Resumo: O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos incide quando verificada transmissão onerosa entre vivos, a qualquer título, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia. Ocorre que, por vezes, há tributação do imposto indevidamente pela aparente transação onerosa ocorrida. Contudo, analisando a situação fática de incorporação imobiliária de sociedade subsidiária integral pertencente ao mesmo grupo econômico, verifica-se a ausência de item fundamental para subsunção do fato gerador à hipótese de incidência, o que merece ser objeto de reflexão para evitar a tributação de situação jurídica não prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-Chaves: Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Imunidade. Elementos essenciais. Incorporação societária. Onerosidade.
Abstract: The Tax of Transmission of Real Estate Inter Vivos happens when checked onerous transmission between living creatures, to anyone, of real estate, for nature or physical accession, and of real rights on real estate, except those of assurance. What happens, for times, there is taxation of the tax unjustly for the apparent occurred onerous transaction. Nevertheless, analysing the situation factual of property incorporation of integral subsidiary society pertaining to the same economical group, creator checks the absence of basic item for subsunção of the fact to the incidence hypothesis, what deserves to be an object of reflection to avoid the taxation of legal situation not predicted in the Brazilian Legal Order.
Keywords: Real Estate Transmission Tax. Immunity. Essential elements. Corporate incorporation. Onerosity.
Sumário: Introdução; 1. Tributos e espécie dos impostos; 2. O imposto sobre transmissão de bens imóveis por ato oneroso inter vivos; 2.1. Evolução histórica; 2.2. Conceito e características; 2.3. Fato gerador; 3. Da imunidade do ITBI; 4. Descarcterização da incidência do ITBI pela ausência de onerosidade na incorporação societária. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Os municípios têm considerado qualquer transmissão da titularidade de imóveis que não seja objeto de doação como sendo sujeita à incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), salvo quando verificadas as hipóteses de imunidade previstas na Constituição Federal (CF) e no Código Tributário Nacional (CTN).
O acórdão nº 9.881/3 proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Tributários do Município de Belo Horizonte/MG (CART)[1] será utilizado como base para a questão fática objeto de análise, pois refere-se à discussão central de incidência ou não do ITBI, à luz da imunidade constitucional prevista no art. 156, §2º, I, da CF, aliada ao requisito onerosidade da transmissão imobiliária decorrente de incorporação societária de subsidiária integral pertencente ao mesmo grupo econômico.
O entendimento que vêm sendo praticado pelas Fazendas Públicas, e que havia sido reconhecido antes da prolação do acórdão supracitado, viola frontalmente as hipóteses de incidência do referido imposto, na medida em que tributa operações de reorganização societárias apenas por entender estarem excluídas pela preponderância da atividade imobiliária, que impede o reconhecimento de imunidade do imposto.
Contudo, como será abordado ao longo do trabalho, é preciso analisar-se a preponderância ou não das atividades da adquirente e, ainda, outro elemento essencial, a saber, a presença de todos os componentes configuradores do imposto, fins de apurar o preenchimento ou não das características para a ocorrência do fato gerador.
1 TRIBUTOS E ESPÉCIE DOS IMPOSTOS
A palavra tributo deriva do termo em latim tributum, possuindo como significado algo que é concedido ou submetido a outrem por obrigação, necessidade ou hábito.
Trata-se de uma obrigação normalmente paga em dinheiro, que as pessoas físicas ou jurídicas prestam ao Estado, devido à relação jurídica tributária estabelecida entre elas para fins de manutenção e desenvolvimento do Estado. Vicente Kleber de Melo Oliveira[2] conceitua tributo:
“Pode-se definir tributo como o valor (prestação), normalmente em dinheiro, que cada pessoa (física ou jurídica) paga ao Estado, em decorrência da relação jurídica, pelo princípio da legalidade, que se estabelece entre ambos, aquelas na qualidade de contribuintes ou responsáveis, com dever jurídico, e este, com direito subjetivo para exigi-lo em face do poder de tributar decorrente da soberania que lhe confere a Constituição Federal”. (OLIVEIRA, 2001, p. 89)
Sobre a obrigatoriedade do tributo, Kiyoshi Harada[3] leciona:
“Caracteriza-se o tributo pela compulsoriedade da obrigação pecuniária em moeda ou em valor que nela possa se exprimir, resultante exclusivamente da lei, sem se constituir em sanção do ato ilícito como ocorre com as multas administrativas que, igualmente, derivam de lei e, portanto, são compulsórias”. (HARADA, 2012, p. 84).
O art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN) traz o conceito de tributo, in albis:
“Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
A natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador da obrigação, independentemente da denominação e características formais que possua, bem como destinação legal do produto da arrecadação, consoante se depreende do art. 4º do CTN. Ou seja, é através do fato gerador da respectiva obrigação tributária principal que será determinada a espécie do tributo.
