI.
Necessário expor que, mesmo com as medidas adotadas pelo Estado Brasileiro sobre a crise financeira, as mesmas poderiam até arrefecer os seus efeitos na economia nacional, contudo não resolviam definitivamente. Como se trata de uma crise global, polarizada nos Estados Unidos e na Europa, que são os principais investidores dos capitais utilizados pelas empresas que produzem e se desenvolvem no Brasil.
A razoável melhora nos índices econômicos de 2009 não significou o fim da crise mundial, tampouco seu efeito ricochete no Brasil, mas chegou a configurar um novo panorama, que decorreu em nova alteração da alíquota do IPI dos veículos e outros produtos como pão francês, eletrodomésticos etc.
Em 17 de abril de 2009, ocorreu o Decreto de nº 6825/2009 que alterou a alíquota do IPI relativo aos produtos da denominada “linha branca”, que abarcam eletrodomésticos como: fogões, geladeiras, máquinas de lavar e tanquinhos. Todos estes produtos tiveram suas alíquotas do aludido tributo reduzidas, contudo apenas os tanquinhos e fogões tiveram suas alíquotas zeradas, enquanto os outros sofreram uma redução de 10%.
Mais uma vez o objetivo do Governo era o aquecimento da economia através do aumento do consumo e da contratação de linhas de crédito. Dessa vez, houve um direcionamento às lojas de varejo que realizam a venda destes produtos e o fazem a partir de financiamentos e estratégias de crédito no próprio estabelecimento comercial. Ademais, tal política tentou também conter o desemprego no setor que, em virtude da crise econômica, teve uma redução de 5% na taxa de emprego.
Nesta mesma data, 17 de abril de 2009, o Governou aumentou a lista de isenção de IPI, agora para alguns produtos de material de construção, tais como ladrilhos, cadeados, torneiras, revestimentos, pastilhas etc. Dias antes, no dia 30 de março de 2009, o Governo já havia determinado a alíquota 0% do IPI para produtos como cimento, tinta, verniz e chuveiro elétrico[5]. Tais decisões foram publicadas nos Decretos de nº 6809/2009 e 6823/2009.
Posteriormente, houve a publicação de novo Decreto, nº 6890/2009, com a manutenção da alíquota 0% do IPI para veículos de 1.000 cilindradas, a gasolina ou flex, até setembro/2009 e sua gradual elevação nos meses subsequentes até chegar ao patamar de 7% em janeiro/2010.
A partir de 2010, a crise econômica muda um pouco o seu foco, pois aponta para a Europa, que passa por problemas de pagamentos de dívidas internas, como o caso da Grécia, Espanha e Itália. Já nos Estados Unidos, começa uma suave reorganização, inclusive culminando com a reeleição do presidente Barack Obama, embora, até hoje, existam enormes problemas financeiros e sociais decorrentes daquela crise de 2008.
A questão é que o Governo brasileiro conseguiu de certa forma reagir e conter as crises econômicas que ainda existem na Europa e nos Estados Unidos. Contudo o mecanismo de redução da alíquota do IPI continuou a ser utilizado como medida fiscal para tanto. Ademais, tal ferramenta sempre foi utilizada nos mesmos objetos e nos mesmos propósitos: veículos populares, eletrodomésticos de linha branca e materiais de construção, sempre no sentido de gerar consumo e facilitar a contratação de crédito a fim de não gerar desemprego ou o desaquecimento da economia[6].
Entretanto tal política governamental não significou efetivamente uma melhora da economia brasileira em razão da crise mundial. Apesar de que tais medidas favoreceram o consumo e combateram o desemprego, o PIB brasileiro continua instável, vez que, em 2010, foi de 7,5%; em 2011 foi de 2,7%; e em 2012 de apenas 0,9%.
3 IPI – HISTÓRICO, CARACTERÍSTICAS E INCIDÊNCIA
O IPI, enquanto tributo, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Federal, quando era definido como Imposto de Consumo. A nomenclatura atual apenas foi adquirida em 1966, quando adveio o Decreto-Lei nº 34, conjuntamente com a Emenda Constitucional de nº 18.
A aludida alteração constitucional, como se vê, ocorreu em pleno período ditatorial no Brasil, quando o regime militar procedeu com enormes reformas fiscais e financeiras no Brasil. Desta forma, desde a década de 1960 o IPI, ou o antigo Imposto de Consumo, já era utilizado como instrumento regulatório na economia nacional.
Ainda na época que era denominado como “Imposto de Consumo”, já era identificada a notoriedade da tributação dos produtos industrializados para a economia nacional. Isto se deu desde sua criação na década de 1960, que coincidiu também com o surgimento e crescimento da indústria na sociedade brasileira. Ademais, a tributação, acerca destes produtos, geraria ainda a incidência de diversos outros tributos.
