Justiça tributária constitucional: Código do Contribuinte e a uniformização do direito processual tributário

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Resumo: A presente pesquisa realizou um breve estudo técnico-jurídico sobre a necessidade de avanço e constitucionalização da Justiça Tributária e dos órgãos da Administração Fazendária que se confundem hoje com um Estado-Fiscal cada vez mais arrecadador e voraz. No estudo, foram consideradas algumas temáticas e aspectos importantes que dizem respeito às relações atuais do contribuinte com o Poder Público. Procedeu-se ao exame também de certas questões em aberto que desajustam a ordem fiscal e prejudicam a segurança dos contribuintes, como a necessidade de uniformização do direito processual tributário, conforme defende MARINS (2006). En passant, aventou-se ainda a perspectiva da consolidação legal de direitos e de normas tributárias, sob a amplitude da criação de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte, irradiador dos princípios constitucionais. Em complemento, a expansão dos Juizados Tributários, da Defensoria Pública, das Súmulas Vinculantes, a criação dos impostos sobre grandes fortunas e a tributação de algumas atividades ainda intocadas. O elenco das investigações objetiva a apresentação, sistêmica e objetiva, de que o Direito Tributário esteja irmanado à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais do Homem de ALEXY (2008), em seus planos formal e material. A expectativa é a de um Estado constitucional que seja capaz de promover a verdadeira Justiça Tributária.

Palavras-chave: Justiça Fiscal, direito processual tributário, Estado Constitucional.

Introdução

O presente trabalho propõe-se a abordar o Direito Tributário dentro de suas constantes mudanças e das novas fisionomias que o progresso científico e tecnológico impõe ao intérprete e ao operador jurídico diante de um Estado-Fiscal cada vez mais forte e controlador, partindo de uma análise da Justiça Constitucional (SILVA, 2005).

Nesta pesquisa, de início, listaram-se alguns instrumentos e providências atuais usadas pelo Estado para agilizar a cobrança e execução dos seus créditos. Na sequência, chamou-se a atenção para a necessidade de criação de um Direito Processual Tributário unificado, que deve ter feição nacional, à luz do próprio texto constitucional, e se sugere a instituição de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte, no qual se consagrem os princípios constitucionais materiais e processuais do Direito Fiscal.

Instigando a expansão dos Juizados Tributários e a importância das Súmulas Vinculantes, temas polêmicos, tais como a discussão dos impostos sobre grandes fortunas e a tributação de atividades religiosas, foram objeto de uma breve reflexão.

Para alcançar os objetivos propostos, como recursos metodológicos, foram usados métodos descritivos, indutivos e dedutivos, além de pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados, tendo sido o texto final fundamentado nas ideias e concepções de autores como MARINS e ALEXY, em análise sistêmica do extenso feixe de garantias constitucionais que se asseguram aos contribuintes e aos administrados.

Desenvolvimento

A concepção do Estado contemporâneo compreende a presença de 03 (três) elementos imprescindíveis, traduzidos em suas acepções físico-territorial, demográfico-humana e político-jurídica. Tem a ver, pois, com a existência de um povo vinculado ao exercício inerente aos dotados de poderes governo e soberania (CAETANO, p.122).

Hodiernamente, tem-se estudado o Estado dentro de parâmetros cada vez mais completos e complexos, como organela voltada a um sistema que visa à tutela, dos direitos humanos fundamentais, em seu máximo grau, expressando-se, inclusive, por meio de diversos instrumentos de caráter supranacional.

Para dispor de patrimônio próprio capaz de gerir suas atividades, com vistas à obtenção de meios financeiros, o Estado intervém em vários setores da vida econômica e da esfera privada, recorrendo ao Direito Tributário para efetivar a arrecadação de receitas públicas através de um sistema de transferência de parcela das riquezas dos governados (Teoria Geral do Estado-Fiscal), atuando, em suma, pelos seus três poderes autônomos e independentes: o Legislativo, Executivo e Judiciário.

