Norma jurídica tributária – Análise pelo método hermenêutico-analítico

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Resumo: O presente trabalho busca realizar um estudo hermenêutico-analítico sobre a norma jurídica tributária, percorrendo, principalmente, seus aspectos sintático e semântico. Enquadrando-o no campo da Ciência Jurídica, apresenta-se em linguagem descritiva, que tem por objeto o direito positivo, aqui tomado como o direito posto brasileiro.


Sumário: Introdução. 1. Dados preliminares: conhecimento, realidade, linguagem e verdade. 1.1. O giro-linguístico. 1.1.1. Conhecimento, realidade e verdade. 1.2. O corte metodológico. 1.3. Lógica. 1.4. Semiótica. 1.5. Processo comunicacional do direito. 1.6. Interpretação do direito. 1.6.1. Percurso gerador de sentido. 1.7. A tradução na linguagem do direito: fato e evento. 2. Conceitos de direito e sistema. 2.1. Noção de Sistema. 2.2. Conceito de direito. 2.3. Sistema do Direito Positivo. 2.4. Teoria das classes. 3. Norma jurídica. 3.1. Contornos da norma jurídica. 3.2. Das formas de análise da norma jurídica 3.2.1. Norma em sentido estrito e em sentido amplo 3.2.2. Aspectos sintático e semântico da norma jurídica 3.2.3. Estrutura da norma jurídica completa 4. Norma jurídica tributária – a regra-matriz de incidência 4.1. Noções 4.2. Estrutura 4.2.1. Aspectos formadores do antecedente 4.2.1.1. Critério material 4.2.1.2. Critério temporal 4.2.1.3. Critério espacial 4.2.2. Consequente e seus critérios 4.2.2.1. Critério pessoal 4.2.2.2. Critério quantitativo. Conclusão.


INTRODUÇÃO


O presente trabalho busca realizar um estudo hermenêutico-analítico sobre a norma jurídica tributária, percorrendo, principalmente, seus aspectos sintático e semântico. Enquadrando-o no campo da Ciência Jurídica, apresenta-se em linguagem descritiva, que tem por objeto o direito positivo, aqui tomado como o direito posto brasileiro.


Porém, para adentrarmos efetivamente no estudo das normas, mostra-se imprescindível determinar as premissas que serviram de base para a construção das ideias apresentadas. Essa delimitação do sistema de referência é feita no Capítulo 1, onde são tratados os temas do conhecimento, realidade, verdade e linguagem, sob o enfoque do giro-linguístico, da lógica e da semiótica, onde o direito se apresenta como objeto cultural, por ser considerado um sistema linguístico. Ainda no Capítulo 1 falamos acerca da interpretação e do processo comunicacional, localizando seus elementos no sistema do direito positivo e apresentando qual é o enfoque do presente trabalho, promovido pelo corte metodológico, que é feito primeiramente em indicar qual o objeto do estudo, como se apresenta (aspecto sintático) e seu conteúdo (aspecto semântico).


A partir da interpretação dos textos positivados, pretendemos demonstrar como se constrói a norma jurídica, tendo como método o percurso gerador de sentido e os quatro subsistemas do direito (S1 ao S4).


Como não poderia deixar de ser, o estudo passa, no Capítulo 2, a analisar os conceitos de sistema e de direito, imprescindíveis para a determinação do elemento, chamado norma jurídica, que por sua vez é analisada sob diversos enfoques: como conteúdo de significação, obtido em cada um dos subsistemas do direito, como estrutura “mínima e irredutível” do direito e seu formato de norma jurídica completa


Por fim, nosso estudo busca aplicar os conceitos alcançados ao longo de seu desenvolvimento na seara tributária, demonstrando como se apresenta a norma jurídica tributária, também chamada de regra-matriz de incidência tributária.


1. DADOS PRELIMINARES: CONHECIMENTO, REALIDADE, LINGUAGEM E VERDADE
1.1. O giro-linguístico
O chamado giro-linguístico é uma evolução no estudo científico decorrente de um movimento chamado de Neopositivismo Lógico, buscando soluções para problemas relacionados ao conhecimento científico, que era objeto do estudo do Positivismo Lógico, através da substituição da linguagem natural por uma artificial, criada com o intuito de tornar o discurso científico mais preciso.


Segundo PAULO DE BARROS CARVALHO, o Neopositivismo é “uma corrente de pensamento humano… quando filósofos e cientistas se encontravam, sistematicamente, para discutir problemas relativos à natureza do conhecimento humano”[1].  Esse grupo era formado por cientistas das mais diversas áreas do conhecimento científico, com o intuito de compreenderem alguns princípios da Epistemologia, aplicáveis a todas as áreas de atuação científica.


Promoveram o chamado giro-linguístico, em virtude de voltarem todas as atenções à importância da linguagem para o saber científico, resumindo o trabalho científico em torno da linguagem, utilizando-a da forma mais rigorosa possível, com o intuito de eliminar vícios e problemas oriundos da linguagem natural.


O movimento preocupou-se intensamente com os planos sintático, pela relação dos signos entre si, e semântico, que é a relação estabelecida entre as significações dos signos, mediante a elaboração de discurso científico que, ainda nas palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO, “estaria assim caracterizado pela existência de um feixe de proposições lingüísticas, relacionadas entre si por leis lógicas e unitariamente consideradas em função de convergirem para um único domínio, o que dá aos enunciados um critério de significação objetiva”[2]. Entretanto, o mesmo não ocorreu em relação ao plano pragmático, que se dá pela relação dos signos com aqueles que deles se utilizam – seus destinatários, por entenderem que esse plano é relativo ao conhecimento vulgar.


Logo, esse critério de significação objetiva, auxilia o intérprete à medida que substitui a linguagem natural por uma linguagem rigorosa, chamada científica, contextualizando o discurso e eliminando problemas de vaguidade e ambiguidade. DARDO SCARVINO, acerca dessa nova concepção do conhecimento leciona que,


“El significado no se confunde con el referente, o com el objeto designado, sino con una definición aceptada o convencional en el sistema de la lengua. Para comprender lo que significa un término ya no basta con saber a qué se refiere, como en la lógica de Frege; hay que conocer, ahora, la lengua en la cual se pronuncia, y en última instancia, ser hablantes de la misma: participar, en fin, de una cultura”[3],


implica dizer que, ao sujeito cognoscente não basta o conhecimento do objeto, mas um conhecimento prévio acerca da linguagem em que se expressa o outro indivíduo. Temos, então, por “constructivismo lógico-semântico” o método de aproximação do objeto (da linguagem) que atribui sentido a ele; constrói o sentido desse objeto.


Sobre essa construção de sentido, apresentamos a seguinte lição, retirada da obra DICCIONARIO ESPASA DE FILOSOFÍA:


“el conocimiento humano es un proceso constructivo a partir de los elementos de la sensación – permite distinguir analíticamente entre lo que se nos da y su elaboración. En definitiva, de lo que se trata es, según estos autores, de ser capaces de reducir todo lenguaje significativo a enunciados que recojan nuestras experiencias perceptivas inmediatas.”[4](grifos do autor)


Unindo esse pressuposto do conhecimento, que é a construção de sentido pelo intérprete à convicção de que todo conhecimento pressupõe linguagem, o constructivismo lógico-semântico se apresenta como método de estudo da linguagem do direito positivo.


Ao tratar do assunto, AURORA TOMAZINI DE CARVALHO afirma “a base do Constructivismo lógico-semântico, como o próprio nome enseja, não é a desintegração de uma opinião, mas a construção de uma posição, fundada em premissas solidificadas num referencial filosófico, onde o modelo dogmático mostra-se presente do começo ao fim”.[5] E, em outro momento afirma: “de acordo com este novo paradigma, a linguagem deixa de ser apenas instrumento de comunicação de um conhecimento já realizado e passa ser a condição de possibilidade para constituição do próprio conhecimento enquanto tal. Este não é mais visto como uma relação entre sujeito e objeto, mas sim entre linguagens”[6].


Daí nossa afirmação de que a semântica trata das relações entre as significações obtidas por interpretações de diversos objetos e não entre os signos e os objetos que buscam representar.


Desses pressupostos, que a linguagem constitui a realidade e a que a linguagem está inserida no indivíduo, somente aquilo que pode ser expresso em realidade faz parte mundo desse indivíduo. Com isso, ao cientista do direito cabe realizar uma interpretação da linguagem do direito positivo e se restringir a isso, atribuindo significações à linguagem jurídico-prescritiva. À Ciência do Direito não cabe realizar um estudo extra-jurídico: o sociológico, histórico e econômico não fazem parte do direito, mas da realidade social.


1.1.1. Conhecimento, realidade e verdade


O giro-linguístico atribui à linguagem a função de criar, construir a realidade, superando o mero instrumentalismo, concebido até a “Era Positivista”, para exercer atividade primordial à concepção da realidade. Surge, a partir de então, a necessidade de que se estabeleça o sistema de referência, para que se possa falar em verdade.


Verdade, nesse modelo, nada tem a ver com a relação entre linguagem e objeto, mas de coerência entre os enunciados de um mesmo sistema de referência.


Conhecimento, desse modo, pode ser definido sob dois aspectos diferentes: conhecimento como processo e conhecimento como produto. Enquanto processo, o conhecimento (em sentido amplo) se dá pelo contato físico do ser cognoscente com aquilo que servirá como base de seu estudo (o objeto). Esse contato faz nascer no intelecto do intérprete alguns juízos, expressos através de idéias.  As idéias construídas são o resultado do processo de conhecimento; seu produto, portanto conhecimento em sentido estrito.


A finalidade do conhecimento é a de que o ser cognoscente, após sua aproximação com o objeto de estudo, utilizando um método previamente estabelecido, possa expressar as ideias que construiu acerca do objeto.


São pressupostos para o alcance do conhecimento: (i) recorte do objeto de estudo: delimitação dos aspectos a serem observados; (ii) método: instrumento científico de busca do conhecimento, que diz respeito ao conhecimento enquanto processo, forma de acesso ao conhecimento; e (iii) sistema de referência: realidade na qual está inserido o ser cognoscente e, em nome da qual o ser cognoscente se expressa.


O sistema de referência, portanto, é aspecto fundamental para que se obtenha o mais singelo nível de conhecimento. Nas lições da professora Fabiana Del Padre Tomé, temos que “não existe conhecimento sem sistema de referência: este é condição sem a qual aquele não subsiste”, e continua “algo só é inteligível à medida que é conhecida sua posição em relação a outros elementos”[7].


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A subjetividade da interpretação se reduz à opção pelo sistema de referência. Feita a escolha, o intérprete deve se submeter às regras por esse sistema impostas. Se alguém se propõe a conhecer um objeto a partir de determinado sistema de referência, implica a aceitação das regras inerentes a esse sistema.


Conhecimento, realidade e verdade são aspectos da linguagem dentro desse sistema de referência. As afirmações sobre determinado objeto são válidas somente nesse âmbito; sob determinado enfoque.


Entender o direito como linguagem significa impor limites à sua aplicação: só importa para o mundo do direito aquilo que for convertido em linguagem. Não são juridicamente relevantes os acontecimentos sociais, religiosos, enquanto não forem vertidos na linguagem do direito. 


O direito é uma construção do homem e, por consequência, sua aplicação também. Para que ocorra a incidência normativa se faz necessário que um indivíduo relate um evento em linguagem aceita pelo direito para que a norma correspondente àquele fato (evento relatado em linguagem competente) possa ser aplicada. O princípio da legalidade demonstra perfeitamente a necessidade da linguagem, afirmando que a imposição de obrigações está limitada ao previsto em lei: sem linguagem competente “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer”[8].