Na atual Constituição Federal, datada de 1988, o IPI restou regulamentado pelo art. 153, IV, sendo determinado a sua competência para a União.
O CTN, nos artigos 46 e seguintes, determina que o fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ocorre com a saída do aludido produto do estabelecimento comercial; no desembaraço aduaneiro, quando o produto tem procedência do exterior; ou da arrematação de produto apreendido ou abandonado que é levado a leilão.
Com a crise econômica mundial, iniciada em 2008, o Governo Brasileiro utilizou o IPI a fim de enfrentar e combater a crise econômica que assola o globo desde 2008. Dessa forma, cabe a nós analisarmos como se deu a viabilidade de utilização deste imposto que, de certa forma, serviu para amortizar os efeitos da crise no mercado interno.
Inicialmente, cumpre relembrar que o Governo brasileiro buscou combater os efeitos da crise econômica através da estimulação do consumo interno e facilitação das linhas de crédito, que por sua vez, indiretamente geraria também o aumento do consumo, e assim aumentava o aporte de dinheiro nas praças. Desta forma, daremos um maior enfoque aos artigos 46, II e 47, II, ambos do CTN, os quais preveem o fato gerador do IPI à época da saída do produto do estabelecimento comercial.
Insta ressaltar que o IPI é um imposto indireto, pois o contribuinte de fato, na verdade, é o consumidor final da mercadoria, objeto da operação, pois o fornecedor repassa no valor total do produto o quantum devido a ser recolhido a título de tal tributo. Tal questão se mostra relevante quando a colocamos no caso do cenário em tela, em que o Governo Federal optou em alavancar o consumo interno, pois sem alterar a alíquota do IPI de determinados produtos, com certeza não teríamos uma redução no preço final do produto, pois para tanto é fundamental desonerar a cadeia produtiva.
Todavia o cerne da questão sobre a utilização do IPI, como mecanismo de política fiscal, decorre basicamente de seus privilégios e particularidades garantidos pela Constituição Federal de 1988. A própria CF/88 já previa a utilização do aludido tributo na forma que vem sido utilizada pelo Governo Federal, ou seja, a fim de instrumentalizar a política econômica nacional a fim de promover a produção interna no país.
O Imposto sobre Produtos Industrializados é de competência da União, conforme o art. 153, IV, da CF/88. Em virtude de características intrínsecas a este imposto, como a extrafiscalidade e a essencialidade, que serão tratadas posteriormente, ele é autorizado a desobedecer a inúmeros princípios constitucionais exatamente em virtude de sua relevância política e econômica.
O IPI, por exemplo, não obedece ao princípio da anterioridade, conforme o art. 150, §1, da CF/88. Ou seja, para instituição ou alteração do IPI para determinado produto, não é necessário esperar o início do próximo exercício financeiro. Com a exceção a tal princípio, o legislador constituinte atestou o caráter especial do IPI como instrumento de regulamentação econômica, haja vista que, como o cenário político e financeiro se transformou com enorme velocidade, o Governo precisa de ferramentas para intervir de forma imediata, não podendo, portanto, esperar por semanas ou meses, conforme preceituam os princípios da anterioridade.
4 A EXTRAFISCALIDADE DO IPI
Como é sabido, o tributo é receita derivada, de natureza compulsória, decorrente do poder de soberania do Estado. Os tributos em regra podem ser classificados como vinculados e não vinculados. Vinculados são aqueles cobrados em decorrência de uma contraprestação específica do Estado, como o caso da taxa cobrada para emissão de passaporte. Já os não vinculados são os cobrados pelo Estado em razão de seu poder de tributar, independente de uma resposta ou uma contraprestação do Estado. Nesta segunda categoria, incluem-se genericamente o caso dos impostos. Assim, o art. 16 do CTN preceitua que:
“Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (grifos nossos).
O IPI, tributo aqui em estudo, é um imposto específico e particular, diverso dos outros criados pelo legislador brasileiro. Pela qualidade enquanto imposto, já não possui qualquer caráter vinculante a uma atividade estatal, entretanto possui uma série de prerrogativas e especialidades que foram dadas pelo próprio sistema jurídico tributário.
Assim, esclarecido que o imposto independe de uma atividade específica do Estado, necessário expormos ainda que o mesmo cumpre, enquanto instrumento arrecadatório, o papel da fiscalidade. Sobre o tema, o Prof. Paulo de Barros Carvalho assim esclarece:
“Fala-se assim em fiscalidade sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva” (CARVALHO, 2009, p. 254).
Entretanto, em alguns casos, o poder de tributar realizado pela Administração Pública não tem o objeto de simples arrecadação, mas de intervenção na sociedade, tendo, portanto, um atributo extrafiscal.
