Os princípios do processo administrativo aplicados ao processo judicial tributário

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Resumo: A teoria geral da norma tributária, na descrição do antecedente e conseqüente tributário, culmina por sintetizar no princípio da tipicidade tributária toda essa preocupação histórica com a validade do tributo. Essa discussão, antes limitada ao âmbito do direito material, deve ter uma extensão processual. A tipicidade tributária, em âmbito processual, nada mais é do que a aplicação da verdade material.


Sumário: Introdução. 1. Síntese lógica das normas jurídico-tributárias. 1.1. A construção da norma e sua análise estática. 1.2. O princípio da tipicidade tributária. 2. O princípio da verdade material. 2.1. Origem no direito material. 2.2 aplicação no processo administrativo fiscal. 3. O processo judicial tributário. 3.1 o princípio da verdade formal. 4. Da sobreposição da verdade material no contencioso judicial. 4.1. A constituição do fato em esfera administrativa. 4.2. A composição do litígio como a soma do processo administrativo e judicial. 4.3. A subsidiariedade do processo civil em matéria tributária. 4.4. O caráter instrumental do processo. Conclusão. Referências bibiliográficas.


INTRODUÇÃO


Existe no Brasil a odiosa hierarquia, tornando-o quase inócuo, do processo administrativo fiscal diante do judicial tributário. Por disposição expressa do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição, somente a decisão do Poder Judiciário possui o condão de formar a coisa julgada.


No entanto, enquanto que o Direito Tributário é fértil e exaustivo em suas normas de natureza material, a produção legislativa em torno do processo judicial mostra-se praticamente nula, devendo o contribuinte valer-se das disposições de um diploma pensado e construído sob uma ótica privada[1].


Daí que surgem as discrepâncias procedimentais. E este trabalho pretende solapar um destes incômodos (ou não) desencontros entre a norma material e a processual. Obviamente que não se fará uma análise de todo o processo administrativo, dada sua amplitude, sendo necessário efetuar um corte epistemológico e adotar um aspecto (que nesta via se elege o mais relevante), capaz de comprovar a teoria como um todo: trata-se do princípio da verdade material.


O princípio da verdade material, diferentemente do que se concebeu até então, advém das próprias normas materiais de direito tributário. Sua aplicação no processo (aqui restringido nas questões tributárias), portanto, não possui apenas caráter processual, mas sim norma cogente de aplicação imediata em qualquer situação.


Por ser um princípio inerente a toda e qualquer relação fisco-contribuinte, deve ser aplicado em qualquer instância, seja ela administrativa ou judicial. São diversos os elementos que comprovam a tese ora objurgada.


Em síntese introdutória, cabe primeiro indagar sobre a possibilidade ou não de uma verdade formal (judicial) sobrepor-se a material (administrativo). Depois, há também que verificar que o processo é um concatenar de atos e, portanto, a soma de etapas (administrativo + judicial) impossibilita a redução de um fato já consumado. Por fim, indaga-se também o caráter eminentemente privado do processo civil em âmbito tributário, devendo este se adequar a esfera tributária, e não vice-versa.


Nesta linha de raciocínio, e fundamentando teoricamente a linha de pesquisa que ora descreve-se, a conclusão que se chegará ao final desta obra não poderá ser outra senão a de que o princípio da verdade material aplica tanto na esfera administrativa quanto em âmbito judicial, cujos efeitos práticos desta retórica poderá ensejar em uma mudança profunda na tratativa das questões tributárias no Poder Judiciário.


Outrossim, importante desde já, nestas linhas introdutórias, enfatizar que, muito embora se trata de uma obra que fundamente-se sobre o princípio da verdade material, cingir-se-á a análise sobre a dimensão normativa do direito, não se aventurando de maneira profunda na sua criação (política) ou eficácia social (sociologia), conforme a separação esboçada por Marcos Bernardes de Mello[2].


1. SÍNTESE LÓGICA DAS NORMAS JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS


A lógica, muito embora pareça distante do Direito, não deve ser olvidada pelo jurista na sua construção científica. Para que uma obra mantenha simetria em sua linha de raciocínio é preciso adotar alguns parâmetros e conceitos expostos na doutrina para evitar que a obra aqui desenhada não padeça de vícios hermenêuticos, ora aplicando uma ora outra teoria, sempre no momento que lhe parecesse mais conveniente.


É por isso que serão necessários tecerem alguns passos na teoria geral da norma jurídico tributária para, enfim, concluir a tese que se esmeirou na introdução desta monografia.


A escola que aqui será resumida e seguida é a mesma ditada por Paulo de Barros Carvalho[3], a qual vem sendo reconhecida pela doutrina de José Roberto Vieira[4], José Eduardo Soares de Melo[5], Roque Antonio Carrazza[6], entre outros, como aquela de maior destaque na atual disposição teórica nacional. É claro que, em momento oportuno, serão feitas as considerações pertinentes capazes de alterar certos pontos de vista deste insigne professor, todas devidamente justificadas.


Desta feita, é preciso um corte epistemológico no Direito, centrando-se o presente estudo no âmbito tributário, lembrando sempre que a norma, em sua disposição nos textos do direito positivo, é uma construção da linguagem do homem, que retira do mundo fenomênico eventos para aplicar, então, um dos modais deônticos existentes (permitido, obrigatório e proibido), constituindo-o em um fato.


Em uma relação empírica, aproveita-se aquilo que foi capaz de criar certo conforto social para torna-la uma regra com efeitos individuais. Isso porque, como já asseverava Jean Jacques Rosseau[7], o Estado é nada mais do que a liberdade que cada indivíduo cede em virtude da convivência em harmonia (pacto social). O eleito para organizar estas concessões, desde os tempos modernos e com a evolução do pensamento racional, centrou-se na pessoa do Estado, especialmente em uma de suas funções, o Legislativo.


Como bem afirmou Georges Burdeau[8], o Estado é a criação do homem para não ser governado por outro, mas sim por uma entidade que organizasse e impusesse a idéia comum, auferindo legitimidade para comandar uma nação.


Uma vez integrada ao mundo jurídico, a Lei (em sentido lato) necessita de uma análise pormenorizada para verificar seus reais e efetivos efeitos, sob pena de torna-la mal entendida e, em ultima ratio, permitir arbitrariedades. A forma mais segura e confiável de se realizar este balanço, ainda que a questão do justo ou injusto resida na sociologia jurídica (e que não é objeto deste estudo), é fazendo-se uma análise estática do texto do direito positivo.


Mas antes de descrevê-la, imponente se torna completar uma idéia antes esboçada, no sentido que a norma é uma construção da linguagem do homem e somente pode regular um evento quando percebida pela sociedade, dando e este o status de fato e, se produzir efeitos, receberá o complemento de jurídico.


