Resumo: O presente trabalho visa demonstrar uma das hipóteses explicativas para o início das inúmeras cobranças das contribuições sociais federais e os efeitos do constituinte de 1988 ao alterar a competência tributária ativa no ramo da energia elétrica da União para os Estados. Especificamente na história da criação da tributação no ramo da energia elétrica se chegará a uma noção do que ocorre nos dias atuais em relação às diversas contribuições sociais que tanto a União Federal utiliza para preencher os seus cofres públicos, decorrentes de uma intenção constitucional de conceder autonomia aos estados e municípios que retirou parte da arrecadação da União Federal no setor.
Palavras-Chave: Energia elétrica. Arrecadação tributária. Contribuições Sociais. Gestão financeira. Financiamento de Política Pública.
Abstract: This study aims to demonstrate one of the explanatory hypotheses for the start of numerous charges of federal social contributions and the effects of the constituent of 1988 about the change active tax competence from the Union of the electricity industry to the States. Specifically in the taxation creation of history in the energy industry will draw close to a sense of what occurs nowadays in relation to various social contributions that the federal government uses to fill its state coffers resulting from a constitutional intention to grant autonomy for the states and municipalities that took part of the collection of the Federal Government in the sector.
Keywords: Electricity. Tax collection. Social contributions. Financial management. Public Policy Financing.
Sumário: Introdução. 2. Tributação no setor da energia elétrica. 2.1. Período Era Vargas – o início. 2.2. Período Pós-Constituição de 1988. 3. Arrecadação tributária estatal e federal. 3.1. O Imposto único sobre energia elétrica – IUEE. 3.2. O que se perdeu com o ICMS no setor de energia elétrica. 3.3. Contribuições sociais no setor elétrico. 4. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A tributação, como impositiva e invasiva no patrimônio de um cidadão, sempre será alvo de questionamentos, principalmente em relação à gestão da arrecadação tributária pelo Estado e a necessidade de instituição de um novo tributo.
O artigo tem como foco tentar identificar o aumento na imposição de contribuições sociais no ordenamento jurídico e como essas afetam o aumento da onerosidade perante o contribuinte.
Utiliza-se como parâmetro a alteração de tributação sobre o setor da energia elétrica vinda da Era Vargas de uma forma constitucional tendo sido alterada sua competência ativa em 1988 com a promulgação da nova constituição.
É necessário que os juristas averiguem o quão importante é a análise das consequências econômicas na formação de normas constitucionais em um país, a ponto de se verificar se o atual contexto constitucional funciona e inibe o crescimento econômico de determinado setor.
Não se pronunciará aqui a análise do estudo da guerra fiscal nem a abordagem de influência dos encargos do setor, sendo tão somente verificada a tributação pretérita do setor e a influência na criação de novas contribuições sociais por provável decorrência da alteração de competência ativa na arrecadação do tributo no setor de energia elétrica.
O contexto histórico é abordado como importante meio para se compreender a tributação do setor elétrico no Brasil e como uma nova situação política e econômica exige mudanças imediatas para garantir a sobrevivência financeira do país.
Inicia-se, portanto, com a raiz da formação do contexto desenvolvimentista da Era Vargas no intuito de gerar autonomia do país em relação à industrialização, sendo o início de uma nacionalização do serviço de energia elétrica.
Em relação à tributação, um novo item é abordado de forma a identificar o momento em que se deu a alteração na tributação no setor e como isso acaba por onerar cada vez mais o consumidor.
Destaca-se, por meio de dados estatísticos o possível perdimento na arrecadação da União Federal (antes competente para tributar a energia elétrica) com o encaminhamento da competência tributária para os Estados.
Novamente, por meio de dados analíticos, históricos e conceituais se chegará à informação do objetivo do artigo, qual seja, a origem do aumento de contribuições sociais para, provavelmente, compensar a perda da arrecadação tributária da União com o pacto federalista, hoje cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988.
É uma visão importante a fim de se verificar se a política brasileira, com todo o caos atual em que vive, deve considerar um passo atrás como o verdadeiro passo à frente no tocante à gestão tributária do país.