O ilustre Prof. Geraldo Ataliba define a extrafiscalidade da seguinte forma:
“Consiste a extrafiscalidade no uso dos instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados. […]
É lícito recorrer aos tributos com o intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos sociais e econômicos dos contribuintes, seja fomentando posicionamento ou inibindo certos procedimentos. Dá-se tal fenômeno (extrafiscalidade) por intermédio de normas que, ao preverem uma tributação, possuem em seu bojo, uma técnica de intervenção ou conformação social por via fiscal. São os tributos extrafiscais, que podem ser traduzidos em agravamentos ou benefícios fiscais dirigidos ao implemento e estímulo de certas condutas” (ATALIBA, 1990, p. 49).
Com efeito, podemos ver que desde os primórdios ensinamentos do citado mestre já existia o entendimento que efetivamente o poder de tributar atende também a uma atuação extrafiscal por parte do Estado a fim de regular, intervir ou estimular determinada prioridade de natureza social ou econômica abdicando assim dos fins de mera arrecadação e geração de receita.
Outrossim, ao expor sobre a extrafiscalidade e os tributos extrafiscais, o renomado Professor Paulo de Barros Carvalho assim pontua:
“Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais para o setor da fiscalidade. Não existe, porém identidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão só a fiscalidade, ou unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro.
Consistindo a extrafiscalidade no uso de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim entendidos tanto os dispositivos expressos quanto os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a regime especial, visto que o instrumento jurídico é invariavelmente o mesmo, modificando-se tão somente a finalidade do seu emprego” (CARVALHO, 2011, p. 249).
Neste diapasão, podemos encartar o IPI como um imposto extrafiscal, porque se trata de exação que não possui função primordial de arrecadação de fundos para os cofres públicos, e sim para destinação de favorecer ou desestimular alguns setores da economia por serem considerados de interesse público ou pela conveniência devidamente fundamentada.
Um dos pilares da extrafiscalidade inserta no IPI está na mitigação do princípio da legalidade, a qual é, contraditoriamente ou não, garantida pela própria Constituição Federal nos artigos 146-A e 153, § 1º.
O art. 146-A da CF/88 assegura que
“Lei Complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União por lei, estabelecer normas de igual objetivo.”
Nesta toada, podemos dizer que o objetivo da norma é deixar claro ao legislador a possibilidade de fixação de critérios especiais de determinados setores, como forma de manutenção do regime de livre concorrência, que se erige como princípio fundamental da ordem econômica.
Destarte, a aludida norma tributária significa a confluência dos subsistemas econômico e jurídico tributário. O exercício da atividade legiferante e sua aplicação ao caso concreto, além de atenderem ao conteúdo finalístico do dispositivo constitucional, devem, em função concomitante, respeitar os objetivos do Estado brasileiro, os princípios do modelo econômico constitucionalmente adotado, os limites ao poder de tributar e os princípios assegurados na Carta Magna.
Já no que refere à norma do art. 153, §1º, é possível que o Poder Executivo altere a alíquota deste imposto, desde que obedecido os limites da lei. Ou seja, a relativização do princípio da legalidade está apenas na possibilidade de alterar o critério quantitativo desta exação dentro dos limites legais, contudo não pode inventar ou criar nova alíquota. Portanto permanece o IPI, bem como todos os instrumentos do sistema tributário nacional escravos da lei, mesmo que isto, a certo ponto, possa ser relativizado até determinado limite.
Necessário expormos que o IPI, enquanto tributo extrafiscal, foi objeto de alteração na reforma tributária implantada pela Emenda Constitucional 42/2003. Anteriormente a esta EC, os impostos extrafiscais poderiam ser alterados sem qualquer preocupação com o veículo formal e sem respeitar um lapso temporal mínimo, pois, relembrando, em virtude de ser um instrumento de político, social e/ou econômico, poderia ter aplicação imediata em razão da urgência que o caso requisesse. Contudo, em razão da aludida emenda, os impostos relacionados com a matéria de consumo, tal como o IPI passou a obedecer a anterioridade nonagesimal, conforme o art. 150, §1. Senão vejamos:
“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios […]
III – cobrar tributos: […]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; […]
§ 1º – A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Alterado pela EC-000.042-2003). […]
Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre: […]
IV – produtos industrializados; […]” (grifos nossos).
Todavia a Constituição Federal, pelo art. 153, §1º, estende do Poder Legislativo para o Poder Executivo a competência para alterar esta exação, exercendo assim sua função atípica de legislar. Nesta esteira, existe uma discussão sobre a aplicação da anterioridade nonagesimal, haja vista que a alteração do IPI pode ocorrer tanto através de decreto quanto através de lei. Ocorrendo a alteração por decreto, não se aplica a anterioridade, vez que apenas é aplicável se a alteração for através de lei.