O poder de criação, fiscalização, de arrecadação e de cobrança de tributos, portanto, constitui-se em garantia inafastável da organização político-administrativa de um país, que, no caso do federalismo brasileiro, abrange a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. De acordo com o que preceitua a nossa Lex Fundamentallis, estes entes possuem competência legislativa própria em matéria tributária (arts. 1º; 18, § 4º; 20 a 24 e §§, 52, VI e 145 a 164 e §§; arts. 25 a 28; art. 32 e §§, CF/88).

No que concerne ao poder fiscal, ao atribuir competências bem definidas para legislar e dispor sobre suas respectivas administrações tributárias, o legislador constitucional sinalizou a criação e existência das Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipal, com seus respectivos órgãos institucionais.

No entanto, o art. 24, I, da Constituição Federal de 1988, firmou a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal de legislarem concorrentemente sobre direito tributário e procedimentos. Já ao Município, que foi excluído da competência concorrente do art. 24, I, reservou-se a competência de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; e a de instituir e arrecadar os tributos, conforme incisos II e III, enxertados no art. 30, do texto constitucional.

O sistema tributário nacional, pro sua vez, vem previsto no Capítulo I, do Título VI, que se inicia com o art. 145 e seguintes, da Carta Magna, estando em vigor a Lei n º 5.172/66, o chamado Código Tributário Nacional, que foi recepcionado em nosso arcabouço jurídico com o status de lei complementar.

Entretanto, consubstanciado na precedência dos serviços e atividades da Fazenda Pública (art. 37, XVIII, da CF), os órgãos fazendários do país vêm promovendo uma verdadeira panaceia em matéria tributária, emitindo normatizações singulares as mais diversas, temerárias e frouxas que, na fresta do pragmatismo diário, causa prejuízos econômicos e uma grave insegurança jurídica aos contribuintes.

Se o assunto é investidas do Poder Público, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dotados de razoável autonomia administrativa e legislativa, organizam seus serviços fazendários sem seguir, porém, um esquema institucional ou constitucional que seja uniforme ou homogêneo, ferindo o regime do garantismo legal.

Como se já não bastasse o fato de estarem bem aparelhadas, em todos os quadrantes e rincões do país, as Fazendas Públicas têm contado ainda com legisladores ordinários pródigos e extremamente condescendentes aos atavismos fiscais de um Estado-leviatã, cada vez mais apto a sugar de seus governados.

Como exemplos concretos e emblemáticos dessa notável habilidade de promover a sangria econômica do contribuinte, ao invés de preocupar-se e ocupar-se de prestar serviços públicos de qualidade, neste primeiro momento, chama-se a atenção para as sucessivas leis e atos que, no fundo, entronizam medidas administrativas que sufocam e estrangulam alguns setores da economia privada de duvidosa legalidade.

Assim, é juridicamente questionável o uso da pressão de objetos penais como instrumento de cobrança fiscal: a saga arrecadatória do Estado se vale de meios representatórios, como o art. 83, da Lei n º 9.430/96, a tipificação do ilícito de sonegação fiscal (Lei nº 4.729/65) e dos delitos contra a ordem tributária (Lei n º 8.137/90 e art. 334, do CPB); hoje, crimes antecedentes da lavagem de dinheiro sem a necessidade de qualquer nexo causal formal (Lei nº 9.613/98).

Além de contrariar a ultima ratio que era para instruir o Direito Penal, as autoridades públicas ainda lançam uma campanha de duvidosa legalidade contra inúmeras ações antielisivas utilizadas, legitimamente, pelo contribuinte em seu planejamento tributário. É o caso, por exemplo, da exigência de garantia para a impressão de documentos fiscais e a lavratura de auto de infração a partir de assinatura de termo de responsabilidade pessoal dos sócios e administradores por virtuais fraudes ao Fisco. Hoje, há uma verdadeira presunção em desfavor de atos empresariais, negociais e acertos societários que redundam em pesadas multas e penalidades.

Sobre situações de desequilíbrio contra a economia e o Direito Privado, observe-se ainda a possibilidade de desconsideração unilateral da autoridade fiscal de atos ou negócios jurídicos praticados. O art. 116, do CTN, parágrafo único, na redação da LC nº 104/01 parece, claramente, contrariar o art. 108, § 1º, do CTN, que proíbe a analogia para a criação da obrigação tributária, esvaziando completamente, todo e qualquer procedimento de defesa do contribuinte, em especial da classe empresarial.