 1.2. O corte metodológico


A teoria se caracteriza por um objeto e o estudo que o descreve. Não toca no objeto, não o modifica, existe para que se possa compreender o objeto, de traçar suas características. Assim é a Ciência do Direito: uma teoria acerca do Direito Positivo. Uma linguagem descritiva, de sobrenível, que tem como objeto a linguagem prescritiva de condutas, que é o Direito Positivo.


Método é o meio pelo qual se desenvolve o estudo do objeto. É inerente ao processo de conhecimento; sem método não há como se falar em conhecimento científico. E, falando em conhecimento científico, não podemos deixar de mencionar acerca do recorte que se faz da realidade, para por em destaque o objeto de estudo. Para ser científico o conhecimento tem que especificar, destrinchar o objeto, não podemos afirmar a existência de um conhecimento científico geral. Assim, a cada ciência, ou a cada teoria, corresponde um e somente um objeto.


PAULO DE BARROS CARVALHO[9] apresenta interessante estudo sobre a Teoria dos objetos, dividindo-os em quatro tipos: naturais, ideais, metafísicos e culturais. Com essa classificação, fica evidente a necessidade de se utilizar um método específico de acordo com o tipo do objeto que se pretende conhecer. Assim, sendo o direito um objeto criado pelo homem, podemos classificá-lo como cultural. São culturais os objetos que “tem existência espaço-temporal, susceptível, portanto, à experiência, além de serem valiosos, positiva ou negativamente”[10], características essas do direito.


O presente estudo, com a pretensão de ser científico, segue o padrão do método hermenêutico-analítico, próprio dos objetos culturais, que se compõe pela soma da Lógica à Semântica e à Pragmática, que é a utilização de um método de interpretação que leva em conta a estrutura do objeto, somado a valoração a ele inerente.


1.3. Lógica


A Lógica integra a parte da Filosofia que trata do conhecimento. Inicialmente assumiu a feição de arte ou dom de produzir argumentos de maneira habilidosa, com o fito de organizar a mensagem, ensejando o convencimento. Evoluiu, para tornar-se um conjunto de proposições cujo objetivo ia mais além, oferecendo critérios para a determinação da própria validade dos esquemas intelectuais que buscavam valor-verdade.


Segundo LOURIVAL VILANOVA,


“para que exista lógica jurídica é indispensável que exista linguagem pois com a linguagem são postas significações… A Lógica é linguagem formalizada; o domínio das normas é linguagem não formalizada, não algoritmizada, com referências semânticas a situações objetivas na realidade social da conduta e dotada de função pragmática inconfundível: the normative orientation os behavior… O domínio da Lógica é tão-só o das significações e suas possibilidades combinatórias, sem estender a ponte para objetos especificados. Apoiada no mínimo que é o objeto-em-geral. Através das linguagens, recolhe características que são variações em torno do núcleo que é o objeto-em-geral.”[11]  


 Tomada como ciência, a Lógica consiste num discurso linguístico que se dirige a determinado campo de entidades. Esse domínio é o universo das formas lógicas, situado na região ôntica dos objetos ideais, que, portanto, não tem existência concreta, real, não estão na experiência e são axiologicamente neutros. Apreendemo-los pelo ato gnosiológico da intelecção e o método que se lhes aplica é o racional-dedutivo. Essas formas ideais, contudo, só existem onde houver qualquer manifestação de linguagem, por insignificante que seja.


A Lógica exerce, entretanto, fundamental papel no estudo das linguagens, visto que, conforme salienta PAULO DE BARROS CARVALHO


“desvencilhada dos componentes psicológicos que dão vida e movimento às suas estruturas, a Lógica atingiu foros de disciplina partículas. Enquanto linguagem, é um sistema de significações, dotado de regras sintáticas rígidas – com plano semântico em que seus signos apresentam um e somente um sentido – e que procura reproduzir, com recursos da simbologia, as relações que se estabelecem entre termos, proposições e argumentos”[12].


O direito positivo, como camada de linguagem prescritiva de condutas, é uma construção do ser humano – objeto cultural, portanto, que está longe de ser um dado simplesmente ideal, não lhe sendo aplicável, também, as técnicas de investigação do mundo natural.


Tais considerações demarcam os limites intrínsecos das investigações lógicas no campo do direito positivo. Há um quantum de Lógica no Direito Positivo, mas o direito é mais que lógica. A lógica serve para distinguir o verdadeiro do falso, dentro do sistema da Ciência do Direito; permite exercer um controle formal sobre o discurso normativo. Esse instrumento conceitual não nos outorga um domínio absoluto sobre os fenômenos a que se refere, mas ao menos nos ensina extrais conclusões válidas a partir das premissas que se nos impõem.


Trata-se uma ferramenta intelectual, e não a fonte da verdade. Se partirmos de premissas falsas, nenhuma segurança teremos de chegar a conclusões verdadeiras. Mas se temos premissas verdadeiras que embasam o raciocínio, este nos proporcionará novas afirmações, tão verdadeiras como daquelas que partimos. Todo discurso científico, para que atinja padrões de rigorosidade não pode se ater somente à análise de um dos planos da linguagem.


A Lógica proporciona ao intérprete a análise estrita do campo sintático, faltando ainda os planos semântico e pragmático. Dessa forma, apesar de auxiliar à Ciência do Direito, a Lógica não é instrumento exclusivo do conhecimento.


A partir da aplicação das regras lógicas o intérprete mantém contato com o conhecimento do direito como sistema, que na proposta metodológica de LOURIVAL VILANOVA o conhecimento implica no domínio dos princípios (saber de), manuseio das categorias (saber como), visão sistemática global, operacional e funcional (saber que), sendo imprescindível relacionar o direito com os fundamentos em geral e no contexto onde está inserido. A lógica proporciona esse conhecimento, relacionando estruturas lógicas e dados empíricos. Fundamental, neste ponto, trazer novamente as lições de PAULO DE BARROS CARVALHO “como Ciência, a Lógica consiste num discurso linguístico que se dirige a determinado campo de entidades. Esse domínio é o universo das formas lógicas, situado na região ôntica dos objetos ideais, que, portanto, não tem existência concreta, real; não estão na experiência e são axiologicamente neutros”[13], e continua “a Lógica não altera o ordenamento jurídico, mas o descreve em linguagem formalizada, transformando o objeto cultural, que é o direito positivo, em objetos ideais, próprios das Ciências Lógicas, Constitui assim a ampliação dos horizontes culturais existentes.”[14]


Desse modo, uma forma jurídica, livre de conteúdo, onde se estabelece a estrutura sintática do direito, através da análise da linguagem do direito positivo, se obtém pela formalização. Entretanto, a experiência jurídica integral pressupõe a análise de todos os aspectos: o lógico nos enunciados e o empírico nos dados de fato selecionados na realidade física e social.


1.4. Semiótica 


Sendo o direito uma linguagem, a construção de sentido pela interpretação, decorre do conhecimento.  A Semiótica, como teoria geral dos signos concede ao intérprete a possibilidade de conhecer o direito nos três planos de sua linguagem. PAULO DE BARROS CARVALHO leciona que “interpretar o discurso prescritivo do direito é percorrer esses planos, compondo a significação adequada do produto legislado.”[15]


O direito somente se apresenta no formato de texto. Qualquer produção normativa, seja ela geral e abstrata, seja individual e concreta, se materializará apenas através do texto.E, sendo o direito um texto, a construção de sentido pela interpretação, decorre do conhecimento.  A Semiótica, como teoria geral dos signos concede ao intérprete a possibilidade de conhecer o direito nos três planos de sua linguagem.


No que tange à construção de uma Ciência do Direito, que descreva seu objeto, o direito positivo, mister se faz estabelecer as premissas desse sistema. Três são os recortes metodológicos realizados no direito positivo: (i) o direito é composto por normas jurídicas; (ii) normas jurídicas decorrem de linguagem; e (iii) o direito é um objeto cultural, e seu fim é a regulação de condutas intersubjetivas.[16]


A partir desses recortes é preciso fazer uma análise da linguagem do direito positivo, seus conteúdos (semântica), sua estrutura (sintática) e a forma como os destinatários dessas regras se comportam (pragmática). A Semiótica, como teoria geral dos signos concede ao intérprete a possibilidade de conhecer o direito nos três planos de sua linguagem e, com isso, construir um sentido para seu texto.


O signo tem status lógico de relação, representando pelos vértices do triângulo (suporte físico, significado e significação). O signo representa algo, mas não é o objeto em si mesmo, daí classificá-lo como relação. TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM, tratando do assunto, explica: “os signos (mais precisamente os símbolos) são convenções dos sujeitos para representar o mundo físico. São concepções pactuadas das quais o homem (como ser cultural que é) compartilha, ao nascer em um mundo cultural.”[17]


O suporte físico é a materialidade do que se representa, o dado bruto. O modo como se materializa não é determinante para que seja considerado como suporte físico, mas a materialização o é.


Os signos enquanto representativos de objetos são coletivos. Tem o objetivo de representar, de comunicar algo, e para atingir esse objetivo é necessário que, ao menos o emissor e o receptor da mensagem estejam em consenso quanto ao que se pretende representar com o signo. CLARICE VON OERTZEN DE ARAÚJO define “um signo representa alguma coisa para uma mente que assim o interprete”[18]. E essa mente para se comunicar precisa utilizar uma linguagem que a outra mente também compreenda, que são os signos.


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Para tanto, faz-se necessário que estejam inseridas num mesmo contexto. O contexto pode ser definido como as circunstâncias histórico-sociais em que se encontram envolvidos o emissor e o receptor da mensagem. Irá funcionar como delimitador do campo de relações possíveis do signo; limita sua abrangência.


Os signos podem ser classificados em: (i) símbolo, representação construída de forma arbitrária e aceita por convenção, não mantém qualquer conexão física com o significado (p. ex. a palavra); (ii) ícone, que é uma reprodução do dado que se pretende representar, com a manutenção de algumas de suas características (p. ex. fotografia); e (iii) índice, que mantém conexão física, apresentando indícios do significado, e que remetem a outro suporte físico (p. ex. raios de trovão, índice de tempestade).


Nenhum signo proporciona acesso direto à realidade, há ao menos um mínimo de arbitrariedade na representação. O índice, por manter uma relação existencial com o objeto dinâmico é o que contém o menor grau de arbitrariedade, mas mesmo assim ainda a possui.  O ícone busca representar uma característica do objeto dinâmico, desse modo tem um grau de arbitrariedade mediano. Já o símbolo pressupõe convenção e é totalmente arbitrário, visto que não guarda, em princípio, qualquer conexão com o objeto dinâmico.


PEIRCE[19] afirma a existência de um objeto dinâmico – aquele que está no plano da realidade, e independe da vontade humana, sendo mais amplo que o conhecimento humano e um objeto imediato que é a representação do objeto dinâmico, realizada a partir das experiências do ser cognoscente que esteja realizando a aproximação com esse objeto.


Leciona, ainda, CLARICE VON OERTZEN DE ARAÚJO: “a dinâmica da geração do fato jurídico corresponde exatamente ao processo semiótico de representação do objeto dinâmico pelo objeto imediato do signo”[20]. Dessa assertiva podemos afirmar que o fato jurídico é uma representação do suporte fáctico, é construção interpretativa do observador.