Contextualizando com o recorte conjuntural que utilizamos, qual seja a crise econômica mundial, um caso clássico é quando a União majora ou reduz a alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos carros utilitários. Sobre o tema, vejamos como pontua corretamente o ilustre Prof. Paulo de Barros Carvalho:
“A construção do sentido deste instrumental no direito positivo submete o intérprete a trabalhar, de um lado, dentro dos conceitos jurídico-tributários, como imposto de competência exclusiva da União, e, de outro, no âmbito político, como ferramenta de controle do mercado, do fluxo internacional – importação e exportação – de mercadorias. Dada sua regra matriz, quaisquer alterações das alíquotas nos produtos, dentro do critério quantitativo desta exação, denunciam as vontades políticas por detrás destas escolhas, que são trazidas na TIPI (Tabela de Incidência do IPI)” (CARVALHO, 2011, p. 691).
Nesta senda, o Fisco utiliza a função primária do tributo, que é manter o equilíbrio da economia, pois, como a crise afetou a produção automobilística, o Governo tomou tal atitude a fim de estimular a venda de veículos e evitar o desemprego e a redução da produção no setor.
5 A SELETIVIDADE E ESSENCIALIDADE DO IPI
A seletividade e a essencialidade são características alocadas ao IPI que vão fundamentar a nossa explicação sobre os motivos que levaram o Governo Brasileiro a optar por reduzir a alíquota do aludido tributo sobre produtos como veículos 1.0 ou cimento e outros materiais de construção; e, ao mesmo tempo, não optou, por exemplo, em reduzir a alíquota sobre joias, chocolates e diversos outros produtos de grande consumo que também sofrem a incidência do IPI.
Através do princípio da seletividade, podemos entender por que a alíquota do cigarro é de 300%, ou por que os calçados possuem tributação em alíquota 0%. Ou até mesmo os motivos que levaram a determinar a alíquota 0% para a produção de pães, 15% para águas minerais e 20% para vinhos[7].
O IPI, como já dito, trata-se de um imposto indireto. Ou seja, o pagamento de tal exação, embora seja obrigação do produtor, é repassado ao consumidor final através da relação de consumo ora estabelecida. Desta feita, quando o legislador constituinte determinou que tal tributo fosse seletivo, em razão da essencialidade do produto, incutiu ali uma série de prerrogativas e outros princípios também, dos quais trataremos sumariamente a fim de entendermos tal característica.
O Art. 153 da CF/88, que trata sobre o IPI, determina que este tributo seja seletivo pela essencialidade. Veja-se:
“Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre: […]
IV – produtos industrializados; […]
§ 3º – O imposto previsto no inciso IV:
I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; […]”
Primeiramente, perguntemos: o que é seletividade pela essencialidade no IPI? Podemos responder que, levando em consideração que o IPI é um imposto de consumo, ou seja, é incidente sobre produtos e mercadorias que são disponibilizadas e ofertadas aos cidadãos, consumidores em potencial, quis o legislador constituinte que tal tributo seja diferenciado a depender do que se entende como essencial, fundamental, indispensável, para o consumo da população. Desta feita, podemos dizer ainda que, através de tal princípio, pode o Governo dizer o que é supérfluo ou não para o consumo da população brasileira.
Não podemos de forma alguma confundir o conceito de essencialidade com seletividade. Embora unidos quanto a alguns tributos, os mesmos não se confundem. Como dito anteriormente, podemos dizer que ser seletivo é ser escolhido, eleito, diferenciado, qualificado, separado. Ou seja, a tributação do IPI seria seletiva pela essencialidade na forma que o legislador tributará de forma seletiva, diferenciada, aqueles produtos que serão classificados como essenciais, fundamentais, indispensáveis para o consumo do cidadão brasileiro.
Quando restou determinado no texto constitucional que a seletividade seria em razão da essencialidade do produto, quis o legislador originário preocupar-se com o contribuinte de fato, qual seja o consumidor. Desta feita, teremos aí outros dois princípios constitucionais para qual a seletividade está a serviço: o princípio da capacidade contributiva e da dignidade da pessoa humana.
Como já se sabe, a capacidade contributiva, normatizada no art. 145, §1º da CF/88, está associada à capacidade econômica do indivíduo em contribuir para a manutenção do Estado e consiste no critério de diferenciação aplicado à igualdade no âmbito do Direito Tributário, haja vista servir de medida para a distribuição dos encargos estatais, igualando ou desigualando os contribuintes a partir das possibilidades econômicas de cada um.
Diante do exposto, é que o constituinte estabeleceu a seletividade da alíquota do IPI como forma de minimizar as consequências da transferência do ônus tributário e aplicar, ainda que minimamente, o princípio da capacidade contributiva àqueles que acabam pagando o tributo inserido no preço do produto, mercadoria ou serviço.
Tal seletividade se dá em razão da essencialidade do produto. Já a essencialidade serve ao mínimo existencial, e ao princípio da dignidade humana, pois estabelece uma menor alíquota tributária de acordo com a maior importância, essencialidade, relevância econômica/social de determinados produtos.