Isso porque tributo é gênero, do qual são espécies, de acordo com o art. 5º do CTN, os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. No entanto, a Constituição Federal (CF) também prevê outros tributos, como se denota dos seus arts. 147 a 149, do capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”, a saber, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.
O imposto foi definido no art. 16 do CTN, como sendo "tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte".
Vê-se, pois, que a espécie dos impostos tem por característica principal a não vinculação, que significa a ausência de contraprestação de qualquer atividade estatal dirigida ao contribuinte. Logo, incide a exação sobre a conduta determinada por lei sem qualquer necessidade de dependência com a atividade do Estado, porquanto sua arrecadação destina-se ao provimento do orçamento público, consoante dispostos no art. 167, IV da Constituição Federal.
O art. 16 do CTN é claro sobre a desvinculação do pagamento do imposto com a atividade estatal, ficando claro que ao se exigir o imposto não existe atividade estatal (sujeito ativo) que beneficie diretamente o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) de forma específica, motivo pelo qual inexiste contraprestação.
Caracterizam-se os impostos, ainda, como tributo que capta a riqueza do particular (HARADA, 2012). São classificados como diretos e indiretos, reais e pessoais e em fixos, proporcionais ou progressivos. Os impostos podem ser, ainda, Federais, Estaduais ou Municipais.
In casu, o imposto a ser analisado é o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso Inter Vivos, ora denominado simplesmente ITBI. Como se verá, trata-se de imposto direto, real, proporcional, ipso facto (que não admite progressividade), e de competência municipal.
2 O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS POR ATO ONEROSO INTER VIVOS
O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso inter vivos, denominado simplesmente ITBI, era conhecido no passado como "siza" ou "sisa", que vem do francês saisine, significando posse. Referido imposto passou por algumas modificações ao longo dos anos, tanto no que toca ao ente tributante quanto no que se refere à base tributável, consoante será explanado.
2. 1 Evolução histórica
O ITBI surgiu no século XIX, em 1809, com nome de "sisa", através do Alvará nº 3, de junho de 1809, em que D. João VI teria instituído a meia sisa no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o tráfico de escravos e sobre a transação de bens de raiz. Tratava-se de um imposto de caráter geral que vigorou até 13/5/1888, data em que ocorreu a abolição da escravatura.
A Constituição Outorgada de 1824 foi omissa na previsão do ITBI, mas pelo Ato Adicional de 1834, houve alteração quanto ao ente tributante da sisa sobre transações com bens de raiz, que passou das Províncias (Estados-membros) para os Municípios, exceto no município do Rio de Janeiro.
A primeira vez que foi previsto no texto constitucional fora em 1891, na Constituição Republicana de 1891 que atribuiu aos Estados-membros a competência para instituir impostos “sobre transmissão de propriedade”, de acordo com o seu art. 9º, inciso III, o que provocou a derrogação dos arts. 35 a 42 do CTN.
Após, na Constituição de 1934, manteve-se a competência estadual para instituição do imposto, contudo, houve sua cisão entre imposto causa mortis e inter vivos, consoante art. 8º, inciso I, alíneas b e c. Curioso destacar que a modalidade inter vivos abarcava a transmissão para o fim de incorporação ao capital da sociedade e a causa mortis, por sua vez, incidia sobre os bens incorpóreos, conforme art. 8º, §4º do referido texto.
Nas Constituições de 1937 e de 1946 não houve qualquer alteração, até que com a Emenda Constitucional nº 5, de 1961, ocorreu o desmembramento desse tributo: o imposto de transmissão inter vivos passou para a ser de competência exclusiva dos municípios (art. 29, III); e o imposto de transmissão causa mortis continuou sendo de competência dos Estados-membros (art. 19, I e §§ 1o e 2o).
Contudo, em 1965 a Emenda Constitucional nº 18 reunificou os impostos de transmissão causa mortis e inter vivos, atribuindo a competência de ambos para os Estados-membros (art. 9º e §§ 1º a 4º).
Na Carta de 1967 houve atribuição aos Estados-membros da competência para decretar o imposto sobre “transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza, acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de imóveis” (art. 24, I). O §2º do art. 24, após alteração da redação pelo Ato Complementar nº 40 de 30/12/1968, fixou a competência do Estado-membro onde se situa o bem imóvel, impondo uma limitação à alíquota máxima fixada por Resolução do Senado Federal e prevendo o direito de dedução do montante pago por ocasião da apuração e pagamento do imposto de renda oriundo da transação imobiliária. A Emenda nº 1, de 1969, inobstante manutenção do conteúdo da Constituição anterior (art. 23, I e §2º), retirou a previsão constitucional de dedução do imposto pago a esse título para efeito de pagamento de imposto de renda.
