O federalismo: conceito e características

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Resumo: O trabalho tem como objetivo analisar o Sistema Federativo Brasileiro, tendo como foco central a faceta fiscal do Estado Federal.

Sumário: 1. Introdução, 2. O Federalismo Brasileiro, 2.1 Perspectiva histórica do federalismo brasileiro; 2.2 A Constituição da República de 1988 e a Federação Brasileira na atualidade

1. Introdução

O pacto federativo pode ser definido como a União dos entes federados dotados de autonomia e submetidos ao poder central soberano. Nesse sistema, os entes federados aliam-se em comum acordo para criar um governo central, que absorverá algumas prerrogativas que competiam às unidades constitutivas. Via de regra, as unidades subnacionais perdem atribuições para a política externa, defesa do país, à moeda, aos serviços de correios e telecomunicações, bem como as esferas do Direito Penal e Civil. (HOFFE, 2005, pag. 164). Portanto, os membros da Federação passam a se submeter a uma regra majoritária, instaurando, sobretudo, um Legislativo comum, um Judiciário federal comum e um Executivo federal. 

O Federalismo é uma forma de organização de Estado em que os entes federados são dotados de autonomia administrativa, política, tributária e financeira necessárias para manter o equilíbrio que se estabelece entre eles para a constituição do Estado Federal (OLIVEIRA, apud ARRETCHE, MARTHA, 2005). Por tratar-se de um “acordo” entre os entes federados – pacto federativo -, há a implicação de reciprocidade e cooperação entre os envolvidos, governo central e governos subnacionais locais.

Sobre o tema dispõe Soares:

“O contrato federal significa o acordo entre as diversas comunidades territoriais para a formação de uma comunidade política mais ampla. Tal contrato só é possível se houver o interesse compartilhado de pertencer a uma comunidade mais ampla. O contrato significa: 1) que as comunidades transferem parte dos seus poderes para um centro político nacional, 2) que há consenso das partes envolvidas em torno das políticas que estabelecerão a comunidade política – o que significa delimitar o campo de ação de cada esfera de governo e (4) que há garantia constitucional e institucional de autonomia para cada ente federativo, o que significa autonomia para constituir seus governos” (SOARES, 1997, p.42)

O equilíbrio federal tratado acima é estabelecido entre as esferas de poder – governo central e governos constituintes -, o que significa que nenhuma das esferas de poder da estrutura federal deve sobrepor-se à outra. Nesse sistema coexistem uma esfera Nacional, representando a União, enquanto ente federado, e outras esferas subnacionais descentralizadas, representando os estados-federados, cujo poder político é exercido de forma autônoma, respeitando os limites constitucionais estabelecidos em âmbito federal. É importante destacar que, essas duas esferas autônomas têm poderes únicos e concorrentes para governarem sobre o mesmo território e as mesmas pessoas. Dessa forma, o sistema federativo tem a capacidade de acomodar e reconciliar a competição e, algumas vezes, o conflito em torno de diversidades existentes entre os entes federados com relevância política dentro do Estado.

Desse modo, garantir a manutenção do sistema federal é garantir a dupla autonomia das esferas territoriais de poder num sistema de pesos e contrapesos, estabelecendo um equilíbrio político-institucional (checks and balances) entre as forças políticas atuantes na sociedade. Essas forças políticas podem ser identificadas como forças centrífugas e centrípetas. As forças centrífugas defendem a existência de um Estado Unitário com amplos poderes. As forças centrípetas, por sua vez, respondem pela autonomia das subunidades federais freando as forças centrípetas. O Estado Federal busca, portanto, equilibrar essas forças que atuam em sentidos opostos.

Na federação o Estado-Membro possui autonomia, entretanto, falta-lhe soberania e representação na ordem internacional, cabendo à União representar a nação enquanto totalidade.

 Quanto ao regime político do Estado Federal, é importante ressaltar que há uma incompatibilidade entre o regime autoritário e o federalismo. O regime autoritário não respeita a pluralidade de interesses. Esse regime é marcado pela coerção que se dirige ao esmagamento de conflitos sociais e alto grau de centralização do poder. A formação de pactos federais, por sua vez, representa uma resposta democrática à esses conflitos, através de mecanismos institucionais que possibilitam o debate entre diversos grupos de interesses segundo um regime democrático.