1.5. Processo comunicacional do direito


A necessidade de se estudar o fenômeno comunicacional é decorrente das mudanças trazidas pelo movimento do “giro-linguístico” sobre o modo de encarar e estudar o mundo. Sabe-se que essa mudança de paradigma, no que diz respeito à maneira de pensar e conhecer as coisas que nos circundam é que atribui à linguagem papel fundamental.


A linguagem se realiza por relações intersubjetivas, pelo chamado processo comunicacional, que pressupõe a existência de um emissor, um receptor, um código comum, uma mensagem, um canal que transmite a mensagem, um vínculo psicológico entre ambos (a vontade do emissor em se expressar e a disponibilidade do receptor em ouvi-lo) e um contexto, no qual todos os elementos anteriores estão inseridos.


AURORA TOMAZINI DE CARVALHO explica: “não há outra maneira a ser utilizada pela sociedade, para direcionar relações inter-humanas, que não seja por atos de comunicação. Impor formas normativas ao comportamento social só é possível, neste sentido, mediante um processo comunicacional, com a produção de uma linguagem própria, que é a linguagem das normas.”[21]


O direito se apresenta em uma das muitas formas da linguagem. É sistema linguístico, do tipo verbal escrito, técnico (próprio do legislador) e com função prescritiva de condutas intersubjetivas, cujos elementos são as normas. Tido como linguagem, formado por processos comunicacionais, implica que somente ingressa sistema jurídico positivo as mensagens oriundas dessas comunicações, que são as normas jurídicas.


A linguagem, dessa maneira, é a forma de comunicação do ser humano. Aptidão de enviar e receber informações por intermédio dos signos. PAULO DE BARROS CARVALHO, trazendo sua definição de linguagem afirma que ela é “o modo de aquisição do saber científico, aplicada por meio de mecanismos lógicos, na construção de modelos artificiais para a comunicação científica”[22]; é a capacidade do ser humano em comunicar-se.


Essa comunicação pode ou não ser idiomática, visto que a língua é apenas uma das muitas formas que se apresenta a linguagem. É a forma de linguagem que nos remete a idioma, ou conjunto de signos vigente numa determinada sociedade, utilizada para comunicação.


Trazendo novamente as lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, temos que:


“o direito como sistema de comunicação – cujas unidades são ações comunicativas e, como tais e enquanto tais, devem ser observadas e exploradas – impõe que qualquer iniciativa para intensificar o estudo desses fenômenos leve em conta o conjunto, percorrendo o estudo do emitente, da mensagem, do canal e do receptor, devidamente integrados no processo dialético do acontecimento comunicacional”.[23]


O processo comunicacional, resumidamente, se dá com a transmissão de uma mensagem de um indivíduo para outro.  Ocorre, que para que esse conteúdo seja efetivamente recebido pelo destinatário, estejam presentes os seguintes elementos:


a) Emissor: o indivíduo produz a mensagem e a transmite;


b) Receptor: aquele sujeito a quem a mensagem é destinada;


c) Mensagem: o conjunto de signos transmitidos;


d) Canal: o modo físico como a mensagem é transmitida (som, escrita, sinais)


e) Código: é a forma em que a linguagem se apresenta, comum aos dois sujeitos;


f) Conexão psicológica: é o “estado” de intenção em que os sujeitos emissor e receptor estão para realizarem a comunicação


g) Contexto: é a realidade em que se encontram inseridos os elementos do processo comunicacional.


Admitimos, com isso, que, na ausência de qualquer um desses elementos, não há que se falar em processo comunicacional, tampouco em imposição normativa, ou direito.


Trazendo esse quadro para o direito, no que diz respeito às normas gerais e abstratas, temos que o emissor da mensagem seja o legislador, que transmite ao receptor, que são os indivíduos da sociedade na qual a comunicação foi produzida (contexto), norma jurídica, que é a mensagem, no idioma local (código), através da produção de textos jurídicos, que é o canal.


Já a conexão psicológica é garantida pelo fato de o indivíduo estar inserido numa sociedade que está sujeita à normatividade jurídica. Podemos considerá-la como a “deformidade do indivíduo”, a que alude PONTES DE MIRANDA “no imergir da sociedade, que preexiste a ele, deforma-se o indivíduo; e como tal deformação se dá antes da formação do seu caráter, o ente não-social é que é abstrato, o deformado é que é concreto e real.”[24]


É neste sentido que leciona PAULO DE BARROS CARVALHO:


 “Certo é que o direito, tomado como um grande fato comunicacional, é concepção relativamente recente, tendo em vista a perspectiva histórica, numa análise longitudinal da realidade. Situa-se, como não poderia deixar de ser, no marco da filosofia da linguagem, mas pressupõe interessante combinação entre método analítico e a hermenêutica, fazendo avançar seu programa de estruturação de uma nova e instigante Teoria do Direito, que se ocupa das normas jurídicas enquanto mensagens produzidas pela autoridade competente e dirigidas aos integrantes da comunidade social. Tais mensagens vem animadas pelo tom de juridicidade, isto é, são prescritivas de condutas, orientando o comportando das pessoas de tal modo que se estabeleçam os valores presentes na consciência coletiva”.[25] (grifos do autor)


O código adotado pelo sistema do direito positivo é a língua portuguesa, com algumas particularidades, visto ser técnica, “o que significa dizer que se assenta no discurso natural, mas aproveita em quantidade considerável palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao domínio das comunicações científicas”.[26]


Logo, percebemos que tal como ocorre em qualquer comunicação, a sem ao menos um dos elementos o direito, como processo comunicacional que é, não existe. Sem o legislador, não há produção de mensagem; sem a sociedade, não há destinatário da mensagem legislada; sem o ato de vontade do legislador, não há a produção da mensagem; sem o suporte físico (o canal), não há mensagem; se o código não for comum ao legislador e ao destinatário, esse último não poderá decodificar a mensagem, não poderá compreendê-la; e, sem conexão psicológica e contexto, estão os indivíduos em sistemas de referência diferentes.


1.6. Interpretação do direito


Travando contato com a literalidade textual do direito, que o intérprete inicia o processo de interpretação da mensagem legislada.


Neste sentido é a definição de PAULO DE BARROS CARVALHO: “interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos.”[27]


Importante salientar que, partindo dos pressupostos do constructivismo lógico-semântico, o sentido dos textos não é proporcionado pelo seu suporte físico, mas pelo indivíduo que o analisa, trazendo consigo suas experiências, realizando, desse modo, uma interpretação que vem carregada de valoração.  Os conceitos estão no intérprete e não no texto. Assim, o observador vai construir o suporte fáctico levando em conta suas vivências, seu repertório, e o resultado desse processo interpretativo, por ser complexo, vai variar em virtude do observador. Disso implica concluir que o sentido está no intérprete e não no texto.


Não há forma sem conteúdo, sem o signo não se chega ao objeto. A experiência colateral proporciona ao observador conhecimentos que facilitam a compreensão dos objetos. Essa experiência colateral é formada pelas vivências da mente interpretadora; quanto mais vivências, maior a experiência colateral e maior o repertório do observador. A mente interpretante irá criar a representação do signo, portanto sua experiência colateral se mostra fundamental para o interpretante do signo.


Temos uma visão antropocêntrica de mundo: onde tudo é criado pelo observador. Cada interpretante pode apenas representar aquilo que conhece, e o conhecimento se dá com o repertório individual desse interpretante.


1.6.1. Percurso gerador de sentido


Para compreender o sentido e alcance dos textos jurídicos positivados, portanto, se faz imprescindível interpretá-los. A interpretação nada mais é que uma construção de sentido que o intérprete faz a partir do suporte fáctico, que não se trata de uma extração de conteúdo, mas de uma inovação feita pelo sujeito cognoscente.


Seguindo a proposta interpretativa de PAULO DE BARROS CARVALHO, que realiza esse processo partindo de uma decomposição do sistema do direito positivo em quatro subsistemas (S1 ao S4), aprofundando o conhecimento à medida que a interpretação evolui, estes seriam os critérios objetivos da interpretação e tendo como elementos subjetivos os horizontes culturais do indivíduo, a que aludimos em momento anterior, como sendo suas experiências.[28]


 Devemos, para tanto, considerar o processo interpretativo nos quatro planos que compõem os textos do direito: (S1) plano da literalidade, (S2) plano das significações das palavras nos textos normativos, (S3) na organização desses sentidos na estrutura normativa (de hipótese e conseqüente), e (S4) na organização dessas estruturas nas suas relações de subordinação e coordenação.


 No plano da expressão (S1) estão os enunciados prescritivos do ordenamento jurídico, suporte físico da linguagem do direito positivo, apresentado pelos textos de lei postos pelos legisladores, formado pelos veículos introdutores de normas (enunicação-enunciada) e pelos respectivos enunciados-enunciados.


 Atingido o (S2), tomado aqui como conjunto dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos, se forma pela construção mental que o intérprete do direito faz do suporte físico, atribuindo sentido às proposições normativas, utilizadas nesse contexto como frases completas, com sentido.


 Avançando nesse trajeto, alcançamos o domínio das significações normativas (S3) que é obtido pela articulação das significações do plano (S2), na estrutura normativa implicacional, própria do direito positivo, chamada norma jurídica, agregando as proposições na forma D(H à C).


 E, chegando ao último tópico da interpretação normativa, a preocupação do intérprete é com a “super estrutura”, chamada sistema, onde as normas formadas no plano das significações normativas são submetidas a relações de coordenação e subordinação (S4).


1.7. A tradução na linguagem do direito: fato e evento


Eventos são os acontecimentos do mundo fenomênico, que, portanto se perdem no tempo e no espaço. Sobre os quais dados se pode produzir linguagem que os descreva, os eternize, esse é o fato.


É o que afirma CLARICE VON OERTZEN DE ARAÚJO[29]: “um fato não é uma coisa, não é um dado concreto, ele não possui uma “materialidade”.


O conhecimento do dado é linguagem, depende do repertório do sujeito cognoscente. Quanto maior o conhecimento, mais linguagem se pode produzir sobre o dado, mais complexo e detalhado será o fato. Entretanto, o fato nunca poderá representar todos os aspectos do dado, nunca o esgotará. Tampouco com ele se confunde.  Há também a necessidade de representação, apresentada por uma linguagem, como um limitador do que o fato deve representar, deve provar em relação a um evento.  Nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, onde ele se utiliza do termo “objeto” que trazemos para elucidar:


“é comum a confusão entre “objeto” do conhecimento e o “objeto” que vemos ali, concretamente existente no mundo real. O que está em nossa consciência é o conteúdo da forma, não o objeto mesmo, tomado na sua contextura físico-material. Os filósofos separam de maneira clara essas duas situações, referindo-se a “objeto” em sentido amplo: a coisa-em-si, percebida por nossos órgãos sensoriais, e “objeto” em sentido estrito, vale dizer, em sentido epistêmico: conteúdo de uma forma de consciência. Efeito prático imediato dessa distinção é a lembrança de William James de que “a palavra ‘cão’ não morde”[30].