2.TRIBUTAÇÃO NO SETOR DA ENERGIA ELÉTRICA
2.1. PERÍODO DA ERA VARGAS – O INÍCIO
O sistema econômico do país, na década de 30, vinha voltado inteiramente para a produção de gêneros exportáveis e mal aparelhado para servir o mercado interno e com o aumento da população gerou a necessidade de maior importação.[1]
Com o advento da primeira guerra mundial, todo o capital externo que fazia a iniciação do crescimento econômico nacional se restringiu e fez com que toda a estrutura do país voltada para uma finalidade tivesse que se comportar em outro sentido: dessa vez para o mercado interno.[2]
Os militares, que apoiaram Vargas no golpe em 1937, achavam que o Estado deveria investir em estratégias que garantissem a soberania, tal como as indústrias de base, a fim de garantir o seu desenvolvimento econômico.
Além dessas nuances, Vargas também estava descontente com a consequência que o atraso da industrialização no país acarretou na dependência de capital estrangeiro. O atraso do país leva à ênfase de produção de bens de produção em vez de bens de consumo e a dependência da tecnologia avançada estrangeira em lugar do uso das técnicas próprias.[3]
Dessa forma, ao declarar que o país deixaria de ser agrário em 1939[4] e somente fornecedor de matéria prima, demonstra seu perfil nacionalista e o início da ideia de construção autônoma de energia elétrica no país.
Na verdade, o que o governo queria era uma alteração na forma capitalista que atravessava o país, pois o capitalismo já existia com a economia mercantil agroexportadora e este gostaria de desenvolver o nacionalismo sem depender de providências externas.
Isso se justifica porque a ação do capital estrangeiro no Brasil atuava como um elemento de constante perturbação das finanças nacionais, pois as flutuações do mercado brasileiro resultavam de ações inteiramente estranhas à sua economia nacional.[5]
Assim, qualquer atividade brasileira, embora aparentemente sólida e com boas perspectivas, poderia ser gravemente afetada e até mesmo paralisada de um momento para outro em virtude de ocorrências nos grandes centros financeiros do mundo: uma retração de crédito, por exemplo, poderia criar uma situação difícil, já que o país não tinha condições próprias.
É importante observar que no Brasil ocorreu um crescimento industrial desordenado, onde os diferentes setores do parque industrial brasileiro não se desenvolverão em função um do outro, mas nascem pelo acaso de circunstâncias fortuitas e objetivando alguma necessidade incapaz de ser satisfeita pela importação.[6]
Com isso, a industrialização se permanecerá isolada fazendo com que ainda dependesse da importação. Assim, essas indústrias tinham grandes custos na compra de material que precisavam para manter-se ativa, porque o Brasil não produzia a maquinaria.
O governo Vargas, enxergando tal problema, escolheu alguns campos para iniciar essa evolução capitalista no país em busca de maior desenvolvimento interno e maior autonomia. Foram considerados os ramos básicos e prioritários para o desenvolvimento econômico moderno: siderurgia pesada, exploração do petróleo e o ramo da energia elétrica.
Era sabido que contar com empreendedores privados nacionais era pouco realista, dada suas limitações financeiras e tecnológicas e a existência de investimentos mais rentáveis e menos arriscados, o que afastava o interesse privado nacional em investir nos projetos estatais.[7] [8]
Pois bem, era necessário regular o mercado e mobilizar recursos nacionais.
