O processo administrativo fiscal e os princípios da verdade material e do livre convencimento motivado

Resumo: O artigo analisa a necessidade de se observar os princípios da verdade material e do livre convencimento motivado no Processo Administrativo Fiscal.


Palavras-chave: Direito Administrativo. Direito Tributário. Princípios.


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Abstract: The article analyzes the need of observance of the principles of the material truth and the free motivated convincement in the Administrative Tax Process.


Keywords: Administrative Law. Tax Law. Principles.


Sumário: 1. Introdução; 2.O Processo Administrativo Fiscal e o Conselho de Recursos Fiscais (CARF); 3. Os Princípios da Verdade Material e do Livre Convencimento Motivado no Processo Administrativo Fiscal; 4.Conclusão; Referências.


1. INTRODUÇÃO


A Constituição da República Federativa do Brasil tem como característica fundamental a tripartição dos Poderes. Tal traço foi consagrado pelo artigo 2º da Carta Magna:


“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”


É sobre os pilares das funções legislativa, administrativa e jurisdicional que se ergue e constrói o Estado democrático de Direito.


Apesar da referida divisão de Poderes, o poder estatal é uno e, portanto, inexiste uma divisão inflexível de atribuições entre os poderes, mas há, sim, uma relação de coordenação e harmonia, cada qual exercendo a sua função descrita pela Constituição Federal e exercendo influência sobre os demais, em um sistema de pesos e contrapesos.


A Constituição Federal traz as funções típicas de cada um dos Poderes, porém eles também exercem funções atípicas.


Dessa maneira, ainda que o Executivo esteja voltado ao exercício da função administrativa, é notório que desempenha atividades típicas dos demais poderes.


O Poder Executivo exerce atividade legislativa, por meio da edição de atos normativos, bem como uma atividade jurisdicional, materializada na apreciação de petições, defesas e recursos administrativos.


Através do processo administrativo, o Executivo exerce função judicante à similitude do Judiciário, embora dotada de características próprias, sobretudo em virtude da participação dual do ente público, como parte e órgão julgador.


No que tange à matéria tributária, o processo administrativo tem características ainda mais específicas, uma vez que não se submete somente aos princípios do Direito Administrativo e Processual, bem como aos que limitam o poder de tributar do Estado.


Nesse contexto, revela-se importante analisar a natureza das decisões proferidas no âmbito dos processos administrativos fiscais, indagando-se se existe a exigência de que obedeçam ao princípio da verdade material.


2. O PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL E O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS (CARF)


O processo administrativo é corolário do dever do Estado de cumprir a lei. A maior parte das vezes,é instaurado com o intuito de solucionar conflitos internos à própria Administração Pública, tendo como principal papel o autocontrole da legalidade dos atos administrativos, sendo indispensável para o exercício da função administrativa[1].


Assim, enquanto meio hábil para a solução de conflitos, o processo administrativo foi consagrado em plano constitucional, estando, inclusive, entre os direitos e garantias fundamentais, que assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF/88, art. 5o, inciso LV).


O processo administrativo, assim como o processo judicial, deve respeito ao devido processo legal, o qual assegura às partes envolvidas, a ciência bilateral dos atos processuais, bem como a oportunidade de defesa e manifestação em paridade de armas, e aos seus corolários, como a ampla defesa, o contraditório, a prévia determinação de competência (juízo natural) e o direito a uma decisão fundamentada, que ponha termo ao processo.


Por processo administrativo fiscal, objeto do presente estudo, entende-se aquele que se destina à determinação, exigência ou dispensa do crédito tributário, bem como à fixação do âmbito de incidência da norma de tributação no caso concreto, ou a imposição de penalidades aos administrados contribuintes.


Esclarece Hely Lopes Meirelles[2]:


“O conceito de processo administrativo tributário compreende todos os procedimentos fiscais próprios, ou seja, a atividade de controle (processo de lançamento e de consulta), de outorga (processo de isenção) e de punição (processos por infração fiscal), além dos processos impróprios, que são as simples autuações de expedientes que tramitam pelos órgãos tributantes e repartições arrecadadoras para notificação do contribuinte, cadastramento e outros atos complementares de interesse do Fisco.”