Ocorre, que como exposto linhas acima, essa representação depende do sujeito cognoscente, das suas impressões acerca do evento, o que implica afirmar que não há uma verdade real, o que se tem são aspectos de vista sobre um mesmo objeto. Imprescindível, nesse sentido, as lições de EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, que afirma “ora, se o direito é o conjunto de normas construídas a partir desses documentos jurídicos, não se pode entender que o mero acontecimento fáctico e a obrigação tributária pertençam ao direito sem o necessário revestimento lingüístico.”[31] (grifos constam do original)


Fato jurídico é a construção lingüística, realizada com base na legislação, ou seja, seguindo determinado procedimento previsto e feito por pessoa competente, que relate evento do mundo fenomênico de relevância jurídica. TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM ao tratar do assunto é enfático: “o homem só consegue (re)construir ditos eventos por meio da linguagem. Os eventos não provam nada, simplesmente porque não falam.”[32]


Como sempre faz referência a um acontecimento, tem suas atenções voltadas ao passado. Esse evento, entretanto, não importa em sua completude para o direito. Ao direito cabe proceder com recortes desse acontecimento, trazendo para o interior de seu sistema apenas os aspectos que considere relevantes. O direito cria a própria realidade, como linguagem que é. Com isso, podemos afirmar que não existem fatos puramente jurídicos, o que já de exclusivo é o modo como o direito “enxerga” a realidade. Os eventos jurídicos, na verdade, são recortes de uma realidade maior. Ocorre que esse recorte é meramente abstrato, não há como separar o jurídico do social e manter o social inalterado. Nessa mesma esteira estão os ensinamentos de PAULO DE BARROS CARVALHO,


“o termo ou expressão que adquirir o qualificativo “jurídico” não somente será representativo de uma unidade do universo do direito, como também denotará seu contraponto, que são todos os outros fatos linguisticamente possíveis de serem construídos a partir daquele mesmo evento, mas que não se enquadram às regras sintáticas e semanticamente dadas pelo sistema de linguagem do direito… O critério utilizado para a separação desses dois domínios é justamente a homogeneidade sintática do universo jurídico. Não há fatos jurídicos puros ou fatos econômicos puros. O que existe são cortes de linguagem.”[33]


Exemplo disso é a classificação jurídica de navios e aeronaves como bens imóveis para certos fins, sendo que para a realidade social, imóvel é o objeto que não tem a capacidade de mover-se, atributo garantido em ambos os conceitos. Os fatos jurídicos (que compõem as normas concretas) dependem de prova para a sua constituição, sem o que o direito não se opera. Outra premissa importante é a que o direito só opera por meio de linguagem. O direito não opera sobre eventos, somente sobre a construção lingüística desses eventos, ou seja, sobre os fatos jurídicos. Sem que se produza a referida linguagem competente os acontecimentos sociais, mesmo que previstos em normas gerais e abstratas, não chegaram a fazer parte do direito.


2. CONCEITOS DE DIREITO E SISTEMA


2.1. Noção de Sistema


Tem-se por sistema o conjunto de elementos que possuem uma ou mais características identificáveis em todos eles. Entretanto, para que consideremos um grupo de elementos como sistema, esse agrupamento deve manter um mínimo de organização estrutural. Para TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM “o sistema (classe – extensão) existe onde seus elementos (denotação) são proposições preenchedoras do critério de pertinência, estipulado pela conotação, as quais, por sua vez, mantém relações de subordinação e coordenação.” [34]


O direito, portanto, é um sistema normativo. Para estar inserido no sistema, todo comando deve ser adequado ao formato de norma. Não só o direito positivo, mas as duas camadas de linguagem do Direito (direito positivo e ciência do direito) são sistemas.


O sistema do direito positivo é formado por enunciados prescritivos; suportes físicos de normas jurídicas – que se relacionam em critérios de coordenação e subordinação, formando o corpo de linguagem coercitiva voltado a regular certas condutas intersubjetivas. Apesar de possuírem conteúdo heterogêneo, referente ao aspecto semântico da linguagem do direito, sua estrutura é idêntica em todas as normas: D(H à C), que diz respeito ao aspecto sintático dessa mesma linguagem. Eis o elemento característico comum do direito!


Já a ciência do direito tem igual condição de ser classificada como sistema, por ser composta exclusivamente por proposições descritivas do direito positivo. Por se tratar de uma Ciência, pressupõe uma organização estrutural rigorosa, proferida em linguagem descritiva rigorosa, estando submetida à verificação de seu conteúdo pelos valores de verdade/falsidade.


A relação entre as linguagens do direito positivo e da ciência do direito é de linguagem-objeto aquela e metalinguagem esta. Desta feita, a existência da ciência do direito pressupõe a existência do direito positivo, visto que esse é seu objeto, sua razão de ser. Entretanto, a recíproca não é verdadeira: o direito positivo pode perfeitamente atingir seu objetivo – de regular condutas intersubjetivas – sem que haja sobre ele, uma linguagem que o descreva.


Tomando como ponto de partida, como forma mínima que é a norma jurídica, é que pode-se chegar ao ápice dessa estrutura, que é o sistema normativo. Não há como conhecer a estrutura completa do direito sem que se saiba como seus componentes são formados e como se relacionam.


A composição sintática do direito positivo é homogênea, garantida por suas unidades, chamadas normas jurídicas. E é exatamente essa característica que confere ao direito positivo o atributo de sistema.  Essas unidades estão umas com as outras em relação de coordenação e subordinação, de forma a organizar o sistema, e por se tratarem de ordens, mandamentos, não estão sujeitas aos valores de verdadeiro e falso, mas de validade e invalidade, que é a relação que mantém com o sistema, de ser ou não parte integrante dele.  TÁCIO LACERDA GAMA, seguindo essa linha, afirma que “falar em “sistema” é falar na totalidade de elementos reunidos por uma característica comum e organizados de acordo com certos padrões.”[35]


A Ciência do Direito é o resultado do estudo dos textos prescritivos, com o intuito de descrevê-los e sistematiza-los em uma outra camada de linguagem, chamada metalinguagem. Trata-se de uma linguagem rigorosa, que não permite a presença de contradição entre seus componentes.


2.2. Conceito de direito


Para o fim deste trabalho tomaremos direito como o conjunto de normas válidas num determinado país, que visem regular as condutas humanas intersubjetivas, direito positivo, portanto. Não avançaremos no campo do conteúdo específico de das normas, tampouco nos valores que motivam sua criação, certos, entretanto, de que são inerentes ao próprio direito, mas fora do campo do presente estudo. Nosso objetivo é apresentar o direito como estrutura normativa, que visa atender os interesses de ordem da sociedade, mantendo certa regularidade nas condutas.


Para corroborar esse entendimento, trazemos à tona as palavras de alguns juristas sobre o conceito de direito, a começar por PAULO DE BARROS CARVALHO:


“Qualquer trabalho jurídico de pretensões científicas impõe ao autor uma tomada de posição no que atina aos conceitos fundamentais da matéria em que labora, para que lhe seja possível desenvolver seus estudos dentro de diretrizes seguras e satisfatoriamente coerentes. E, desde logo, coloca-se o problema da própria conceituação do Direito, na medida em que se procura discorrer sobre a natureza e a estrutura interior da norma jurídica, posto que falar em norma jurídica, em última análise, é tratar do próprio Direito.”[36]


HANS KELSEN, ao tratar do assunto, leva em conta os ordenamentos jurídicos tidos em diversas épocas e nas mais variadas sociedades e conclui “resulta logo que todos eles se apresentam como ordens de conduta humana. Uma “ordem” é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade.”[37]


Outra grande colaboração à Ciência Jurídica é a de AURORA TOMAZINI DE CARVALHO, tratando do modo de atuação do direito, afirma “o direito positivo incide sobre a realidade social com a finalidade de regulá-la, de modo que todas as demais comunicações integrantes de seu ambiente (sistema social) o informam cognoscitivamente ”.[38]


Dessas lições, temos em comum a normatividade do direito, sendo sua característica principal. Ocorre, entretanto, que muitos são os sistemas normativos, como a religião e a moral. E o que diferencia o direito dessas outras ordens?


Entendemos serem duas as diferenças marcantes existentes entre o direito e os demais sistemas. A primeira é que ao direito só importam as condutas intersubjetivas; o intrasubjetivo e o puramente natural[39] não importam ao direito. A segunda faz referência à coercitividade do direito, também chamada de sindicalidade.


Essa coercitividade é garantida pelas normas que atribuem ao Estado o dever de garantir o cumprimento das ordens jurídicas ou determinar uma sanção pelo seu descumprimento. É exatamente nesse sentido que encontra-se o posicionamento de FABIANA DEL PADRE TOMÉ, “o sistema jurídico diferencia-se funcionalmente dos demais subsistemas sociais exatamente por estar incumbido de garantir a manutenção de expectativas normativas, ainda que estas venham a ser frustradas em virtude da adoção de comportamentos divergentes daqueles normativamente previstos.”[40]


Não se afirma aqui, entretanto, que nas demais ordens, a sanção e a coercitividade inexistam, muito pelo contrário. Aquele que descumpre uma ordem moral pode sentir-se mal, estabelecer para si uma autopunição, ou ainda, o religioso que descumpre uma ordem divina, poderá receber uma sanção de seu sacerdote. Isso é plenamente possível e inerente aos comandos normativos. O que não há, em nenhuma das duas situações, é a presença de um terceiro (no caso do direito, exercido pelo Poder Judiciário), que faça valer essas punições.


2.3. Sistema do Direito Positivo


Como dito linhas acima, temos por direito positivo o conjunto de normas válidas, especialmente elaboradas com o intuito de regular as conduta humanas intersubjetivas, num determinado território. PAULO DE BARROS CARVALHO, nesta mesma esteira, define o direito positivo por “complexo de normas válidas num determinado país”.[41]


Essa proposta de conceito de direito positivo não se coaduna com nenhuma divisão do sistema normativo, a não ser a meramente didática. Isso porque, para a devida compreensão dos textos jurídicos e sua interpretação, se faz necessária a totalidade desses suportes físicos, como visto anteriormente. Então, o que aqui se pretende é a exposição do tema de forma ampla, no que for comum a todo o sistema e específica, naquilo que for diretamente voltado ao foco de nossas atenções, que é a regra-matriz de incidência tributária.


Reafirmando nossas premissas, podemos falar agora de alguns aspectos formadores do direito positivo:


(i) Direito positivo como linguagem


Partimos do pressuposto que todo conhecimento se dá pela linguagem, não há, portanto outra forma de acesso ao conhecimento sem linguagem. Conhecimento, realidade e verdade são aspectos da linguagem dentro de um sistema de referência. As afirmações sobre determinado objeto são válidas somente nesse âmbito; sob determinado enfoque.


A linguagem do direito positivo tem por função a prescritividade de condutas, de modo a induzir os destinatários dos textos jurídicos positivos a agirem de acordo com eles, no que diz respeito às ações intersubjetivas.


(ii) Direito positivo como sistema


A composição sintática do direito positivo tem uma estrutura homogênea, que são suas unidades, chamadas normas jurídicas. E é exatamente por essa característica que confere ao direito positivo o atributo de sistema. Essas unidades estão umas com as outras em relação de coordenação e subordinação, de forma a organizar o sistema, e por se tratarem de ordens, mandamentos, não estão sujeitas aos valores de verdadeiro e falso, mas de validade e invalidade, que é a relação que mantém com o sistema, de ser ou não parte integrante dele.