Regular a atividade dessas atividades envolvia em chocar-se com interesses estrangeiros, seja as que já funcionavam no período de 1930 (concessionárias de energia elétrica, bancos estrangeiros e mineradores) e as ainda não concretizadas (petróleo, apesar de já terem concessões).[9]
A intervenção estatal é justificada pelo fato de que quanto maior o atraso em um desenvolvimento econômico de um país, maior é a necessidade da intervenção na economia de mercado para direcionar capital e liderança empresarial para as indústrias nascentes, o que leva também a uma maior necessidade de adoção de medidas coercitivas e abrangentes a fim de ajudar a poupança nacional.[10]
Como exemplo das medidas de regulação: as filiais estrangeiras foram afetadas com limitações das remessas de lucro a fim de permitir o pagamento de dívida externa[11]; houve a decretação de moratória externa a fim de financiar outras importações consideradas essenciais para o desenvolvimento econômico, que também provocaram choques entre o Estado Nacional e credores externos e exportadores estrangeiros[12]; choques também ocorridos com os bancos estrangeiros, afetados pela nacionalização do sistema financeiro prevista na Constituição Federal de 1937.[13]
A energia elétrica é destacada nessa época, porque já havia filiais estrangeiras (Light e Amforp) atuantes no mercado interno[14] e a ideia era que ocorresse a expansão de oferta da energia com garantias de fornecimento e preços que não prejudicassem a operações dos usuários de eletricidade, mas também porque um processo de nacionalização do setor foi adiado por Vargas exatamente por se vislumbrar, à época, barganha para captação de recursos externos, justamente em decorrência da operação CMBEU de Oswaldo aranha.[15]
Pois bem, compreendendo o contexto histórico geral em que o Brasil vivia, partiremos para a análise específica do setor da energia elétrica.
Tal ramo foi difundido no Brasil ainda na República Velha, onde estados e municípios (principalmente São Paulo e Rio de Janeiro) detinham de competências para realizar concessões de serviços e negociar os contratos diretamente com as empresas, sem nenhuma regulamentação nacional.[16]
Esses contratos não eram muito bem regulados pelos estados e municípios e, as cláusulas contratuais baseadas em moeda externa que protegiam a rentabilidade das empresas estrangeiras no setor, acarretavam prejuízos aos usuários com a inflação dos preços.
Vargas buscou regular o setor e retirar a autoridade dos estados e municípios de forma a limitar o aumento abusivo das tarifas das filiais estrangeiras; e este implantou o Código das Águas em 1934[17] e algumas medidas legislativas consequentes[18], porém, apesar da competência estar neste momento com a União, a aplicação prática de todo o Código não funcionou e as tarifas continuaram altas até o fim do Estado Novo.[19]
Cabível transcorrer que ainda que o Código não tenha sido plenamente implementado, sua inspiração nacionalista provocou incertezas regulatórias que desencorajaram investimentos dos grandes grupos estrangeiros na atividade estatal do país. Em vista desse cenário, o Estado amplia seu papel para além das atribuições reguladoras e fiscalizadoras e passa a investir diretamente na produção.[20]
Para o desenvolvimento do setor elétrico, o período de 1930-1945 se caracterizou por mudanças institucionais que levaram à forte centralização das decisões na esfera federal, em coerência com as mudanças estruturais do Estado Brasileiro.
O governo tinha dificuldades para regular o Código das Águas, pois era substancial a participação dos monopólios do setor e contava ainda com a presença majoritária de capital estrangeiro em uma atividade que era primordial para o desenvolvimento econômico do país.[21]
O Estado Brasileiro, portanto, tinha que enfrentar grandes aportes financeiros realizados pelo Banco Mundial às filiais estrangeiras atuantes no país[22], autorizando-os mesmo contra sua tendência nacionalizadora, de forma a não prejudicar politicamente a evolução de outros projetos nacionais, tal como o BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento.
Com a instabilidade de financiamentos norte-americanos nos projetos estatais de eletricidade no país (CHESF, CEEE e CEMIG)[23], em razão da intenção nacionalista frente à atuação internacional norte americana no setor de energia elétrica no Brasil, Vargas cria o Fundo Federal de Eletrificação, aprovado em 1954, após sua morte.
O Fundo contava, além de 20% da arrecadação de taxas de despachos aduaneiros, também com o Imposto Único sobre a Energia Elétrica – IUEE, imposto este sobre o consumo do serviço[24], ambos com o BNDE como administrador.[25] A ideia era adquirir capital para nacionalizar o setor[26], já que se cessou o interesse do financiamento externo norte-americano.