O fato jurídico, portanto, somente se concretiza quando posto em linguagem jurídica. Um evento intangível pelo direito (portanto, pela linguagem), não faz parte do Direito. Trata-se da Lógica Apofântica, que regula as relações da natureza, cujo termo identificador concretiza-se no verbo “ser”.


Já o Direito, por regular condutas humanas por meio da linguagem, tornando o fato juridicamente afetado pela conduta desejada, é regido pela Lógica Deôntica, na qual o elemento identificador se consubstancia no verbo “dever-ser”. Como exemplos, cita-se o evento “está chovendo” cujo deslinde é abarcado pela Lógica Apofântica; enquanto que “João deve indenizar” devaneia-se sobre a Lógica Deôntica.


Aliás, esta noção de que os eventos naturais diferem dos fatos jurídicos já foi há muito pensada por Pontes de Miranda[9], quando bem elucidou que a regra jurídica foi a criação mais eficiente do homem para submeter o mundo social às mesmas ordenações e coordenações. A título de complementação, ressaltam-se as invocações trazidas por Norberto Bobbio[10], no sentido de que as regras, por sua vez, não se constituem em meras sugestões, mas sim e proposições prescritivas, cuja inobservância resulta, sempre, em na imposição de uma sanção.


Nesta linha de raciocínio, por fim, que Hans Kelsen[11] alterou seu posicionamento sobre as normas primárias e secundárias, encerrando a polêmica no sentido de que as primeiras descrevem as condutas, enquanto que as segundas, necessariamente, impõem sanções ao seu fiel descumprimento.


1.1. A CONSTRUÇÃO DA NORMA E SUA ANÁLISE ESTÁTICA


A norma jurídica, em uma análise estática, é dividida em dois momentos, uma enquanto norma geral e abstrata e outra em concreta e individual[12]. Explica-se: primeiro há que acontecer um evento envolvendo o ser humano no mundo fenomênico. Depois, o Estado, em especial o legislador, percebendo a importância política daquele movimento natural, insere-o nos textos do direito positivo, atribuindo-lhe status de fato jurídico, caracterizando-o como uma proposição prescritiva e impondo uma sanção pelo seu descumprimento.


Obviamente que esta norma, agora positivada, deve obedecer aos mais variados princípios inerentes à ordem que pertence, mas não necessariamente deve ser justa, pois em certos aspectos é necessária a rejeição da pessoa (via de regra do devedor), para ser obedecida.


Assim, tem-se uma norma geral e abstrata, que irá, daquele momento em diante, regular condutas concretas e individuais porventura existentes.  No entanto, na imensa gama de fatos possíveis, constitui esta regra um enunciado geral, de valor conotativo e abstrato, mas sempre dentro dos valores deônticos (permitido, obrigatório e proibido).


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A relação deve-ser torna impositiva, mas ainda não produz efeitos no mundo concreto, pois está situada no plano abstrato. Daí que incluí-la no conseqüente da norma, sendo que sua análise deve conter-se em ser a relação verdadeira ou falsa, pois ainda não há a individualização do fato ali previsto.


Alguns elementos são essenciais para que se possa denominar a linguagem ali prevista como uma norma. Invariavelmente, necessita-se a indicação do tempo, lugar e materialidade do fato que se regulou (critérios material, temporal e espacial). Sem estes, não há norma. A função estruturante da norma exige que se explique onde, quando e o que se está regulando.


Agora já descrito o fato que se pretende atingir, a norma terá que se imiscuir sobre a realidade concreta para determinar o conseqüente da regra-matriz. Ou seja, é preciso que se defina quem e quanto se está a dever (critérios pessoal e quantitativo). Mas esta previsão não poderá ser genérica e abstrata, eis que está a residir na particularidade do mundo fático. Portanto, deve ser individual e concreta, com caráter descritivo, restringindo-se àquele fato unicamente. Assim, tem-se por aplicado, na integralidade normativa, a regra do direito previsto para aquela situação.


Enfim imposta em sua totalidade, a regra-matriz de incidência agora ganha contornos de produzir efeitos no mundo concreto, podendo ser avaliada no campo da validade, isto é, se sua aplicação está em consonância com o sistema e seus princípios.


As normas, portanto, exigem a presença de todos estes elementos para que possam afetar o indivíduo. No sistema tributário, ainda mais exigente se torna esta posição, pois historicamente reconhece-se o papel arbitrário do Estado em retirar bens do cidadão.


Daí que o Direito, criação da sociedade, inventou um complexo mecanismo para legitimar o Estado a intervir na propriedade privada legalmente, por meio dos tributos, resguardando-se a proteger, em diversos aspectos, o contribuinte. Como muito bem conclui Celso Antonio Bandeira de Mello[13], “a Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar de equidade todos os cidadãos”.


1.2. O PRINCÍPIO DA TIPICIDADE TRIBUTÁRIA


O poder de tributar é o poder de destruir”. Sabedora dessa locução de Ives Gandra da Silva Martins[14], é certo que a Constituição oriunda de uma nação democrática fundada sob um Estado de Direito preocupar-se-ia, em acertada demasia, com seu sistema tributário. No Brasil não foi diferente, como se vê na Constituição de 1988.


Nasce assim as prerrogativas em proteção ao cidadão, as quais vem diretamente associadas ao princípio da tipicidade tributária, que resume, em breves linhas, que os elementos do antecedente (critério material, temporal e espacial), bem como o conseqüente (pessoal e quantitativo), devem estar minuciosamente previstos em Lei para serem exigidos. É de Alberto Xavier[15] o principal estudo sobre o assunto e sobre ele que esta obra permanecerá.


Como decorrência da legalidade e da segurança jurídica, a tipicidade tem seus fundamentos no Tatbestant alemão, cujo princípio foi originariamente concebido ao ramo do direito penal. Assim como o tipo penal, o tributo precisa de expressa e anterior previsão legal para ser imposto. Por isso bem assevera Alberto Xavier que a tipicidade é “a expressão mesma deste princípio (legalidade) quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei”.


Em consonância com a regra-matriz, a tipicidade é um atributo do fato jurídico que exprime sua conformidade com o modelo normativo e indispensável para a produção do efeito jurídico mais característico da norma tributária, que é a constituição da obrigação de imposto.


Lembrando ainda que a tipicidade ora delineada ganha contornos de rigidez, recebendo o nome de fechada, conforme idéia defendida por Karl Larenz[16]. Como já se expôs, é para inibir e controlar os atos estatais que afetam bens e interesses individuais, como a liberdade e o patrimônio, que surge a Constituição. Assim, a lei tipifica os fatos jurígenos e seus efeitos para garantir a segurança jurídica, exigindo, ainda, que seja eliminada, o tanto quanto possível, a imprecisão contextual, o que acaba transformando o tipo em um conceito fechado.