No caso em comento, teceremos comentários sobre como o princípio da seletividade foi atendido nas atuações do Governo Brasileiro sobre a crise econômica mundial, quando adotaram como medida a redução da alíquota do IPI.
A opção do Governo em alterar para 0% a alíquota do IPI para carros populares (motor 1.0, gasolina ou flex), e reduzir aquela relativa aos veículos de até 2.0, se deram não apenas com a questão de consumo, eis que tais veículos são mais acessíveis à sociedade, principalmente à classe média, e às ascendentes classes “C” e “D”, mas também porque tais produtos possuem uma manutenção não tão cara, são econômicos e duráveis. Ademais, a questão de obter tais veículos através de empréstimos consignados ou via alienação fiduciária, efetivamente foi a opção de escolha de pagamento destes setores sociais.
Na época do início da crise econômica, no final de 2008, a redução da produção automobilística foi de 49%. De acordo com o IPEA e a ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores do Brasil), de janeiro a junho de 2009, a redução do IPI foi responsável por 13,4% das vendas de automóveis. O IPEA, através de pesquisa realizada junto a Secretaria da Receita Federal, constatou ainda que a perda de receita com a desoneração do IPI foi compensada com a arrecadação de outros tributos[8]. Por exemplo, a isenção do IPI nos veículos automóveis atacados pelos decretos governamentais, não afastou, de fato a incidência do ICMS na aludida produção automobilística.
Ao final de 2009, a desoneração do IPI significou um aumento de 11,35% na venda de veículos no mercado brasileiro, em comparação a 2008.
Os fogões, geladeiras, tanquinhos e máquinas de lavar foram os produtos selecionados como essenciais pelo Governo para sofrer a redução da alíquota do IPI. Tal seleção se deu não apenas pela utilidade doméstica de tais mercadorias, quanto pela demanda existente no mercado varejista, e porque a venda desses produtos também ocorre através de crediário e empréstimo a fim de facilitar a aquisição e pagamento destes bens.
Com a desoneração do IPI destes itens do setor, bem como também dos móveis, ocorreu o aumento de 21,7% das vendas em todo o período de 2010. O IBGE revela ainda que quanto aos móveis e eletrodomésticos, o aumento em relação a 2009 foi de 25,7%, o que significou o segundo maior aumento na economia varejista[9].
Quando o Governo optou em reduzir a alíquota do IPI referente aos materiais de construção, selecionou aqueles que são essenciais para a construção da casa própria, à moradia popular e às reformas de imóveis. Assim, foi reduzido o IPI sobre pias, cimentos, argamassas, vasos sanitários, mármores, granito e tintas. Destaque-se também que grande parte da venda de tais mercadorias é feita por crediários e empréstimos, como também é o caso dos produtos da linha branca.
No que se refere à redução da alíquota do IPI dos produtos de materiais de construção, o setor apontou um crescimento de 12,5% até junho de 2010, e alavancou também a venda de outras mercadorias correlacionadas, cujo aumento foi de 5,5% até junho/2010, em razão do mesmo período em 2008 e de 4% em relação a junho/2009[10].
6 A ALTERAÇÃO DA ALÍQUOTA DO IPI ENQUANTO NORMA DE ISENÇÃO
Muito embora a atuação do Governo não tenha sido de zerar a alíquota do IPI como instrumento para combater a crise econômica mundial e fortalecer a economia nacional, em algumas circunstâncias o fez, como nos casos dos veículos populares e alguns produtos da linha branca.
Em referência a estes casos, é relevante analisarmos, mesmo que sumariamente, o fato de que o Governo Brasileiro, ao determinar a redução da alíquota do IPI para 0%, na verdade, instituiu uma norma de isenção quanto a este imposto.
Para entendermos como podemos deixar de pagar uma obrigação tributária, como é o caso da alíquota 0% do IPI, precisamos compreender como funciona tal relação jurídica tributária, como a mesma se organiza e se materializa a fim de concluirmos porque a mesma continua existindo mesmo afastando a obrigação de adimplir com a exação.
Levando em consideração que toda norma jurídica possui uma estrutura, e que seus elementos estruturais ligam-se de forma lógica e precisa, a fim de explicar objetivamente as questões e finalidades da norma em si, utilizaremos para tanto um renomado instrumento, a RMIT – Regra Matriz de Incidência Tributária.
A Regra Matriz de Incidência Tributária é efetivamente uma norma de conduta. A partir da ocorrência de determinado comportamento humano, que esteja previsto em uma norma tributária, haverá a ocorrência de um fato gerador, o qual iniciará toda a estrutura lógica aonde se ligarão os sujeitos, passivo e ativo, desta relação, suas obrigações, e efetivamente será mensurado e equacionado o quantum relativo ao pagamento da obrigação, do tributo. Portanto, a RMIT é uma norma de conduta, como muitas outras, e regula a relação entre o Estado e o cidadão, basicamente na relação entre Fisco e contribuinte.