De modo similar, o artifício empregado pelas Fazendas Públicas, ao promoverem sem critério a responsabilização pessoal de sócios e de administradores por dívidas tributárias das empresas, em muitos casos, revela bem os abusos, os exageros e os desmandos do Fisco. É que, fazendo constar o nome pessoal empresário na Certidão de Dívida Ativa e no respectivo processo executivo, com fulcro nos arts. 134 e 135 do CTN, impedindo até a interposição da peça de pré-excutividade, a verificação de infração à lei, contrato social ou estatutos, demanda depósito e dilação probatória e, assim, não pode ser deferida de plano pelo Poder Judiciário, consumindo tempo e gastos do contribuinte, que fica em uma posição de nítida desvantagem frente ao Fisco.

Outra ação que retrata bem o caráter invasivo da política fazendária é a insistência na aplicação de medidas de multas elevadas, por falta de pagamento de tributos ou descumprimento de obrigações acessórias, que o STF já avalizou como sendo confiscatórias quando superiores a 20% (vinte por cento) do montante principal.

Nesta mesma diretiva de providências ilegais, destaque-se que, ultimamente, o Fisco vem usando do protesto extrajudicial em face de devedores tributários, com o fito de constranger o sujeito passivo a pagar o débito de forma mais ágil e célere. Para tanto, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, com apoio nos arts. 1º da Lei nº 9.492/97 e  art. 585, inciso VI, do Código de Processo Civil (CPC), editou a Portaria nº 321/06, que em tese, não tem guarida com as disposições da Lei nº 6.830/80, que disciplina o processo de Execução Fiscal e os arts. 201 e 204, do CTN.

Afora disto, a malsinada providência é incompatível com a dispensa de execução de valores que não ultrapassem R$ 10.000,00 (dez mil reais), alusiva à Portaria nº 49/2004-PGFN, estando ainda na contramão da política de flexibilização da responsabilidade tributária que se colhe do espírito da LC nº 118/2005, que trata da recuperação econômica das empresas e prestigia as Súmulas 323 e 547, do STF.

Uma outra novidade do Fisco é a sua autoconcedida prerrogativa de repassar informações sobre créditos tributários e não tributários, inscritos em dívida ativa, a instituições de consulta, como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e SERASA. Com o nome negativado, antes mesmo do fim do processo fiscal, o contribuinte inadimplente tem, assim, seu crédito e atividades restringidas no mercado.

Semelhante desastre, para forçar a captação de recursos do devedor, parece derivar ainda do instituto da penhora on line em favor do Estado, enquanto se sabe que o único caminho que resta ao governado para receber ou recuperar seus créditos é pela dramática via dos precatórios (art. 655, I, do CPC e art. 11, da Lei nº 6.830/80). Além de, na prática, anular o pagamento do débito na forma do art. 745-A, do CPC, a penhora on line suscita ainda uma recente discussão em torno da possibilidade de administrativização das cobranças dos créditos tributários, o que equivaleria à  expropriação automática e direta dos bens e dos direitos do contribuinte. A pretensão do Estado-fiscal de desjudicializar a execução fiscal, para desafogar o congestionado Poder Judiciário, é deveras perigosa e temerária à democracia e ao Estado de Direito, importando supressão aos direitos e garantias fundamentais alojados na CF/88.

Imaginar que possa existir, analogicamente, o Bacen Proc (do procurador da Fazenda Pública), que efetuará diretamente a indisponibilidade on line dos bens do devedor tributário, não constitui de todo surpresas, se, em tamanho da criatividade dos instrumentos legais que pavimentam as investidas estatais, assistiu-se ao Presidente do Senado Federal, através de ato orgânico interna corporis, publicar, no Diário Oficial da União (DOU) de 14 de julho de 2006, a Resolução nº 33, que autorizava a terceirização das cobranças dos créditos tributários para bancos, privatizando, assim, sem lei formal ou sem qualquer conformidade constitucional, a atividade arrecadatória do Estado.

