Fato Gerador x Hipótese de Incidência e a tributação de atividades ilícitas

Resumo: Embora o CTN algumas vezes trata fato gerador como sinônimo de hipótese de incidência o fato é que ambos são institutos diferentes. Outrossim, poderá haver tributação de atividades ilícitas e ilegais, nos termos do legislação tributária pátria.


Fato gerador e hipótese de incidência são coisas distintas. O Código Tributário Nacional por vezes é impreciso na distinção quando trata como fato gerador tanto a abstração inserta na lei quanto a concretização observada no mundo, v. g., no artigo 114 do mencionado Código (Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência). Entretanto, não há como denominar de fato gerador uma situação abstrata, vez que o vocábulo “fato” é algo efetivamente realizado, concreto, daí o motivo da preferência em distinguir o “fato gerador” da “hipótese de incidência”. Fazer a distinção afasta a imprecisão e ajuda na compreensão didática do tema.


Assim, fato gerador pode ser considerado como o fato efetivamente realizado, materializado. É a realização concreta de um comportamento descrito na norma, cuja observação faz nascer uma obrigação jurídica, bem como define juridicamente a natureza do tributo. O eminente professor Sabbag (2011, p. 672) aduz que “fato gerador ou ‘fato imponível’, nas palavras de Geraldo Ataliba, é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede”. Não podemos olvidar que há exceções no tocante aos tributos finalísticos, uma vez que o fato gerador dos mesmos torna-se irrelevante, pois o que interessa é a finalidade para o qual foram instituídos, como por exemplo, os empréstimos compulsórios.


Já a hipótese de incidência é a abstração legal de um fato, ou seja, é aquela situação descrita na lei cuja previsão é abstrata, tratando-se, pois, de uma “hipótese” que poderá vir a ocorrer no mundo dos fatos, e que, uma vez realizada, se concretiza como fato gerador. Sabbag (2011, p. 672), com a precisão didática que lhe é peculiar, afirma: “hipótese de incidência é a situação descrita em lei, recortada pelo legislador entre inúmeros fatos do mundo fenomênico, a qual, uma vez concretizada no fato gerador, enseja o surgimento da obrigação principal (…)”.


Noutro prisma, impende destacar que a tributação deverá incidir sobre atividades lícitas, ilícitas ou imorais, porque para o direito tributário não importa se a situação concreta ou a natureza do objeto do ato que ensejou a ocorrência do fato gerador é proibido, permitido ou nulo. Uma vez ocorrida concretamente a situação e o verbo previstos na norma, o tributo é devido.


Estamos diante do Princípio do pecunia non olet, donde podemos extrair que o Direito Tributário somente se preocupa com a relação econômica proveniente de um negócio jurídico, afastando a validade jurídica dos atos concretamente praticados.


É o que diz o artigo 118 do CTN. Vejamos:


“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:


I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;


II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”


O clássico exemplo citado pela doutrina é o do traficante que aufere renda, mesmo proveniente da sua atividade criminosa, passando ele a ser devedor do imposto de renda, porque o dever de pagar o tributo surgiu com a ocorrência no mundo concreto de uma hipótese prevista abstratamente em lei, cujos ganhos obtidos resultam em aumento patrimonial, ou seja, há a ocorrência da disponibilidade econômica.


É o que diz o artigo 43 e parágrafos do CTN. Vejamos:


“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:


 I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;


II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.


§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.


§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”.


Comentando o assunto, Alexandre (2009, p. 255) exemplifica assentando o seguinte:


“Assim, por exemplo, os requisitos para que se considere válido um negócio jurídico sob a ótica do direito civil (agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei – CC, art. 104) são irrelevantes para se interpretar a definição legal de fato gerador.”


Como visto, se porventura inexistir capacidade civil na realização de um negócio jurídico, para o diploma civilista o negócio será inválido. Já para o direito tributário, a referida capacidade não é importante, bastando que ocorra na órbita dos fatos uma situação que a norma define como necessária para que nasça a obrigação tributária com a consequente cobrança do tributo.


Vale dizer, à luz do que ensina o direito tributário e diante da observância do seu fato típico, aos atos nulos, ilícitos ou imorais, deve ser dada uma interpretação objetiva do fato gerador.


Sobre o tema, o STJ tem assim se pronunciado:


“TRIBUTÁRIO. APREENSÃO DE MERCADORIAS. IMPORTAÇÃO IRREGULAR. PENA DE PERDIMENTO. CONVERSÃO EM RENDA.


1. Nos termos do Decreto-lei nº 37/66, justifica-se a aplicação da pena de perdimento se o importador tenta ingressar no território nacional, sem declaração ao posto fiscal competente, com mercadorias que excedem, e muito, o conceito de bagagem, indicando nítida destinação comercial. 2. O art. 118 do CTN consagra o princípio do “non olet”, segundo o qual o produto da atividade ilícita deve ser tributado, desde que realizado, no mundo dos fatos, a hipótese de incidência da obrigação tributária. 3. (…)” (REsp 984.607/PR, relator Min. Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 07.10.2008).


E também o STF:


“EMENTA: Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: “non olet”. Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética.” (HC 77.530/RS,  relator Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, julgado em 25.08.1998).


Diante das considerações acima despendidas, pode-se concluir que fato gerador e hipótese de incidência são institutos diferentes (embora em algumas passagens do CTN eles se confundem) onde o primeiro é o fato concretamente realizado conforme descrito na norma e o segundo é a abstração legal que descreve um fato relevante para o direito tributário.


Outrossim, a realização de uma atividade ilícita pode perfeitamente ensejar a incidência tributária, prestigiando o princípio do pecunia non olet, cuja materialização da hipótese de incidência com a concretização de um fato que a mesma descreve já é suficiente para nascer a obrigação tributária e o dever de pagar tributos, seja por ato lícito, ilícito ou imoral, mormente quando o direito tributário se preocupa é com a relação econômica advinda do negócio jurídico. Posto isso, veja que a incidência do referido princípio deve ser aplicado em sua plenitude, pois prestigia a isonomia e a igualdade da tributação, bem como procura desestimular as práticas criminosas, já que não serão isentas de tributação as atividades ilícitas e ilegais, gerando assim, a redução dos lucros almejados pelos praticantes das atividades irregulares.


Note-se, por fim, que não estamos a falar em normas tributárias que regulam hipóteses de incidência de comportamentos ilegais, o que seria, por óbvio, proibido. O que é permitido é que atividades ilícitas podem sofrer a incidência tributária quando praticados fatos que se subsumem à hipóteses de incidência previstas em normas lícitas, gerando o dever de tributar. Ora, não se pode criar uma lei prevendo a cobrança de tributos sobre a venda de drogas, mas pode-se perfeitamente haver incidência tributária sobre a atividade ilícita do comércio de entorpecentes no caso do agente obter renda com o comércio ilegal.


 


Referência bibliográfica

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª ed. atual. ampl. São Paulo: Método, 2009.

Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 07 de abril de 2011.

Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 07 de abril de 2011.


Informações Sobre o Autor

Marcelo Bacchi Corrêa da Costa

Advogado. Pós-graduando lato sensu em direito público e pós-graduando em ciências penais.


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