E deu certo, já que várias centrais elétricas estaduais e federais foram criadas nos anos que se passaram até que, em 1962, se constitui o sonho de Vargas (já falecido), ou seja, a criação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás), para coordenar técnica, financeira e administrativamente o setor de energia elétrica brasileiro.
A Eletrobrás integrou a Comissão de Nacionalização de Empresas Concessionárias de Serviços Públicos (Conesp), participando decisivamente do processo de compra das empresas do grupo Amforp em 1964 e, em 1967, a Eletrobrás teve definido seu papel como executora da política federal de energia elétrica.[27]
Em síntese, o período de 1946 até 1962 foi marcado por uma alteração profunda no modelo brasileiro de desenvolvimento econômico, modelo que passou a privilegiar a participação do Estado em funções produtivas, financeiras e planificadoras. Nesse contexto, o BNDE criou condições para compor o funding dos projetos de desenvolvimento da infraestrutura nacional, com destaque para a energia. Os recursos vinculados ao setor elétrico eram o Fundo Federal de Eletrificação e a quota dos estados e municípios no IUEE.[28]
Interessante finalizar esse item com a seguinte informação captada da obra de Walter T. Alvares onde não há correlação significativa entre o preço da energia e o grau de industrialização e, ainda, que a industrialização que faz baixar o preço da energia e não o baixo preço da energia que provoca a industrialização.[29]
Logo, vê-se que a política de Vargas visando a industrialização geraria economia no consumo de energia para a sociedade.
2.2. PERÍODO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988
Previsto no artigo 155 e seguintes da Constituição Federal de 1988, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (imposto estadual), além de suas outras incidências, também incide sobre a energia elétrica (art. 155, par. 3º, CF/88).
Este tem como origem o antigo imposto único sobre operações relativas à energia elétrica, que era da competência da União, nos termos do art. 21, VIII, da Constituição de 1967/1969.[30]
A ideia era evitar que tal imposto, na competência dos estados e municípios, pudesse acarretar uma tributação discricionária, que viesse a criar dificuldades à expansão das indústrias no País.[31]
Com a nova Constituição de 1988, essa competência passou a ser de competência dos Estados e do Distrito Federal, que podem tributar o setor com o ICMS-energia.
A diferença para o imposto único sobre a energia elétrica da União para o atual ICMS-energia dos Estados era que na competência da União, esta somente podia escolher uma dentre as cinco possibilidades de tributar o setor (produção, importação, circulação, distribuição e consumo), por isso o nome de imposto único. Ou seja, o legislador deveria selecionar a operação que mais lhe pudesse arrecadar a fim de não ser prejudicado.
Já no atual ICMS-energia, os entes políticos podem tributar uma, duas, três ou todas as operações indicadas, sendo apenas necessário respeitar o princípio da não-cumulatividade.[32]
Apenas para efeito de curiosidade, no início do século XXI, é na operação de distribuição que mais se arrecada.[33]
Em resumo, o ICMS-energia pode alcançar todas as operações relativas a energia elétrica, menos nas que destinem a outros Estados (art. 155, par. 2º, X, CF/88)[34], tendo a energia elétrica considerada como uma mercadoria, para fins de tributação.
O modelo tributário aprovado em 1988 representou um novo pacto federativo pelo qual, segundo José Serra, deputado e membro da comissão de tributação de tal Constituinte, procurou-se dar mais autonomia aos Estados e Municípios, abolindo o excessivo centralismo implantado pelo modelo tributário formatado pela EC 18/65.
Mas, com isso, criou-se um problema para as receitas da União:
“Na Constituinte, procuramos dar mais autonomia dos Estados e Municípios com a descentralização tributária, mas sem nenhuma racionalidade; na verdade, foi fruto de pressões políticas. Demos mais flexibilidade para o estabelecimento de alíquotas mais altas do ICMS e a situação dos Estados e Municípios melhorou. Porém, com essa nova repartição, criamos um grande problema para a União, que procura ampliar sua receita com contribuições, onerando o setor produtivo, aumentando a carga fiscal indireta e reduzindo a competitividade da produção nacional perante o mercado internacional.”[35]
Importante mencionar que grande parte dessa autonomia municipal e estadual foi migrada para os tributos indiretos (ICMS principalmente), o que pode justificar a excessiva onerosidade desigual que ocorre no país atualmente.
3. ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA ESTATAL E FEDERAL
3.1. O IMPOSTO ÚNICO SOBRE A ENERGIA ELÉTRICA – IUEE
O primeiro texto da lei brasileira sobre energia elétrica é o artigo 23 da Lei nº 1145/1903, regulamentado pelo decreto nº 5.407/1904, onde, dentre vários princípios, se situa o princípio tributário de que as concessões serão livres de quaisquer ônus estaduais ou municipais e de direitos aduaneiros.[36]
Nova legislação relevante veio em 1934 com o Código das Águas, sendo a partir daí o marco para inúmeros decretos regulamentares sobre o setor elétrico e de fato a preocupação política sobre o tema.
O imposto único sobre energia elétrica foi mencionado na constituição de 1946[37] e, no âmbito infraconstitucional, é instituído pela Lei nº 2.308/1954, imposto este cobrado pela União em forma de imposto de consumo e pago por quem utilizasse eletricidade.[38] O imposto único foi acolhido no Código Tributário nacional, sendo denominado de imposto especial.
Esta lei representava a complementação do preceito constitucional de 1946 relativo à forma do imposto único que incidia sobre a energia elétrica, segundo o artigo 15, III, par. 2º, de maneira a ser arrecada pela União e parte da renda (60%) seria entregue aos Estados e Municípios.[39] [40]
Cabível destacar que a Lei nº 2.308/54 traz à tona que o imposto único era sobre o consumo[41] e que abrangia todos os demais tributos relacionados à eletricidade[42], com exclusão dos consumidores industriais, que foram isentos de tal pagamento.
Assim, alguns doutrinadores da época, dentre eles Rubens Gomes de Souza, indicavam que a palavra “imposto” do texto constitucional de 1946 mencionada na alínea III do artigo 15, combinada com a palavra “tributação” do mesmo artigo, significava que o “imposto único” teria a natureza e o alcance de uma tributação única sob a forma de imposto e que essa tributação única seria, necessariamente, excludente da incidência de outras figuras tributárias.[43]
A incidência do imposto único era feita mediante a aplicação de uma percentagem sobre uma tarifa fiscal definida pela Lei nº 4.156/1962 e tal tarifa seria fixada pelo Ministério das Minas e Energia, sendo oficializada pelo Ministério da Fazenda.
Referida tarifa correspondia ao quociente do valor em moeda da época da energia vendida no país, em determinado mês, pelo volume de KW/h de energia elétrica consumida naquele mês.
A tarifa fiscal, portanto, era uma indicação variável, enquanto que a percentagem que incidia sobre ela era fixa mediante imposições normativas, onde podemos ter como um exemplo de referência a lei nº 5.655/1971:
– 50% sobre a tarifa fiscal para os consumidores residenciais
– 60% sobre a tarifa fiscal para os consumidores comerciais
Portanto, o cálculo do imposto único era a alíquota, definida em lei, sobre o valor da tarifa fiscal variável trimestralmente (artigo 2º, par. 2º, Lei nº 4.156/1962), sendo que 60% dessa arrecadação era dividida para os Estados e Municípios, na forma constitucional, e a parte relativa à União iria integrar o Fundo Federal de Eletrificação, movimentável pela Eletrobrás.[44]
Tal Fundo era extremamente importante para as pretensões de desenvolvimento do país, pois era destinado a prover e financiar instalações de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, assim como o desenvolvimento da indústria de material elétrico.
3.2. O QUE SE PERDEU COM O ICMS NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA
Com a arrecadação do Imposto Único sobre a Energia Elétrica e o Fundo Federal de Eletrificação foi possível a extensão de construção de centrais elétricas no Brasil em vários Estados, haja vista que, conforme já mencionado, 40% da arrecadação permanecia com a União e 60% com os estados e municípios para investimento no ramo, conforme texto constitucional de 1967.[45] [46]
Tal imposto seguiu sua vigência por alguns anos e a realidade hoje se inverteu: o que se repassava aos estados e municípios anteriormente ficou tudo aos recursos destes últimos.