Nesse sentido Soares afirma que:

“A federação é, portanto, a negação, no nível das relações territoriais de poder, do autoritarismo. É difícil imaginar, e a história ratifica isto, que um regime autoritário possa conviver com este "desvio" democrático. Assim, todo regime político autoritário redunda numa estrutura unitária de organização do Estado, visto que estes regimes se caracterizam por um alto grau de centralização do poder, que envolve também a dimensão territorial. (…) O que estamos defendendo é que a natureza do regime autoritário é incompatível com o sistema federal”. (SOARES, 1997, p.40)

Sendo a democracia um regime que busca dar expressão à pluralidade de grupos de interesses através da participação política e apresenta um aparato constitucional e institucional que estabelece as regras legítimas para expressão desses interesses, a federação é a resposta democrática para a existência de diversos entes federados marcados por pluralidades territoriais e interesses diversos, sem o uso da coerção física (SOARES, 1997).  Assim, no regime atual, o Estado Democrático de Direito, há garantias constitucionais e institucionais de manutenção do pacto federativo, estabelecendo um sistema de pesos e contrapesos que sustentam tanto a autonomia do centro político como a autonomia dos demais entes federados. 

Segundo Soares (1997), para a criação do sistema federal, é essencial a formulação de uma Constituição responsável pela garantia de certa autonomia às comunidades territoriais e delimitação do exercício do poder. E, como tal, é fundamental para esse sistema, uma vez que incorpora as regras que dizem respeito às relações territoriais de poder: distribuições de competências administrativas e de recursos fiscais, instituições federais, representação federal, relações intergovernamentais e etc.

Segundo Elazar (1994, p.12) esse documento (CR/88) corporifica regras fundamentais e a repartição interna de poderes estabelecidas no pacto federativo firmado e fornece às partes envolvidas um entendimento comum sobre o sistema Federal adotado. É ela que delimita a atuação e os espaços de poder entre os dois governos no mesmo território, buscando eliminar a possibilidade de concorrência entre os entes federados para administração do mesmo territorio e evitar que os interesses locais ou regionais se sobreponham aos interesses nacionais. (FREIRE, 2007). Em outras palavras, o auto-governo, a autonomia e a capacidade de auto-organização garantida aos entes federados devem respeitar os limites estabelecidos na Carta Política.

Pode-se concluir que, são pressupostos do federalismo: existência de uma Constituição Federal; igualdade entre os entes federados; repartição, pelo texto Constitucional, de competências (federais, estaduais e municipais); existência de um poder fiscalizador do cumprimento da Constituição; garantia da integridade dos entes, -que tem sua autonomia assegurada através da descentralização política e repartição de competências -; impossibilidade de usurpação de competências locais, isto é, o legislador federal não está autorizado a legislar sobre matérias cuja competência seja estadual e vice-versa; e, por fim, tem-se o princípio da cooperação, que deriva do pacto firmado entre os entes.

2. O Federalismo Brasileiro – Origem

O processo de formação da federação Brasileira não se assemelha ao processo que impulsionou a constituição da federação norte-americana. A origem do federalismo nos EUA em 1787 foi motivada por intenções expansionistas, ameaças, por defesa militar ou diplomacia.

As treze colônias inglesas que constituíram os EUA, dotadas de autonomia no período colonial (forte identidade territorial), com o objetivo de se livrarem do domínio colonial inglês, se uniram no processo de independência, culminando no surgimento da Confederação das 13 colônias da América em 1778 (ARRECTCHE, 2001). Contudo, com o fim da guerra, cada colônia foi transformada em república independente. Porém, a fragilidade de cada república frente às ameaças externas, interesse econômicos, e a rivalidades entre as 13 novas repúblicas viabilizou a União e a formação da federação norte-americana.

 Segundo Arrecthe (2001, p. 25), nesse sistema, os governos locais fazem concessões ao poder central a fim de aumentar sua capacidade militar ou diplomática, estabelecendo um pacto constitucional entre os estados autônomos.