Ainda na seara dos conceitos, registre-se que para Hugo de Brito Machado[3], “em sentido amplo, tal expressão designa o conjunto de atos administrativos tendentes ao reconhecimento, pela autoridade competente, de uma situação jurídica pertinente à relação fisco-contribuinte. Em sentido estrito, a expressão “processo administrativo fiscal” designa a espécie do processo administrativo destinado à administração e exigência do crédito tributário”.


Qualquer que seja a definição adotada, tratam-se atos pré-ordenados que tem o objetivo de solucionar um conflito de interesses entre o Fisco e o contribuinte.


Importante frisar a particularidade do Processo Administrativo Fiscal, que é o fato do ente público participar do processo como parte e, ao mesmo tempo, como órgão decisório, destinado a decidir entre as  pretensões controvertidas em prol da satisfação do bem coletivo.


Logo, o objetivo do processo administrativo fiscal é solucionar uma lide entre a própria Administração Pública e um particular, na qual há divergência quanto à aplicação e/ou interpretação de uma norma de natureza tributária.


O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, nos termos de seu Regimento Interno, aprovado pela Portaria no 256, de 22 de junho de 2009, é órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda e tem por finalidade julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Foi instituído pela Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009, em substituição aos chamados Conselhos de Contribuintes.


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As decisões proferidas pelo CARF, ou pela autoridade hierárquica competente, são, por definição, de cunho administrativo, porquanto emanam da manifestação unilateral de vontade da Administração Pública visando a constituir, resguardar, conservar ou extinguir direitos, e impor obrigações a si própria ou a terceiros.


3. OS PRINCÍPIOS DA VERDADE MATERIAL E DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL


A Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos LV e LXXVIII assegura ao cidadão litigante, quer em processo judicial quer em processo administrativo, o contraditório e a ampla defesa e a razoável duração do processo.


Assim, percebe-se que a Carta Magna quis assegurar aos litigantes garantias semelhantes tanto no processo judicial quanto no administrativo. Apesar disso, não se pode dizer que não existam diferenças entre eles, um dos mais expressivos elementos diferenciadores resulta da jurisdição.


Diante disto, pode-se dizer, conforme destacado por CLEIDE PREVITALLI CAIS[4], que no processo administrativo a garantia de imparcialidade não é pressuposto de validade, pois o órgão julgador, imbuído de plenos poderes decisórios, é também parte do litígio.


Apesar disso, não se pode afastar, no processo administrativo fiscal, os diversos princípios informadores do processo judicial e garantias constitucionais do cidadão, entre eles os princípios da verdade material e do livre convencimento motivado do julgador.


No que tange à matéria tributária/fiscal, o processo administrativo é regulado pelo Decreto Federal nº 70.235 de 06.03.1972, e suas alterações posteriores.


O decreto que regula o Processo Administrativo Fiscal deixa claro, em seu artigo 29, que tal procedimento é informado pelos princípios da verdade material e do livre convencimento motivado do julgador. Veja-se:


“Art. 29. Na apreciação da prova, a autoridade julgadora formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias.”


Conforme lição de LEANDRO PAULSEN[5], o processo administrativo é regido pelo princípio da verdade material, segundo o qual a autoridade julgadora deverá buscar a realidade dos fatos, conforme ocorrida, e para tal, ao formar sua livre convicção na apreciação dos fatos, poderá julgar conveniente a realização de diligência que considere necessárias à complementação da prova ou ao esclarecimento de dúvida relativa aos fatos trazidos no processo.


 Neste ponto, cumpre observar que o artigo 18 do Decreto 70.235/72 se coloca em consonância com o princípio da verdade material, in verbis:


“Art. 18. A autoridade julgadora de primeira instância determinará, de ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligências ou perícias, quando entendê-las necessárias, indeferindo as que considerar prescindíveis ou impraticáveis, observando o disposto no art. 28, in fine.”