Finalmente, com o advento da Constituição de 1988, novamente cingiu-se a competência impositiva dos entes tributantes, de modo que a tributação da transmissão causa mortis e doação passou a ser dos Estados, através do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), e a das transmissões de bens imóveis inter vivos e de forma onerosa passou a ser de competência dos Municípios e do Distrito Federal.
2.2 Conceito e características
O ITBI integra o Sistema Tributário Nacional e, por força do princípio da discriminação de rendas tributárias, encontra-se inserto no âmbito da competência impositiva dos Municípios (HARADA, 2012). Incide sobre a transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), bem como cessão de direitos à sua aquisição.
Érico Hack simplifica a conceituação do imposto:
“O ITBI é o Imposto de Transmissão de Bens Inter Vivos, que se aplica apenas às transmissões onerosas de imóveis. […]
Trata-se do imposto que o comprador de imóvel paga sobre o valor do negócio, sendo seu recolhimento obrigatório para o Registro de Imóveis e a conclusão da escritura”. (HACK, 2015, p. 233).
O escopo constitucional do ITBI está previsto nos arts. 156, II e §2º c/c art. 184, §5º, da CF, cuja redação é a seguinte:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […]
II – transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; […]
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. […]
§ 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária”.
O Código Tributário Nacional também dispõe sobre o ITBI a partir do art. 35, não havendo lei complementar dispondo sobre normas gerais de tal imposto. Por ser tributo de competência municipal, cabe à lei ordinária de cada município ou do Distrito Federal regulamentar a matéria.
Quanto às suas características, o ITBI tem finalidade fiscal, isso quer dizer que seu escopo é obter recursos financeiros para os municípios e Distrito Federal. É imposto direto, cujo ônus econômico recai diretamente e definitivamente sobre o contribuinte; e real, instituído e cobrado em razão do fato gerador objetivamente considerado, não podendo variar em razão da presumível capacidade contributiva do sujeito passivo.
A alíquota do imposto é proporcional, não variando em razão da base de cálculo, até mesmo por ser vedada a progressividade no mencionado tributo. Nesse sentido, vide ementa do Recurso Extraordinário nº 234.105[4], de Relatoria do Ministro Carlos Velloso (BRASIL, 2000), sobre a não progressividade do ITBI:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS, INTER VIVOS – ITBI. ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS. C.F., art. 156, II, § 2º. Lei nº 11.154, de 30.12.91, do Município de São Paulo, SP. I. – Imposto de transmissão de imóveis, inter vivos – ITBI: alíquotas progressivas: a Constituição Federal não autoriza a progressividade das alíquotas, realizando-se o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da venda. II. – R.E. conhecido e provido.” (RE 234105/SP – SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 08/04/1999, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJ 31-03-2000).
É não vinculado, assim como todos os impostos, pois o fato gerador da obrigação independe de qualquer atividade estatal específica para o obrigado; e, por fim, tem incidência instantânea quando da transmissão da propriedade do imóvel.
A base de cálculo do ITBI é o valor venal do bem imóvel transmitido ou do direito real cedido, nos termos do art. 38 do CTN, equivalente ao valor de mercado (ou preço de venda, à vista, em condições normais de mercado), sendo irrelevante o preço constante da escritura. (SABBAG, 2013, p. 1060).
Das lições do Direito Privado extrai-se que ocorre a transmissão quando se transferem a outrem, bens e direitos. In casu, somente incide o ITBI em transmissões inter vivos de bens imóveis ou direitos a ela correlatos.
Assim, pode-se incidir o imposto, basicamente, em 03 (três) situações: (i) transmissão de bens imóveis urbanos ou rurais, por natureza ou acessão física; (ii) cessão de direitos à sua aquisição; e (iii) transmissão de direitos reais sobre imóveis, excetuando-se os de garantia.
2.3 Fato gerador
O fato gerador do ITBI é a transmissão, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição.
Este fora o âmbito constitucional estabelecido pelo art. 156, II, da CF, a partir do qual o legislador municipal irá definir as hipóteses de incidência. Inclusive, tal domínio deve ser esmiuçado, consoante art. 146, III, da CF, fins de evitar que os legisladores municipais estabeleçam outras hipóteses de incidência do ITBI, como vem ocorrendo em alguns municípios que tem cobrado o imposto valendo-se do mero contrato de promessa de compra e venda, o que não está incluso no âmbito constitucional do imposto.