O novo modelo constitucional de 1988 contendo a repartição de competências e receitas tributárias que, por pressões políticas, preocupou-se em dar autonomia aos estados e municípios[47], não se esqueceu da necessidade de arrecadação perdida para a União e uma hora ou outra isso viria à tona, através das contribuições sociais constitucionalmente previstas.
Essa arrecadação aumentou em decorrência da crise econômica pela qual atravessava o país na década de 1990 gerando a promulgação da Lei nº 8.031/90 que instituiu o Programa Nacional de Desestatização e, com a ajuda do BNDES, se iniciaram as vendas das empresas estatais, que tiveram seu início efetivo em 1995.[48]
Isso fez com que o setor elétrico tivesse mais empresas privadas atuantes e mais fonte arrecadatória aos Estados, gerando uma estrutura mista da indústria no setor elétrico, que é formada por diversas empresas que atuam em segmentos específicos. Mista, pois são presentes no setor as empresas estatais, atuantes predominantemente na geração de energia elétrica, e as privadas, atuantes predominantemente na distribuição da mercadoria.
O ICMS representa cerca de 20% do total da arrecadação tributária brasileira[49].
Com a análise de dados dos tributos arrecadados exclusivamente no setor elétrico vemos que, em 2008, os tributos federais correspondiam a 31% sobre o total da carga tributária no setor, enquanto os tributos estaduais a 46% do total[50].
O setor elétrico arrecadou em 2008, 102,5 bilhões de reais e pagou 46,2 bilhões de reais em tributos, tendo uma carga tributária de 45,08% e grande parte desse valor oriundo do ICMS-energia, ou seja, aos cofres dos estados.
Logo, vê-se que os estados têm grande participação na arrecadação do setor e dá uma ideia do quanto a União perdeu ao não deter mais da competência constitucional para cobrar e arrecadar impostos sobre o setor.
3.3. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS NO SETOR ELÉTRICO
O que se perdeu em arrecadação para a União após a Constituição Federal de 1988 referente ao ICMS-energia pode ser substituído ao que chamamos de contribuições sociais, previstas, principalmente no artigo 149[51] e artigo 195 e artigo 195, par. 4º [52], da atual Constituição Federal.
As contribuições sociais destacam-se como as mais importantes, pois são elas que “pesam nos bolsos e recheiam os cofres dos Estados”.[53]
Tais contribuições sociais são privativas da União, tendo como pressuposto uma atuação estatal no plano social, cujas receitas encontram-se afetadas em prol dos objetivos constitucionais.[54]
Não passemos aqui às classificações das contribuições sociais nem aos conceitos das mesmas, o que se intui é enxergar que o antigo imposto único sobre a energia elétrica fazia parte da arrecadação da União, que ainda precisava direcionar parte aos estados e municípios, porém, com o novo ICMS-energia elétrica, nada se reenvia à União.
Muito pelo contrário, a Constituição de 1988 inseriu uma séria de repasses dos cofres da União para os estados e municípios, ou seja, mais prejuízo à sua arrecadação, o que acabou por incentivar a criação de contribuições sociais, haja vista que estas não possuem arrecadação compartilhada.