A fim de proceder com tal estrutura lógica, a RMIT utiliza basicamente duas estruturas: o antecedente e o consequente. O antecedente prevê uma hipótese, a qual, caso se efetive, decorrerá no consequente, prescritor da norma, o deve-ser previamente estabelecido em razão do comportamento descrito na hipótese.
O antecedente possui três elementos que vão configurar efetivamente a identificação do fato, a hipótese que decorrerá na relação jurídica tributária e na obrigação tributária. São eles os critérios material, espacial e temporal. O critério material aponta o comportamento humano que é incidente da norma tributária, ou seja, o fato gerador do tributo. O critério espacial é aquele que diz que aquele fato gerador ocorreu em local de incidência da referida exação. Já o critério temporal nos traz a efetiva e exata ocorrência do fato jurídico incidente da norma.
Já o consequente, ao contrário do antecedente que prescreve a norma, adota um papel de prescritor que nos diz os critérios para a identificação da relação jurídica que emana a fim de conhecermos o sujeito do direito, seu objetivo e o dever atribuído ao sujeito passivo do vínculo jurídico.
O consequente normativo da RMIT é composto pelos critérios identificados da relação obrigacional, seja o critério pessoal, que inclui tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo; seja o critério quantitativo, que abarca tanto a base de cálculo quanto a alíquota aplicável.
O sujeito ativo da relação jurídico, ora integrante do critério pessoal da RMIT, é aquele titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária. De acordo com o art. 119 do CTN, o sujeito ativo da obrigação é aquela pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. Entretanto, em virtude das vicissitudes existentes no nosso país, necessário aplicarmos ainda o art. 120 do CTN, o qual legitima também para cobrar a aludida obrigação tributária àquela pessoa jurídica de direito público que se constituir do desmembramento territorial de outra.
O sujeito passivo da RMIT, apontado como legítimo para cumprir a obrigação tributária, seria aquela pessoa física ou jurídica, de natureza pública ou privada. O art. 121 do CTN estabelece que o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. Ademais, explica tal artigo que esta pessoa pode ser o seu contribuinte efetivamente, ou seja, aquele que possui relação pessoal e direta com a ocorrência do fato gerador, ou o seu responsável tributário, que é aquela pessoa responsável em adimplir a obrigação tributária em virtude de determinação legal, mesmo diferenciando-se do efetivo contribuinte.
A base de cálculo, componente do critério quantitativo da RMIT, é o elemento capaz de mensurar a intensidade do fato gerador incidente da norma, formar efetivamente sobre o quantum debeatur e ratificar e determinar o critério material descrito na hipótese tributária. No caso da mensuração sobre o fato gerador, normalmente são utilizados critérios externos, como valor da operação, preço de mercado, número de cilindradas de motor, valor venal etc.
Quanto à alíquota, o outro elemento componente do critério quantitativo, esta significa muito além de um item aritmético para a determinação da quantia que será objeto da prestação tributária. A alíquota, efetivamente, nada mais é do que uma parte, fração ou percentual sobre o valor aplicável (base de cálculo), que o Estado, enquanto Ente Tributante utiliza a fim de exigir em pecúnia a obrigação tributária.
Exposta panoramicamente a explicação sobre a RMIT e sua relevância para entendermos a vasta tributação existente no nosso ordenamento jurídico, veremos como esta se aplica para entendermos o IPI.
De antemão, precisamos esclarecer que o IPI possui inúmeras RMIT´s, pois sua incidência se dá em três oportunidades que ensejarão o seu fato gerador, nos termos do art. 46 do CTN. São elas: (i) o desembaraço aduaneiro, quando produto procedência estrangeira; (ii) da saída do produto do estabelecimento, nos termos do art. 51 do CTN; (iii) da arrematação do produto oriundo de apreensão ou abandono e que seja levado à leilão.
No caso em tela, enfocaremos apenas a RMIT do IPI referente ao produto que sai do estabelecimento (ii), pois tal hipótese se aplica ao que estamos analisando neste trabalho.
O imposto sobre a industrialização de produtos, quando sua incidência é sobre a saída dos veículos 1.0, dos eletrodomésticos da linha branca ou dos materiais de construção, que foram objetos de alteração quanto à alíquota do IPI em razão da crise econômica, possui a seguinte RMIT:
1 Hipótese tributária
1.1 Critério Material: industrializar produtos.
1.2 Critério Espacial: em regra, qualquer localidade dentro do território nacional.
1.3 Critério Temporal: o momento em que o produto sai do estabelecimento industrial.
2 Consequente normativo
2.1 Critério Pessoal: o sujeito ativo é a União e o sujeito passivo é o responsável pelo estabelecimento industrial ou a quem ele se equiparar.