(iii) Direito positivo como objeto cultural


Ainda nessas bases, a divisão dos objetos é feita a partir de sua essência, ou seja, são separados em classes de acordo com sua ontologia, tendo o ser humano como pontos de referência de onde se irradiam os espaços correspondentes[42]. Encontra-se o direito (tanto o direito positivo, quanto a Ciência do Direito) na região dos objetos culturais, visto que sua criação depende da vontade e da necessidade humanas. Por ser cultural, é o direito positivo também um bem social, voltado a estabilizar as relações sociais, imprimindo nos atos subjetivos de seus destinatários, os valores que a sociedade entende como importantes. Com isso, são relevantes para o direito apenas os atos que envolvam ao menos dois sujeitos, que resultam assim em relações intersubjetivas. Todo ato intrasubjetivo é estranho ao direito positivo. 


(iv) Direito positivo como prescritor de condutas


Primeiramente podemos traçar um paralelo entre as leis naturais e as jurídicas visto que as primeiras limitam-se a realizar uma descrição dos fenômenos naturais, com um mínimo de intervenção humana. São relações predicativas, que se submetem aos valores de verdade, quando das premissas se extrai as conclusões apontadas e falsidade, quando o mesmo não se verifica. Enquanto isso, as leis jurídicas são prescritivas de condutas, são implicacionais e não naturais ou predicativas. Quer dizer, as premissas (hipóteses) são postas junto das conclusões (consequente) arbitrariamente, pelo homem, que sem essa imposição não manteriam conexão alguma. Seus valores são o de validade (pertinentes ao sistema), ou invalidade (não pertinente).


2.4. Teoria das classes


Considerando os objetos isolados como indivíduos ou elementos, as classes são os agrupamentos desses indivíduos, levando-se em conta determinada propriedade. Sistema, como visto, pressupõe conjunto, na acepção das ciências matemáticas, o que se mostra imprescindível o uso da Lógica para estudo de sua estrutura, traçando os contornos desse conceito.


No que diz respeito à linguagem do direito, bem leciona a AURORA TOMAZINI DE CARVALHO: “ao selecionar atributos que os fatos e as relações precisam ter para pertencerem ao mundo jurídico, delimita dois conceitos, dividindo a realidade dos fatos e das relações relevantes juridicamente, da realidade dos fatos e das relações não relevantes juridicamente. Ao assim fazer, cria duas classes: (i) a da hipótese, conotativa dos suportes fáticos a serem juridicizados; e (ii) a do consequente, conotativamente das relações jurídicas a serem instauradas com a verificação daqueles fatos.” E ainda, “os fatos que se enquadram ao conceito da hipótese são relevantes juridicamente, os que não se enquadram não interessam para o direito.”[43]


A lógica admite que toda função proposicional seja proprietária de uma variável livre representante de uma classe, que terá por elementos somente os objetos que satisfaçam à função proposicional imposta. Essa classe conterá todos os elementos que apresentem essa propriedade e nenhum outro. Dessa forma, a toda propriedade de objetos corresponde uma classe univocamente determinada.


O ser-sistema é a forma lógica mais abrangente. As partes são as proposições. Onde há sistema há relações e elementos, que se articulam segundo leis. Se os elementos são proposições, sua composição interior obedece certas leis de formação ou de construção. O legislador pode selecionar fatos para sobre eles incidir as hipóteses, pode optar por estes ou aqueles conteúdos sociais e valorativos, mas não pode construir a hipótese. Pode vincular livremente, em função de contextos sociais e de valorações positivas e de valores ideais, quaisquer consequências às hipóteses delineadas. Mas não pode deixar de sujeitar-se às relações formais ou lógicas que determinam a relação de implicação entre hipóteses e consequências (H à C), como veremos a seguir.


3. NORMA JURÍDICA
3.1. Contornos da norma jurídica
Norma jurídica é termo ambíguo, podendo ser utilizada como enunciado prescritivo, ou mesmo, como a significação obtida desses enunciados. O estudo da norma jurídica que pretendemos apresentar com este trabalho, tem como base, já o dissemos, o método hermenêutico-analítico. Assim, alguns aspectos do instituto devem ser explorados. Mister se faz, assim, definir o conceito de norma jurídica, que para fins desse estudo, é o elemento do direito positivo, também chamado de mensagem, construído a partir da leitura dos textos normativos, com o intuito de transmitir uma ordem, em que se relacionam ao menos dois sujeitos de direito. Importante a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO nesse momento


“O direito, sabemos, é um fenômeno complexo. Uma forma, porém, de estudá-lo sem ter de enfrentar o problema de sua ontologia é isolar as manifestações normativas. Ali onde houver direito, haverá normas jurídicas (Kelsen). A que poderíamos acrescentar: e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem em que tais normas se manifestem”[44] (grifos nossos)


Afirmamos ser o direito um sistema do qual a norma jurídica faz parte como elemento. Seguindo a premissa de que os elementos devem apresentar características comuns para fazer parte de um conjunto, temos por norma jurídica a estrutura mínima, mas completa, de atuação do direito, que PAULO DE BARROS CARVALHO chama de “mínimo irredutível de manifestação do deôntico”[45]. A composição mínima a que aludimos apresenta um antecedente (descrição de uma situação do mundo social), denominado de hipótese, cuja efetiva ocorrência dará ensejo a uma consequência que, invariavelmente, será uma relação jurídica que vinculará dois sujeitos de direito.


É ainda de PAULO DE BARROS CARVALHO valiosa lição acerca da relação existente entre norma jurídica, como elemento, e direito, como sistema: “não haveria desassiso em afirmar-se que o sistema jurídico é formado por juízos de estrutura hipotética que se conjugam a juízos outros de estrutura categórica (as proposições que descrevem estados, pessoas e coisas), esses com funções ancilares na ordem jurídica global.”[46]


Norma jurídica, portanto, é significação e não suporte físico. Não se confunde com os textos de lei (em sentido amplo). Nas palavras da professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ, norma jurídica “não se confunde com o texto do direito positivo, isto é, com as expressões linguísticas que a veiculam”[47], é sim, a significação construída a partir do suporte físico (o texto do direito positivo), mas não está contida nele, deste modo, caberá a cada intérprete uma significação diversa, uma norma jurídica construída de forma diferente.


Importante salientar, ainda, que para ser consideradas como normas jurídicas, essas significações não podem se apresentar como meras justaposições, faz-se necessário que possuam uma estrutura lógico-deôntica com sentido completo. Essa estrutura possui natureza dual, podendo ser desmembrada em duas outras: a norma jurídica primária, com a previsão do nascimento de uma relação jurídica de direito material, prescritiva de direitos e deveres correlatos para os sujeitos que a integram, e a norma jurídica secundária, que surgirá com o descumprimento da relação jurídica de direito material, sendo esta sua hipótese, que dá fundamento para o nascimento de outra relação jurídica, agora de natureza processual, cuja finalidade será por fim ao conflito de interesses, gerado pelo descumprimento da norma primária.


Leciona PAULO DE BARROS CARVALHO, que “a norma é unidade de um sistema, tomado aqui como conjunto de partes que entram em relação formando um todo unitário”[48]. Assim, por essa concepção, a norma jurídica primária seria a responsável por instituir relações jurídicas deônticas, juridicizando fatos sociais e atribuindo relações jurídicas em consequência do acontecimento efetivo desses fatos. As normas secundárias, por sua vez, são responsáveis por trazer a previsão de uma sanção processual pelo descumprimento do preceituado no consequente da norma jurídica primária, que, mediante a presença do estado-juiz faz valer a “vontade” do sistema normativo.


As normas jurídicas são submetidas aos modais deônticos, que se referem à regulação de condutas, que podem ser realizado pelos operadores “P” permitido, “V” proibido (ou vedado), e “O” obrigatório. Sendo três e somente três as possibilidades de regular condutas. Essa conclusão decorre do seguinte ensinamento de LOURIVAL VILANOVA


“a tripartição é mutuamente excludente e conjuntamente exaustiva. Uma mesma conduta, pos, nem tem simultaneamente os três modos deônticos, nem pode se inserir num quarto modo: o princípio da não-incompatibilidade evita o contra-sentido; o princípio de um quarto excluído impediria que a conduta se precipitasse no vácuo do juridicamente não-qualificado”.[49]


O direito pode operar apenas nas condutas factualmente possíveis. Isso porque, seria logicamente impossível que o direito viesse a, p. ex., vedar conduta necessária ou obrigar conduta impossível. Abrigando-se no campo ontológico da possibilidade. A hipótese normativa somente se pode ocupar de possível ocorrência no mundo; possível modificação no estado de coisas que entretem a instável circunstância humana. Neste sentido são novamente importantes os ensinamentos de FABIANA DEL PADRE TOMÉ: “se a norma prescrever uma conduta impossível ou uma conduta necessária, carecerá de sentido deôntico, pois só haverá sentido em proibir, permitir ou obrigar a prática de determinada ação se existirem dou ou mais comportamentos possíveis”[50].


A hipótese normativa não traça o que, com necessidade, ocorrerá. Para a hipótese a ocorrência é tomada a título de possibilidade, como ponto de referência possível, condicionando a vinculação de consequências para a conduta humana.


Daí afirmar que a hipótese é incidente na realidade e não coincidente com ela. A norma jurídica não é mera descrição de ocorrências sociais, mas prescritiva de condutas, portanto não pode se voltar às condutas necessárias. Da mesma forma, não pode incidir sobre uma realidade impossível, pois para se tornar jurídico o fato tem que ser fato social. A hipótese normativa funciona como descritor; descreve uma situação social ou natural. Para que ingresse no sistema jurídico tem que ser um fato de possível ocorrência.  


A partir da interpretação do direito, podemos entender que o suporte físico é composto pelos textos do direito positivo, que levam o intérprete a formular proposições a partir deles, que é a significação, e a partir delas, constrói normas jurídicas, que são o significado. Decorre disso que a construção das normas jurídicas depende dos valores que o indivíduo carrega consigo para o processo de interpretação, já que utilizará seus valores e experiências na formulação das normas jurídicas e nas relações que entre elas se estabelecem.


3.2. Das formas de análise da norma jurídica
3.2.1. Norma em sentido estrito e em sentido amplo


Proposições são as significações obtidas por um intérprete a partir do contato com enunciados prescritivos. Tem a particularidade de possuírem sentido completo. Para PAULO DE BARROS CARVALHO, “proposição é o conteúdo significativo que o enunciado, sentença ou oração exprimem.” [51] E, a partir dessa definição de proposição, podemos classificar as normas jurídicas em duas categorias: as que possuem sentido amplo e as de sentido estrito.


Devemos, para tanto, considerar o direito positivo nos quatro subsitstemas interpretativos que o compõem: (S1) plano da literalidade, (S2) plano das significações das palavras nos textos normativos, (S3) na organização desses sentidos na estrutura normativa (de hipótese e conseqüente), e (S4) na organização dessas estruturas nas suas relações de subordinação e coordenação.


Do processo interpretativo então, podemos concluir que as normas  obtidas no processo interpretativo atingido pelos planos S1, S2 e S3 são as de sentido amplo e as que estão no S4 são as normas em sentido estrito, aproximando do campo de atuação tributária equivale à regra-matriz de incidência. Corroborando esse entendimento estão as precisas palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO, que diferencia as normas de acordo com o subsistema do direito em que se encontrava o processo de interpretação


““normas jurídicas em sentido amplo” para aludir aos conteúdos significativos das frases do direito posto, vale dizer, aos enunciados prescritivos, não enquanto manifestações empíricas do ordenamento, mas como significações que seriam construídas pelo intérprete. Ao mesmo tempo, a composição articulada dessas significações, de tal sorte que produza mensagens com sentido deôntico-jurídico completo receberia o nome de “normas jurídicas em sentido estrito””[52]


Sobre as normas jurídicas em sentido estrito TÁREK MOYSÉS MOUSALLEM é enfático ao afirmar que “é a significação deôntica, completa, articulada entre esses elementos (semântica) e estruturada na forma lógica do condicional (sintática), resultado do uso prescritivo da linguagem (pragmática)[53].