Pois bem, a União não irá ficar inerte na ausência dessa arrecadação perdida pelo ICMS-energia e já no ano da promulgação da Constituição Federal (out/88) institui a CSLL (Lei nº 7689 de 15 de dezembro de 1988) e poucos anos depois outro grande fundo de sua arrecadação: a COFINS, instituída pela LC nº 70/91; bem como a CPMF, instituída pela Lei nº 9311/96.[55]
Com essas mudanças podemos analisar, nos anos seguintes, que a carga tributária no Brasil oriunda das contribuições sociais federais no setor de energia elétrica aumentou, tendo em vista a cobrança de CSLL (1,53% da arrecadação total), PIS/PASEP (1,51% do total), COFINS (6,95% do total), CPMF (extinta em 2007, 0,52% do total em 2006), todas essas contribuições destinadas à União, onde se pode, pelo menos em parte, justificar suas criações pela perda da arrecadação do antigo Imposto único sobre a energia elétrica.[56]
Como foi informado a representação do ICMS na receita nacional, cabível a leitura do quanto representa na arrecadação nacional o recolhimento de contribuições sociais, e estas correspondem a aproximadamente 36% do total.[57]
Sabendo que a arrecadação tributária do setor de energia elétrica corresponde a aproximadamente 2% do total da arrecadação nacional[58], temos uma ideia do quanto essa cobrança tributária por meio de contribuições sociais é significativa para o setor elétrico.
Podemos tomar como exemplo dados da sociedade de economia mista CHESF, onde a porcentagem sobre o total da arrecadação da empresa de CSLL, PIS/PASEP e COFINS, em 2004, é superior em quase quatro vezes a arrecadação do próprio ICMS-energia.[59] Dados esses que devem ser analisados com cautela a fim de não generalizar a todos as contribuintes do setor, haja vista que, como já dito, em 2008, a arrecadação nacional no setor de energia elétrica de tributos estaduais é superior à de tributos federais. Portanto, a peculiaridade legislativa tributária de cada Estado interfere nessa análise.
Em acréscimo ao aumento da tributação vemos ainda que, mesmo que as contribuições sociais sejam afetadas, ou seja, com destinação certa na sua arrecadação, o governo federal encontra alternativas para aumentar os cofres públicos com característica de impostos.
Isso é confirmado em razão do art. 76, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal por meio da DRU – Desvinculação de Receitas da União – onde 20% da arrecadação das contribuições sociais podem ser utilizadas de livre escolha pelo governante[60], ou seja, uma contribuição que deve ser vinculada a suprir as necessidades de determinado setor social tem uma parte de sua arrecadação utilizada como se fosse produto de imposto, mesmo que seja um fato gerador igual ao imposto, o que vai de encontro aos termos do art. 154, I, Constituição Federal.
Sem contar que nos diversos apontamentos de desvios de finalidade, ocorridos, por exemplo, com a CPMF (criada em 1996 e extinta em 2007)[61], se demonstra o quanto as contribuições detém de caráter mascarado de imposto a fim de, provavelmente, suprir o que se perdeu com a arrecadação setorial em 1988.
A CPMF, conforme EC 12/96 que inseriu o art. 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias revela que todo o produto da arrecadação da CPMF seria destinado ao Fundo Nacional de Saúde (FNS).[62], o que na prática não ocorreu. Estudos apontam que apenas 55% do total de recursos arrecadados era destinado à sua finalidade, enquanto 20% era por meio de DRU e os outros 25% não eram declarados em orçamentos públicos.[63] [64] [65]
Deixemos de lado a discussão da constitucionalidade do ato administrativo nessa abordagem, servindo apenas de reflexão para o esclarecimento do raciocínio de que algo deve mudar, principalmente na atual conjuntura apocalíptica que vivemos na política.
Dentro do contexto histórico que apresentamos, é relevante incluir na análise a evolução da carga tributária desde 1886 sobre o PIB, onde a carga tributária brasileira era de 22,39% sobre o PIB em 1886 e, apenas dois anos após a CF/88, o percentual sobe para 29,91%, indo em um ritmo crescente (30,03% em 2000; 34,22% em 2010; 36,02% em 2011; 36,27% em 2012; 35,42% em 2014)[66], que só tende a diminuir com uma reforma ideológica no país.