Por tipicidade, portanto, entende-se a idéia que todos os elementos do tributo, para se tornar exigível, devem estar amiúde previstos em lei. Resultado da legalidade, em âmbito tributário, esse princípio ganha contornos de uma limitação ao poder de tributar, culminando em uma garantia ao contribuinte.


De outro viés, seria possível imaginar este mesmo princípio atuando de forma contrária ao contribuinte? Vislumbra-se uma única hipótese possível. Imagine-se que em processo administrativo fiscal (PAF), a Fazenda Pública lograsse êxito em delinear, comprovar e imputar todos os elementos da regra-matriz de incidência a determinado fato. Lembrando que este método perpassou com amplitude pela verdade material. Encerra-se então o PAF, e o contribuinte recorre ao Poder Judiciário.


É exatamente aí que toda a retórica da tipicidade tributária se inverte, fazendo lado à defesa da Fazenda Pública (eis aí, inclusive, um dos fundamentos da presunção de legalidade da certidão de dívida ativa). Com este ultrapassar de esfera de julgamento, o contribuinte vê em seu desfavor um fato já comprovadamente tributável, sendo que os elementos do tributo, em sede administrativa, estão agora tipificados. Celso Antonio da Silva[17] também assim corrobora, ao assinalar que, “na realidade, está em jogo a legalidade da tributação”.


Assim, realizado o arcabouço básico do direito tributário, ainda que de modo demasiado resumido, mas capaz de definir uma diretriz lógica para a conclusão desta obra; no sentido de expor que o princípio da verdade material deve ser aplicado no âmbito do processo judicial tributário, por lhe ser inerente às características desta ímpar e complexo ramo do Direito, que tanto se digladia nos tribunais sob pretextos de arbitrariedades e abusos de poder. Mas o que será o princípio da verdade material?


2. O PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL


Em contraposição com o processo civil, que será melhor analisado no tópico seguinte, entende-se o princípio da verdade material como sendo aquele em que se busca descobrir se realmente ocorreu ou não o fato jurídico tributário. Mas este princípio, como tudo no Direito, possui uma razão de ser.


Trata-se de uma derivação da função pública do tributo, que é o de propiciar meios do Estado em cumprir seu papel de guardião da sociedade, nos limites estabelecidos pela Constituição. E esse limite, que é o que de mais relevante se mostra, é sua estrita limitação aos corolários de proteção ao indivíduo.


Sendo o tributo uma interferência estatal na propriedade privada[18], sua subsunção é limitada ao princípio da tipicidade, o qual possui estreita vinculação ao direito substancial ou material. O resultado direito deste princípio em âmbito processual é o princípio da verdade material.


Assim, a razão de ser da verdade material é dar efetividade ao enunciado pelo princípio da tipicidade tributária. Daí que, em toda relação que envolva a cobrança de tributos, seja ela em esfera administrativa ou judicial, a verdade material deverá estar presente.


Por ser o correspondente direto do princípio da tipicidade tributária, o princípio da verdade material nada mais é do que a transposição daquele no processo. Ambos visam solucionar uma relação jurídica entre as partes, e ambos devem ser alocados em todos os momentos da lide. Se o Direito regula o fato jurídico, este fato não pode, obviamente, ser ora avaliado sob a verdade material e ora sob a verdade formal.


Assim, o princípio da verdade material é inerente a qualquer fato que envolva a relação jurídica tributária, sendo aplicável em qualquer processo, procedimento ou relação que contenha tributos.


2.1. ORIGEM NO DIREITO MATERIAL


O vínculo obrigacional que une Estado e contribuinte é uma relação de direito, e é exigido porque o primeiro exerce poder de força, de dominação e supremacia. Mas, em um Estado Democrático de Direito, há uma limitação imposta ao próprio Estado, cujo princípio máximo, em uma relação tributária, é o da legalidade.


Por isso que, nas palavras de Celso Antonio da Silva[19], “a relação jurídica tributária sendo relação de direito e não de força coloca o Estado submetido ao império da Lei”. Esse raciocínio delineia-se sobre o princípio da tipicidade tributária, antes detalhado.


Essa retórica acerca da estrita legalidade e formalização estanque do tributo é uma forma de impedir que o ius imperium do Estado não intervenha de maneira arbitrária sobre a propriedade privada.  Desde a Idade Média concebeu-se o tributo como um modo do Estado interferir na vida do cidadão, arrancando-lhe valores.


Considerando-se a posição do Estado, de supremacia sobre os contribuintes e detentor dos meios de criação, interpretação e execução das leis, conforme lição de James Marins[20], a preocupação com a regulação da exação é tão ou maior do que o próprio direito penal. Assim decorreu, quase como substrato natural e inafastável, que o tributo fosse minuciosamente desenhado, interpretado e aplicado.


O direito tributário nasceu pensado e derivado de relações jurídicas materiais. Não se concebeu todas as garantias constitucionais do contribuinte sob um enfoque formal, mas sim em uma construção empírica (como todo o resto do direito), cujo escopo último resulta na proteção às arbitrariedades estatais.


Assim, como bem enuncia Candido Rangel Dinamarco[21], o processo deve servir como suporte desta vontade última, que é a de proteger o contribuinte. Por instrumentalidade do processo, deve-se entender como sendo o processo um meio eficaz e útil para se conceber a justiça social, ou melhor, para garantir a efetividade dos valores previstos na Constituição. Jamais poderá ser um meio para afastar tais princípios do cotidiano.


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Mormente que, sendo assim, há que o intérprete do direito sobrelevar estas características peculiares do tributo para toda e qualquer esfera que o envolva. Seja no âmbito administrativo ou judicial, em ambos os casos discute-se uma relação jurídica material, ou seja, um fato exacional. Esse fato exacional é abarcado pelo princípio da tipicidade em qualquer âmbito. E a verdade material, como sendo decorrência direta da tipicidade, também é inerente a qualquer processo envolvendo o tributo.


Daí que esta preocupação com o tributo não remanesce unicamente no campo do direito material, mas também desceu às formalidades do processo. Neste contexto aplica-se o princípio da verdade material.


2.2. APLICAÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL


O direito processual não pode ser concebido sem um adjetivo que o determine. Por isso, ele não é independente. Invariavelmente, deve ser classificado como administrativo, judicial, fiscal, penal, civil, etc. Processo, para o direito, não é nada senão uma noção abstrata. A concretude do instituto necessita de uma adjetivação.


No âmbito do processo administrativo fiscal (ou tributário), o processo ganha contornos da norma jurídica material que envolve o objeto da discussão (v. g. o tributo). Por isso, se o tributo é regido pelo princípio da tipicidade, deve o processo fornecer um instrumento que lhe dê garantias de aplicar essa noção. Em âmbito fiscal, essa garantia de efetividade remonta à verdade material.