Estamos, então, autorizados a falar de norma jurídica com sentido completo, ou seja, em sentido estrito, quando temos a significação obtida a partir dos textos de direito positivo, estruturadas na forma hipotética condicional, que tenha o condão de transmitir uma mensagem com sentido deôntico completo.


3.2.2. Aspectos sintático e semântico da norma jurídica


A forma lógica da norma jurídica se apresenta sempre com a mesma estrutura, garantindo sua pertinência em relação ao sistema de direito positivo. É a homogeneidade das normas jurídicas. Não se admite, dessa feita, forma diversa da  – H à C – para as normas jurídicas.


Em relação ao seu conteúdo, entretanto, não se pode dizer o mesmo. Semanticamente as normas jurídicas se apresentam das mais diversas formas; possuem os mais variados conteúdos. A limitação do conteúdo das normas jurídicas é feita pela própria essência do direito, que é um sistema normativo voltado à regulação de condutas humanas intersubjetivas. Esse é o recorte da realidade do direito. Como se pode notar, também aqui, no que se refere à semântica normativa, há que se falar em limitação para a produção normativa, que somente poderá versar sobre condutas intersubjetivas possíveis.


Como normas de direito, seguem estrutura homogênea, ou seja, uma hipótese (descrição de uma situação do mundo social), que implica uma consequência (relação jurídica entre dois ou mais sujeitos). Parte daí a afirmação que as normas jurídicas se apresentam homogeneidade sintática e heterogeneidade semântica. É o que salienta PAULO DE BARROS CARVALHO em seu estudo sobre a norma jurídica


“tanto as perinormas (normas primárias) quanto as endonormas (normas secundárias) tem a mesma estrutura estática: hipótese ou suposto e consequência. Nas endonormas, o suposto é a descrição de um evento que, uma vez ocorrido concretamente, faz desencadear a consequência que lhe foi imputada. Nas perinormas, o suposto é justamente a previsão do não-cumprimento da prestação estipulada como conteúdo da consequência de alguma endonorma, enquanto sua consequência será o estabelecimento de relação jurídica de índole sancionatória.”[54]


Importante frisar, entretanto, que a homogeneidade sintática a que nos referimos, restringe-se às normas em sentido estrito, que são aquelas que possuem sentido deôntico completo. Às demais normas, essa característica não confere.


Há, ainda, que se falar acerca da heterogeneidade semântica que pode ocorrer nas normas primárias e secundárias[55] (mais profundamente analisadas no próximo item), visto que às normas primárias cabe a tarefa de instituir relações jurídicas e para as normas secundárias a garantia de cumprimento das normas primárias, com a intervenção do Estado-Juiz.


Concluímos, portanto, pela homogeneidade sintática das normas jurídicas em virtude de o direito somente se apresentar de uma forma: pelas normas jurídicas, em sentido estrito, veiculadoras de direitos e deveres que atuem, sempre e invariavelmente no campo das condutas possíveis. É o que garante ao direito seu fechamento sintático e abertura semântica e pragmática.


3.2.3. Estrutura da norma jurídica completa


A proposição jurídica completa é composta por duas normas: a norma primária e a norma secundária. A norma primária é aquela que vincula a ocorrência de um fato social ou natural a uma consequência normativa, que é a relação de obrigação, permissão ou proibição entre dois sujeitos de direito. Já a norma secundária é o que caracteriza o direito: a coercitividade. Traz em sua previsão o descumprimento da relação prevista em uma norma primária, que implica a atuação do estado-juiz para fazer valer aquela relação jurídica. É de PAULO DE BARROS CARVALHO a seguinte lição


“as regras do direito tem feição dúplice: norma primária (ou endonorma, na terminologia de Cossio), a que prescreve um dever, se e quando acontecer o fato previsto no suposto; norma secundária (ou perinorma, segundo Cossio), a que prescreve uma providência sancionatória, aplicada pelo Estado-Juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária.”[56]


Em virtude da linguagem do direito positivo, as proposições são unidas de maneira não ontológica, mas prescritivamente, o que faz com que esse vínculo seja realizado através de um dever-ser não modalizado; o dever-ser interproposicional é neutro. Há, entretanto, outro dever-ser na composição normativa, posta internamente na proposição jurídica, esse sim modalizado como proibido, permitido ou obrigatório.


As fórmulas proposicionais que compõem a norma jurídica completa são: (i) a norma primária: p à q; e (ii) a norma secundária: (p à -q) à S. O vínculo das duas normas é feito pelo operador disjuntor includente, que traz a previsão de as duas normas serem válidas no mesmo sistema. Formalizada, a norma jurídica completa pode ser expressa da seguinte forma:


D{(p à q) v [(p à -q) à S}


Explicando, temos os seguintes componentes: a estrutura lógica da norma jurídica completa pode ser explicitada da seguinte forma: deve-ser que (D) se ocorrer o evento descrito na hipótese (p), se instala a relação jurídica entre dois sujeitos (q), ou se ocorrer o evento (p) e não for cumprida a relação jurídica (-q) será a relação sancionatória do estado-juiz (S).


Há, ainda, uma decomposição da norma jurídica primária, que pode se apresentar como (i) norma primária dispositiva, sendo a instituidora da exação, ex.: regra-matriz do IPTU; e (ii) norma primária sancionadora, que incide no caso do descumprimento da norma primária dispositiva, estabelecendo uma sanção, p. ex.: aplicação de multa pelo não pagamento do IPTU no vencimento.


A norma primária sancionadora não se confunde com a norma secundária, visto que esta somente poderá incidir com a presença do Estado-juiz na composição da relação, garantindo assim o caráter de sindicalidade do direito, como visto anteriormente. Já a norma primeira sancionadora pode ser cumprida voluntariamente pelo sujeito, não dependendo de força coativa.


Importante lição de AURORA TOMAZINI DE CARVALHO, vem no mesmo sentido “levando em consideração que o direito é um conjunto de normas, a coercitividade também é norma, que se agrega à outra norma para tornar exigível o cumprimento da conduta prescrita. Assim, o ser da norma é bimembre.”[57]


Na composição da norma jurídica completa não há como admitir norma primária sem norma secundária; tampouco norma secundária sem norma primária. Esse modo de ser da norma completa é o que diferencia o sistema jurídico de outros sistemas reguladores de conduta. Isso porque, acaso admitíssemos a existência de norma primária sem uma norma secundária que lhe assegurasse a efetividade estaríamos diante de um sistema moral ou religioso, mas não jurídico. Por outro lado, a norma secundária depende de uma norma primária, instituindo uma relação jurídica que, descumprida, dará ensejo ao seu cumprimento.


Existe uma relação de ordem lógica entre as normas primária e secundária e, nas palavras de LOURIVAL VILANOVA[58] “norma primária e norma secundária compõem a bimembridade da norma jurídica: a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a secundária sem a primária reduz-se a instrumento, meio, sem fim material, o adjetivo sem suporte do substantivo.”, disso, somos forçados a concluir que, no direito, não há como conceber norma sem sanção.


É de PAULO DE BARROS CARVALHO a seguinte lição, que corrobora nosso entendimento “o traço característico do direito é a coatividade, que é exercida, em último grau, pela execução forçada e pela restrição da liberdade”[59].


Concluímos assim, que a norma jurídica, apresentada em sua completude é formada por uma norma primária, (dispositiva ou sancionadora), ligada à uma norma secundária, que confere efetividade à primeira.


4. NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA – A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA
4.1. Noções
A regra-matriz de incidência tributária é norma jurídico-tributária voltada à prescrição de condutas[60], que traz em seu bojo todos os elementos necessários à incidência tributária. É, portanto, norma jurídica em sentido estrito, obtida da interpretação sistêmica do direito positivo, guardando, na maior parte das vezes conceitos de textos das mais diversas áreas de atuação jurídica. Justificando a denominação que se dá ao termo AURORA TOMAZINI DE CARVALHO elucida


Na expressão “regra-matriz de incidência” emprega-se o termo “regra” como sinônimo de norma jurídica, porque trata-se de uma construção do intérprete, alcançada a partir do contato com os textos legislados. O termo “matriz” é utilizado para significar que tal construção serve como modelo padrão sintático-semântico na produção da linguagem jurídica concreta.[61]


O método de interpretação do direito positivo pela regra-matriz de incidência conduz o intérprete por um caminho seguro, já que rigorosamente elaborado. Isso porque, a regra-matriz permite não só conhecer a norma tributária sob o aspecto sintático, próprio dos elementos do sistema normativo, mas também ingressar em seu conteúdo e na forma como se comportam seus destinatários.


A regra-matriz de incidência tributária estabelece os elementos que nos permite caracterizar um evento de possível ocorrência no mundo fenomênico, capaz de concretizar-se no fato jurídico tributário, bem como os elementos da relação jurídica que instalar-se-á quando da concretização do fato. Nesse sentido, descreve abstratamente o evento social, bem como as coordenadas de tempo e espaço em que sua ocorrência produzirá, se vertida em linguagem competente produzirá os efeitos jurídicos, bem como estabelece os possíveis sujeitos dessa relação, os elementos que nos permite determinar a base de cálculo da exação, bem como a alíquota.


É nesse sentido o posicionamento de MARIA RITA FERRAGUT, ao traçar o paralelo entre a norma jurídica e a regra-matriz de incidência tributária, afirma:


“difere das demais normas existentes no direito positivo apenas em virtude de seu conteúdo, que descreve um fato típico tributário e prescreve a relação obrigacional que se estabelece entre os sujeitos ativo e passivo, tendo por objeto o pagamento de uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, não decorrente de ato ilícito (tributo).”[62]


A validade da norma é garantida mesmo antes de propagar seus efeitos e, ainda que não ocorram permanecerá com sua validade inatingida, visto que é aferida pelo procedimento de criação da norma (processo legislativo correspondente e pessoa/órgão juridicamente autorizado) e não pelo seu cumprimento.


Sobre a validade, segundo as lições de LOURIVAL VILANOVA, “a hipótese da proposição normativa do Direito tem um valer específico: vale, tem validade jurídica, foi porta consoante processo previsto no interior do sistema jurídico”[63]. Assim, podemos afirmar que válidas são as proposições jurídicas inseridas no sistema mediante procedimento previsto e pessoa (ou órgão) devidamente autorizada.


Fosse de outra forma, toda vez que descumprida norma jurídica primária teríamos não o pressuposto de instalação de relação jurídica processual – a norma jurídica secundária -, mas a retirada das duas normas do sistema.


4.2. Estrutura


Deixando de lado o aspecto semântico da norma jurídica nominada de regra-matriz de incidência, temos também outro viés para estudá-la: considerando-a não como norma jurídica em sentido estrito, ou seja, sendo o conteúdo de significação com sentido deôntico completo, mas como sendo a forma lógica, estruturada com critérios componentes de seu antecedente e de seu consequente, vazios de conteúdo semântico.


Como qualquer outra norma jurídica, a norma tributária padrão, tem sua sintaxe homogênea e sua semântica heterogênea, com a limitação de ser referente ao campo de atuação tributária, para ser considerada como tal. Disso decorre a conclusão que a regra-matriz se apresenta logicamente, isto é, sua forma é composta por uma proposição antecedente, também chamada de hipótese, prótase ou descritor e outra de consequente, apódose ou prescritor.