Resta claro, que o Decreto 70.235/72, norma de regência do Processo Administrativo Fiscal, teve o intuito de fazer com que o julgador buscasse a verdade material dos fatos, podendo este, inclusive, diligenciar de ofício para tanto.


Neste sentido, ainda, se coloca a Jurisprudência do Conselho administrativo de Recursos Fiscais (CARF):


“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA IRPJExercício: 1999Ementa:REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMPENSAÇÃO. IMPOSTO DE RENDA INCIDENTE NA FONTE. (…) Se, em respeito ao princípio da verdade material, a autoridade julgadora, amparada em verificações empreendidas por meio de diligências fiscais, acolhe as retificações efetuadas na declaração anteriormente apresentada pelo contribuinte e, com base nela, apura os saldos finais do IRPJ e da CSLL, o reconhecimento de eventual direito creditório, por decorrência lógica, deve levar em consideração tais retificações.Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.”(11610.000453/2001-63, Segunda Turma/Terceira Câmara/Primeira Seção de Julgamento, Rel. WILSON FERNANDES GUIMARAES, d.j. 31/03/2011)


A valoração das provas neste sistema, que, conforme já exposto, é inspirado pela busca da verdade material, deve se dar conforme o princípio do livre convencimento motivado do julgador.


De acordo com este princípio, o julgador deverá valorar as provas a ele apresentadas livremente, sempre buscando a verdade material dos fatos. Todavia, em homenagem aos princípios constitucionais da publicidade, impessoalidade e da motivação, é exigido do julgador a fundamentação de sua decisão, como forma de controle desse ato.


A fundamentação da decisão que valorou as provas apresentadas é, ainda, meio de convencimento das partes e do público, de maneira geral, e possibilita o controle de tal decisão pelo órgão recursal.


Indispensável, dessa forma, mesmo quando se trata de Processo Administrativo Fiscal de se buscar a verdade real dos fatos apresentados, uma vez que tal exigência não se restringe aos processos judiciais.


4. CONCLUSÃO


O Poder Executivo, quando no exercício de função judicante, como nos Processos Administrativos Fiscais, não pode se esquivar de respeitar os princípios do Direito Processual, além dos próprios do Direito Administrativo.


Não há que se falar em Processo Administrativo sem a estrita observância dos princípios do contraditório, ampla defesa e celeridade, como dispõe o artigo 5º, incisos LV e LXXVIII da Constituição Federal, assim como dos demais princípios administrativos e processuais, como os princípios da verdade material e do livre convencimento motivado.


Resta claro, assim, que o Processo Administrativo Fiscal deve ser sempre informado pelos princípios da verdade material e do livre convencimento motivado do julgador, que deverá valorar as provas, de forma fundamentada, de acordo com o que ele considere como o melhor meio para se alcançar a verdade dos fatos apresentados.


 


Referências:

CAIS, Cleide Previtalli, O Processo tributário, 6. ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais

PAULSEN, Leandro. Direito Processual Tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência, 5. ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 12ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2007.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

DI PIETRO Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 506.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.


Notas:


[1] Explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “(…) tudo que a Administração Pública faz, operações materiais ou atos jurídicos, fica documentado em um processo; cada vez que ela for tomar uma decisão, executar uma obra, celebrar um contrato, editar um regulamento, o ato final é sempre precedido de uma série de atos materiais ou jurídicos, consistentes em estudos, pareceres , informações, laudos, audiências, enfim, tudo o que for necessário para instruir, preparar e fundamentar o ato final objetivado pela Administração.” (Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.506).

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

[3] MACHADO, Hugo de Brito.

[4] CAIS, Cleide Previtalli, O Processo tributário, 6. ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais

[5] PAULSEN, Leandro. Direito Processual Tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência, 5. ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado


Informações Sobre o Autor

Gabriel Matos Bahia

Procurador da Fazenda Nacional. Graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho.


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