Verdade material não é uma regra posta e estreita, mas sim um conjunto de procedimentos que permitem que o intérprete da Lei (julgador) coteje os elementos fáticos de tal forma que não remanesça dúvidas acerca da realidade do fato exacional.


Assim, o julgador tem mais liberdade para formar sua convicção, realizando diligências sem quaisquer restrições de ordem procedimental. Se for necessária uma diligência para se apurar um fato, obedecidas as proteções individuais do contribuinte, deve-se concretizar a perícia, a investigação, a análise, enfim, a prova.


Por isso que renomados autores, como Alessandra Dabul[22] e Marcio Pestana[23] dedicaram extensas obras sobre a importância da prova no arcabouço da verdade material. Ambos chegam à conclusão de que a prova é o único caminho para desvendar a verdade. No jogo dialético do processo tributário, expostas as mensagens de defesa e de ataque, somente as investigações da prova é que resultarão na aplicação da lei em conformidade mais próxima ao fato efetivamente concretizado no mundo fático.


Neste terreno da verdade material, é a prova, a verificação dos fatos, que se sobrepõem a pareceres e jurisprudências. Desta forma, não é o pagamento de custas, a perda do prazo para juntada de documentos, a revelia, ou qualquer outro instituto que irá impedir o julgador de verificar a verdade material.


Assim, são nulas as possibilidades do julgador em inventar uma realidade, isto é, um fato jurídico, ante o descumprimento de certas formalidades. Não pode o processo, por óbvio, modificar a realidade do mundo concreto. Daí a instrumentalidade do processo. Este serve para dar efetividade ao direito material, e não para anular ou inventar situações concretas que jamais existiram.


Por isso que, em qualquer relação processual em que se envolva o tributo, as provas podem ser juntadas a qualquer tempo, as investigações devem ocorrer de ofício, os pagamentos de custas e taxas não podem impedir o andamento do processo, enfim, busca desvendar o fato, e não cria-lo ou anula-lo.


3. O PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO


O processo judicial tributário caracteriza-se, por óbvio, nas lides que envolvam tributos ou seus deveres instrumentais. Mas não há, no sistema legislativo brasileiro, um processo judicial propriamente tributário.


Porém, não é a falta de um código específico que impediu o contribuinte de tomar as iniciativas perante o ente tributante. Com uma aplicação subsidiária (ainda que integral por inexistir outro), o Código de Processo Civil vem socorrendo o cidadão em questões tributárias.


Outrossim, este código foi criado para regular fatos jurídicos entre particulares (daí o Civil), não sendo, desta sorte, totalmente adequado às exigências tributárias. Mesmo assim, ao longo dos tempos, com diversas construções jurisprudenciais, têm-se alcançado um grau razoável de satisfação.


Razoável porque a gama de direitos conferidos ao contribuinte pela Constituição é ampla e vasta (podendo ser considerado como um autêntico estatuto constitucional em defesa ao contribuinte). Dada esta complexidade, por certo, que haveriam que serem criados meios mais eficazes contra atos arbitrários do Estado.


A despeito desta pequena incursão pragmática, desvendou-se na doutrina, basicamente, três ações tributárias possíveis (declaratória, anulatória e de repetição de indébito), acrescidas do Mandado de Segurança, cabível a todo e qualquer incidente que viole direito líquido e certo, nos termos da Lei 12.016/2009. Cada um com sua carga de eficácia diferente, todas vêm sendo utilizadas no cotidiano do jurista.


Já pelo lado da Fazenda Pública, esta sim possui os mais diversos institutos para lhe proporcionar uma arrecadação mais vigorante e encurralar o contribuinte inadimplente. A mais relevante é a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980), que possui preceitos totalmente inadequados para o escopo último do processo (como a necessidade da garantia do juízo para a discussão do débito), mas ainda são aplicáveis.


É neste contexto que emergem as virtudes e defeitos da busca pela verdade processual oriunda no mundo dos fatos em uma lide processual tributária. Já se viu que o tributo somente pode incidir se a linguagem dos textos do direito positivo atingir completamente o evento ocorrido no mundo fenomênico.


Uma vez observada e comprovada esta subsunção completa do fato à norma, nasce o direito objetivo do Estado em exigir determinado tributo. Portanto, não é a simples verificação em âmbito processual capaz de afastar ou implicar na exação, mas sim a realidade constatada e comprovável por um dos cinco sentidos. Se há certeza da exação, deve o processo tributário abarcar meios para sua efetiva cobrança ou anulação do crédito tributário.


O Código de Processo Civil em muito se esforçou, ao longo dos anos, para minimizar a distância entre a realidade fática e a processual. Instituiu-se, por exemplo, a faculdade do magistrado em inspecionar pessoalmente o fato, a indicação de provas a serem buscadas ou sua possibilidade de ignorar provas que são suprimidas no contexto de outras (cita-se como exemplos, os artigos 130, 342, 382, 418, 437, 440, etc., todos do CPC). Enfim, é a tentativa, mais do que flagrante, de conferir ao processo instrumentos para se chegar o mais próximo possível da noção de justiça. A esse movimento, importante empreender, denominou-se de ativismo judicial em sua busca da “verdade real”.


Esse movimento tem como base uma premissa lógica bastante simples, e que pode ser esboçada nas afirmações de Nelson Finotti Silva[24], que afirma que “não há como subsistir a divisão em verdade real e formal, a verdade é uma só, não há meia verdade ou verdade aparente, só pode existir uma verdade e esta deve ser perseguida pelo Juiz, pois só assim poderá se aproximar de um ideal de justiça por todos perseguido”.


No entanto, ao mesmo tempo que existe esta preocupação, este mesmo processo é maculado por outros tantos formalismos desnecessários que, invariavelmente, prejudicam na tutela do bem perseguido. Há que se mencionar, como exemplos, o pagamento de custas, a formalidade das petições e as ingerências com relação a prazos.


São diversas as hipóteses que a “burocracia”, em uma expressão coloquial, impede que o processo atinja o escopo de desvendar o fato efetivamente ocorrido no mundo fenomênico. E o princípio da verdade formal, v. g., pode ser considerado um dos principais exemplos desta ingerência, e que será melhor estudado no tópico abaixo.


Importante aqui destacar que não se busca pelo processo a verdade do direito (no sentido do que é verdadeiro/falso ou válido/inválido), cujo julgamento será dado apenas pelo magistrado ao exercer a função judiciária que lhe é inerente; o que se busca com o processo é a verdade dos fatos (do evento concreto no mundo das relações humanas), pois a verdade é a adequação da coisa e do intelecto (adcequatio rei et intelectus), devendo sobrepor-se em qualquer fase.âmbito de análise do tributo.