Sobre o tema leciona Hugo Machado de Brito:
“Aliás, por força do disposto no art. 146, inciso III, da Constituição Federal esse âmbito constitucional deve ser detalhado, explicitado, de sorte a evitar que os legisladores dos diversos Municípios brasileiros estabeleçam tratamentos diferentes, como atualmente se está verificando, com a lei de alguns Municípios colocando entre as hipóteses de incidência do ITBI a promessa de compra e venda, que nos parece estar fora do âmbito constitucional desse imposto.
Alguns Municípios definem a promessa de compra e venda como fato gerador do ITBI, e disso decorre importante implicação. Feita a promessa, consumado está o fato gerador, de sorte que acessões físicas que venham a ocorrer no imóvel, realizadas pelo promitente comprador, serão irrelevantes para a definição do imposto devido, ainda que este não tenha sido pago na época própria. Assim, se alguém faz promessa de venda de um terreno, e o promitente comprador realiza uma edificação, não pode o Município cobrar o imposto sobre o valor desta, a pretexto de que somente com o registro imobiliário da venda é que se deu a transmissão do imóvel. Para fins tributários, por opção do legislador municipal, a transmissão deu-se com a promessa. A edificação foi feita, então, em terreno próprio do construtor, e, assim, não pode ser tida como objeto da transmissão”. (BRITO, 2010, p. 417-418).
Os direitos reais sobre bens imóveis cuja transmissão está sujeita ao imposto estão previstos no Código Civil Brasileiro, em seus arts. 1225 e seguintes, que os enumera: propriedade, superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca, anticrese. As três últimas espécies – penhor, hipoteca e anticrese, por serem direitos de garantia não podem ser relacionadas como fato gerador do ITBI.
Do mesmo modo incide o ITBI sobre a transferência de domínio útil, a teor do que dispõe a Súmula 326 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “legítima a incidência do imposto de transmissão 'inter vivos' sobre a transferência de domínio útil".
No que se refere à cessão de direitos, tal será fato gerador do ITBI quando possuir o timbre de transmissão de propriedade, com efetiva translação jurídica da propriedade do bem imóvel (SABBAG, 2013). Ou seja, enquadram-se como cessão de direitos os atos que podem fazer com que a pessoa que os recebe adquira de fato o imóvel, equivalendo, assim, à própria transmissão do bem.
Sob este prisma, importante colacionar ementa do Recurso Especial nº 327.188[5] (BRASIL, 2002), em que restou exarado que a promessa de cessão de direitos à aquisição de imóveis não configura fato gerador do ITBI:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE CESSÃO – NÃO INCIDÊNCIA. Promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel não é fato gerador de ITBI”. (Ag.Rg no REsp. 327.188/DF. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. 1ª Turma. J. em 07-05-2002. DJ 24-06-2002).
De se ressaltar, ainda, o plano espacial do ITBI, que é o território do Município da situação do bem, consoante art. 156, II e §2º, II, da CF; e o plano temporal, que é o da transmissão patrimonial ou da cessão de direitos, conforme mesmo dispositivo da CF c/c art. 35 do CTN.
Sobre o plano temporal, especificamente, o momento de incidência do ITBI, tem-se como ocorrido o fato gerador quando houver o registro do respectivo ato (PINTO, 2012). Isso porque somente o registro do título translativo de propriedade no competente Registro de Imóveis consubstancia o ato de transmissão do bem imóvel, motivo pelo qual só o ato do registro é capaz de gerar efeitos constitutivos.
Interessante a lição de Kiyoshi Harada sobre o plano temporal e eventual vício do título aquisitivo:
“Embora a transmissão da propriedade só ocorra com o registro do título de transferência, no Registro Imobiliário competente, nada impede de a lei fixar o aspecto temporal do fato gerador desse imposto antes dela, não tendo a menor relevância jurídica eventual vício do título aquisitivo que venha impedir o seu registro, em face do que dispõe o art. 118 do CTN. O que importa é que o bem adquirido integre-se economicamente ao patrimônio do comprador”. (HARADA, 2001, p. 333-334).
Tal questão do momento da ocorrência do fato gerador do ITBI no caso da transferência de bens imóveis já foi muito debatida, prevalecendo esse entendimento tanto na doutrina como na jurisprudência.
3 DA IMUNIDADE DO ITBI
A Constituição Federal previu algumas situações de imunidade do ITBI. A primeira delas, prevista no art. 156, II, parte final, da CF, dispõe que os Municípios e o Distrito Federal não poderão exigir o imposto em face das pessoas que realizam hipotecas e anticreses. A terceira imunidade, que consta do art. 184, §5º da CF, relaciona-se às operações para fins de reforma agrária. Ambas não são objeto do presente estudo.