A hipótese se configura como sendo a descrição abstrata de uma situação possível do mundo social, que seja composta pelos critérios material, temporal e espacial que, ocorrendo na forma prevista, terá o condão de fazer nascer uma relação jurídica, na forma expressa no consequente.


O consequente, por sua vez, se constitui de dois critérios: o pessoal e o quantitativo, compondo relação jurídica, modalizada como obrigatória, proibida ou permitida, entre dois ou mais sujeitos.


PAULO DE BARROS CARVALHO elucida


“à prótase designaremos de suposto ou hipótese, que pode ser conceituada como o conjunto de critério para a identificação de fato que, acontecido, determina a incidência de certa consequência prevista na “apódose”. Esta, por sua vez, é o conjunto de critérios para a determinação de certa consequência, imputada à realização do fato previsto na “prótase”.[64]


Logicamente, podemos estruturar a regra-matriz de incidência da seguinte forma:


RMIT = [Cm (v.c) . Ct . Ce] à [Cp (Sa . Sp) . Cq (Bc . Al)]


Salutar se faz apresentar os referidos aspectos da norma de incidência tributária, que serão explicitados nos itens subseqüentes.


4.2.1. Aspectos formadores do antecedente


A hipótese de incidência da regra-matriz tributária comporta descrições de ação (critério material), tempo (critério temporal), e espaço (critério espacial), delimitando, através da escolha desses caracteres, o campo da exação tributária. É o antecedente, portanto, o responsável pelo recorte da realidade social que será submetido à normatividade jurídica.


4.2.1.1. Critério material


Corroborando o exposto no presente trabalho, ao direito somente importam as situações sociais, ou seja, aquelas criadas pela ação ou omissão de um indivíduo. Com as normas jurídico-tributárias não poderia ser diferente. O antecedente da regra-matriz de incidência é composto, inicialmente, pelo critério material, que faz referência ao comportamento de pessoas.


A estrutura do critério material se mostra sempre da mesma forma: um verbo pessoal acompanhado de um complemento, que apresente signos presuntivos de riqueza. Faz, portanto, referência a determinado comportamento de pessoa, seja ela física ou jurídica, que ocorrido, dará ensejo à criação do fato jurídico tributário.


Como destacado, mostra-se imprescindível que o verbo componente do critério material seja sempre pessoal, pois os demais (os impessoais) estão fora da operatividade do direito. Ainda em relação ao verbo, imperativo que se trate de um verbo de predicação incompleta, necessitando de complemento.


É nessa linha a posição de PAULO DE BARROS CARVALHO, ao afirmar que o antecedente da norma padrão deve conter “um verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento”[65].


4.2.1.2. Critério temporal


O segundo critério componente do antecedente da regra-matriz é aquele que faz referência ao tempo que o legislador recortou para considerar realizado o ato praticado no critério material. É o instante exato em que se reputa ocorrido o evento tributário, para que se possa falar em incidência normativa.


Com base na variação posta pelo legislador, na elaboração do critério temporal da hipótese, que fornece elementos que permitem identificar a condição que atua sobre determinado evento, subordinando-o no tempo, a doutrina construiu a classificação do critério temporal[66] em instantâneos, continuados e complexivos.


Nesse contexto, os acontecimentos previstos no critério material seriam instantâneos quando sua ocorrência se esgotasse numa determinada unidade de tempo, ensejando, cada ocorrência, uma nova relação jurídica, uma nova e autônoma obrigação tributária. Os continuados abrangeriam os fatos que constituíssem situações duradouras que se prolongassem no tempo, ao passo que os complexivos englobariam os fatos cujo processo de formação se desse com o decurso de unidades sucessivas de tempo, de forma que, pela integração de vários fatores, surgiria o fato final.


A crítica à classificação, iniciou-se com a busca do sentido da palavra complexivo, cuja conclusão foi de sua inexistência no português, pelo que, de logo, deveria ser repelido. Entretanto, as críticas não pararam por aí. Os chamados fatos complexivos, se separados os seus componentes, são incapazes de gerar o nascimento da relação jurídica tributária, de forma que só gerará os efeitos previstos no conseqüente, no momento em que todos os fatos estiverem concretizados e relatados em linguagem competente, o que somente acontece num determinado e único momento. Antes desse momento, não existe o fato e, portanto, não há o que se falar em relação jurídica tributária.


Mesmo porque, todo evento, seja político, social, jurídico, ou qualquer outro, ocorre, necessariamente, em condições delimitadas de espaço e de tempo. Por essas razões, não obstante o esforço da mais abalizada doutrina do Direito Tributário, em construir uma classificação com base na variação do critério temporal da hipótese tributária, não podemos admitir a existência dos fatos continuados e complexos, sendo todos os fatos jurídicos tributários instantâneos, na medida em que se dão por ocorridos num único marco de tempo, antes do qual, embora tenha se dado o início da ocorrência do evento social, não há o que se falar em produção de efeitos correspondentes e conseqüente nascimento da relação jurídica tributária, eis que ainda não existe o chamado fato jurídico tributário.


PAULO DE BARROS CARVALHO[67] faz uma distinção entre fatos simples e fatos complexos que não é feita com base nesses mesmos critérios: para ele, os fatos simples seriam aqueles apresentados por enunciados simples, enquanto os fatos complexos são aqueles representados por enunciados moleculares.


4.1.2.3. Critério espacial


Encerrando os critérios formadores da hipótese normativa tributária, imprescindível se mostra a presença do critério espacial, delimitando em qual local o evento tributário deve ocorrer para que seja considerado tributável. O mencionado critério é definido por PAULO DE BARROS CARVALHO como sendo “o plexo de indicações, mesmo tácitas e latentes, que cumprem o objetivo de assinalar o lugar preciso em que a ação há de acontecer.”[68]


Três são as possibilidades de determinação do aspecto espacial da norma tributária, classificadas em virtude do seu grau de elaboração[69]:


(i) quando há previsão específica do local onde se reputa ocorrido o acontecimento. É o caso do ISS que determina o local da prestação do serviço como sendo o seu critério espacial;


(ii) hipótese em que há delimitação das áreas geográficas onde se considera integrante da incidência normativa. No IPTU e no ITR a determinação de sua incidência ocorre de acordo com as regras desse critério, em virtude de o legislador estabelecer os elementos para que se considere uma área como urbana ou rural e, nesses intervalos, estarão as propriedades sujeitas à incidência de um ou outro tributo; e


(iii) se o critério espacial da norma coincidir sua vigência territorial, que é o caso do IPI e o ICMS, um de abrangência federal e o outro estadual, não estipula “recortes” nessas áreas, estando todo o território de sua vigência, sujeito à exação.


Muito embora por vezes coincidam, o critério espacial e o campo de eficácia da lei tributária – vigência territorial da lei – são entidades nitidamente distintas. O critério espacial especifica os locais em que a prática do evento previsto no critério material, segundo as condições de tempo estabelecidas no critério temporal, dará ensejo ao desencadeamento dos efeitos prescritos no conseqüente da regra-matriz de incidência tributária, com o surgimento da correspondente relação jurídica tributária.


De outra sorte, a vigência territorial da lei tem relação íntima com o campo de atuação dessa lei, que, no caso de leis estaduais, corresponderá aos limites territoriais do Estado que instituiu a lei. Isso não significa, por outro lado, que a lei fará desencadear os efeitos que prescreve em todos os locais do território do Estado sobre o qual ela é aplicável, mas tão somente nos locais indicados pelo critério espacial da hipótese tributária.


4.2.2. Consequente e seus critérios


O consequente normativo traz a previsão da relação entre dois sujeitos distintos, ligados em virtude de uma conduta que deles se espera. Novamente imperiosos são os ensinamentos de PAULO DE BARROS CARVALHO


“se é correto afirmar-se que as hipóteses tributárias são conjuntos de critérios que nos permitem reconhecer eventos acontecidos no plano da realidade física, não menos exato dizer-se que a consequência que lhes é imputada, mediante cópula deôntica, consistem igualmente, numa conjugação de critérios que tem por escopo dar-nos a identificar um vínculo jurídico que regerá comportamentos humanos.”[70]


Relação é a situação em que se encontram dois ou mais termos. Pode ser uma relação predicativa de atribuição de propriedade a um indivíduo, ou a maneira em que estão vinculados dois ou mais indivíduos[71]. No que concerne ao campo de atuação do direito, alguns traços característicos podem ser definidos sobre as relações jurídicas, que sempre serão: (i) irreflexiva: em virtude da necessidade de haver ao menos dois sujeitos de direito em relação, já que é uma qualidade das normas jurídicas as relações intersubjetivas. A reflexividade na relação jurídica implica sua extinção, pela chamada “confusão”; (ii) assimétrica: pois pressupõe a presença, em uma relação, de direitos subjetivos e deveres correlatos e, se houvesse uma simetria desses direitos e deveres a relação estaria extinta, pelo que se chama no direito de compensação; e (iii) semi-transitivas: não é regra que as relações jurídicas são transitivas, ou estejam impedidas de sê-lo. Nesse caso, pode ocorrem que duas relações entre os elementos x e y e, y e z, impliquem uma terceira relação entre x e z.


4.2.2.1. Critério pessoal


O critério pessoal garante o caráter intersubjetivo do direito, determinando os sujeitos que irão compor o vínculo tributário, nos pólos ativo e passivo. Tem-se por sujeito passivo o indivíduo que se encontra na relação jurídica por ter o dever de cumprir o preceituado na regra-matriz de recolher aos cofres públicos certa quantia em dinheiro, a título de tributo[72].


Em contrapartida, ocupa a posição de sujeito ativo da relação jurídica tributária as pessoas políticas de direito público ou aquelas que a substituírem, no caso de capacidade ativa delegada, detentoras de um direito, que é o de ver satisfeito o crédito tributário.


Na maior parte das vezes, aquele que tem autorização para criar o tributo também se coloca na posição de credor da relação jurídica tributária. Ocorre, entretanto, duas exceções: (i) a pessoa que possui competência para instituir o tributo, determina que outro ocupe o papel de sujeito ativo, sendo responsável pela arrecadação e fiscalização do tributo, mas ao final tendo o dever de transferir o produto arrecadado ao ente político; e (ii) o ente que ocupa a posição de sujeito ativo também não é o mesmo que tem a competência, mas esse fica com o resultado dessa arrecadação – a essa situação se dá o nome de parafiscalidade.


4.2.2.2. Critério quantitativo


Nesse critério também haverá a presença de dois aspectos, cujo cálculo é a quantificação do montante da exação tributária, chamados de base de cálculo e alíquota.


O primeiro, chamado de base de cálculo, é o que estabelece o montante a que faz referência o tributo. Tem correlação direta com a hipótese de incidência, sendo norteadora do tipo tributário. É mediante a verificação do binômio hipótese de incidência/base de cálculo que se pode compreender em que espécie tributária a norma se enquadra.


Três são as funções da base de cálculo, conforme ensina PAULO DE BARROS CARVALHO: “a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.”[73]


Como se pode notar, é sobremaneira importante o papel da base de cálculo na composição do tributo, sem contar a necessidade da sua análise em conjunto com o critério material, para que se possa identificar a qual espécie tributária se refere o tributo. Essa conclusão é obtida em virtude de cada um desses critérios ser o núcleo da regra-matriz, sendo o critério material no antecedente, estabelecendo quais as condutas tipificadas na norma como ensejadoras da relação jurídica e a base de cálculo no consequente, mensurando a exação tributária, posta pelo comportamento estabelecido no critério material.