Soares afirma que:

“O que temos então neste período que vai de 1778 a 1787 é o confronto das forças centrípetas – cujos principais interesses eram: 1) fortalecimento militar através da união contra ameaças externas, 2) interesses econômicos num mercado amplo e 3) a pacificação entre as 13 colônias independentes – com as forças centrífugas, cujo interesse primordial era a manutenção do status quo das ex-colônias, o que em linhas gerais significa a manutenção daquele aparato regional (legislação, identidade, estrutura de poder etc.) que só a autonomia poderia propiciar”. (SOARES, 1997, p. 18)

No caso brasileiro, por sua vez, a federação nasceu da determinação do governo central, como resposta aos anseios das elites regionais que se sentiam tolhidas pelo centralismo monárquico. Entretanto, a despeito dessas diferenças, reproduziu-se parte da estrutura institucional do modelo adotado pelos EUA, uma formação implantada de cima para baixo – determinação do governo central –, com similar estrutura institucional: estados dotados de poderes Executivo, Legislativo e Judiciário próprios; representantes eleitos pelo voto; Constituições estaduais e etc. (FREIRE, 2007).

2.1 Perspectiva Histórica do Federalismo Brasileiro.

 A caracterização do Estado Federal esta intimamente ligada à formação histórica do sistema no país. No caso brasileiro, o federalismo como forma de Estado, foi criado em 1891, após a proclamação da República, por um decreto que colocou fim ao Estado Unitário e centralizado e permitiu a criação dos Estados Federados.

O período desde a Constituição de 1891 até a atual Constituição foi marcado por um ciclo que alternou fases de descentralização[1] e centralização do poder político, administrativo e fiscal. A organização do Estado em cada período dá ênfase maior ou menor à centralização, e daí resulta a estrutura organizacional do poder, revelando a forma de Estado adotada. Tal movimento pendular pode ser descrito através de uma análise histórica do Federalismo Brasileiro e pode ser explicado pelas variações de regime político.

Nos anos compreendidos entre 1891 a 1929, as fortes influências do espírito liberal, ligadas às idéias de descentralização e autonomia dos entes federados foram acolhidas pela Constituição Republicana de 1891, iniciando esse ciclo de oscilações (REZENDE, 2001). Portanto, nos primeiros anos da República a Federação brasileira foi altamente descentralizada em termos políticos e fiscais.

Nesse período, o governo central fraco era acompanhado por estados independentes fortes, com o poder de regular e tributar o comércio interno e externo. Alguns autores consideram que a "Federação" na Primeira República reforçou as hierarquias locais existentes, consolidando o poder das oligarquias. O poder político nacional estava concentrado em alguns poucos estados com destaque aos estados de Minas Gerais e São Paulo, levando a grande desigualdade e iniciando o processo de formação de coalizões de determinados estados contra outros estados.

O aumento do poder das oligarquias locais desencadeou revoltas intensas, devido ao descontentamento das oligarquias marginalizadas e os conflitos entre as elites regionais dominantes em torno das eleições presidenciais de 1930, dando margem para o início do período autoritário da Era Vargas (Estado Novo).

O período Vargas, apesar de manter formalmente o termo federativo, foi marcado por um processo altamente centralizador (redução de influências das oligarquias estaduais demonstram o movimento centralizador desse regime). Um ponto interessante a ser destacado em relação ao Estado Novo é que este eliminou a descentralização política, porém não reduziu, pelo contrário aumentou, a descentralização fiscal e administrativa (maior participação das esferas subnacionais nas receitas totais do governo). Nesse período, os estados passaram a representar na estrutura unitária de poder simples divisões administrativas (SOARES, 1997).

A duração continuada do regime no período 1930-1945 provocou o renascimento de idéias liberais, que visavam à descentralização federal. Dessa forma, o Governo Vargas foi sucedido por nova descentralização no período democrático de 1946-1964 marcado pelo enfraquecimento do poder central e pela autonomia subnacional, que perdurou até a instalação do Regime Militar. Dentre as mudanças evidenciadas, destacam-se a elevação das receitas dos municípios, restabelecimento das eleições para governadores e deputados estaduais, instituição da autonomia dos municípios e o inicio da formulação de um sistema de transferências intergovernamentais. Nesse período observa-se a preocupação com a redistribuição de recursos para regiões desfavorecidas, buscando redução da desigualdade inter-regional chamado federalismo cooperativo (FREIRE, 2007).