A segunda modalidade de imunidade prevista no texto constitucional – objeto do presente artigo, é a que será analisada, in casu, encontrando-se insculpida no art. 156, §2º, I, da CF. Cita-se:
“§2º. O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”
Segundo Cláudio Carneiro referida imunidade trata-se de:
“Hipótese de imunidade tributária objetiva, pois visa a promover a capitalização e o desenvolvimento econômico das empresas, realizando o capital sem o recolhimento do imposto”. (CARNEIRO, 2013, p. 93).
Da leitura do mencionado dispositivo vê-se que há duas hipóteses distintas de não incidência do ITBI: (i) transmissão de bens e direitos incorporados ao patrimônio de pessoas jurídica em realização de capital; e (ii) transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa Jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
A doutrina majoritária e a jurisprudência se firmaram no sentido de exigir o requisito da inexistência de preponderância da atividade constante na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, para ambas as hipóteses acima mencionadas – i e II.
Contudo, para Kiyoshi Harada[6] (2014), há dois tipos de imunidade. Segundo o doutrinador, a não distinção da imunidade pura da condicionada decorre de “equívoco consagrado pela jurisprudência decorre do erro de interpretação gramatical, de um lado, e de erro de interpretação jurídica, de outro lado, como veremos mais adiante”.
De acordo com Harada, no artigo publicado no site de seu escritório de advocacia, a imunidade constante na primeira parte do dispositivo refere-se à imunidade pura, enquanto a da segunda parte relaciona-se à imunidade condicionada, nos casos de transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Entende-se, segundo o autor, por imunidade pura aquela que independe de quaisquer condicionantes. No caso do inciso I, do §2º, do art. 156, da CF, primeira parte, vê-se que não há qualquer ressalva para reconhecimento da imunidade do ITBI, bastando que sejam referentes à transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital.
No inciso I, do §2°, segunda parte, do mesmo dispositivo, no entanto, encontra-se a chamada imunidade condicionada, pois para que seja reconhecida nos casos previstos no texto constitucional (fusão, cisão, incorporação, etc.), a atividade preponderante do adquirente não pode ser a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
De acordo com Harada, não haveria que se falar em aplicação da restrição constante na parte final do dispositivo sobre a primeira parte do artigo, que se refere à incorporação do patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital social, eis que trata-se da imunidade pura e, portanto, sem quaisquer condicionantes.
Em outras palavras, aplicar-se-ia a imunidade do ITBI nas hipóteses constantes da segunda parte do inciso I, quais sejam, incorporação, fusão, cisão, etc., salvo se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda de bens imóveis, locação de imóveis ou arrendamento mercantil é que a imunidade não prevalecerá.
Isso porque, segundo Harada, o advérbio “nem” em lugar do conectivo “e” constantes do inciso I do §2º do art. 156, da CF, separa as duas modalidade de imunidade: a primeira de forma incondicionada e, a segunda, de forma condicionada. A expressão “nesses casos”, na parte final do dispositivo, não abrangeria a hipótese da primeira parte separada pelo advérbio “nem”, mas apenas as hipóteses da segunda parte que pressupõem a existência de duas ou mais pessoas jurídicas, com exceção da hipótese de dissolução. Afinal, não haveria como uma empresa incorporar a si própria, tampouco promover cisão sem implicar criação de uma outra empresa.
Ressalta-se que tal entendimento é minoritário e o tema sequer foi abordado por outros doutrinadores ou pela jurisprudência.
Sobre a atividade preponderante, muito bem elucidou Roque Antonio Carrazza:
“Não são, pois, tributáveis, por meio do ITBI as transmissões de bens ou direitos: I – incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e II – decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. Estas duas últimas imunidades, todavia, caem por terra se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil ("leasing" imobiliário). Frisamos, por oportuno, que a atividade preponderante do transmitente ou cedente é de todo em todo irrelevante para a fruição da imunidade em tela”. (CARRAZZA, 2011, p. 916).
O CTN, a seu turno, disciplinou o ITBI nos arts. 35 a 42, quando este imposto ainda era de competência dos Estados. Sendo o CTN de data anterior à CF, apenas alguns dispositivos foram recepcionados.
Nesse ponto, há que se destacar a restrição da sua aplicação quando a atividade preponderante do adquirente for a atividade imobiliária, a teor do que dispõem os arts. 36 e 37 do CTN, em relação à imunidade condicionada. Cita-se:
“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1o Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2o Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3o Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4o O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.”
Caracteriza-se a atividade preponderante quando a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição representar mais de 50% (cinquenta por cento) da atividade da empresa adquirente, nos termos do §1º do art. 37, do CTN.