2.2 Critério Quantitativo: a base de cálculo se extrai pelo preço da operação na saída do produto e a alíquota aplicável é aquela constante na tabela TIPI vigente.
Sobre a aludida Regra Matriz de Incidência Tributária, cabe frisarmos que no que se refere ao sujeito passivo, quis o legislador instituir aí também uma espécie de responsável tributário. Isto se dá porque como o IPI é um imposto indireto, ou seja, o valor do tributo normalmente é repassado no preço a ser pago pelo consumidor final, costuma ser este, na prática, o sujeito passivo para adimplir tal obrigação tributária.
Destaque-se que esta é a leitura realizada pelo art. 51 do CTN, o qual revela que o contribuinte do imposto é o industrial, ou a quem ele se equiparar, ou o comerciante de produtos industrializados.
Quando o Governo aplica a alíquota 0% do IPI para os produtos industrializados, ele também altera a Regra Matriz de Incidência Tributária relativa ao aludido imposto, pois altera um elemento do critério quantitativo. Quando se fala em alterar a alíquota do IPI, tal tema se torna ainda mais interessante. Sobre o tema, o Prof. Paulo de Barros Carvalho ensina que:
“Para qualquer exação, não pode haver base imponível ali onde não houver alíquota, entidade que se congrega à base para oferecer compostura numérica do debitum, estatuindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato normativamente descrito.[…]
Para o IPI, o tema das alíquotas ganha dimensão expressiva, tendo em vista o mandamento constitucional da seletividade em função da essencialidade dos produtos, prescrita pelo art. 153, §3º do Texto Magno. O constituinte outorgou ao legislador ordinário a possibilidade de dosar a carga tributária, em função dos predicados de utilidade atribuídos aos produtos, segundo o talante do próprio legislador infraconstitucional, não estipulando critério determinado a que este último ficasse jungido” (CARVALHO, 2011, p 626).
Portanto, optando a Administração Pública em “zerar” a alíquota do IPI, está ainda reformando a RMIT deste imposto a fim de efetivamente excluir o débito oriundo da obrigação tributária construída, pois se torna impossível encontrar um quantum debeatur se conjugarmos a base de cálculo devida com uma alíquota em 0%.
O fato de subtrairmos ou anularmos um elemento da RMIT, no caso a alíquota com o teor de 0%, efetivamente estamos falando de um instrumento para isentar o sujeito passivo da relação tributária em pagar o crédito tributário. Isto ocorre porque, embora com a alíquota de 0% não extinga com o elemento quantitativo constante na estrutura da RMIT, ela faz com que haja a supressão de sua funcionalidade, pois, como se sabe, estipulando 0% para o elemento quantitativo, na prática não há o que se valorar, tampouco como encontrar um valor devido a título de pagamento do tributo.
Desta feita, os decretos e leis publicados pelo Estado Brasileiro, no tocante à redução da alíquota do IPI para 0%, nos termos aqui estudados, a fim de utilizar tal método como instrumento de regulação e fortalecimento da economia nacional, efetivamente se materializou no ordenamento jurídico enquanto normas de isenção do aludido imposto.
Não é preciso lembrar que tal isenção apenas se aplica àqueles casos em que efetivamente houve a redução da alíquota do IPI para 0%, como os veículos 1.0 gasolina ou flex, fogão, tanquinhos e outros materiais de construção; o que não ocorreu com outros diversos produtos, sobre os quais apenas sofreram uma redução da alíquota, contudo com parâmetros ainda quantitativos, como os casos dos veículos 2.0, máquinas de lavar etc., cujas alíquotas se reduziram para 5% ou 6,5% por exemplo.
Nos termos do art. 175 do CTN, a norma de isenção é causa de exclusão do crédito tributário. Veja-se:
“Art. 175 – Excluem o crédito tributário:
I – a isenção;
II – a anistia. […]”
Como bem expõe o aludido artigo, a isenção é causa de exclusão do crédito tributário, entretanto a norma isentiva não é causa suficiente para a exclusão da relação jurídico-tributária. Muito embora haja inúmeras teorias e críticas quanto ao condão da norma isentiva excluir o crédito tributário, bem como sobre o sentido desta norma não excluir a relação jurídico-tributária efetivamente, a questão é que quis o legislador, através deste instrumento conceder este benefício legal ao contribuinte; entretanto, não abrindo mão para que o mesmo proceda com o cumprimento das demais obrigações, como por exemplo, o dever instrumental de emitir nota fiscal ou manter organizado o livro-caixa.
A questão é que com este instrumento, a Administração Pública Federal, através de decretos e leis instituiu inúmeras normas isentivas a fim de provocar o aquecimento da economia através da elevação do consumo e da concessão de crédito, as quais excluíram do contribuinte o dever de recolher o valor devido a título de crédito tributário do IPI, entretanto não o desobrigando dos deveres instrumentais.