3.1. O PRINCÍPIO DA VERDADE FORMAL


A afirmação que se encaixa perfeitamente na postura formalista do processo civil brasileiro pode ser resumida no brocardo latino quod non est in actis non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo). É nele que se assentam as bases do princípio da verdade formal e que resulta, prima facie, no princípio do dispositivo.


O princípio da verdade formal delimita a prova utilizada na racionalização da decisão e, dentro do princípio dispositivo, cabe às partes iniciar e promover a formação da relação jurídica processual, e também indicar e produzir provas.


Ainda mais patente, no âmbito da decisão do magistrado, não há liberdade de convencimento, nos termos do art. 131 do CPC, devendo a conclusão basear-se apenas nos “fatos e circunstâncias constantes dos autos”, ainda que tenha o próprio magistrado determinado provas que as partes não indicaram; e a sentença deverá necessariamente conter “os motivos que lhe formaram o convencimento”.


Assim é que José Cretella Neto[25], muito embora defenda veementemente a aplicação da verdade real, admite ab initio que “isso não elimina o compromisso do sistema processual com a verdade real, mas, é forçoso reconhecer, nem sempre se atinge esse grau de conhecimento a respeito dos fatos”.


Tem dito a doutrina, entre elas a de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Candido Rangel Dinamarco[26], que a justificativa deste posicionamento do direito brasileiro reside no fato da garantia da imparcialidade do juiz, pois permitir o livre acondicionamento das provas transformaria o processo dispositivo em processo inquisitivo. Concluem referidos autores que “na maioria dos casos pode (o juiz) satisfazer-se com a verdade formal, limitando-se a acolher o que as partes levam ao processo”.


Apesar das vozes dissonantes presentes na doutrina, como acima se expôs, é fato que, na prática dos tribunais, está vigente ainda a idéia preconizada por Moacyr Amaral dos Santos,[27] ao afirmar que ”o juiz depende das partes no que concerne à afirmação e à prova dos fatos em que os mesmos se fundam”.


Assim, independentemente dos fatos ocorridos no mundo fenomênico, dos fatos percebidos pelos sentidos humanos e impregnados pela linguagem do direito positivo, nada pode fazer o magistrado se não observadas formalidades simples, como o pagamento de custas.


Infelizmente o Poder Judiciário, intérprete do direito, na ótica atual, pode ser impedido de resolver uma situação de litígio, cuja disputa ofende flagrantemente os corolários constitucionais, simplesmente porque o magistrado, na sua limitação legal, não pode conhecer de matéria estranha à lide. Não é preciso discorrer linhas a fio para expor que tal situação é contrária à idéia filosófica do direito, no sentido de realizar o certo e justo.


Outrossim, essa noção vem sendo mitigada, e deve ser anestesiada especialmente no âmbito tributário, devido ao contexto esboçado pelo princípio da tipicidade antes descrito. Humberto Theodoro Junior[28] assim também se posiciona, dissertando que no processo moderno, o juiz deixou o papel de mero árbitro para assumir poderes de iniciativa em busca da verdade material.


4. DA SOBREPOSIÇÃO DA VERDADE MATERIAL NO CONTENCIOSO JUDICIAL


O Direito Tributário Substancial passa inexoravelmente acima das discussões processuais. Trata-se de matéria que em nenhum momento depende do processo para gerir ou regular-se. A independência do direito material é patente, mas a recíproca não é verdadeira.


O processo é intimamente ligado à regras materiais, fazendo-se de meio (suporte) para atingir determinado fim. Se a influência é direta e frontal, são inúmeras as peculiaridades que o direito processual tributário deve seguir para manter a essência do direito material. Obedecer princípios e privilegiar as características do processo exacional são evidentes para que ocorra a aplicação efetiva de um direito.


Infelizmente, o direito tributário necessita “emprestar” do processo civil as normas gerais, ante a ausência do legislador na produção de um codex autônomo. E aí é que surgem as disparidades que se pretende elucidar, apenas em uma perspectiva científica, neste trabalho.


O processo civil não foi pensado para o Direito Tributário. E as regras do Direito Tributário não foram criadas para serem aplicadas pelo processo civil. Essa constatação resulta na observância de que muitos direitos dos contribuintes são lesados ante o fato de inexistir um instrumento processual adequado.


 Porém, o que prega a técnica jurídica é exatamente o contrário. É o processo que deve se adaptar ao cenário material, permitindo sua aplicação.  Neste contexto é que se vislumbra a plena e total capacidade, possibilidade e necessidade de que os corolários máximos do direito tributário sejam pregados ao processo tributário, seja ele em âmbito judicial ou administrativo.


De conseqüência, o princípio da verdade material, decorrência direta do princípio da tipicidade tributária pode e deve ser transportado para qualquer esfera legal que venha a discutir uma exação, sob pena de desfigurar a natureza do tributo; e é isso que os tópicos abaixo elencados irão comprovar.


Destaca-se que a tese aqui delineada não se mostra totalmente original, mas apenas de acordo com a moderna tendência do processo civil, em uma adaptação ao âmbito tributário; pois já é de longa data os ensinamentos de José Cretella Neto[29] no sentido de que é necessário buscar, no processo, a verdade real, afastada a crença de que lhe basta a verdade formal, na qual “essa busca é privilegiada no curso do processo (em detrimento da busca da verdade formal) porque à falsidade dos fatos corresponde o desvirtuamento da ordem jurídica”.


Mas não são simplesmente os argumentos acima arrolados capazes de comprovar a aplicação irrestrita do princípio da verdade material no processo judicial tributário. São diversos os ângulos de análise que assim concluem, dos quais os mais patentes serão abaixo alinhavados.


4.1. A CONSTITUIÇÃO DO FATO EM ESFERA ADMINISTRATIVA


Como se viu nos tópicos acima, fixou-se o presente trabalho sob a lógica deôntica esboçada por Jurgen Habermas[30], Alessandro Giuliani[31], Paulo Celso B. Bonilha[32] e concluída por Paulo de Barros Carvalho[33], no sentido de que o fato somente ganhará o status de jurídico quando puderem sustentar-se em face das provas em direito admitidos.


Advirta-se, também, que tal posicionamento já era adotado há muito por Rudolf Von Ihering[34], que prefaciava que “uma regra de direito que jamais foi realizada ou que deixou de ser, não merece mais este nome, transformou-se numa rodagem inerte que não faz mais trabalho algum”.


Isso quer dizer que na natureza surgem diversas hipóteses de eventos naturais, ainda que envolvendo o ser humano, que não se constituem em fatos jurídicos. As realidades sociais são diferentes das realidades jurídicas, havendo entre elas um intervalo que não é afetado pelas normas.