Descalabros jurídicos desta magnitude se incluem na lista de horrores da República Fiscal brasileira que tem protagonizado verdadeiras aberrações no Direito Tributário, sendo o caso da MP nº 627/2013 e da insistência da Receita Federal de cobrança de créditos incidentes sobre contribuições sociais de dez anos; supostamente pagos por contribuintes desavisados e pelos que não ingressaram na Justiça.

No caso, a Súmula Vinculante 8 do STF, no exame os arts. 45 e 46, da Lei nº 8.212/91; e do art. 5º, do Decreto-lei nº 1.569/77, já referiu que o prazo da Contribuição sobre o Lucro (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e o Programa de Integração Social (PIS) é inconstitucional. 

Posições refratárias de órgãos fazendários contrários a estas diretivas infectam também o contencioso dos Conselhos Administrativos de Recursos Fiscais, tais como o CARF, os Tribunais de Impostos e Taxas (TITs) e os Tribunais de Administrativos Tributários (TATs), compostos por auditores e advogados chapas-branca que, ao invés de rejeitarem as tendências destrutivas, teses vencidas e se curvarem às jurisprudências dominantes dos Tribunais, inovam e reforçam os empecilhos legais; quando não são obsequiosos ao Estado em seus julgamentos internos.

Malgrado os esforços do Judiciário de remover este rol de incertezas jurídicas e as devassas que emparedam contribuintes, o destino e a vidas das pessoas ficam, por conseguinte, à mercê da Corte Excelsa, que passa a desempenhar um papel ativo de julgador constitucional de casos concretos, abarrotando-se de serviços que seriam filtrados se houvesse maior racionalidade por parte dos órgãos fazendários.

Discorrendo sobre o rosário das intromissões indevidas ou exageradas do Fisco, no tocante à atividade de constituição e cobrança de seus ativos financeiros, merece realce, então, aventar-se a perspectiva da consolidação legal de direitos e de normas tributárias, sob a amplitude da criação de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte, que pode ser irradiador dos princípios constitucionais.

Da forma como é organizado e praticado, o atual sistema fiscal brasileiro, além de predatório, apesar de obter notáveis índices de eficiência, desafia e sobrepõe a um contribuinte desarmado e desaparelhado para se lhe colocar em pé de igualdade.

Sem embargo dos princípios da supremacia da coisa pública, é difícil acreditar que, em tempos de tantas conquistas e evoluções, o Estado-Fiscal ainda não se tenha dado conta da relevância dos instrumentos dedicados às tutelas humanas fundamentais (ALEXY, 2008), dando primazia ao seu apetite arrecadador.

O Fisco, que produz um emaranhado legislativo, de complicado acesso e compreensão, empurra o governado para um desequilíbrio processual inadmissível, de modo que a tão sonhada Justiça Fiscal não passa de uma quimera, em dissonância com os matizes da isonomia e dos compromissos do nosso Estado Constitucional de Direito.

Neste contexto, digno de aplausos o Projeto de Lei nº 2557/11, do Deputado Laércio Oliveira (PR-SE) que cria um Código de Defesa do Contribuinte.

Objetivando regular direitos, garantias e obrigações do contribuinte, e também, logicamente, disciplinar alguns deveres básicos da administração fazendária, sua aprovação urge graças ao apelo de que o sistema tributário deixe de ser uma areia movediça nas valas administrativas e judiciais, com vistas à concretude dos títulos fundamentais, em apreço aos princípios e dogmas enraizados pela nossa Constituição.

Em complemento a este fenômeno de constitucionalização de direitos, ao lado do Código Nacional de Defesa do Contribuinte, seria oportuna a expansão dos Juizados Tributários, das Súmulas Vinculantes, além do estímulo ou movimentos políticos visando à criação dos impostos sobre grandes fortunas e à tributação de algumas atividades ainda intocadas, como os serviços resultantes de desvios religiosos.