Segundo Freire:

“Com o fim da ditadura do Estado Novo, a democracia e o populismo foram restabelecidos. Os partidos se organizam, constituindo o sistema multipartidário. Uma nova Constituição é promulgada em 1946, primando pela extensão dos direitos da cidadania, pela moralização do processo eleitoral, pelo restabelecimento das eleições para governadores e deputados estaduais e pela instituição da autonomia dos municípios, com a permissão de eleições diretas para os cargos eletivos dessa esfera”. (FREIRE, 2007, p.13)

O processo de descentralização foi interrompido pelo golpe militar de 1964, que marca o inicio do período centralizador. A federação e democracia eram incompatíveis com o regime militar de 64 porque abria espaços para os adversários políticos do regime. Nesse período, ocorre a extinção dos partidos políticos (AI n º2), o fim da eleição popular para governadores (AI nº3). Além dessas mudanças, com o decreto AI-5 a autonomia fiscal dos entes federados foi reduzida, tornando-os dependentes das transferências provenientes da União. Durante esse período os poderes tributários do governo federal foram reforçados, ao mesmo tempo em que foi instituído um mecanismo de partilha da receita entre aqueles entes que possuíam base tributária estreita (REZENDE, 2001). Esses atos institucionalizaram o regime determinando a completa submissão dos governos subnacionais ao governo central.

Ao longo dos anos 80, inicia-se o processo de abertura política “lento e gradual”. O afrouxamento do regime militar, as tendências ligadas à abertura política e as tensões entre o federalismo e autoritarismo foram enfraquecendo o poder central, resultando na redemocratização. Nesse período os movimentos no sentido da descentralização fiscal e do enfraquecimento do poder central eram evidentes pela forte elevação das transferências de impostos federais em favor dos governos subnacionais (REZENDE, 2001).  Nesse contexto, cabe ressaltar que a Reforma de 1977 favoreceu os estados mais pobres elevando o número de representantes no Senado e elevando as transferências federais para regiões desfavorecidas. 

Essas tendências resultaram na redemocratização, tomando forma definitiva na nova Constituição de 1988. Nesse sentido “[…] a radical descentralização fiscal da Constituição de 1988 seria uma reação à centralização fiscal do regime militar.” (OLIVEIRA e outros, apud ARRETCHE, 2005, p. 71).

2.2 A Constituição da República de 1988 e a Federação Brasileira na atualidade.

A República Federativa do Brasil, consoante ressalta o art. 1°, caput, da Constituição da República de 1988 (CR/88), constitui-se em um Estado Democrático de Direito, formado pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, qualifica-se, portanto, como um Estado Federal. Tanto é assim, que a CR/88 proíbe emendas nas seguintes matérias, a teor do art. 60, § 4º, verbis: “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I- a forma federativa de Estado; […]”. (BRASIL, 2008, p. 53)

A Constituição da República de 1988 representa a culminância de um processo de abertura política. Esse processo restabeleceu a democracia e a organização federativa no Brasil. É através da adoção ao regime democrático, que prima pela convivência em uma sociedade livre, justa e solidária, que o Estado torna-se capaz de acolher e processar a pluralidade de interesses existentes na sociedade por meio da participação política.