Para que os eventos cheguem a realidade dos textos do direito positivo, há que se encontrar mecanismos que ensejam sua entrada no mundo jurídico, o que se faz pelas provas. “Estimo residir no capítulo das provas o mecanismo fundamental para o reconhecimento dos fatos da vida social juridicizados pelo direito, bem como dado imprescindível ao funcionamento das normas”, enfatiza Paulo de Barros Carvalho[35].


Com efeito, o Direito é uma construção intelectual formalizada pela linguagem. Em uma ótica positivista, se o evento natural não estiver em consonância com a linguagem do direito, não há fato jurídico, mas sim um evento social. Nesta perspectiva, ingressar no mundo jurídico exige e comprovação da subsunção do fato à linguagem, determinando assim o nascimento da relação jurídica.


Portanto, a prova do evento e sua correta aplicação aos dispositivos gerais e abstratos, ainda que e uma interpretação conotativa, são suficiente para sobrelevar o evento à fato jurídico.


Se em âmbito administrativo qualquer das partes lograr êxito em provar a ocorrência do fato, considerando-se ainda a verdade material norteadora deste processo, não há como, em momento posterior, na esfera judicial, alterar a verdade antes já consignada.


Uma vez obtida a certeza do fato, e tendo se em vista que as partes, a causa de pedir e o objeto continuam os mesmos, esta realidade não pode mais ser desconstituída por um processo mais frágil e formal do Poder Judiciário. É certo que a certeza, com fatos novos, pode ser alterada. Mas há que existirem fatos novos, senão a relação em busca da composição do litígio deve partir daqueles elementos já apurados.


Não se pode, em uma segunda esfera, ignorar todo o já transcorrido e inequivocadamente relatado, eis que, nas palavras de Moacyr Amaral dos Santos[36], “provar é meio pelo qual a inteligência chega a descoberta da verdade, a qual não existe no espírito sem sua percepção”.


O que a administração pública realiza, ao enquadrar (subsumir) o evento no direito é a constituição do próprio fato, não apenas sua descrição. E se este fato não foi contestado pelo contribuinte, tem-se ali a concretização de uma verdade material, atribuindo a ela status de imutabilidade. Essa imutabilidade (que não pode ser alterada sequer em esfera judicial), recai na noção história de certeza.


A certeza, nas acepções de Carl Joseph Anton Mittermaier[37], “é o momento em que repelem todas as proposições contrárias, e em que estes mais não podem abalar a imponente massa dos motivos afirmativos, toma a convicção o nome de certeza”.


Assim, estaria o Poder Judiciário, pela norma disposta no artigo 5º, XXXV da Constituição autorizado a alterar os fatos? A conclusão a que se chega neste raciocínio é não, pois é dado ao Magistrado o poder de verificar lesão a direitos, e não a constituição do próprio fato.


Cabe ao Poder Judiciário analisar, em ultima ratio, as proposições formais e a legislação a ser aplicada ao fato, mas nunca em alterar a verdade oriunda da certeza e da própria existência do fato, se este foi claro, inequívoco e inconteste em sede de processo administrativo fiscal.


Portanto, sobreleva-se neste tópico que o princípio da verdade da material deve ser observado, ainda que o litígio ultrapasse a esfera da administração pública, pois trata-se da próprio constituição do fato e da certeza da relação jurídica material.


4.2. A COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO COMO A SOMA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO E JUDICIAL


Perpassando os limites mais comuns da discussão acerca da diferença entre processo e procedimento, tanto esmiuçado pela doutrina[38], este tópico corrobora a idéia de que o princípio da verdade material aplica-se ao processo judicial tributário considerando-se o processo como um todo, na busca da composição do litígio.


Nesta senda, o que se pretende concluir neste item é a noção de que processo, em sua acepção finalística (teleológica), significa pôr termo a uma relação factual controvertida, e somente se encerra naquele instante. Se não composta a lide, trata-se de um processo incompleto, na conseqüência lógica da presente teoria.


Isso porque o vocábulo “processo” deriva do latim procedere, que significa ir de um lugar para o outro. Esse ínterim visa atingir determinado fim. Se não almejado o ponto final (neste caso a composição do litígio), tem-se um processo inacabado, pois o seu objetivo não foi alcançado.


Tais caracteres podem ser extraídos das conclusões proferidas por Antonio da Silva Cabral[39], o qual enuncia que “processo em sentido estrito difere-se de procedimento, já que este é apenas um método para que se alcance a finalidade, que é a obtenção da justiça”.


Portanto, aufere-se que, na dinâmica dos fatos, em primeiro momento surge o processo administrativo fiscal, na especificidade de Renato Alessi[40], que bem enunciou que sob as atividades tributárias se colocam em ordem seqüencial, ligadas umas às outras por uma unidade funcional.


Assim, instaurado o litígio no âmbito administrativo, o processo inicia-se e somente irá se encerrar quando almejado seu objetivo, que é a composição da lide. Extrapolada a discussão na seara administrativa, e não satisfeitos os interesses das partes, a Constituição da República (art. 5º, XXXV) permite que o contribuinte leve esta mesma discussão ao Poder Judiciário. Ora, daí pergunta-se: encerrou-se o processo?


A resposta é negativa, encerrou-se ali apenas uma fase do processo, iniciando-se a disputa judicial. Os fatos, a causa de pedir e o objeto são exatamente iguais. Não houve qualquer composição no mundo dos fatos. O litígio ainda perdura e o processo para a sua solução agora extrapola os limites das partes (Fazenda Pública vs. Contribuinte) para ganhar contornos dentro de um ente autônomo e independente: o Poder Judiciário.


Portanto, nesta lógica, o processo administrativo somente pode ser assim denominado se, naquela esfera de discussão, houve a composição do litígio, sem qualquer recurso perante o Poder Judiciário. Senão o foi, ele será somente uma etapa de todo o processo, que somente se encerra com a somatória de um segundo momento.


Desta idéia surge uma conseqüência impactante, mas devidamente justificada. Se os fatos apurados em âmbito administrativo, com todas as homenagens do princípio da verdade material esboçadas acima, e que o processo judicial é a extensão deste, aquilo que se tornou incontroverso em esfera administrativa deve sobrepujar aos andamentos dali resultantes.


Isso significa que, quando acatados argumentos ou desvendados fatos inequívocos em âmbito administrativo, não pode mais o Poder Judiciário, sob a égide da verdade formal, descaracterizar aquele mesmo fato. Lembre-se sempre as lições de Hans Kelsen[41], no sentido de que “a relação jurídica não é uma relação entre pessoas, mas entre fatos”.


Daí que não é possível concluir de outra maneira senão a de que, também neste raciocínio, o princípio da verdade material é transportada à esfera judicial, devendo esta ser respeitada, observada e aplicada pelos Magistrados, sob pena de desnaturar a fim último do processo: a composição da relação jurídica controvertida.