Percebe-se, portanto que, como o IPI é um imposto indireto, onde é efetivamente o consumidor que paga pelo tributo, o Governo brasileiro efetivamente apenas desonerou estes cidadãos sobre o pagamento da exação, mas manteve o fornecedor, o industrial, com o ônus de cumprir com os deveres instrumentais relativos a tal imposto, haja vista que os mesmos detêm a tecnologia e a estrutura inerente ao seu negócio para tanto.
7 CONCLUSÃO
Diante do quanto exposto, pudemos verificar a grandeza e a inteligência da Carta Magna acerca do tributo aqui estudado, haja vista que já no longínquo ano de 1988, o legislador constituinte já havia previsto a possibilidade de utilizar os denominados tributos extrafiscais como efetivos instrumentos de política econômica.
A vontade do legislador constituinte em impor determinados princípios e características sobre o IPI foi, efetivamente, para ter o controle sobre a aludida tributação no contexto de que a mesma era fundamental para o Brasil no processo de modernização do país, pela via industrial e pela sua inserção no processo de globalização.
Assim, pela seletividade através da essencialidade do produto, pudemos ver que quis o legislador garantir ao povo, à sociedade, um acesso aos bens e produtos básicos e necessários para a sua sobrevivência e desenvolvimento social, econômico e cultural. Ademais, por tal princípio característico, foi possível que se alternasse a escolha de tais produtos essenciais a depender da conjuntura, do desenvolvimento e da própria vontade do Estado.
Da mesma forma também quis o constituinte quando determinou acerca da extrafiscalidade do IPI. A partir dela, foi possível que o Estado, verificando que tal tributo é totalmente relacionado à produção e ao consumo, que pilares fundamentais da economia pudessem proceder com independência e autonomia no mercado, a fim de sempre garantir e defender as políticas públicas essenciais para o povo e aliá-las às necessidades do capital, do mercado.
Ademais, podemos asseverar ainda que, levando em consideração a legislação aplicada ao caso em comento, quais sejam os decretos sobre a alteração da alíquota do IPI, a Emenda Constitucional nº 42/2003 efetivamente não restou eficaz. Lembremos que por esta EC, o IPI foi o único imposto extrafiscal que foi obrigado a obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal, e obedecendo também aos veículos formais da lei. Entretanto, como as legislações em espeque neste trabalho se referem a decretos originados do Poder Executivo, e, portanto com vigência imediata á sua publicação, conforme o rito dos outros tributos extrafiscais não atingidos por tal reforma constitucional, como o caso do II (Imposto Importação) e IE (Imposto Exportação).
O Brasil, enquanto “país em ascensão”, como denominado no cenário da política mundial, efetivamente veio a sofrer desdobramentos da crise econômica que atacou inicialmente os Estados Unidos da América e, posteriormente, a Europa. Entretanto o Governo Brasileiro, utilizando de um instrumento tributário, qual seja o IPI, buscou combater esta crise a fim de que esta efetivamente não gerasse prejuízos políticos e financeiros para a nação, e tampouco impedisse o desenvolvimento econômico dentro do projeto de nação que aqui está sendo instituído. A redução da alíquota do IPI foi utilizada a fim de incentivar o consumo interno, manter a concessão de crédito na praça e impedir o desemprego, o que coaduna com um projeto de nação democrático e popular e que preza o crescimento econômico com responsabilidade.
Embora o IPI não tenha sido o único instrumento utilizado para combater a aludida crise e tentar manter o desenvolvimento da economia nacional, podemos dizer que, objetivamente, pelos números de crescimento do PIB dos últimos anos, que não houve um efetivo crescimento econômico, mas praticamente uma estabilização da economia, a verificar pelo índice de crescimento de 0,9% do PIB, em 2012. Todavia, para o consumidor e o conjunto da sociedade, a redução da alíquota do IPI neste contexto significou melhor qualidade de vida e desenvolvimento econômico através da aquisição de bens de consumo e concessão de crédito.
Aliados a todo este contexto, e somado aos princípios e características do IPI, é que o Governo Federal utilizou desta exação a fim de intervir na economia para recuperar a indústria automobilística, em queda no período, optando para tanto pelos veículos populares, econômicos e de mais fácil acesso à população. Da mesma forma foi realizada a intervenção sobre a economia varejista, quanto aos produtos da linha branca, que são necessários para o consumidor, pessoas do lar, os quais adquiriam tais mercadorias mediante concessão de crédito, garantindo assim circulação de valores para o mercado varejista, também em crise no período.
Informações Sobre o Autor
Humberto Gustavo Drummond da Silva Teixeira
Advogado, Direito-UCSAL. Pós-Graduação em Direito Tributário – IBET Mestrado – Planejamento Territorial e Desenvolvimento – UCSAL