Neste segmento, já existem os Juizados Especiais da Fazenda Pública, frutos de criação da Lei nº 12.153/2009, em conjunção harmônica com as Lei nºs 9.099/1995 e 10.259/2001, prevendo gratuidade, um rito simplificado, o prazo de até 60 dias para decisão e o pagamento por uma requisição de pequeno valor (RPV); e não precatório.

Nesta mesma senda, como pacote de medidas para agilizar o nosso sistema ôntico de proteção de direitos humanos fundamentais, na alçada dos Juizados da Fazenda Pública, recomendável o fortalecimento das Defensorias Públicas e a intensificação do uso de Súmulas Vinculantes (§ 1° do art. 103-A da CF/88, c/c a Lei nº 11.417/2006) que tratassem de assuntos procelosos, de repercussão nacional e que aplacariam a resolução de importantes dissensos, restaurando a segurança jurídica.

Essa ideia de exercício pleno de uma cidadania fiscal propositiva se alinha aos alicerces axiológicos da Teoria do Núcleo da Personalidade, oriunda da cronologia da Teoria das Gerações ou de Dimensão de Direitos, formulada por KAREL VASAK (SILVA, 2005, p. 546-552). O depuramento do sistema fiscal, com uma cartilha de divulgação de um Código Nacional de Defesa do contribuinte, com a simplicidade dos Juizados Especiais Tributários e a funcionalidade judicial dos direitos abarcados em Súmulas Vinculantes, contribuiria em muito com a Justiça constitucionalizável.

Neste passo, correto BARROSO (2009, p. 351) quando enceta que “(…) Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o senti­do de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas rela­ções com particulares. Porém, mais original ainda: reper­cute, também, nas relações entre particulares (…)”.

Já quanto à instituição de impostos sobre grandes fortunas, a despeito da presciência do art. 153, VII, da CF/88, a passividade da União só se justifica sob o argumento de que este tributo facilitaria a fuga de divisas do país.

Em outro panorama, porém, é desprovida de sentido a imunidade de impostos que ora se confere aos templos e às atividades religiosas. Neste ponto, um projeto de Emenda Constitucional poderia compelir às igrejas ao pagamento de certos tributos, já que nosso Estado é laico e a prática tem provado que boa parte do dinheiro arrecadado dos fiéis tem servido de fonte apenas para enriquecer terceiros, pessoas físicas em sua maioria, que paralelamente usam de contratos de holdings ou empresas de fachada para edificar substanciosos patrimônios individuais.

Em que pese as polêmicas que cercam o assunto, a verdade é que a prática tem demonstrado, de modo olímpico, que a administração das igrejas e de quaisquer credos religiosos, espirituais ou quejandas, constituem espécies de serviços sobre os quais deveria incidir, no mínimo, a tributação do Imposto sobre Serviço (ISS), a serem, portanto, anexados à lista anexa da Lei Complementar federal nº 116/2003. 

Neste quadro dinâmico de transformações tributárias, resta analisar um último ponto que vem à tona por força do surgimento do processo tributário eletrônico, incorporado, no âmbito federal, pelas Leis nºs 11.196/2005 e 11.418/2006.

Com efeito, a Portaria SRF nº 259/2006, que regulamenta parte do parágrafo 5º do art. 23 do Decreto nº 70.235/77, aproveita somente o Fisco federal, que também pode usar, subsidiariamente, a Lei nº 9.784/99. As mudanças, portanto, com o advento do processo digital, não atingem, contanto, as Fazendas Públicas de todo o país, embora muitas delas já se aperceberam das vantagens de substituição do papel físico pelo meio virtual, por ser de indiscutível eficácia jurídica e arrecadatória.

A par do avanço tecnológico dos sistemas de informática que, inexoravelmente, vêm mudando a realidade na prática jurídica brasileira, é preciso, desde logo, lembrar que o nosso sistema processual, mesmo o fiscal, deveria, porém, ser uno e nacional, a teor do que prescreve o art. 22, I, da nossa Constituição Federal.

Em veras, a teor de cláusula constitucional supra, há a necessidade de um processo administrativo fiscal único e nacionalizado, que vincule União, Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como da instituição de conceitos jurídico-positivos de um Direito Processual Tributário, com o desiderato de garantir uma tutela plena a todos os subsistemas da Justiça Fiscal; tudo em apreço à nossa Magna Carta.