4.3. A SUBSIDIARIEDADE DO PROCESSO CIVIL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA


Já se sobrelevou que o processo judicial tributário é carente de um código próprio e apropriado às peculiaridades do fenômeno da exação. O que se utiliza são as normas amplas e gerais pensadas e aplicadas ao processo civil.


Não havendo norma processual específica, há que se sobressair em esfera processual os caracteres indicadores da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e dos demais dispositivos do direito material. Já muito se asseverou que o processo é meio para a obtenção de um fim (e a recíproca não é verdadeira).


Por homenagem à instrumentalidade do processo, melhor esmiuçada no tópico posterior, é que o direito processual deve se adequar ao direito material (sendo que a recíproca não é verdadeira).


São muitas as diferenças entre as relações civis e as tributárias. Em especial, ganha destaque o caráter impositivo do tributo, bem definido no artigo 3º do Código Tributário Nacional. Dada estas diferenças, que são latentes, tomar-se emprestado um rol de normas processuais é perfeitamente aceitável, mas jamais pode-se impor a integralidade daquele rol ao processo tributário.


Isso significa afirmar que é possível (e até mesmo necessário para evitar disparidades) que as relações tributárias utilizem o Código de Processo Civil. Mas este empréstimo deve restringir-se incondicionalmente às peculiaridades da relação jurídica material. As conclusões de Joseph Anthony Mazzeo[42] encaixam-se perfeitamente neste contexto, ao afirmar que “não é a intenção que valida um ato, mas o seu resultado”.


Não pode o Magistrado, pela falta de lei específica, negar a jurisdição. Assim também o é na relação processual. O direito pátrio elevou-se a uma categoria superior ao Estado meramente liberal, atingindo o status de social, garantindo cumprimento a valores fundamentais. Como bem elucida José Afonso da Silva[43], “o Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social”.


Assim, dentro dos limites constitucionais ao poder de tributar, o Código de Processo Civil é perfeitamente aplicável. Mas não na sua integralidade. Toda vez que uma norma material apregoar o contrário, deve o rito ser elastecido.


O princípio da verdade material, como decorrência direta da essência da construção normativa do tributo (tipicidade), deve-ser, portanto, integralmente imposto no processo judicial tributário, sob pena de desvirtuar toda a construção histórica do tributo.


Conclui-se assim que, ainda que sob a ótica Maquiavélica[44], o princípio da verdade material deve alterar o rito do processo judicial tributário, uma vez que é imponente que os fins sociais do tributo justifiquem os meios empregados para sua obtenção.


4.4. O CARÁTER INSTRUMENTAL DO PROCESSO


Foi Dino Jarach[45] que trouxe a separação clássica entre normas substantivas ou materiais e normas formais ou adjetivas. Linha de pensamento seguida também por Sainz de Bujanda[46], que se resume no fato de que materiais são normas que afetam a relação jurídica tributária em seu caráter substantivo, ou seja, são aquelas que instituem o tributo e regulam a própria obrigação tributária. Já as formais, de outra sorte, são aquelas que estabelecem condutas relacionadas com a obrigação principal e, por isso mesmo, se posicionam como instrumento para o cumprimento da obrigação.


Assim, sempre que citar o termo processo, tem-se uma norma formal à serviço do direito material (normas substantivas). Assim é que o termo processo, invariavelmente, necessita de um complemento. Esse complemento deve responder a uma das seguintes questões: “processo do quê?” ou “processo para quê?”. Sem essas proposições, o processo é um ente sem raiz e sem destino.


É esse o raciocínio que levou Candido Rangel Dinamarco[47] a afirmar que “é vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmação de que ele é um instrumento, enquanto não acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados”. Em esfera tributária, o objetivo do processo somente pode ser um: permitir a cobrança do tributo com homenagens a todos os princípios imanentes ao direito substantivo que o desencadeia.


Sem subsumir e permitir a aplicação do direito material, o processo se torna inócuo e nulo, sem motivo de ser. Como se viu, ele sempre necessita de um complemento para ter razão de ser.


Assim, deve o processo judicial, administrativo, ou qualquer outro que a adjetivação permita, aplicar na integralidade, sem variações e escusas, todos os princípios do direito tributário. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Candido Rangel Dinamarco[48] são enfáticos ao finalizar que “o direito processual é, assim, do ponto de vista de sua função jurídica, um instrumento a serviço do direito material”.


Neste caso, como se viu, a verdade formal não faz parte do âmbito tributário, devendo então ser aplicado, indubitavelmente, o princípio da verdade material também em âmbito judicial, por ser inerente à sua materialidade que o sustenta.


Por isso é falsa a premissa de que o princípio da verdade material atua em campo diferente da verdade formal. O fato jurídico tributável é um só, e todos os princípios que envolvem uma lide tributária deve ser aplicados inobstante o âmbito em que se encontre a discussão.


Realizar o bem jurídico tutelado é o objetivo, e os meios empregados pelo processo devem todos, sem exceção, pautarem-se no sentido da composição da lide. Não são as simples formalidades das custas, dos prazos para a apresentação de testemunhas, da oitiva da parte fora da audiência, da inobservância da juntada de recibos de protocolo, entre tantos outros exemplos, que devem infirmar ou confirmar a imposição do tributo.


Como se viu, trata-se da invasão do patrimônio alheio, que merece e deve ser vigiado muito minuciosamente tanto pelo legislador, quanto pelo executor e intérprete do ato exacional. O fato, uma vez percebido e abarcado pela linguagem competente, deve ser observado no processo de acordo com a realidade concreta, e não apenas intra-subjetiva.


Ora, como bem desenhava Rudolf Von Ihering na sua obra “A Luta pelo Direito”, não é somente o indivíduo da relação que está sendo afetado numa disputa com o Fisco, mas sim toda a conquista história do próprio Direito. Não se luta apenas pela imputação do tributo, mas sim por sua honra e justiça, fazendo valer todo o sistema do direito positivo vigente.


O Estado moderno, em sua concepção sociológica, exerce seu poder para a solução dos conflitos interindividuais, promovendo a plena realização dos valores humanos, sendo que o processo é meio para a efetiva realização da justiça.


Por isso que, neste último enfoque, solavanca-se todas as idéias até agora expostas, uma vez que o caráter instrumental do processo mostra-se a peça-chave que remanescia para comprovar que, se este objetiva assegurar a ordem materialmente estabelecida, é óbvio que todos os princípios que assim se delineiam (como a verdade material) se aplicam ao processo judicial tributário.