Ocorre, todavia, que no que se refere à mensuração da obrigação tributária, a base de cálculo também não atua sozinha. A ela é unida a alíquota, que comumente se apresentam como uma unidade de medida, que multiplicada pela base de cálculo confere o montante a ser recolhido aos cofres públicos, a título de tributo.


CONCLUSÃO


Qualquer estudo que se pretenda científico precisa esclarecer suas premissas determinadas pelo corte metodológico que realiza do objeto e do método que se utiliza para aproximar-se dele.


O método hermenêutico-analítico pareceu-nos o melhor caminho para percorrer o estudo da norma jurídica tributária. Primeiro por permitir que o recorte do nosso objeto de estudo e, depois, por ser preciso nos três aspectos da linguagem do direito: o sintático, que analisa formalmente tanto a estrutura do sistema do direito positivo, como forma máxima, quanto o seu elemento, conhecido com norma jurídica, no semântico, precisando quais conteúdos são aceitos para preenchimento de seus critérios e, por último por estabelecer a forma como se comportam seus destinatários, no campo pragmático.


Não podemos deixar de atribuir ao método hermenêutico-analítico o mérito do resultado da interpretação dos textos positivados, visto que somente por intermédio da interpretação que se pode construir o sentido e alcance das normas jurídicas.


O direito é uma construção do homem, objeto cultural, portanto, posto por vontade do legislador, que quer ver reguladas determinadas condutas intersubjetivas como obrigatórias, permitidas ou proibidas. É linguagem especialmente criada para tanto. Ocorre, que essa linguagem precisa se apresentar com determinada estrutura, para que seja considerada sistema. Parte daí a necessidade da em norma jurídica: não há como falar em direito sem norma jurídica.


Sob o prisma lógico a norma jurídica se apresenta como estrutura condicional, formada por um antecedente, que recorta a realidade social para formar-se, implicando um consequente, que é o estabelecimento de uma relação jurídica, unidos pelo dever jurídico de um e respectivo direito de outro, em torno de um mesmo objeto. Eis a norma primária.


O que diferencia o direito dos demais sistemas normativos é a presença de sanção. Não falamos aqui de sanção intrasubjetiva, mas daquela realizada intersubjetivamente, com a interferência do Estado-Juiz, prevista na norma secundária.


Aproximando tais conceitos do direito tributário, a norma jurídica também tem um modo peculiar de ser estruturada. Traz em seu antecedente a descrição de uma situação (critério material), que se equipara ao comportamento de uma pessoa, seja ela física ou jurídica, em um determinado local (critério espacial), levando em conta um certo marco de tempo (critério temporal) que, em ocorrendo, dará ensejo ao consequente dessa norma, que é o estabelecimento de uma relação jurídica obrigacional, visto que sempre terá por objeto uma prestação em dinheiro, entre dois sujeitos (critério pessoal), onde um sujeito terá o dever de entregar ao outro certa quantia em dinheiro, calculada mediante uma operação aritmética entre base de cálculo e alíquota (critério quantitativo).


 


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Notas:

[1] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 20

[2] Idem, p. 30

[3] La filosofía actual, 1999. Argentina: Paidós, p. 30

[4] Diccionario Espasa de Filosofia, verbete constructivismo, p. 109

[5] Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 83

[6] Idem, p. 13

[7] A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 8

[8] BRASIL. Constituição da República de 1988. Art. 5º, XXXIX.

[9] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 14 e ss.

[10] Idem, p. 17

[11] Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 3ª edição. São Paulo: Noeses, 2005, p. 27 e ss

[12] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 68

[13] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 68

[14] Idem, p. 69

[15] Curso de Direito Tributário. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 101

[16] Neste sentido lecionam Paulo de Barros Carvalho in Direito Tributário Linguagem e Método e Aurora Tomazini de Carvalho in Curso de Teoria Geral do Direito – Constructivismo Lógico-Semântico.

[17] Fontes do direito tributário. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2006, p. 2

[18] Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo, obra inédita, 2008, p.93

[19] Lições retiradas da obra de Clarice Araújo (Incidência jurídica: teoria e crítica, item 2)

[20] Idem, p. 117

[21] Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, passim

[22] Idem, p. 30.

[23] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 164

[24] Introdução à Sociologia Geral. 14ª edição. Campinas: Bookseller, p. 41

[25] Idem, ibidem.

[26] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 4

[27] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 180.

[28] O percurso gerador de sentido é construção de Paulo de Barros Carvalho exposta na obra “Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 6ª edição. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 66 e ss.

[29] Incidência jurídica: teoria e crítica. São Paulo, obra inédita, 2008, p. 89

[30] Direito tributário – Linguagem e método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008. p. 14

[31] “Planejamento tributário e Estado de Direito: fraude à lei, reconstruindo conceitos” in Interpretação e Estado de Direito. São Paulo: Noeses, 2006, p. 237.

[32] Fontes do direito tributário. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2006, p. 3

[33] Curso de direito tributário.19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 269

[34] Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 127

[35] Competência tributária. São Paulo: Noeses, 2009, p. 120

[36] Teoria da Norma Tributária. 5ª edição. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 32

[37] Teoria pura do direito. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2ª edição, 1987, p. 34

[38] Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 75

[39] Tratamos aqui como puramente natural as situações que não dependem da atuação humana e, que em nada atingem qualquer membro da sociedade (p. ex. uma chuva no oceano ou na mata, que não destrói uma casa sequer)

[40] A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 42

[41] Curso de direito tributário.19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 2

[42] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 15

[43] Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 308

[44] Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 6ª edição. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 19

[45] Idem, p. 70

[46] Teoria da Norma Tributária. 5ª edição. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 58

[47] Contribuições para a Seguridade Social da Social à Luz da Constituição Federal. Curitiba: Juruá, p. 37

[48] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 137

[49] Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 3ª edição. São Paulo: Noeses, 2005, p 201

[50] Contribuições para a Seguridade Social da Social à Luz da Constituição Federal. Curitiba: Juruá, p. 45

[51] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 84.

[52] idem, p 128.

[53] Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 109

[54] Teoria da Norma Tributária. 5ª edição. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 55

[55] Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. “Varia tão-somente o lado semântico, porque na norma secundária o antecedente aponta, necessariamente, para um comportamento violador de dever previsto na tese de norma primária, ao passo que o consequente prescreve relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado, exercitando sua função jurisdicional, passa a ocupar a posição de sujeito passivo”. In Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 138

[56] Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 6ª edição. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 34

[57] Direito penal tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 72

[58] Causalidade e relação no direito. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 190

[59] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 755

[60] Tomando aqui por classificação das espécies normativas em: (i) de conduta, que são aquelas voltadas expressamente a regular as relações intersubjetivas; e (ii) de estrutura, cujo conjunto se forma pelas normas que fazem referência à forma, limites e órgão competente para a criação de outras normas.

[61] Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 362

[62] Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2009, p. 25

[63] Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 3ª edição. São Paulo: Noeses, 2005, p. 92

[64] Teoria da Norma Tributária. 5ª edição. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 51

[65] Curso de direito tributário.19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 287

[66] Utilizamos aqui o termo “critério temporal” no lugar de fato gerador em virtude de não entendermos ser esse o termo mais preciso para um trabalho científico Vários são os motivos de se afirmar o problema no uso da expressão “fato gerador”. A primeira está ligada à concreção da linguagem que a expressão se refere – das normas gerais e abstratas e também das individuais e concretas. Fato gerador é comumente utilizado nos textos de direito positivo (nas leis em acepção mais lata), ocupando o posto antecedente da norma geral e abstrata, como sinônimo de hipótese tributária. Ocorre, que comumente também é enquadrado como o fato jurídico tributário, antecedente da norma individual e concreta. Nesse sentido são as palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO: “as citadas elocuções foram-se radicando, com maior ou menor intensidade, mas invariavelmente acompanhadas de um vício muito grave, qual seja a de aludirem, a um só tempo, a duas realidades essencialmente distintas: a) a descrição legislativa do fato que faz nascer a relação jurídica tributária; e b) o próprio acontecimento relatado no antecedente da norma individual e concreta do ato de aplicação” in Curso de direito tributário.19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 274.Eis o primeiro equívoco. O segundo equívoco está em relacionar a expressão “fato gerador” ao critério temporal da regar-matriz de incidência de um tributo. O legislador, repetidas vezes, funde os critérios material e temporal da regra-matriz, desconfigurando a estrutura padrão. Exemplo disso, é o artigo do CTN, que trata do imposto de importação, como se pode ver pela transcrição, in verbis: “Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.”

Como se pode notar, o legislador se utiliza do termo “fato gerador” para referir-se ao momento em que a importação se considera concretizada. Ainda podemos fazer referência a um terceiro problema no uso da expressão, no que se refere às normas gerais e abstratas. Sabemos que as normas gerais e abstratas tem sua projeção para o futuro. O direito persegue a realidade. Trazem, portanto, a descrição de uma situação em seu antecedente, que se projeta para o futuro e, se ocorrida ensejará a construção de outra norma, só que agora concreta, que essa sim fará referência a uma situação passada, por isso chamada de concreta.

 Desse modo, a palavra “fato” não se coaduna com a estrutura da norma abstrata, pois se trata de um verbo que se refere a uma conduta passada, já que vem do verbo fazer, conjugada no tempo particípio passado, e não com o futuro, próprio da forma referida forma normativa. E, na sequência dos equívocos, o verbo não combina ainda com a expressão “gerador”, que faz com que possamos supor que há uma cronologia entre o antecedente e o consequente da norma, o que sabemos não é verdadeiro. A relação existente entre essas proposições é lógica e nunca cronológica. Neste sentido, assevera CLARICE VON OERTZEN DE ARAÚJO: “ o fato não é gerador, mas é justamente o contrário: por seu uma elaboração lingüística, o fato é gerado. Em sua geração concorrem dois substratos de linguagem: a linguagem imperativa e conotatiuva do Direito Positivo, e a linguagem social, em sua função referencial ou denotativa, que representa e constitui, desde que em conformidade com as normas jurídicas, as características relevantes do evento para os fins da incidência tributária” in Fato e evento – uma análise semiótica in Curso de Especialização em Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, p. 355

[67] Curso de direito tributário.19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 282 e ss

[68] Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 149

[69] Nesse sentido estão os textos de PAULO DE BARROS CARVALHO: “Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.” in Curso de direito tributário.19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 290 e 291, e AURORA TOMAZINI DE CARVALHO: “podemos dividir o critério espacial em: (i) pontual – quando faz menção a determinado local para a ocorrência do fato; (ii) regional – quando alude a áreas específicas…; (iii) territorial – bem genérico…” in Curso de teoria geral do direito. O constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 374 e 375.

[70] Teoria da Norma Tributária. 5ª edição. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 150

[71] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 99

[72] Por não ser objeto deste trabalho, não adentraremos na possível distinção entre sujeito passivo da obrigação tributária e contribuinte. Neste sentido (o da distinção) é o posicionamento de MARIA RITA FERRAGUT: “sujeito passivo é aquele que figura no pólo passivo da relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal” in  Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2009, p. 29

[73] Curso de direito tributário.19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 361


Informações Sobre o Autor

Cecilia Priscila de Souza

Especialista em Direito Tributário pelo IBET, Mestranda PUC/SP.


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