Reitere-se que o Direito Constitucional contemporâneo é o meio mais civilizado para a atribuição de responsabilidades jurídicas; e o processo, essencialmente, um via para aferição de culpa e aplicação de sanções restritivas de bens e direitos dos seus titulares. Neste passo, haveria de ser o Direito Constitucional Processual Tributário um fato juridicizado sob a lente do legislador nacional, e não pela via da experimentação, por padrões pessoais ou pelas escolhas que mais agradem à Administração. A nossa Constituição é explícita na fixação de competências sobre os objetos legislativos, e, in casu, sobre o Direito Processual.

Neste eixo, o Direito Constitucional Processual irradia os direitos e garantias fundamentais elencados no art. 5º, da Carta da República, que começam realçando, exatamente, o dialeticismo dos seus métodos. O mestre JAMES MARINS (2001, p. 121) leciona que o art. 22, I, da Lex Magna é de clareza solar, ao determinar que é de competência privativa da União legislar sobre direito processual, pelo que, por dedução lógica e gramatical, subentende-se que as normas gerais acerca do processo administrativo tributário e fiscal devem ser elaboradas pelo Congresso Nacional.

Esclareça-se que o assunto em questão não enfoca a capacidade e a competência de legislar em matéria tributária; atividades que continuam sendo divididas entre os entes que compõem a nossa organização político-administrativa. Na hipótese, reitere-se: ao dispor sobre a competência privativa da União, a opção do legislador foi de incidir, portanto, no art. 22, I, da Constituição Federal, a palavra processual.

A ideia de processo não se forma, pois, por juízos intelectuais indutivos ou dedutivos, nem por visões esparsas ou monolíticas de uma leitura estática. Ao inverso, o entendimento do que vem a ser processo ou direito processual pugna por cientificidade, enseja interpretações que sejam, gramaticalmente, fidedignas e correspondentes, sendo por isso que se observa dos Códigos de Processo existentes: o Penal Comum, o Militar e o Civil: todos tendo seguido a lógica de serem estatutos nacionais, dando vida e organicidade às relações e atividades de direito material respectivas que regulam.

Mesmo que se tenha, no Brasil, um sistema processual misto ou híbrido, em que se ressaem algumas normas garantistas de defesa do contribuinte no due process, a rigor, só foi outorgada competências para legislar sobre processo tributário à União, e não apenas de dispor sobre procedimentos e seus próprios tributos (art. 24, I, CF/88), lembrando que a locução dos art. 147 à 169 da Constituição Federal de 1988 fala de sistema tributário nacional, ou seja, pressupõe unidade, na dicção do Código Tributário Nacional, dentre outros diplomas, como assim o é a Lei nº 6.830/80.

O critério de hierarquização constitucional das leis impõe, portanto, respeito, ao art. 21, I, da CF/88, que só contemplou ao Congresso Nacional disciplinar o direito processual, inclusive o tributário. Isto quer dizer que os atuais processos administrativos tributários dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são questionáveis, porque incitam descompasso com o ordenamento jurídico constitucional sobre os fatos em tela.

De outro giro, há quem argumente que o legislador constituinte, ao estatuir o art. 22, I, da CF/88, quis-se referir exclusivamente ao direito processual judicial, ou seja, que a expressão “direito processual” não abrangeria o orbe administrativo.

Com o devido respeito às opiniões contrárias, a exegese única que se pode extrair do dispositivo em tela é mesmo aquele em que a Constituição não quis ressalvar o “direito processual” administrativo, porque, se diferente fosse, o constituinte falaria que caberia à União legislar sobre “direito processual judicial”; expressão que, efetivamente, não se encontra estampada na passagem daquele texto em específico, vez que a redação do legislador originário não fez acepção nem distinção entre tais sedes.

Neste tópico, cite-se o Decreto n° 70.235/72, diploma que rege o processo administrativo de consulta e da exequibilidade dos créditos tributários da União, versando sobre a aplicação, no entanto, da legislação tributária federal, que, assim, não pode, pois, ser automaticamente aplicado ou estendido aos demais entes federativos.