Para Ricardo Lobo Torres o âmbito dessa desoneração do ITBI atrela-se à:
“Não incidência constitucionalmente qualificada, ditada por motivos conjunturais, inconfundível com a imunidade, que protege os direitos humanos. O objetivo da norma superior é promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas. O CTN regulamenta o dispositivo constitucional descendo as minúcias (arts. 26 e 37)”. (TORRES, 2005, p. 399).
Vê-se, portanto, que os §§1º a 4º do art. 37 do CTN foram sim recepcionados pela CF vigente, estabelecendo as regras definidoras do alcance da limitação constitucional ora exarada em harmonia com o disposto no art. 156, §2º, I, da CF, consoante será aprofundado a seguir.
4 DESCARCTERIZAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ITBI PELA AUSÊNCIA DE ONEROSIDADE NA INCORPORAÇÃO SOCIETÁRIA
Consoante abordado alhures, não aplica-se a imunidade do ITBI em casos de transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, quando verificado que a atividade preponderante da adquirente é a de compra e venda de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Assim, adentrando ao cerne do presente trabalho, tratando-se de incorporação societária realizada por empresa que atua no ramo imobiliário, sendo sua atividade preponderante nesse sentido – mais de 50% (cinquenta por cento), em tese não haveria que se falar em reconhecimento da imunidade do ITBI constante da segunda parte do art. 156, §2º, I, da Constituição Federal, pela condição constante na parte final do dispositivo.
Contudo, há que serem analisados outros elementos, fins de verificar a aplicação da preponderância da atividade para incidência do ITBI, uma vez que o imposto não pode incidir simplesmente por ter havido alteração no registro imobiliário, ou, ainda, por decorrer de meros negócios societários, por si só. Explica-se.
O conceito de incorporação está inserto no art. 227 da Lei 6.404/76, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, sendo aplicável subsidiariamente às demais formas de sociedades, mercantis e civis. Veja-se:
“Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.
§ 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão.
§ 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento de capital da incorporadora.
§ 3º Aprovados pela assembléia-geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.”
O art. 1116 do Código Civil também conceitua:
"Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos".
Trata-se de transferência do patrimônio líquido de uma sociedade para outra mediante a subscrição de capital da incorporadora, efetuada pelos acionistas da incorporada. Não há que se falar em surgimento de uma nova sociedade, pois, na realidade, a incorporadora absorve a outra ou outras sociedades, que se extinguem pela modalidade incorporação. A extinção é rígida, nos termos da legislação.
Como leciona Armador Paes de Almeida:
“Pelo processo de incorporação uma ou mais sociedades são absorvidas pela incorporadora, permanecendo inalterada a identidade desta, que, por via de consequência, assume todas as obrigações das sociedades incorporadas.” (ALMEIDA, 2016, p. 96).
De outro lado, considera-se uma sociedade subsidiária àquela que é controlada por outra, denominada holding, que é a empresa que detém a posse majoritária de suas ações e também de outras empresas. Nesse ponto, chama-se a empresa de subsidiária integral quando existe apenas uma única sociedade como sua acionista.
Tais conceitos não podem ser alterados pela lei, posto que utilizados pela CF para limitar a competência tributária. O art. 110 do CTN, portanto, cujo efeito é didático, há que ser invocado para interpretação e análise conjunta dos dispositivos e conceitos legais, como passa-se a expor a seguir.
Volvendo à análise de incidência do ITBI, vê-se que sua hipótese de incidência consiste na transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), bem como cessão de direitos à sua aquisição.
Sobre a transmissão, o art. 1245 do Código Civil assim dispõe: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.
A transmissão da propriedade imobiliária só se opera mediante o registro efetivo do título translativo no Registro de Imóveis competente, nos termos do §1o do mesmo dispositivo: “§1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.
O conteúdo do §1o do art. 1245 do Código Civil apenas repisa que não há transmissão e, por consequência, o fato gerador do ITBI, enquanto a escritura de compra e venda não for registrada, como já abordado anteriormente.
Corroborando o posicionamento legal e doutrinário, também está a jurisprudência do STJ, como se denota do REsp 253364[7] (BRASIL, 2001):
“EMENTA: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – FATO GERADOR – REGISTRO IMOBILIÁRIO – (C. CIVIL, ART. 530). A propriedade imobiliária apenas se transfere com o registro respectivo título (C. Civil, Art. 530). O registro imobiliário é o fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Assim, a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria o Ordenamento Jurídico”. REsp 253364 DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 16-4-2001, p. 104).
Sobre o requisito da onerosidade, trata-se de atributo imanente ao campo de incidência do ITBI, porquanto há de haver um nexo causal que una os contratantes, em recíproca e bilateral relação de empobrecimento e enriquecimento patrimonial[8]. (FURLAN, 2003).