É importante destacar que, foi a Constituição da República de 1988 que conferiu ao município status de ente federado. Nesse período, foram definidas regras para repartição de receitas tributárias e fortalecida a capacidade de tributação própria dos entes federados, com os municípios sendo os grandes beneficiados (FREIRE, 2007). A respeito da repartição de receitas discorre Dain:

“Entre 1988 e 1993 a receita de impostos disponível da União reduziu-se de 66% pra 58% da receita total. No mesmo período, permaneceu praticamente inalterada a participação dos estados na receita disponível (de 26% para 27%), contrastando com a elevação da receita própria e, sobretudo, das transferências da União e dos estados para os municípios, que resultaram em significativo aumento da disponibilidade de receita nessa esfera de governo (11% para 16%)”. (DAIN, 1995, p. 356)

Com a Constituição Federal 1988, a Federação foi redesenhada em benefício dos Estados e Municípios, esta tratou de restabelecer as condições políticas e mesmo econômicas de autonomia das unidades federadas. As porcentagens de impostos federais que compõem o FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) aumentaram consideravelmente. É importante destacar que, os critérios de distribuição de recursos fiscais e financeiros permitiu que regiões menos dinâmicas e pouco habitadas como os micro municípios disponham de receitas relativamente elevadas, enquanto os grandes municípios são contemplados com recursos insuficientes para atender à sua população (FREIRE, 2007). Tal situação incentivou o surgimento de um grande número de pequenos municípios.

Essa descentralização implicou também na redistribuição de recursos às regiões mais pobres (nas duas ultimas décadas, houve movimentos claros no sentido de redistribuição de receitas). Consoante essas mudanças, a Constituição de 1988 deu novo impulso ao desequilíbrio da representação política ao elevar a participação dos parlamentares das regiões menos desenvolvidas em detrimento das mais desenvolvidas.

A descentralização fiscal evidenciada deve ser tratada com maior atenção, pois possibilita uma análise dos aspectos de financiamento e gastos do governo em cada unidade subnacional. Nesse período, grande parte dos recursos fiscais foi redistribuída, contudo, as atribuições e encargos de cada esfera de governo não foram estabelecidas de maneira clara (SOUZA, 2006). Nesse sentido, alguns autores ressaltam que a Constituição de 1988 estabeleceu uma descentralização de receita, mas não ocorreu descentralização de encargos.

Sobre o assunto assevera Soares:

“Durante o regime militar houve um processo de centralização fiscal no qual a União, excluídas as transferências intergovernamentais, passou de uma participação líquida na receita total de 39,0% em 1965 para 50,5% em 1974.[2] A partir da década de 80, esse processo foi interrompido. Nesse período, estados e municípios passaram a pressionar por maiores recursos, houve uma descentralização significativa dos recursos fiscais da União sem uma correspondente descentralização das competências administrativas.” (SOARES, 1997, p. 123)

Nesse sentido dispõe Oliveira citado por Arretche:

“Assim embora tenha sido pensada para revitalizar a Federação, a descentralização de recursos a enfraqueceu, porque não foi acompanhada por uma distribuição também dos encargos entre os governos e de novos mecanismos de cooperação intergovernamentais, o que passou a condicionar a natureza de ajuste fiscal.” (ARRETCHE, 2005, p. 266)

O autor Figueiredo (2006, p.192) ressalta que nesse período, as receitas foram atribuídas aos governos subnacionais antes de haver-se decidido sobre a descentralização de encargos e as competências funcionais de cada esfera de governo.

Sobre o tema Rezende discorre: “A autonomia financeira pleiteada foi a autonomia para gastar, não a competência de instituir os tributos necessários ao financiamento do gasto” (REZENDE, 1995, p. 43). Dessa forma, é possível concluir que a reforma tributária promovida pela CR/88 redefiniu as competências tributárias, mas de fato o anseio dos governos subnacionais era quanto à autonomia para gastar, algo que depende da definição das responsabilidades e atribuições conferidas a cada ente. Ou seja, paralelo à descentralização fiscal, era para ter se estruturado um “projeto” de descentralização de encargos e responsabilidades para os entes federados, mas, este não ocorreu.

O compartilhamento de receitas fiscais com os governos subnacionais, além de beneficiar as esferas estaduais e municipais, estrangulou o orçamento federal. Dado esse contexto de descentralização, a União passou a expandir cada vez mais sua receita através da instituição das contribuições sociais (competência do governo federal cuja receita não é compartilhada com os outros entes). As contribuições sociais surgem como mecanismo de financiamento dos direitos sociais, mas são utilizadas pela União como meio para cumprir suas responsabilidades (REZENDE, 1995). Ou seja, de mecanismos de financiamentos dos direitos sociais as contribuições sociais passam a representar a solução para o estrangulamento orçamentário da União provocado pela descentralização e aumento do repasse de receitas fiscais para os demais entes federados.