Nos próximos anos, com o aumento da globalização e a integração de mercados, o grande desafio para o país será voltar a crescer a taxas que permitam a inclusão social e a modernização da estrutura produtiva, com sustentabilidade energética e responsabilidade ambiental. O setor elétrico, por constituir importante vetor de crescimento econômico, desempenha papel fundamental, sendo de primordial importância uma oferta de energia elétrica em quantidade e qualidade adequadas como base para todo o projeto de desenvolvimento econômico.[67]
A energia elétrica tem característica de inelasticidade, sendo esta assim definida porque sua quantidade ofertada no mercado permanece constante, independentemente da variação do preço e da demanda. Justamente por esse motivo que o setor elétrico é um dos alvos do governo para aumento da tributação. É de se esperar que o aumento do preço de energia, através de uma maior tributação, não provoque uma redução no consumo na mesma proporção, o que atende o objetivo de aumentar a arrecadação.[68]
Cabível ainda a reflexão do Kiyoshi Harada sobre o federalismo no tocante à reforma tributária. Segundo este:[69]
“…o que o País precisa é de uma reforma na área do Direito Financeiro, não só para adequar as transferências do produto da arrecadação tributária na proporção das atribuições constitucionais dos Estados e dos Municípios em face da sociedade, como também, para estabelecer normas exequíveis e eficazes em matéria de execução orçamentária, de sorte a conferir ao orçamento anual o efetivo caráter de representação da vontade média da sociedade na aplicação de recursos por ela proporcionados”.
Pois bem, quem sofre com a carga tributária é o contribuinte, haja vista que a União Federal continuará dependendo daquela arrecadação perdida para suprir suas necessidades administrativas. Uma base para tal conclusão é a análise da ANEEL que informa que 51% do preço da energia elétrica que o consumidor final paga é composto por encargos e tributos em toda a operação.[70]
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ideia do estudo foi tentar demonstrar, de certa forma, se o constituinte de 1988, ao promover o pacto federativo como cláusula pétrea e trazer a competência estadual de tributação sobre a energia elétrica (antes da União Federal), estimula um aumento na tributação no setor, haja vista que os Estados não tem obrigação constitucional de repasse de arrecadação do ICMS à União, tal como ocorria com o antigo imposto único sobre a energia elétrica.
Talvez, a Constituição Federal com todo seu caráter social, se esqueceu de dar essa essência ao campo da tributação ao consagrar o sistema federativo como hoje é.
Dessa forma, a União, perdendo o que possuía como arrecadação do setor, promove alternativas, disponibilizadas pela própria constituição de 1988, a fim de reaver essa fatura.
Como exemplo, temos a imposição das contribuições sociais que, tendo mesmo fato gerador, são constitucionalmente aceitas no sistema e quem arca com isso é a economia do país como é hoje: Brasil tendo uma carga tributária em torno de 35% sobre o PIB.
A proposta da Constituição Federal de 1988 em se criar o ICMS-energia foi decorrente de uma constante reivindicação dos estados e municípios por uma maior autonomia. Autonomia esta reivindicada também na possibilidade de criação da COSIP (art. 149-A, CF), cobrada nas faturas de consumo de energia pelos municípios.
Conclui-se que é necessário reanalisar a estrutura do pacto federativo em seu perfil tributário onde atualmente pode ser prejudicial ao próprio pacto federativo, ou seja, se cria autonomia e maior arrecadação tributária individual de poucos entes políticos concentrados nas regiões desenvolvidas do país e, ao mesmo tempo, abre lacunas na arrecadação anteriormente aplicável a outro ente político, o que faz surgir o surgimento de novos tributos para preencher essa lacuna arrecadatória.
Seria então o momento de se fazer uma nova constituinte para solucionar a crise que se assola no país no âmbito político e fiscal?
Não seria imprudente o país retornar às políticas adotadas na Era Vargas, pelo menos no tocante à tributação da energia elétrica, de forma a trazer desoneração ao setor e a todos os indiretamente atingidos, construindo um sistema mais racional e mais justo e auxiliar na desoneração tributária ocorrida por criações de novas contribuições sociais.
É importante olhar para o passado e o que funcionou ser readaptado à nossa nova realidade. Por vezes, um passo no passado pode acarretar dois passos no futuro em se tratando de projeto político e progresso para o desenvolvimento da economia de um país.
Informações Sobre o Autor
Rafael Albertoni Faganello
Mestrando em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie SP. Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas SP. Especialização em Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP. Advogado