A condição de onerosidade prevista no inciso II do art. 156 para incidência do ITBI também determina expressamente a incidência do tributo nos casos de incorporação e extinção da pessoa jurídica desde que observada a preponderância das atividades.
Contudo, analisando a hipótese de incorporação societária de sociedades pertencentes ao mesmo grupo econômico, onde a incorporada é subsidiária integral da incorporadora, ainda que a atividade preponderante seja a incorporação imobiliária, não há que se falar em incidência do imposto por carecer do requisito onerosidade.
Isso porque para haver a tributação do ITBI, deve-se partir do pressuposto que existiu um negócio jurídico antecedente, de cunho oneroso, firmado por duas pessoas, sejam físicas ou jurídicas, inclusive no caso de operações societárias.
Há que existir, portanto, um negócio jurídico que ampare a transmissão imobiliária. Sobre os negócios jurídicos leciona César Fiúza:
“Negócio jurídico é toda ação humana, voluntária e lícita que, condicionada por necessidades ou desejos, acha-se voltada para a obtenção de efeitos desejados pelo agente, quais sejam, criar, modificar, ou extinguir relações ou situações jurídicas, dentro de uma perspectiva de autonomia privada, ou seja, de autorregulação dos próprios interesses”. (FIÚZA, 2010, p. 202).
Cediço que nas incorporações societárias a empresa incorporadora recebe ações e obrigações da incorporada, podendo, com isso, adquirir bens onerosamente, o que ensejaria incidência do ITBI. Contudo, quando a sociedade incorporada for subsidiária integral da incorporadora (holding), não há que se falar em aumento de capital e, por consequência, emissão de ações.
Isso porque no caso sub examen a holding/incorporadora já detinha 100% (cem por cento) das ações da incorporada, que era subsidiária integral e, exatamente por isso, não houve qualquer onerosidade na transação.
O que faz o fato gerador adequar-se à hipótese de incidência, fins de aplicação do ITBI, é exatamente a transferência do direito de propriedade, de onde se extrai não só o negócio jurídico ou a transcrição imobiliária, mas sim o fato-efeito da transmissão (BARRETO, 1997).
Quando a transmissão representa mera alteração no registro imobiliário ou operação societária sem repercussão onerosa, como é o caso da incorporação pela holding da subsidiária integral, resta prejudicada a incidência do ITBI por ausência de onerosidade na transação, requisito para sua configuração.
Os negócios jurídicos têm na vontade do agente a sua principal fonte de efeitos, de onde se extrai que as partes celebrantes de negócio jurídico apto à incidência do ITBI devem ter interesses distintos, e não iguais. Uma das partes terá como repercussão patrimonial o empobrecimento, enquanto a outra terá o enriquecimento, em recíproca e bilateral transação.
No caso de incorporação da subsidiária integral, inexiste bilateralidade ou distinção de vontades, pois não são duas empresas distintas e independentes transacionando. Ao contrário, a vontade é una, comum, repercutindo, na prática, em reorganização societária sem qualquer substância indicadora de capacidade contributiva apta a gerar incidência do ITBI.
Isso porque sendo a empresa de propriedade integral da outra, a incorporação da sociedade implicará tão somente em transmissão do patrimônio líquido da incorporada, inexistindo, por absoluto, comutatividade, porquanto não haverá qualquer alteração patrimonial efetiva na incorporadora. A bem da verdade, ocorrerá apenas simples alterações nas contas contábeis, mantendo-se o patrimônio líquido da sociedade incorporadora exatamente idêntico ao que era antes da operação.
Justamente nesse sentido fora o acórdão nº 9.881/3, proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Tributários do Município de Belo Horizonte/MG (CART) no recurso voluntário nº 10.144, oriundo do processo nº 01.075626.07.09, em que discutia-se exatamente a incidência ou não do ITBI sobre operação de incorporação societária feita entre empresas integrantes do mesmo grupo econômico, sendo a incorporadora empresa que exerce atividade preponderante imobiliária.
A operação tributada pelo município de Belo Horizonte fora, basicamente, a seguinte: a MRV Engenharia era detentora de 100% (cem por cento) das ações da MRV Empreendimentos e 85% (oitenta e cinco por cento) das ações da MRV Construções. A MRV Empreendimentos, a seu turno, era subsidiária integral da MRV Engenharia, tendo sido incorporada por esta última, de modo que a MRV Engenharia passou a deter 100% (cem por cento) das ações da MRV Construções.
O Fisco Municipal autuou a empresa adquirente/incorporadora argumentando ser a sua atividade preponderantemente imobiliária, motivo pelo qual não estaria abarcada pela imunidade constante do art. 156, §2º, I, da CF.