Na mesma situação está a Lei n° 9.784/89, que, não sendo nacional, regula apenas o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, visando, à proteção dos direitos gerais dos administrados. Cuida-se de diploma que pode ser, subsidiariamente, aproveitado em processo tributário federal, mas que se junge à União, a exemplo do que se sucede com os programas de parcelamento ou refinanciamento de débitos tributários, denominados "REFIS", dos últimos anos.

Já em um patamar jurídico diferente se encontra a Lei nº  6.830/80 que, ao dispor sobre a cobrança e execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, toca a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias, sem distinções.

Como visto, deve o Congresso Nacional, por força de injunção de índole constitucional, aprovar lei complementar sobre “direito processual tributário” aplicável a todas as Fazendas Públicas do país, em cumprimento ao art. 22, I, da CF.

Em derradeira análise, finaliza-se esse artigo com a ilação de que, enquanto estas normas gerais não são editadas pela União, o princípio da continuidade dos serviços públicos impõe que permaneçam em vigor e sejam eficazes as já existentes cartilhas de “direito processual tributário” adotadas pelos respectivos entes políticos.

Conclusão

Nesse despretensioso estudo, buscou-se fazer uma reflexão científica sucinta sobre a voracidade do Estado-fiscal, em cotejo com a necessidade de sofisticação do sistema de tutela dos direitos constitucionais do contribuinte, notadamente em razão do problema da inflação legislativa e do gigantismo público em matérias tributárias.

Os bens dos indivíduos e das coletividades, tais como a vida, a liberdade e o patrimônio – material e imaterial – das pessoas, devem ser tomados dentro das categorias mais relevantes dos direitos naturais, e, hodiernamente, as Administrações Fazendárias vêm açodando direitos subjetivos públicos fundamentais das pessoas.

Na construção do Direito Processual Público, o desenvolvimento da justiça fiscal cresceu mais no campo material que no campo formal e processual, sendo imperativo que o procedimento e o processo tributário sejam aperfeiçoados no Estado Democrático, tendo em vista a projeção de sua importância no campo da certeza, da razoabilidade e da segurança em que se permeiam as responsabilidades jurídicas.

Neste trilho, o Brasil, que possui um das cargas tributárias mais pesadas do mundo e também um eficiente sistema de arrecadação de receitas, precisa crescer em sintonia com os princípios e os institutos constitucionais que protegem a propriedade privada e a liberdade no exercício das atividades econômicas.

A agressividade das políticas públicas fiscais e a agenda jurídica tributária do Estado, então, não podem tornar-se ruinosas para o contribuinte, aniquilando, por consequência, a vida das empresas e dos demais setores produtivos do país.

A dissolução para a atual crise enfrentada pelo Direito Tributário pátrio passa, por conseguinte, pelo reconhecimento da validade dos paradigmas constitucionais modulados pela Carta Suprema de 1988. O Brasil, além da adoção de uma série de medidas administrativas que visem a aprimorar a noção da justiça distributiva, precisa instrumentalizar um Direito Processual Tributário uniforme e nacional, para, ao menos, mitigar, os conflitos decorrentes dos contenciosos administrativos e judiciais que se amontoam nas prateleiras públicas.

Para atender a este escopo, ao lado da criação de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte e de outras providências pontuais, fica a conclusão de que o Estado só cumprirá função de realizar o princípio da dignidade humana se tomar a experiência de uma Justiça Constitucional em seus enunciados jusfundamentais.

 

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Informações Sobre o Autor

Rilke Rithcliff Pierre Branco

Aluno do Curso de Doutorado em Direito pela Universidade Federal da Argentina UBA o autor é MBA Executivo em Segurança do Trabalho e Meio Ambiente; Consultor Executivo Político e Jurídico; ex-advogado; Delegado aposentado da Polícia Federal; pós-graduado em Direito Constitucional Tributário Civil Consultoria Empresarial em Gestão Pública e em Legislação Urbana tendo vasta experiência profissional na área e como projetista social


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