O autor Rezende (2004) entende o sistema instituído pela Constituição Federal como um regime fiscal duplo, que abarca as tendências descentralizadoras e ao mesmo tempo abre espaço para a criação de contribuições sociais, centralizando recursos em poder da União. (REZENDE; AFONSO, 2002).

Desse modo, a União manteve o gasto público federal em níveis elevados no período pós-88 para amenizar o impacto da reforma tributária, interrompendo a tendência à descentralização.

Nesse período, a capacidade real dos governos de exercer plenamente sua autonomia fiscal sofreu restrições devido à pressão de ajustar a economia e estabilizar a moeda. Nesse sentido, foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo objetivo era garantir disciplina fiscal em todos os níveis do governo. Ou seja, a Constituição apontava para uma maior descentralização, contudo, as restrições orçamentárias afetavam a autonomia dos entes federados (REZENDE, 2001).

Alem dessas medidas, a partir da segunda metade da década de 90, alterações na legislação tributária federal aumentaram a participação da União na divisão da arrecadação, privilegiando a cobrança de tributos não partilhados e reduzindo a autonomia dos Estados[3].

Mais recentemente, o Governo Central adotou medidas para ampliar ainda mais sua receita. Em 1994 foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), em caráter provisório, e foi sendo prorrogado ao longo dos anos. A criação desse fundo ocasionou cortes no repasse de recursos para os fundos de participação dos estados (FPE) e municípios (FPM)[4]. Atualmente, com a criação da Emenda Constitucional n.º 27 de 21.03.2000, o Fundo Social de Emergência foi substituído pela Desvinculação de Receitas da União (DRU). Nesse período também foi criado o CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mais um imposto federal, hoje extinto, aumentando a arrecadação nas mãos da União.

Dada a concentração de recursos evidente, o mecanismo de cooperação – transferências intergovernamentais – próprio do modelo de descentralização de responsabilidades, ganhou importância dada a concentração da arrecadação de contribuições e da maior concentração de tributos nas mãos do governo federal evidenciado (Rezende, 2001). São as transferências intergovernamentais que possibilitam a correção desse desequilíbrio.

Segundo Afonso (2001), os efeitos das mudanças centralizadoras, que podem ser identificadas no aumento da arrecadação das contribuições pelo governo federal, foram mais do que compensados pelas transferências, seja através de convênios voluntários ou sob a forma de repasses regulares.

 Entretanto, para alguns autores, tal concentração de recursos nas mãos da União apresenta uma ameaça ao pacto federativo, vez que a disponibilidade de recursos é fator que representa o grau de autonomia financeira do ente federado –Estados e Municípios. Portanto, na conjuntura atual, o federalismo brasileiro, que fortaleceu a autonomia fiscal dos estados e municípios na década de 80 – descentralização -, passa a concentrar novamente os recursos tributários nas mãos da União.

 

Referências
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Notas:
[1] A descentralização é freqüentemente concebida como a transferência de autoridade dos governos centrais para os governos locais, tomando-se como fixa a autoridade total dos governos sobre a sociedade e a economia.”(RODDEN, 2005 p.10) 

[2] De acordo com dados de Fabrício Augusto de Oliveira, "O Federalismo no Brasil: evolução e perspectivas", in Revista de Finanças Públicas, Brasília, 1980, p. 51.

[3] Durante a década de 1990, a necessidade de implantação de uma disciplina fiscal acarretou restrições a maiores despesas dessa forma, o poder e autonomia dos estados e municípios foi afetada.

[4] O Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) foram criados pela Constituição de 1988 e estabeleceram cotas de impostos federais a serem repassados aos estados e municípios.


Informações Sobre os Autores

Gabriela Costa Xavier

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro. Pós-graduação em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica PUC/MG em curso. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotada na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. Atualmente ocupa este cargo na Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo do Estado de Minas Gerais

Camila Costa Xavier

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Administrativo e Direito de Família. Advogada civilista


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