Contudo, o recurso fora provido após instauração de divergência pelo redator do acórdão nº 9.881/3. Cita-se dispositivo do acórdão:
“Vistos, relatados e discutidos os autos, acorda a 3ª Câmara do Conselho de Recursos Tributários, na reunião do dia 2 de outubro de 2014, à unanimidade, em conhecer o recurso. No mérito, pelo voto de qualidade, provido o recurso voluntário, vencidos o Relator, o Dr. Reginaldo Moreira de Oliveira e o Dr. Carlos Alberto Pereira, que o desproviam. Designado redator do acórdão o Dr. Leonardo Varella Giannetti, autor da divergência instaurada, acompanhada pelo Dr. Daniel Pereira Artuzo, que alterou o voto anteriormente proferido, e pelo Presidente, Dr. Alfredo bento de Vasconcellos Neto. Compareceu à sessão de julgamento, em nome da Recorrente, o Dr. Eduardo Lopes de Almeida Campos”. (Acórdão 9.881/3. Recurso voluntário nº 10.144, oriundo do processo nº 01.075626.07.09, CART Belo Horizonte/MG).
Importante trazer excerto do voto do Dr. Leonardo Varella Giannetti, autor da divergência, cuja inteligência merece destaque:
“No caso em debate não se vislumbra elemento econômico suscetível de tributação, pois não houve acréscimo do capital social, não houve emissão de novas ações e quem adquiriu é o único controlador da transmitente, pois é detentor de 100% das ações da sociedade. Esse fato indica não só a ausência de transmissão como ausência de capacidade contributiva apta a ser tributada pelo ITBI.
Entendo que o ITBI não incide simplesmente por ter ocorrido uma alteração no registro imobiliário no qual o adquirente do bem exerça e aufira receita decorrente de atividade imobiliária. Há um ingrediente há mais. No caso do ITBI, a tributação patrimonial envolvendo partes independentes, que formulam verdadeiro pacto ou negócio jurídico que ostenta real riqueza. Não se vislumbra no caso dos autos uma efetiva transmissão patrimonial no sentido jurídico, pois não há um efetivo negócio jurídico, mas simples mudança formal no registro imobiliário (os imóveis "trafegam" no papel de uma pessoa jurídica para outra com transcrição no registro notarial).”
Portanto, como muito bem delineado, não basta a transcrição no registro do imóvel, ou ainda a mera operação societária, fins de incidir o ITBI. Há que ser preenchido o núcleo completo que compõe o fato gerador do referido tributo, verificando a existência de onerosidade na operação inter vivos e, eventualmente, reconhecimento ou não da preponderância das atividades, fins de que seja cobrado o imposto.
Assim, conclui-se que o lançamento do ITBI decorrente de operações societárias gratuitas não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro e, por isso, deve ser repelido.
CONCLUSÃO
Como visto, os municípios têm cobrado ITBI pela mera transmissão da titularidade de imóveis que não seja objeto de doação, sem analisar a minúcia de cada caso e elementos envoltos na operação tributada, assim como havia ocorrido na situação fática objeto de recurso voluntário antes do provimento pelo acórdão nº 9.881/3 proferido pelo CART de Belo Horizonte/MG.
Contudo, restou demonstrado que antes da análise de reconhecimento da imunidade constitucional prevista no art. 156, §2º, I, da CF, tomando por base a preponderância das atividades do adquirente como requisito excludente do benefício, há que serem avaliados os elementos essenciais que constam do texto constitucional e do CTN.
Portanto, antes de ponderar se é hipótese de imunidade ou não ante a preponderância das atividades, é preciso estar presente o requisito fundamental da onerosidade da transmissão imobiliária decorrente de incorporação societária. No caso de incorporação de subsidiária integral pertencente ao mesmo grupo econômico da holding, restou demonstrado não ter havido operação societária onerosa, mas sim gratuita.
Logo, as partes celebrantes de negócios jurídicos que venham a sofrer tributação do ITBI devem avaliar se todos elementos do imposto restaram configurados, sob pena de serem indevidamente tributadas as transmissões imobiliárias.
Conclui-se, por fim, que não basta a transcrição no registro do imóvel, ou a mera operação societária para incidência do ITBI, motivo pelo qual a postura praticada pelas Fazendas Públicas deve ser revista, sob pena de violar as hipóteses de incidência do referido imposto.
Informações Sobre o Autor
Camila Soares Gonçalves
Pós-Graduanda em Direito Tributário pela PUC-Minas. Especialista pela Pós-Graduação Lato Sensu em Advocacia Cível pela Fundação Dom Hélder Câmara. Bacharel em Direito pela Rede Doctum de Ensino de João Monlevade/MG. Advogada. http://lattes.cnpq.br/1247516173425206.