CONCLUSÃO


 “O processo é um instrumento de produção jurídica e uma forma incessante de realização do direito”. Com esta afirmação de Eduardo José Couture[49], resume-se a instrumentalidade do processo no sentido, único possível, de satisfazer uma relação jurídica material. Essa relação jurídica, consistente em fatos, é percebida pela linguagem do direito positivo e dali não pode mais afugentar-se.


O processo administrativo tributário, especialista nas relações com os contribuintes, acertadamente, nunca deixou de preocupar-se com estas premissas. Sendo o tributo uma interferência estatal na propriedade privada, é necessário o máximo de cuidado com sua aplicação.


A teoria geral da norma tributária, na descrição do antecedente e conseqüente tributário, culminou por sintetizar no princípio da tipicidade tributária toda essa preocupação histórica com a validade do tributo.


Essa discussão, antes limitada ao âmbito do direito material, ganhou nesta obra uma extensão processual. A tipicidade tributária, em âmbito processual, nada mais é do que a aplicação da verdade material.


Nesta senda, toda relação envolvendo o tributo deve ser assim pautada. Seja em âmbito administrativo ou judicial. Viu-se com exaustão que a processo busca a composição do litígio, e enquanto não resolvida esta divergência, o processo mostra-se incompleto. Perpassado ao judiciário, o processo iniciado no âmbito administrativo deve continuar privilegiando os mesmos valores.


Não há como separar ou atribuir a uma relação jurídica tributária, conforme o estágio em que se encontra, princípios diferentes. O substrato da discussão é único e inseparável, não podendo hora ser observado de uma e hora de outra ótica.


Todo o arcabouço processual até hoje aplicado às relações jurídicas tributárias são provisórias, que nada mais fizeram do que emprestar disposições do Código de Processo Civil. Daí a provisoriedade e impossibliidade de aplicação, na íntegra, de todos os seus vetores, especialmente o princípio da verdade formal.


As discussões envolvendo o tributo merecem uma chancela específica do direito processual, sob pena de tornar inócua todas as garantias, privilégios ou limitações ao poder de tributar do Estado.


 


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Notas:

[1] Ainda que, nas lições de Miguel Reale, não existiria mais questões unicamente de privadas, das as funções sociais amplamente presentes em cada elemento do ser humano. O que haveria, portanto, seria apenas relação de cunho desproporcional entre as duas partes da relação, uma com caráter impositivo (institucional) e outra com caráter paritário (coordenação). (Lições preliminares de Direito. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 321).

[2] Teoria do Fato Jurídico: Plano de Existência. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 14.

[3] Os detalhes das idéias de Paulo de Barros Carvalho são muito bem expostas na obre intitulada de “Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência”, 3ªed. São Paulo: Saraiva, 2001”.

[4] A Regra Matriz de Incidência do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juruá, 1993.

[5] Curso de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2007.

[6] Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009.

[7] O Contrato Social. Porto Alegre: LPM, 2010.

[8] O Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

[9] Tratado de Direito Privado. Tomo I. São Paulo: Bookseller, 2004, p. 55

[10] Teoria da Norma Jurídica. São Paulo: Edipro, 2008, p. 72.

[11] Obra póstuma de título Allgemeine theori der normen. Viena: Manz verlag Wein, 1979.

[12] Sobre essa sistemática e complexa divisão do direito, interessante se torna o comentário de que, se o grau de evolução da civilização se determina pela subdivisão do seu trabalho, conforme enuncia Karl Marx e Friederich Engels em sua obra “Ideologia Alemã”, certamente que vivencia-se um momento histórico de próspera e contínua austeridade, pois a especialização teórica e prática é o que rege as relações entre os homens atualmente.

[13] O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p, 10.

[14] Execução Fiscal. São Paulo: RT, 2007, p. 33.

[15] Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978.

[16] Metodologia da Ciência do Direito. 3ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1991.

[17] Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993, p.75.

[18] Definindo o tributo com o poder de destruir, D. R. Myddelton escreve que “definition – taxation (or confiscation) consists of direct seizure of private Money or property by the State, backed by the threat of force”. (The Power to destroy, A study of the British Tax System. Londres: Johnson, 1969, p. 15).

[19] Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993, p.13.

[20] Defesa da Vulnerabilidade do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009.

[21] A instrumentalidade do processo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, Capítulo I.

[22] Da Prova no Processo Administrativo Tributário. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007.

[23] A prova no processo administrativo tributário. São Paulo: Campus, 2007.

[24] Verdade Real versus Verdade Formal no Processo Civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n.º 20 – Novembro-Dezembro, 2002.

[25] Fundamentos principiológicos do processo civil. 1ª Ed. São Paulo: Forense, 2002, p. 318.

[26] Teoria Geraldo Processo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 200, p. 64.

[27] Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. 2, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 76,

[28] Curso de Direito Processual Civil. v. 1, 22ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 421.

[29] Fundamentos principiológicos do processo civil. 1ª Ed. São Paulo: Forense, 2002, p. 318.

[30] Teoria de La accíon comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid: Ediciones Catedra, 1994.

[31] Il concetto de prova – contributo Allá lógica giuridica. Milano: Giuffré, 1971, p. 246

[32] Da prova no direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 86

[33] Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência”, 3ªed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 101.

[34] Luta pelo Direito.23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 45.

[35] Ob. Cit. p. 103

[36] Prova Judiciária no cível e comercial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 12.

[37] Tratado da prova em matéria criminal em matéria comparada. 3ª ed. Campinas: Bookseller, 1996.

[38] Como exemplo, cita-se o Capítulo I da obra de Antonio da Silva Cabral (Processo administrativo fiscal: Decreto 70.235/72. São Paulo: Saraiva, 1993).

[39] Ob.cit. p. 4

[40] Istituzione di Diritto tributário. Torino, s.d.

[41] Teoria Geral do Estado. São Paulo: WMF, 2009, p. 110.

[42] Renaissence and Revolution. The Remaking of European Thought. Londres: Methuen, 1965, p. 121.

[43] O estado democrático de direito. RFE vol 305. São Paulo: Forense, 1989, p.7.

[44] MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2006.

[45] Curso Superior de Derecho Tributário, v.1, Buenos Aires, 1969, p. 17.

[46] Notas de derecho financiero. Universidad de Madrid, 1967, T. 1, v.2, p. 201.

[47] A instrumentalidade do processo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.177.

[48] Teoria Geraldo Processo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 200, p. 40.

[49] Introdução ao Estudo do Processo Civil. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 46, trad. Mozart Victor Russomano.


Informações Sobre o Autor

Kristian Rodrigo Pscheidt

Advogado da S. B. LEWIS ADVOGADOS ASSOCIADOS. Mestre em Direito Político e Econmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie 2014 possui L.L.M em Direito de Negócios pela FMU 2013 é especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba 2010 possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2008 e graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2004


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